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Histórico das Concepções Psicomotoras

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UNIFENAS - Faculdade de Psicologia - Campus de Varginha
Disciplina: Psicomotricidade
Docente: Flaviana Néias Bueno
HISTÓRICO DAS CONCEPÇÕES PSICOMOTORAS �
Vânia Beatriz Conde Moraes
1994/Re-escrito em 2006.
A Psicomotricidade é uma prática que objetiva atuar sobre a globalidade do ser através da abordagem do corpo e do movimento. Desde seu surgimento ela pretende rearticular a oposição corpo-mente. Para isso, caminha em direção à sistematização do constructo: o homem é o seu corpo. Um corpo que se movimenta, constrói a realidade e a si mesmo. Corpo que é construído e inscrito por intermédio do desejo do outro e que se estrutura a partir das inscrições pulsionais. Corpo que é falado pelo sujeito.
O termo psicomotricidade foi cunhado entre fins do século XIX, começo do século XX. Nesta época, os neuropsiquiatras e neurofisiologistas que focaram suas pesquisas nas patologias corticais. Para explicar certos fenômenos patológicos buscaram delimitar possíveis lesões anatomo-neuro-fisiológicas em sua base. A descoberta dos distúrbios da atividade gestual sem que houvesse uma paralisia ou demência e sem que uma sede anatômica estivesse perfeitamente circunscrita levou à constatação de que, em certos quadros patológicos, não é a função que se perdeu, mas um certo uso desta função.
Segundo Ajuriaguerra, a criação do termo psico-motor deve ser atribuída a E. Dupré. Em 1907, ele descreveu a síndrome da debilidade psicomotora, que é caracterizada três sintomas: inabilidade, sincinesias e paratonias. Segunda esta descrição, a debilidade psicomotora não deve ser atribuída a um dano de lesão do sistema piramidal, mas a uma insuficiência quer por “agnesia essencial, quer após uma leve encefalopatia nos primeiros anos”. Em 1909, ao considerar as relações da debilidade motora com a debilidade mental, Dupré propôs a noção de paralelismo psico-motor para indicar a “estreita associação entre o desenvolvimento da motricidade e o da inteligência”.
Juntamente com Dupré, Henri Wallon foi outro grande colaborador na fundação do campo da psicomotricidade. Assistente de neurologia a partir de 1908, Wallon interessou-se pela correlação entre motricidade e caráter, indo além da simples verificação do paralelismo psicomotor. Nesta época, Wallon afirmou que “o movimento é, antes de tudo, a única expressão e o primeiro instrumento do psiquismo” e aplicou a noção de psicomotricidade às noções de desenvolvimento, de distúrbio e de tipo, contribuindo para o enriquecimento conceptual da psicomotricidade.
Neste primeiro período da história da psicomotricidade, enquanto os estudos e pesquisas neurológicas floresciam, não existiam propostas de um trabalho prático. Segundo Le Camus, só em 1935 E. Guilman propôs o protótipo do exame psicomotor e, logo depois, o primeiro método reeducativo fundamentado nas idéias de Dupré e Wallon. O método de Guilman organiza-se em torno do conceito de paralelismo psicomotor e concilia o ponto de vista puramente mecanicista com o psicológico. Concebendo o movimento como a resultante da ação dos sistemas piramidal, extrapiramidal e cerebeloso, este método enfatiza o treinamento e a modelagem das funções corporais para aprimorá-las e obter um bom desempenho. A concepção de corpo implícita neste método é a de um corpo hábil, forte e com movimentos precisos, o que situa as modalidades de intervenção propostas por Guilman bem próximas as de um professor de educação física.
O segundo período na história da psicomotricidade é caracterizado como um momento de rompimento com o imperialismo neurológico. Nesta época, vários campos do saber estavam em franca expansão, o que possibilitou ricas contribuições de outras áreas para a psicomotricidade, tais como as de noções de imagem do corpo de P. Schilder, a concepção fenomenológica da conduta, a concepção funcional do movimento, dentre outras.
P. Schilder, psiquiatra vienense, fez uma síntese entre o modelo neurológico do corpo, herdado de Head, e o modelo psicanalítico do corpo libidinal e fantasmático, herdado de Freud. Esta síntese o levou a formular a noção de imagem do corpo como “uma imagem essencialmente dinâmica que integra todas as nossas experiências perceptivas, motoras, afetivas e sexuais”, que se constitui, simultaneamente ao eu, na relação com o outro.
No que diz respeito à contribuição da fenomenologia da conduta, Le Camus enfatiza três contribuições de Merleau-Ponty: a noção de que o comportamento deve ser tomado não como uma coordenação de reflexos, mas como uma estrutura não redutível a seus componentes e obedecendo a leis de totalidade; a noção de que nossos atos devem ser tomados como “modalidades de ser no mundo nas quais seria vão procurar isolar e justapor um processo em si e uma cogitatio”; e, finalmente, a noção de que “o corpo é o veículo do ser no mundo e ter um corpo é, para o ser vivo, associar-se a um meio definido, confundir-se com certos projetos e empenhar-se neles continuamente”.
A principal contribuição da concepção funcional do movimento foi dada por F. Buytendjik, professor de fisiologia que, influenciado pela Gestalt, estudou o movimento como uma “unidade psicofísica”. Para ele, o movimento não se restringe à fisiologia geral dos neurônios, mas implica “relações e valores vitais, como formas do comportamento e produtos de situação, como tomadas de posição, ações e reações”. Ao estudar o trabalho deste fisiologista, os psicomotricistas puderam conhecer uma ampla pesquisa sobre o movimento, considerado como relações funcionais entre o indivíduo e seu meio, e uma análise profunda de suas categorias.
Nesta época, a psicologia infantil foi outra fonte de inspiração da teoria psicomotora. Entre aqueles que influenciaram a psicomotricidade francesa, Le Camus destaca as obras de Gesell, Wallon e Piaget. Arnold Gesell fez um extenso trabalho de pesquisa e determinação das etapas maturativas do desenvolvimento de um indivíduo, que resultou em uma descrição detalhada das quatro principais esferas da atividade humana (motricidade geral, motricidade óculo-manual, linguagem e sociabilidade), de acordo com as fases evolutivas. Este trabalho inspirou a construção de algumas escalas de avaliação psicomotora, tais como as de Brunet e Lèzine, M. Stambak, N. Galifret-Granjon, H. Santucci, J. Bergès, dentre outras.
As contribuições de Wallon a partir de 1934 foram amplas. Orientados pela revisão acurada de J. Ajuriaguerra, os psicomotricistas extraíram da obra de Wallon diversos ensinamentos relativos às crianças ditas “perversas”, ao papel do outro na consciência do eu, às etapas da sociabilidade na criança, à importância do movimento no desenvolvimento psicológico da criança, às etapas da construção da personalidade da criança, e ao estudo da gênese do esquema corporal. Segundo Wallon, “o esquema corporal não é um dado inicial nem uma entidade biológica ou psíquica, mas uma construção”. Estudar sua gênese é indagar-se como a criança chega “à representação mais ou menos global, específica e diferenciada de seu corpo próprio”. Esta aquisição constitui-se num “elemento básico indispensável à construção da personalidade da criança”, pois ela ao mesmo tempo resulta e propicia as relações do individuo com seu meio.
Ao reler a obra Origens do Caráter, Ajuriaguerra também sublinhou as contribuições de Wallon sobre o tônus. Segundo Wallon, “o estado tônico é um modo de relação, hipertonia de solicitação, hipotonia de alívio, de relaxamento, de satisfação”. Ao demonstrar que a função postural está essencialmente vinculada à emoção, isto é, à exteriorização da afetividade, Wallon enfatizou a importância do diálogo tônico – diálogo corporal, de contato e à distância, vivido entre a criança e a mãe – e da atividade motora na constituição da psique e em todos os desenvolvimentos ulteriores do sujeito.
Após a segunda guerra, a teoria de Jean Piaget representou para a psicomotricidade um pilar teórico fundamental. A maior parte das pesquisas de Piaget enfocou a construção da inteligência,ou seja, a gênese das noções de tempo, espaço, quantidade, movimento, causalidade, etc. Assim como Wallon, ele postulou que o movimento é, acima de tudo, a única manifestação e o único instrumento do psiquismo e da inteligência. Deslocando a prioridade do verbo para a ação, ele demonstrou que é na coordenação dos esquemas sensório-motores, isto é, dos sistemas de sensações e movimentos que proporcionam assimilação e acomodação, que se situam as origens da inteligência. A descrição das fases da inteligência e, em especial, da inteligência sensório-motora, mostrou aos psicomotricistas que a infra-estrutura psicomotora situa-se no próprio nível das reações circulares do primeiro ano de vida (inteligência operatória). Conseqüentemente, na falta da etapa sensório-motora – devido a perturbações de origem orgânica, social ou emocional – os psicomotricistas devem dedicar-se a refazer, no trabalho psicomotor, as etapas que faltaram no desenvolvimento.
Neste momento, a psicanálise representou uma terceira fonte de inspiração para a psicomotricidade. Nas primeiras contribuições da psicanálise ao campo da psicomotricidade, três aspectos sobressaíram: a compreensão do corpo pulsional como substrato e revestimento do corpo funcional; a complexidade da natureza do movimento, que não se restringe à sua manifestação mecânica e neurofisiológica, mas implica o investimento libidinal; a compreensão de que as disfunções podem ser de tipo psicogênico, isto é, podem ser causadas por um distúrbio emocional.
As influências teóricas de Wallon, Piaget e da psicanálise geraram sensíveis mudanças no trabalho psicomotor e implicaram em um deslocamento de foco do pólo orgânico para o pólo psicofisiológico, relacionado à aprendizagem, à vida psíquica, aos afetos e às emoções. Elas também resultaram em uma nova definição e delimitação do campo da Psicomotricidade. Segundo Ajuriaguerra, a atividade psicomotora passou a ser concebida como “a atividade global de um organismo total, expressando uma personalidade inteira e traduzindo um modo de ser caracterizando todo o comportamento do sujeito”. Em decorrência, o corpo passou a ser considerado como “o caminho obrigatório da gênese da personalidade e estofo de sua estrutura”. O corpo passou a ser considerado como um instrumento que possui um substrato pulsional e que é capaz de receber, organizar e memorizar as mensagens provenientes de seu funcionamento e do mundo ao redor (aspecto cognitivo). Por sua vez, o movimento passou a ser considerado tanto em sua dimensão de elemento determinante dos processos psíquicos e cognitivos quanto em sua dimensão expressiva, ou seja, “como o que traduz e projeta no mundo a ação relativa ao sujeito”.
Na esteira destas contribuições, foram delimitadas duas áreas de trabalho: a Reeducação Psicomotora, que se propunha a sanar as falhas e os déficits instrumentais; e a Educação Psicomotora, que visava promover o desenvolvimento psicomotor necessário às aprendizagens acadêmicas. Também foram criados vários métodos de trabalho em psicomotricidade, que visavam tornar o sujeito consciente do funcionamento de seu corpo. Tanto a reeducação quanto a educação psicomotora priorizaram a escolha da técnica e do método, que eram planejados de acordo com as etapas evolutivas, quer para propiciar desenvolvimentos (educação) ou para re-fazer as etapas que faltaram ao desenvolvimento ou foram mal-vividas (reeducação).
Apesar de todos os planejamentos e da sofisticação técnica, a prática psicomotora encontrou outros obstáculos. No decorrer de seus trabalhos, reeducadores e educadores foram percebendo que, em alguns casos, a mera mediação das técnicas não propiciava os resultados esperados. Na reeducação, as conseqüências foram algumas vezes desastrosas, pois o trabalho que visava “sanar” um distúrbio ou disfunção (abordagem focal) não levava em conta que o sintoma possui um valor e uma função na economia psíquica do sujeito. Assim, quando um distúrbio era “sanado”, muitas vezes o sujeito passava a apresentar uma disfunção de outro tipo. Na educação o quadro era semelhante. Os exercícios psicomotores, considerados pré-requisitos para a aprendizagem da leitura, da escrita e da matemática, eram difundidos e trabalhados sob a forma de cadernos de percepção, de ritmo, etc. Algumas vezes tentava-se ir além desses treinos utilizando-se exercícios corporais que, no entanto, eram aplicados com rigidez (ex: crianças em fila para andar sobre uma linha riscada no chão; canções tipo “cabeça, olhos, joelho e pés” para trabalhar o esquema corporal, etc). Nas escolas, o trabalho em educação psicomotora era considerado como algo “a mais” na instrução, mas, ao mesmo tempo, era totalmente desvinculado da vida pedagógica. Por isso não surtia os resultados esperados.
A constatação desses erros e falhas suscitou profundo questionamento sobre o lugar destinado ao sujeito na psicomotricidade, bem como sobre a aplicação rígida e pré-estabelecida dos métodos, sobre a relação paciente/psicomotricista e, principalmente, sobre a importância atribuída pelo psicomotricista ao desejo da criança, desejo de movimento, de ação e de exploração. Estes questionamentos culminaram na formulação de nova definição da psicomotricidade: “uma prática que se refere ao conjunto dos fenômenos situados em nível do corpo próprio, enquanto ele é vivido, investido e participa da ação e da relação psicomotora”. O corpo e o movimento passaram a ser considerados em sua dimensão de elementos significantes, determinantes dos processos psíquicos e cognitivos. Aos poucos, as práticas psicomotoras passaram a enfatizar a simbólica do movimento e da gestualidade.
Segundo Le Camus, nesta terceira fase de evolução da psicomotricidade, as influências teóricas da psicanálise multiplicaram-se, ao mesmo tempo em que outras contribuições começaram a ser incorporadas, como as da psicologia das comunicações não-verbais e da etologia infantil.
Na França, alguns psicanalistas da Escola Freudiana de Paris – especificamente M. e O. Mannoni, S. Leclaire, P. Legendre, G. Raimbault, D. Vasse e F. Dolto – e da Sociedade Psicanalítica de Paris e da Associação Psicanalítica da França – R. Diatikine, S. Lebovici, J. Laplanche, J.B. Laplanche D. Anzieu e Sami-Ali.
Ao colocar com clareza o problema das convergências e divergências entre a terapia psicomotora e a terapia analítica, Sami-Ali afirmou a dimensão significante do gesto e do movimento; explicitou a dimensão da transferência na terapia psicomotora: “o que ocorre no corpo (sintoma neurótico ou atual), não ocorre no corpo, mas numa relação implícita com o outro (...) a transferência é sempre transferência de uma situação inconsciente interiorizada”; redefiniu a noção de corpo: “no limite do dentro e do fora, da percepção e do fantasma, o corpo é um esquema de representação incumbido de estruturar a experiência no mundo nos níveis consciente, pré-consciente e inconsciente”; e re-delimitou o campo da psicomotricidade: “o campo explorado pela psicomotricidade terá como limite inferior a projeção sensorial e como limite superior a projeção fantasmática. O corpo próprio não se reduz ao real porque mediatiza todo um mundo do imaginário, desprendendo-se gradativamente sobre um fundo que, imperceptivelmente, decide as vicissitudes de uma terapia, muitas vezes empreendida sem que seja explicitado como o distúrbio psicomotor se articula à história inconsciente de um sujeito”.
Como relatado antes, no segundo período da história da psicomotricidade as práticas foram justificadas e prescritas de acordo com as leis e as etapas da evolução da criança. O início da terceira fase dessa história foi marcado por intenso repúdio ao tecnicismo. O lema, bradado em 1970 pelo doutor B. Jolivet, era: “Abaixo a técnica! Viva a relação!”. Como em todas as situações de ruptura com uma ordem anterior, no início desta fase houve uma completa rejeição das técnicas e dos métodos de reeducação e educação psicomotoras e, conseqüentemente, seu abandono. Este movimento culminou na criação de uma nova áreade trabalho em psicomotricidade: a terapia psicomotora. Priorizando a relação psicomotora, bem como as dimensões simbólica e imaginária do corpo e do movimento e o manejo da transferência, a terapia psicomotora surgiu como um meio de abordagem clínica dos distúrbios psicomotores que se expressam em uma linguagem constituída de significantes mudos, bem como dos casos de atraso mental e de psicose infantil.
Portanto, na medida em que o repúdio ao tecnicismo gerou mudanças na posição do psicomotricista e a admissão da escuta do sujeito, ele foi positivo. Por outro lado, a rejeição sistemática das técnicas coloca em cena a questão da perda da especificidade e da originalidade da psicomotricidade. Questão atual que, por isso mesmo, só será respondida num outro tempo. 
� Resumo dos capítulos 1, 2 e 3 da obra de LE CAMUS, J. O corpo em discussão: da reeducação psicomotora às terapias de mediação corporal. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.

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