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Ministério da Educação Professora autora Maria Elizia Borges ARTES VISUAIS História da Arte Brasileira 6º PERÍODO - História da arte brasileira - séc.XVII e XiX 5 Professora autora Maria Elizia Borges 154 5 - História da arte brasileira - séc.XVII e XiX APRESENTAÇÃO Olá, nesta viagem pelo Brasil do século XVIII e XIX você conhecerá histórias e influências que envolvem a arquitetura e a produção artística desse período. A grande vantagem desse foco é a possibilidade de vi- sitar no Estado de Goiás exemplos de arquitetura em diferentes contextos. Além dessa visita articu- lada ao contexto local, você poderá visitar sites, organizar viagens para cidades históricas e dessa maneira perceber-se parte dessa história pensada e construída em séculos anteriores, mas ainda pre- sentes no nosso dia-a-dia. Como arte educadores é nosso dever contribuir para a consciência sobre nosso patrimônio material, destacando a necessi- dade de preservação do mesmo. Professora Maria Elizia Borges* Dados da Disciplina Ementa Arte colonial brasileira. Arte dos invasores. Arte bar- roca no Brasil. Missão Artística Francesa e a implan- tação de um sistema de arte no Brasil. Ecletismo. Objetivos Identificar e compreender os aspectos da ar- • quitetura brasileira com foco nas ordens jesuí- tas, franciscanos e beneditinos; Discutir e questionar as relações de poder exis- • tentes na arquitetura oficial; Problematizar o impacto da presença dos ar- • raiais bandeirantistas no Brasil central; Refletir sobre o barroco brasileiro e suas re- • lações com a arte produzida no universo do campo e da cidade. *Curriculo: É professora Associada de História da Arte na Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás. Pesquisadora do CNPq. Ministra aulas no Mestrado em Cultura Visual - FAV/ UFG e no Doutorado em História – FFCH/ UFG. Tem artigos publicados no país e no exterior sobre arte funerária no Brasil. Livros publicados: A pintura na "Capital do Café": sua história e evolução no período da Primeira República. Franca: UNESP/Franca, 1999; Arte funerária no Brasil (1890-1930) ofício de marmoristas italianos em Ribeirão Preto = Funerary Art in Brazil (1890-1930): italian marble carver craft in Ribeirão Preto. Belo Horizonte: Editora C/ Arte, 2002. Integra o Comitê Brasileiro de História da Arte, a Associação Brasileira de Críticos de Arte, a Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, a Association for Gravestone Studies., a Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais. Unidades Unidade 1 – arqUitetUra religiosa. 1.1 Construções jesuíticas. 1.2 Construções franciscanas. 1.3 artistas beneditinos no Brasil. Unidade 2 – arqUitetUra ofiCial. 2.1 os fortes. 2.2 as Casas de Câmara e Cadeia. 2.3 arquitetura oficial no Maranhão e no grão-Pará. Unidade 3 – arraiais Bandeirantistas. 3.1 Capitania de Mato grosso. 3.2 Capitania de goiás. Unidade 4: BarroCo Mineiro. 4.1 as capelas. 4.2 igrejas de irmandades e ordens terceiras. Unidade 5: arte no CaMPo e na Cidade Colonial. 5.1 - Universo rural. 5.2 - Universo urbano. Unidade 6: arte no Período da Corte real 6.1 a Missão artística francesa. 6.2 oficialização do ensino e da arte acadêmica. 6.3 a academia de Belas artes. 155 5 - H is tó ri a da a rt e B ra si le ir a - s éC .X Vi i e Xi X 156 5 - História da arte brasileira - séc.XVII e XiX 1.1 Construções jesuíticas A atuação dos jesuítas no Brasil colônia, com a formação de aldeias de catequese, contou com a contribuição de especialistas em construção ci- vil e religiosa, como Manoel Álvares, João Traer e Balthazar de Campos. Essa era uma atitude pro- gressista, condizente com os interesses políticos da época. Havia uma preocupação em fortalecer as regiões equidistantes e formar uma consciência do valor de sua identidade: “paulistas”, “pernam- bucanos’, “mineiros”, para finalmente, identifica- rem-se como “brasileiros”. As cidades de Salvador, Olinda, São Paulo e Rio de Janeiro cresceram rapidamente, de maneira desordenada, instável e dispersa. Algumas provi- dências foram tomadas pelos jesuítas no processo de planejamento urbano, como a subdivisão das cidades em cidade-alta e cidade-baixa, conforme o modelo português, e a construção de colégios, conventos, igrejas, edifícios públicos, palácios re- sidenciais, pátios, indústrias artesanais, aquedutos e fontes. É, portanto, enorme a diversificação das construções jesuíticas. Para a pesquisadora Aracy Amaral (1975), as obras construídas no interior do estado de São Paulo compõem um modelo “místi- co”, em que se agrupam elementos da arte hispa- no-americana, indígena, espanhola e jesuítica. A casa e capela do Sítio Santo Antônio, no muni- cípio de São Roque (SP) não se inclui entre edifi- cações jesuíticas. Todavia, como construção ban- deirantista apresenta características similares e exemplifica o período da expansão territorial. O alpendre da capela Santo Antônio é de treliça de madeira, resultando numa construção ao mesmo tempo rudimentar e delicada. Mas a preocupação com a decoração mostra-se no interior da capela. O forro do teto de madeira é todo pintado com ornatos de folhas entrelaçadas. Os retábulos são entalhados de uma maneira plana, em baixo-relevo, com moti- vos peculiares: folhas de formatos triangulares; pás- saros, anjos e uvas estilizados e entrelaçados. A obra evidencia uma preocupação artística de caráter po- pular, influenciada por modelos de entalhe erudito. UNIDADE 1 ARQUITETURA RELIGIOSA Igreja de Nossa Senhora da Graça, antigo Colégio dos Jesuítas, Olinda (PE). Foto: Ricardo André Frantz O irmão jesuíta Francisco Dias (arquiteto, mestre- de-obras, pedreiro e carpinteiro) chegou a Salva- dor em 1577, com a missão primordial de projetar os colégios da Companhia de Jesus, por todo o território da colônia. Ele introduziu no Brasil um partido arquitetônico influenciado pelas principais igrejas jesuítas da Europa, como a Igreja de São Ro- que, em Lisboa, e a igreja de Gesú, em Roma, con- sideradas construções monumentais. A Igreja de Nossa Senhora da Graça, em Olinda, Pernambuco, demonstra tal influência. Pela fachada observam- se quatro blocos de construções unidos entre si: o colégio, com janelas alinhadas; a igreja, com fron- tão triangular simples; a torre e a residência. O interior da igreja é composto por uma nave única - espaço amplo, do tipo auditório, que vai da entrada ao altar-mor. Nas laterais da nave, há capelas unidas entre si, com altares construídos em cantaria - pedra cortada em ângulo reto. A igreja sofreu modifica- ções, quando foi reconstruída na segunda metade do século XVII. Todavia, sua simplicidade e monu- mentalidade ainda podem ser testemunhadas. A área das missões expandiu-se até o atual esta- do do Rio Grande do Sul, no final do século XVII. Na região da Bacia do Prata, que abrange áreas do Paraguai, da Argentina e do Brasil, os jesuítas fun- daram Sete Povos das Missões. Lá, criaram o Es- tado Teocrático dos Jesuítas, com regras próprias de administração, de edificação e de justiça, indi- ferentes à Coroa Portuguesa. No povoado de São Miguel (RS) existia uma pra- ça retangular, onde ficavam a igreja, o colégio e a moradia dos jesuítas. A seguir, filas sucessivas das habitações das famílias indígenas guaranis. Como parte da estrutura das edificações era de madeira, restaram hoje apenas vestígios dos alicerces. A Igre- ja de São Miguel foi projetada pelo arquiteto jesuíta italiano João Batista Primoli, entre 1735 e 1750. Sua construção nunca chegou a ser concluída, no entan- to, suas ruínas são monumentais, com extensos mu- ros, arcadas e torre, tudo construído em cantaria. Em 1987, o Ministério da Cultura, o IPHAN e oGover- no do Estado do Rio Grande do Sul reuniram artistas do Brasil, Argentina e Paraguai, para participarem do evento “Missões 300 Anos”. A história encarada como tema de reflexão estética resultou na exposição “A visão do artista”, com inúmeras interpretações sobre as Missões. Percebe-se nas obras, conforme afirma a curadoria da exposição, que as ruínas são parte de um cenário que envolve conflitos e interesses de or- dem política, econômica, religiosa e estética. O artista Cildo Meireles propõe em sua instalação uma reflexão sobre o homem e a sociedade. O osso representa, simultaneamente, vida e morte; a moeda representa o poder econômico; e a frá- gil coluna de hóstias propõe uma ligação entre as duas estruturas. 1.2 Construções franciscanas A partir do século XVII, os padres franciscanos vie- ram para o Brasil, com o objetivo de ampliar a clas- se clerical. Para isso, investiram nas construções de conventos, habitações da comunidade religio- sa. Nesse movimento, nota-se uma nova postura de Portugal em relação à colônia brasileira, isto é, a criação de mecanismos de fixação e de investi- mento definitivo. Para refletir Pesquise sobre os guarani na história dos sete povos das missões. Altar da Igreja Nossa Senhora da Graça. Olinda (PE). Foto: Ricardo André Frantz 157 5 - H is tó ri a da a rt e B ra si le ir a - s éC .X Vi i e Xi X A Escola Franciscana do Nordeste introduziu na colônia um estilo artístico já solidificado na Euro- pa: o barroco. A arquitetura religiosa franciscana no Brasil tem uma interação artística “mestiça”, em que se fundem formas expressivas do barroco eu- ropeu e dos hispano-americanos. O estilo barroco, como vimos no módulo ante- rior, iniciou-se na Itália no século XVI, e tem como principais características o predomínio da ordem imaginativa sobre a lógica; as formas expressivas e a dramaticidade, resultantes do dinamismo das curvas e do jogo entre claro e escuro; e o uso de ornamentos exuberantes e detalhados. O estilo barroco hispano-americano é caracterizado pelas desfigurações dos cânones clássicos e pelo acrés- cimo de vários elementos ornamentais. Os franciscanos construíram seus conventos e igrejas no Brasil em posições estratégicas, sobre morros e/ou isolados de outras edificações, pro- piciando ao observador uma visualização do con- junto da edificação. Um exemplo de edificação franciscana é a Igreja do antigo convento franciscano de Santo Antônio, projetada por Frei Francisco dos Santos, em 1590, em João Pessoa, Paraíba. A Igreja foi restaurada diversas vezes e, atualmente encontra-se com um pátio, amplo espaço livre à frente do convento, onde se localiza um grande cruzeiro. O frontispício (fachada) apresenta pórticos arqueados, entrada para a área avarandada, cujas portas são orna- mentadas com balaustres de madeira. Nas janelas alinhadas com balcões, notam-se ornamentos de pedras de lioz, vindas de Portugal, com motivos de conchas e folhagens elaboradas. O frontão curvilí- neo é decorado com volutas e brasão. A torre sinei- ra fica recuada em relação ao plano da fachada. Um exemplo do detalhamento dos interiores nas construções franciscanas é a Capela dourada, um anexo da igreja do Convento de Santo Antônio. As paredes e o teto são inteiramente revestidos por entalhes decorativos folheados a ouro, com retá- bulos que seguem o estilo português, isto é, são ornados com colunas salomônicas e arcos, além de nichos para as imagens dos santos. Nos painéis laterais de madeira foram pintadas cenas sacras e azulejos portugueses cobrem o rodapé. Esse con- junto é considerado um dos mais ricos exemplos de talha do período colonial brasileiro, pois exibe uma liberdade extravagante e luxuosa, com um ritmo simétrico na distribuição dos ornamentos. Glossário Para auxiliá-lo na compreensão dos conceitos apresentamos um Glossário de arquitetura, sin- ta-se à vontade em complementá-lo. Abóbada: cobertura curva de uma superfície. • Balaustrada: parapeito constituído de balaús- • tres (pequenas colunas), usado como arrema- te ou anteparo de uma varanda ou terraço. Cimalha: elemento horizontal que serve de • moldura no frontão. Cornija: parte mais elevada de um conjunto • de molduras que arrematam a parte superior de uma construção. Entalhe: processo de esculpir em madeira. • Frontão: parte superior do frontispício, geral- • mente com forma triangular. Frontispício: fachada de uma construção. • Galilé: galeria à frente do portal de uma igreja. • Óculo: abertura em formato circular. • Pilastras: pilar de seção retangular incorpora- • do à parede. Platibanda: faixa horizontal que emoldura a • parte superior de uma edificação, com a fun- ção de esconder o telhado. Portada: grande porta decorada. • Púlpito: local elevado de onde fala um ora- • dor; nos templos religiosos, os padres. Retábulo: parte do fundo do altar-mor, geral- • mente pintada, decorada e ornamentada. Voluta: elemento decorativo em espiral. • Interior da Igreja São Francisco, Salvador – BA. Foto: Fernando Dallacqua 5 - H is tó ri a da a rt e B ra si le ir a - s éC .X Vi i e Xi X 158 Na decoração franciscana destaca-se a importân- cia dada aos azulejos. Um bom exemplo está nas barras de azulejos que revestem as paredes do claustro do Convento de São Francisco de Assis, em Salvador, Bahia. Eles foram colocados entre 1730 e 1752 pelo ceramista português Bartolomeu Antunes de Jesus. Os azulejos ilustram versos do poeta Horácio (65 a.C. – 8 d.C.), com figuras da mitologia grega – Vênus, Baco, Cupido. A preocu- pação estava em transmitir mensagens que sim- bolizam valores morais condizentes com a nova liturgia proposta pela Contra-Reforma. Os azulejos têm um modelo de moldura próprio do estilo barroco. Cada tema é emoldurado por volutas e rocailles (conchas e folhagens), com ex- cesso de formas curvas elaboradas. No interior das igrejas franciscanas, não se pode deixar de mencionar a beleza dos púlpitos laterais. São tribunas elevadas, situadas na nave central da igreja, de onde os padres pregavam os sermões das missas. O púlpito lateral do Convento São Francisco de Assis é decorado com talhas em ma- deira de jacarandá, revestido de ouro, composto por formas sinuosas e espiraladas, com elementos antropomorfos: anjos, querubins e sereias. O púlpito destaca-se pela forma e posição de des- taque: para ele convergem as atenções dos fiéis. 1.3 Artistas beneditinos no Brasil De Portugal, no século XVII, vieram os monges da Ordem de São Bento, uma das mais antigas ins- tituições religiosas. Tinham formação profissional na área da arquitetura, da pintura e da escultura, sendo considerados pelas demais ordens os res- ponsáveis por um trabalho arquitetônico enge- nhoso e clássico. Chegaram à cidade de Salvador os principais ar- quitetos beneditinos: Frei Gregório de Magalhães (1603 - 1667) e Frei Macário de São João (? - 1676). O partido arquitetônico implantado por eles teve influência do mestre Frei João Turriano, da Uni- versidade de Coimbra, adepto do estilo renascen- tista. Privilegiou-se a construção de mosteiros, habitações para monges e monjas, edificações de caráter monumental e sóbrio, conforme se ob- serva na imagem do Mosteiro de São Bento, em Salvador. Mas, à medida que as obras foram so- frendo alterações e acréscimos, até o século XVIII, as características renascentistas foram, aos pou- cos, cedendo lugar aos elementos ornamentais do estilo barroco. Problematizando Considere os motivos que levavam os constru- tores religiosos a exaltarem o cristianismo por meio das obras de arte em igrejas da ordem fran- ciscana. Analise a frase contida em azulejos do Convento São Francisco de Assis ediscuta com seus colegas sobre as ideias surgidas: “O alvo de teus ardores Só o terás atingido, Resistindo, até com dores, A Vênus, Baco e Cupido: - Mulheres, vinho e amores -, A todo prazer incontido”. Azulejos. Tema: Fructus Laboris Gloria (A glória é fruto de esforço), Claustro do Convento de São Francisco de Assis, século XVIII. Salvador (BA). 159 5 - H is tó ri a da a rt e B ra si le ir a - s éC .X Vi i e Xi X O Mosteiro de São Bento, em Salvador, foi o prin- cipal projeto de Frei Macário de São João no Bra- sil. Trata-se de um exemplo clássico de arquitetura beneditina. Identificam-se os seguintes elementos e características: construção de tendência horizon- tal, simples, com janelas retangulares alinhadas nos dois andares; na parte externa da igreja arcos simples de pedra de cantaria; torres laterais culmi- nadas por pirâmides e frontão, simples e triangu- lar, características condizentes com o estilo renas- centista. Alguns elementos construtivos aparecem pela primeira vez nas igrejas brasileiras. São eles: o transepto (grande corredor que separa as naves do altar-mor), as abóbadas (coberturas encurvadas das naves) e a abóbada em cúpula (assentada so- bre o centro do transepto). A inauguração definiti- va aconteceu em 1872. Todavia, já se tornava muito diferente da planta original feita por Frei Macário de São João, duzentos e vinte e dois anos antes. O projeto inicial do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro foi realizado, em 1617, pelo engenhei- ro-mor Francisco Frias de Mesquita. Apresenta ca- racterísticas semelhantes às do mosteiro de mes- mo nome de Salvador. A fachada é rigorosamente estruturada, resultado do manejo das pedras de cantaria. O seu interior, todavia, difere do anterior, pois ostenta uma composição barroca na confec- ção das talhas douradas, muitas das quais reali- zadas pelo escultor português Frei Domingos da Conceição da Silva. Carregam excesso de ouro nos ornamentos repletos de volutas, folhas e anjos. Há, também, pinturas nos tetos, nos painéis late- rais e nos retábulos da igreja. A obra Cristo Senhor dos Martírios, situada na sacristia, observa-se a fi- guração de Jesus Cristo de corpo inteiro, coroado de espinhos, exibindo nas mãos e nos pés as cha- gas da crucificação. Pesquisadores veem influên- cia do pintor holandês Rembrandt nessa obra, por apresentar certa audácia técnica na exploração do claro-escuro, que propicia nuances de luz. Interior do Mosteiro de São Bento. Rio de Janeiro (RJ). Foto: Patrícia Figueira 5 - H is tó ri a da a rt e B ra si le ir a - s éC .X Vi i e Xi X 160 161 5 - História da arte brasileira - séc.XVII e XiX Além das construções religiosas, a Coroa real portuguesa introduziu uma política de fortifica- ção em pontos estratégicos da colônia brasileira, assegurando assim a defesa de seu território. Ar- quitetos oficiais e engenheiros-militares projeta- ram fortes, casas de câmara e cadeia, palácios de governo e alfândegas. Como arquitetos oficiais merecem destaque: Fran- cisco Frias de Mesquita, radicado no Nordeste em 1603; Antônio José Landi, italiano que chegou a Belém do Pará, em 1753; Francisco João Róscio e José Custódio de Sá e Faria construtores nas regi- ões Sul e Sudeste; Henrique Antônio Galuzzi e Do- mingos Sambuceti, arquitetos italianos na região Norte. Eles introduziram na colônia brasileira uma arquitetura vinculada ao estilo pombalino: sim- ples, com a carga ornamental barroca reduzida, os processos construtivos racionalizados e alguns elementos neoclássicos já despontando. 2.1 Os fortes Os fortes eram construções militares destinadas à proteção e defesa estratégica de uma cidade ou região. Para os portugueses, eles tinham também a função de demarcar território e de manter a área já colonizada. Entre os franceses e holandeses – “novos invasores” – os fortes eram considerados locais propícios para desembarque e proteção. Dessa forma, tanto “invasores” como “invadi- dos” edificaram fortes, a partir de 1580, ao longo do litoral brasileiro. Essa tipologia construtiva contém algumas carac- terísticas que são inerentes a sua função. Os fortes têm proporções gigantescas e magníficas, uns têm planos poligonais quadrangulares e outros irregu- lares, ambos buscando dificultar a visão do con- junto, constituindo, portanto, um recurso favorável de segurança. São cercados por muralhas, muros altos e largos, resistentes a ataques bélicos. Exibem também guaritas, que são pequenas torres onde se abrigavam os sentinelas nos pontos estratégicos. Um exemplo de fortificação monumental é o For- te do Príncipe da Beira, no município de Guajará- Mirim, em Rondônia, instalado à margem do rio Guaporé, próximo à fronteira com a Bolívia. O plano poligonal-quadrangular é de autoria do engenheiro-militar Domingos Sambuceti, que se inspirou nos modelos criados pelo engenheiro francês Sebastian Vacban. As muralhas extensas são de cantaria aparente. Outro exemplo de forte poligonal quadrangular é o Forte do Pau Amarelo, na cidade de Olinda, Per- nambuco, que tem influência da escola holandesa. Como exemplo de fortaleza em planos poligonais ir- regulares, pode ser citado o Forte dos Reis Magos em Natal, Rio Grande do Norte. Iniciado em 1518 pelo je- suíta Gaspar de Samperes, foi reedificado em pedra, por Francisco Frias de Mesquita, em 1617. Segundo o professor Augusto Carlos da Silva Telles (1975), essa obra reflete influência italiana pelo tipo de plano e por utilizar cortina – lance da muralha recuada que resguarda um caminho, à beira de um precipício. UNIDADE 2 ARQUITETURA OFICIAL Destaca-se também nessa categoria o Forte de São Marcelo ou Forte do Mar em Salvador, onde Francis- co Frias de Mesquita propôs um plano em formato circular, bastante inovador para a época. Trata-se de uma construção severa, como as demais constru- ções militares, todavia é pitoresca, dada a sua dispo- sição e localização dentro da baía de Salvador. 2.2 As Casas de Câmara e Cadeia As casas de câmara e cadeia eram estabelecimen- tos oficiais com dupla função: local de reunião e assembleia dos vereadores das cidades e onde fi- cavam detidos os réus. Em geral são edificações austeras e elegantes. Observa-se nesse tipo de construção, a importân- cia atribuída às escadarias que dão acesso à entrada principal e à torre sineira que geralmente fica assen- tada acima, no eixo central da construção. Normal- mente, as casas de câmara e cadeia estão localizadas em torno de uma praça, onde se localizam as mais imponentes construções como as igrejas e o palácio do governo. Dada a sua função, sua tipologia per- mite identificar facilmente uma casa de câmara e cadeia em qualquer cidade do período colonial. Na Casa de Câmara e Cadeia da Cidade de Pilar de Goiás as paredes são de taipa. O acesso do térreo à prisão é feito por um alçapão, a escada externa de madeira está protegida por um telhado sim- ples, que acentua o ar pitoresco dessa construção pequena e simples, que ainda hoje conserva o seu traçado original. A Casa de Câmara e Cadeia edificada no Largo do Chafariz da Boa Morte, na cidade de Goiás, tem paredes externas de alvenaria de pedra e inter- nas de taipa. A pequena torre sineira, que coroa o telhado, tira um pouco a austeridade da constru- ção. A Casa de Câmara e Cadeia instalada diante da Praça João Pinheiro na cidade de Mariana foi projetada pelo português José Pereira dos Santos. Nota-se a importância dada à escadaria, com dois acessos que levam à porta principal. Esse foi um modelo de escadaria bastante utilizado em igrejas barrocas portuguesas e mineiras. Essa é conside- rada uma das edificações mais bem equilibradas de todo o período colonial. ACasa de Câmara e Cadeia localizada em frente à Praça Tiradentes na cidade de Ouro Preto tem caráter monumental e austero. Apresenta frontão triangular encimado por platibandas e pelas estátuas assentadas nos cantos representando a “Justiça”, a “Esperança”, a “Caridade” e a “Fortaleza”. É visível o emprego de ornatos, tais como colunas e pilastras, já refletindo características do estilo neoclássico. 2.3 Arquitetura oficial no Maranhão e no Grão-Pará A capitania do Maranhão foi criada em 1532 e fi- cou praticamente desativada até 1612, quando os franceses lá se instalaram e fundaram a atual ci- Problematizando Nas construções da sociedade urbana contempo- rânea, é comum deparar-se com habitações cer- cadas por muros altos, com paredes levemente inclinadas, similares às muralhas das fortalezas. Os fortes eram sinônimos de proteção coletiva e eram subsidiados pelo governo da época. Por que os sistemas de defesa coletivos se transformaram, nos dias atuais, em sistemas de defesa individual? Casa de Câmara e Cadeia, Pilar de Goiás (GO). Fonte: Biblioteca virtual do IBGE Casa de Câmara e Cadeia, Cidade de Goiás (GO) Foto: Noeli Batista 5 - H is tó ri a da a rt e B ra si le ir a - s éC .X Vi i e Xi X 162 dade de São Luís. Com a expulsão dos franceses em 1615, coube aos padres jesuítas e franciscanos catequizar a região. No século XVIII, a Companhia Geral do Comércio for- talece o progresso dessa região com base na econo- mia agrícola, com o plantio do algodão. As cidades de São Luís, Belém e Alcântara tornam-se grandes centros urbanos regionais. Enquanto na cidade de São Luís os sobrados eram de dois ou três pavimen- tos, revestidos com belos azulejos portugueses, a cidade de Alcântara era formada por ruas amplas e construções vinculadas ao estilo pombalino. Em uma perspectiva progressista, o engenheiro militar Antônio José Landi introduziu um novo estilo nas obras civis, religiosas e militares, atu- almente tidas como exemplos de construção da fase intermediária entre o estilo rococó e o estilo neoclássico, que abandona os elementos arquite- tônicos da arte barroca e revive os elementos ar- quitetônicos da arte greco-romana. A Capela de São João Batista é considerada sua obra-prima. Percebe-se a sobriedade do frontispí- cio que tende ao neoclássico; todavia, há ornatos provenientes do rococó. O Palácio dos Governa- dores foi o maior edifício do período colonial pro- jetado por Landi. Nota-se a horizontalidade do palácio, as portas-janelas alinhadas, a introdução do sótão e a decoração discreta. Dicas de visitação Museu das Bandeiras, Goiás – GO. (antiga • Casa de Câmara e Cadeia). Museu da Inconfidência, Ouro Preto - MG. • (antiga Casa de Câmara e Cadeia). Câmara Municipal de sua cidade. • 163 5 - H is tó ri a da a rt e B ra si le ir a - s éC .X Vi i e Xi X 164 5 - História da arte brasileira - séc.XVII e XiX Na formação de uma identidade própria do terri- tório brasileiro, com o surgimento dos primeiros povoados, coube às ordens religiosas a construção de tipologias variadas para as igrejas, os mosteiros e colégios. Os engenheiros-militares, por sua vez, dedicaram-se aos projetos das construções públi- cas. Abordaremos agora o papel que os bandei- rantes desempenharam dentro desse contexto. Os bandeirantes foram homens que se conside- ravam membros da Capitania de São Vicente. No século XVII, a entrada das bandeiras – expedições armadas dos bandeirantes – dedicou-se ao des- bravamento de regiões ricas em ouro e pedras preciosas. À medida que minas de ouro iam sen- do descobertas, os arraiais – povoações de caráter temporário – iam sendo edificados à moda ban- deirantista e incorporados à Vila de São Paulo de Piratininga, fundada em 1560. No planalto paulista, os bandeirantes construíram aldeias como as de São Roque, Tatuapé, Cotia e Guararema. No sertão brasileiro, os bandeirantes percorreram trajetos ao longo dos rios Paraguai, Paraupava e São Francisco, circuito associado ao chamado “ciclo da mineração.” Alguns arraiais, mais tarde tornaram-se capitais de suas capita- nias. O Arraial de Cuiabá foi fundado em 1719, pela expedição do bandeirante Pascoal Moreira Cabral Leme, que seguiu o caminho dos rios Tietê e Pardo até chegar à cabeceira dos rios Cuiabá e Coxipó. O Arraial de Santana, fundado em 1727 por Bartolo- meu Bueno da Silva, foi denominado depois Vila Boa de Goiás, e hoje cidade de Goiás. O caminho percorrido foi a partir do Rio Paraupava até chegar ao Rio Vermelho, afluente do rio Tocantins. Nessa região, foram fundados também o Arraial do Fer- reiro, hoje Pilar de Goiás; Jaraguá; Meia Ponte, atu- al Pirenópolis e Ouro Fino. O bandeirante Fernão Dias Pais declarou em 1672, na Câmara Municipal de São Paulo, a existência da Vila Rica, hoje Ouro Preto. Na rota do Rio São Fran- cisco, os bandeirantes percorreram o Vale do Paraí- ba até a Serra da Mantiqueira, em direção ao Morro do Caxambu, chegando à região de Minas Gerais. Existe similaridade entre os arraiais fundados pe- los bandeirantes, uma vez que todos eles surgiram da necessidade de assentamento de posseiros mi- neradores. Os arraiais eram compostos por igrejas, casas alinhadas à rua, chafarizes, casas de câmara e cadeira, teatros, engenhos. Na edificação das construções nos arraiais, os bandeirantes difundi- ram as técnicas da taipa de pilão e de pau-a-pique, técnicas que utilizam terra como matéria-prima. 3.1 Capitania de Mato Grosso A Igreja de Santana foi construída em taipa de pi- lão. Possui trabalhos entalhados em madeira po- licromada nos altares laterais e no altar-mor. A fa- chada encontra-se descaracterizada. Ela é a única edificação setecentista conservada com relativa integridade em Mato Grosso, na Chapada dos Gui- marães, que na época era um arraial de fundação jesuítica. O desenvolvimento acelerado de Cuiabá UNIDADE 3 ARRAIAIS BANDEIRANTISTAS no século XXI, provocado pela expansão da pecu- ária extensiva, ocasionou a destruição de antigas edificações, inclusive igrejas. É possível encontrar, na maioria das cidades bra- sileiras, alguns quarteirões considerados patrimô- nio histórico. Nesses locais deu-se a origem da cidade, e as construções ali presentes simbolizam sua memória cultural. 3.2 Capitania de Goiás Goiás ainda conserva algumas obras representati- vas do ciclo da mineração. Um exemplo é a Matriz Nossa Senhora do Rosário, construída entre 1728 e 1732 na cidade de Pirenópolis. Trata-se de uma edificação de grande porte, com paredes de taipa de pilão, de 1,20m de espessura. A fachada apre- senta elementos estruturais de madeira, frontão triangular, torres laterais e janelas alinhadas. O interior é composto por uma nave única e ampla capela-mor, cujo teto é coberto por uma abóbada de berço – quando o arco da abóbada encontra- se apoiado sobre duas paredes paralelas. Há um conjunto de retábulos de madeira policromada, laminada em ouro, e com uma grande variedade de desenhos no estilo rococó. Sua riqueza orna- mental concentra-se nas pinturas do teto do altar- mor, atribuídas a Inácio Pereira Leal e Fragoso de Albuquerque, como a figura da Virgem do Rosário, centralizada e rodeada por um medalhão. A Sociedade dos Amigos de Pirenópolis (SOAP), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacio- nal (IPHAN), a Telebrás e os Ministérios da Cultura e Comunicações foram responsáveis pelo projeto de restauração dessa matriz. Outros monumentos históricos estão listados para serem restaurados nos estados brasileiros onde as leis de incentivo à cultura regulamentam investimentos das empre- sas na recuperação do patrimônio histórico. A Igreja Nossa Senhora d’Abadia, na cidade de Goiás, éoutro exemplo característico de igreja goiana: pequena, sóbria, forros de madeira pin- tados em estilo rococó. O campanário, pequena torre sineira, encontra-se separado do corpo da igreja. Ainda na cidade de Goiás, também a Igreja de São Francisco de Paula tem campanário, nesse caso envolto por uma estrutura de madeira cober- ta de telhas. A igreja construída em uma elevação do terreno, dando assim um destaque especial à construção. O retábulo do altar-mor ostenta a imagem de São Francisco de Paula esculpida pelo mais importante escultor da região, José Joaquim da Veiga Valle (1806 – 1874). Para refletir Você conhece o patrimônio histórico da sua ci- dade? Considera importante preservar as cons- truções antigas? Como isso se dá em sua cidade, existem instituições do governo trabalhando na manutenção do patrimônio material? Procure pesquisar como sua comunidade se relaciona com o patrimônio. Detalhe da Matriz de Nossa Senhora do Rosário (antes do incêndio), Pirenópolis - GO. Foto: Alexandre Guimarães Igreja de São Francisco de Paula – Cidade de Goiás - GO. Foto - Noeli Batista 165 5 - H is tó ri a da a rt e B ra si le ir a - s éC .X Vi i e Xi X 166 5 - História da arte brasileira - séc.XVII e XiX A capitania de Minas Gerais viveu a trajetória do ciclo da mineração no século XVIII: inicialmente o percurso dos bandeirantes; a magnificência sócio- econômica; a construção das primeiras capelas; a consolidação de uma sociedade escravocrata; o crescimento das vilas; a posterior decadência e adequação a novas realidades. São exemplos dis- so as cidades de Ouro Preto, São João Del Rey, Ti- radentes, Sabará, Diamantina, Mariana. Minas Gerais solidificou o estilo barroco com o uso de formas tão dinâmicas e complexas quanto a vida de seus habitantes. As ideias liberais europeias e a forma exploratória de dominação portuguesa acarretaram o movimento revolucionário da Incon- fidência Mineira, em que um grupo seleto planejou instalar um regime republicano brasileiro. Os empreendimentos arquitetônicos e a produção artística do ciclo da mineração foram subsidiados pela Coroa Portuguesa, pelas Irmandades e Or- dens Terceiras, instituições criadas no Brasil com a função de estabelecer a aliança entre o Estado Absolutista e a Igreja Católica. 4.1 As capelas As primeiras construções religiosas surgiram, con- comitantemente, com a instalação dos primeiros arraiais. As capelas, pequenas igrejas de um só al- tar, evocavam a proteção de um santo, conforme os desejos dos habitantes da localidade. Um exem- plo é a Capela de São João Batista, nos arredores de Vila Rica. Suas paredes são de pau-a-pique, também denominada de taipa de mão. Merece atenção a simplicidade da sua fachada e a sutileza da parede curva na parte lateral da capela. Os bandeirantes tentaram introduzir na região a téc- nica da taipa de pilão como fizeram em Goiás e Mato Grosso. Todavia, o solo pedregoso e a dificuldade de transporte da argila pelas encostas das montanhas de pedra dificultaram a instalação dos taipais. Difun- diu-se, então, a técnica da taipa de mão. Posteriormente, o emprego da argamassa e da cal favoreceu construções com paredes altas, delgadas e curvas. A Capela Nossa Senhora do Ó, na cidade de Sabará, é um exemplo típico dessa fase. Elegante, tem uma torre central com telhado em forma de pirâmide, encurvado nas pontas, à moda chinesa. A capela é revestida internamente de talha e de painéis pintados. É particularmente interessan- te os detalhes pintados com motivos chineses. Como explicar a interferência da cultura chinesa na arquitetura barroca brasileira? Certamente, essa influência oriental deve-se a artistas-artesãos portugueses que estiveram, antes, nas colônias portuguesas da Índia e da China. Quando a vila transforma-se em cidade, surge a necessidade da construção de uma matriz, igreja sede de uma paróquia. Ilustra esse tipo de cons- trução a Matriz de Mariana. Ela segue um mode- lo tradicional das igrejas renascentistas do sécu- UNIDADE 4 BARROCO MINEIRO lo XVII: fachada sóbria sobre esteios de cantaria; paredes de alvenaria de pedra; uma porta central; torres laterais que têm na cobertura telhados de quatro águas em forma de pirâmide; duas janelas grandes e um frontão simples. Em seu interior, encontra-se uma estrutura construtiva ampla, composta, na parte térrea, de naves, capela-mor, sacristia e corredores laterais. Na parte superior está instalado o coro, balcão destinado à instala- ção do órgão e a acolher os músicos durante as cerimônias; o consistório, sala acima da sacristia; a tribuna, lugar elevado acima dos corredores, re- servado apenas a autoridades e pessoas ilustres. As pinturas do cadeiral da capela-mor também foram elaboradas com motivos chineses. Na fase embrionária do barroco mineiro, no perío- do de 1700 a 1750, foram construídas capelas e ma- trizes condizentes com as condições locais. Fazia- se a adaptação técnica da construção, buscando orientar-se por estilos já sedimentados na Europa, como a sobriedade renascentista e o requinte or- namental oriental, ou procurando inovar, com o emprego de paredes em formatos irregulares. 4.2 Igrejas de irmandades e ordens terceiras Enquanto no Nordeste as ordens religiosas regu- lares assumiam as edificações religiosas, na região mineira o governo português transfere essa res- ponsabilidade para a população local, para as ir- mandades e ordens terceiras, a fim de facilitar o controle do ouro e manter a estrutura fortemente marcada pela estratificação social, composta por brancos, mulatos e negros. As irmandades e ordens terceiras tiveram um pa- pel significativo na sociabilidade da vida urbana mineira. As irmandades dos brancos constituíram- se sob a invocação do Santíssimo Sacramento, de Nossa Senhora da Conceição e de Nossa Senhora do Pilar. As irmandades dos negros eram compos- tas por devotos de São Benedito, Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia. As ordens terceiras, por sua vez, agrupavam co- merciantes e intelectuais brancos dedicados a Nossa Senhora do Carmo e a São Francisco de As- sis. Havia, ainda, as irmandades dos pardos, forma- das, em sua maioria, por oficiais fiéis a Nossa Senho- ra do Amparo, ao Cordão de São Francisco e a São José. O espírito competitivo entre essas associações religiosas, em que cada uma procurou expressar-se através de suas igrejas, propiciou um campo favorá- vel ao florescimento artístico e, consequentemente, à expansão do trabalho de artistas-artesãos. De 1750 a 1800, a colônia brasileira encontrava-se em seu período “áureo”. Com os recursos da economia regional, constroem-se igrejas excepcionais, tanto pelas soluções arquitetônicas quanto pela decora- ção, surgindo uma arte barroca singular. São exem- plos dessa fase as igrejas de São Francisco de Assis e de Nossa Senhora do Rosário, em Ouro Preto. A Igreja de São Francisco de Assis, iniciada em 1765, é considerada a obra-prima de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1730 ou 1738 – 1814). Foi ele quem introduziu esse tipo de construção em que o frontispício apresenta-se com paredes curvas: as torres são ovaladas e embutidas na fachada, que apresenta uma portada, entrada principal, enqua- drada por ornamentação entalhada em pedra- sabão (rocha típica da região). Podemos observar ainda o falso óculo, falsa janela de formato circular em baixo-relevo. Além da riqueza ornamental do altar-mor, há também outra característica da arte barroca que é a pintura ilusionista executada na tábua corrida do forro da nave, em que os elemen- tos adquirem, por causa da perspectiva, a ilusão de serem reais e de ocuparem um espaço infinito. Esse gênero de pintura advém da influência euro- peia, e foi disseminadorapidamente no Brasil, no século XVIII. A “Glorificação da Virgem” realizada por Manuel da Costa Ataíde (1762 – 1830) é dotada da simbologia dos dogmas da fé cristã. Caracte- riza-se por colunas que sustentam uma abertura celestial emoldurada de ornatos, na qual figura a Madona, ladeada de anjos e nuvens. Além das pinturas ilusionistas, Ataíde, um dos principais pintores da época, também realizou a série de Santas Ceias, influenciadas pela gravura italiana de Francesco Bartolozzi. A mais famosa é A Ceia, pintada no seminário do Caraça, em Minas Gerais. É notável a inovação iconográfica na dis- tribuição dos personagens, aparentemente displi- centes e com traços fisionômicos marcantes. 167 5 - H is tó ri a da a rt e B ra si le ir a - s éC .X Vi i e Xi X Na capitania de Minas Gerais, os artistas Silvestre de Almeida Lopes, José Soares de Araújo, Francis- co Xavier Carneiro e Joaquim Gonçalves da Rocha também adotaram a pintura ilusionista. A Igreja de Nossa Senhora do Rosário, datada de 1782, teve como construtor José Pereira dos San- tos. Na fachada, as duas torres cilíndricas ladeiam o pórtico de três arcos, compondo, assim, um fron- tispício curvo e imponente, de autoria de Manuel Francisco de Araújo. Esses exemplos de igrejas mostram a singularida- de do barroco mineiro. A riqueza compositiva e a decoração artística, cenográfica e dinâmica, resul- tam em obras que retratam o espírito revolucioná- rio da época. No século XX, muitos artistas modernistas, preo- cupados em renovar a pintura nacional, dedicaram parte de suas obras à exaltação das paisagens das cidades históricas coloniais do país, produzindo o chamado “ensino nacionalista”, segundo Lourival Gomes Machado. Como exemplo, citamos Djani- ra (1914 – 1979) que retratou a cidade de Parati e Alberto da Veiga Guignard (1896 – 1962), que fez Manuel da Costa Ataíde. A Ceia. Seminário de Caraça (MG). Fachada de Igreja, Ouro Preto (MG). Foto: Marcelo da Mota Silva vistas aéreas e poéticas das cidades mineiras. Em Noite de São João, Guignard decifra a simplicidade aparente das coisas, transformando o visível em um sonho envolto num véu de fantasia, valendo- se de apurado senso decorativo. 5 - H is tó ri a da a rt e B ra si le ir a - s éC .X Vi i e Xi X 168 169 5 - História da arte brasileira - séc.XVII e XiX A colônia brasileira estabeleceu-se dentro de reali- dades diversas, marcadas por contrastes e rupturas. Cada região desenvolveu-se em um contexto sócio- econômico. Com a Independência do Brasil, em 1822, começou-se a buscar uma identidade nacional. Será que os que viviam naquele tempo percebe- ram a exuberância da arte barroca, a singularida- de e o caráter inovador do estilo rococó mineiro? Como eram as práticas artísticas nas zonas urbana e rural? Qual seria o grau de comprometimento das comunidades e das pessoas com as atividades artísticas? Essas são questões são abordadas no li- vro “História da Vida Privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa”, organizado pela historiadora Laura de Mello e Souza, que faz referência a esses assuntos e ajuda a compreender melhor essas e outras indagações. 5.1 Universo rural A sociedade rural tinha um modo de vida difícil. A possibilidade da subsistência assegurada pela ter- ra propiciava uma situação relativamente estável a seus habitantes. Ao mesmo tempo, a dependência do meio natural expunha-os a constantes ameaças, além de dependerem também do comportamen- to genioso de alguns proprietários de terra que tratavam seus empregados de forma desumana. A arquitetura rural, no período colonial, apresen- ta partidos arquitetônicos variados, adequados às necessidades locais, isto é, de acordo com o tipo de produção desenvolvida. Nas fazendas de gado havia construções como a Torre de Garcia D’Ávila, em Tatuapara (BA), datada do século XVII, hoje em ruínas e em processo de restauro. A edificação tem aspecto de fortaleza: a planta da moradia é em forma de U, voltada para o pátio que contém abóbadas em alvenaria. Ao lado da casa, situa-se a capela em forma hexagonal. No terreno externo, as moradias eram pequenas e simples, destinadas aos vaqueiros e demais moradores. Os engenhos da época representam sistema polí- tico-econômico de uma sociedade patriarcal e es- cravocrata. Os engenhos de açúcar necessitavam de uma grande infra-estrutura: a casa-grande (re- cinto patronal localizado no alto da colina, rodea- do de alpendres de onde se podia ver a extensão dos vastos canaviais); o engenho (área de produ- ção do açúcar); a senzala (morada dos escravos) e a capela, próxima à casa-grande. Algumas pinturas de Franz Post permitem notar a hierarquização das construções dos grandes en- genhos instalados na região Nordeste. UNIDADE 5 ARTE NO CAMPO E NA CIDADE COLONIAL Franz Post. Casa-Grande com capela, século XVII (PE). O Engenho d’Água é um exemplo típico de pe- queno engenho instalado no litoral norte paulis- ta. Trata-se de uma edificação com estrutura de madeira, paredes de pau-a-pique, assobradada, com ampla varanda. A característica particular dessa arquitetura está em agrupar em uma única construção a casa de moradia, a capela domés- tica, a casa do engenho e o local para depósito. Destacam-se a proporção da construção e o jogo de planos dos telhados. A comunidade rural tinha um sistema de vida sim- ples, em que a preocupação era com a economia e a subsistência local, e com a atividade social quase restrita aos eventos religiosos da população local. Entretanto, isso não os impedia de manifestar suas vivências de maneira criadora por meio das artes manuais e dos ritos religiosos. 5.2 Universo urbano A vida cotidiana nos arraiais (povoados pioneiros) e nas cidades (sede dos núcleos administrativos) também não era fácil. Aos habitantes com poucos recursos faltava privacidade familiar, pois muitos conviviam num mesmo ambiente, com condições mínimas de saneamento básico. O acesso ao ensi- no também era precário, reforçando a estratifica- ção social. As famílias de posses internavam seus filhos nos seminários e conventos; e as demais, en- sinavam a leitura e a escrita no espaço doméstico. No espaço público, as formas de sociabilidade eram proporcionadas pelos eventos religiosos manifestados nas ruas, nas praças e nas igrejas. Nas ruas eram frequentes as procissões, em que se agrupavam moradores tanto da zona rural quan- to da urbana. As vias públicas, em muitos casos, apresentam ainda hoje comprimentos irregulares, formas curvas, assentadas em ladeiras e becos, passadiços e corredores que reservam aos pedes- tres ângulos surpreendentes. As praças, em formatos regulares, eram também lo- cais de interação social e de ordem política e religio- sa. Em torno delas concentravam-se as edificações principais, como o palácio do governo, a casa de câ- mara e cadeia, as igrejas e os sobrados comerciais. As moradias nas cidades coloniais brasileiras eram casas pequenas, sobrados e solares, assen- tados em terrenos estreitos e alongados. O traça- do urbano adotado segue o padrão português, com construções geminadas e em meio fio. As casas pequenas seguem um padrão vigente co- mum: telhado de duas águas, janelas e portas simples; uma sala central rodeada de quartos, e o quintal, com local para horta, pomar e criação de animais domésticos. Os sobrados são edificações amplas, de dois ou mais pavimentos. Normalmente, o pavimento térreo era destinado às atividades comerciais. No segundo e terceiro pavimentos instalava-se a mo- radia, composta por sala de visita, sala de jantar, copa, cozinha, alcovas (quartos de dormir sem janelas) e demais compartimentos. A fachada era geralmentecomposta pelo alinhamento de por- tas-sacadas, que se abrem para uma sacada ou peitoril. Morar em um sobrado era, certamente, sinônimo de status. Os solares construídos na região Nordeste do Brasil colônia, constituem conjuntos arquitetôni- cos complexos, de surpreendentes dimensões. É o caso da Casa da Quinta do Unhão em Salvador, construção do século XVIII, localizada à beira-mar. Compõe-se de uma residência assobradada, uma capela, armazéns, alambique e cais. Outro exemplo de solar é a Casa dos Contos em Ouro Preto, erguida em 1784 pelo contratador João Rodrigues de Macedo. Ali estiveram presos alguns dos inconfidentes. Nessa edificação desta- cam-se o requinte da escadaria de pedra e o jogo compositivo do telhado. Sobrados em Ouro Preto (MG). Balcões em madeira. Foto: Luciana Mendes 5 - H is tó ri a da a rt e B ra si le ir a - s éC .X Vi i e Xi X 170 O mobiliário utilizado nas moradias coloniais, era geralmente precário. Dormia-se em redes e estei- ras, e só em meados do século XVIII que começaram a aparecer as camas. Os mantimentos e pertences pessoais eram guardados em baús, caixas, cabides, cestas e peneiras. Toda casa tinha, em maior ou menor quantidade, selas, espingardas, rosários de- pendurados nas cabeceiras das camas, crucifixos e oratórios com imagens do santo protetor. Os proprietários mais abastados tinham o privilé- gio de comprar valiosas imagens de santos confec- cionados por santeiros como Veiga Valle (GO) e Frei Agostinho da Piedade (BA), e até adorná-los com joias. Os rosários, os crucifixos, os relicários e as me- dalhas, normalmente, são peças portuguesas trazi- das para a colônia no século XVIII e variam desde a ourivesaria mais rústica à mais aprimorada. No mobiliário utilizado nas igrejas, primava-se pelo bom acabamento e o excesso de luxo, em peças que eram verdadeiras obras-primas de mar- cenaria e de ourivesaria. É interessante imaginar como se sentia a popu- lação daquela época diante desse paradoxo. Na casa simples, vivia-se com poucos objetos artís- ticos, a maioria objetos de culto. Na igreja, fre- quentada diariamente, deparava-se com obras de arte, vistas como inacessíveis ao homem comum. Demarcava-se, desta forma, o poder que a Igreja exercia na sociedade da época. Vai-se formando, desde então, um conceito sobre a obra de arte: um produto raro e caro, para ser visto à distância. Solar Casa da Quinta de Unhão, Salvador (BA). Foto: Noeli Batista Dica de filme Xica da Silva, Carlos Diegues. 1976. 171 5 - H is tó ri a da a rt e B ra si le ir a - s éC .X Vi i e Xi X 172 5 - História da arte brasileira - séc.XVII e XiX A Revolução Francesa e a Revolução Industrial foram acontecimentos que influenciaram direta- mente as Américas nos processos de libertação de suas colônias no início do século XIX. Em 1806, Napoleão Bonaparte iniciou o Bloqueio Continental, colocando a Coroa portuguesa em si- tuação de crise, impedida de comercializar com a Inglaterra. Assim, fatos alheios à colônia brasileira fizeram com que o príncipe regente D. João trans- ferisse a Corte para o Brasil, em 1808. Após a morte de D. Maria I, o Brasil foi elevado à condição de Rei- no Unido de Portugal e Algarve pelo Rei D. João VI. O Rio de Janeiro foi sede da Corte. A cidade tinha ruas estreitas, algumas delas acalçadadas, pre- dominando habitações de porte simples, com inúmeras igrejas barrocas, e o Passeio Público, inaugurado em 1783, seguiu o modelo tradicional paisagístico da época: um terraço com bancos de azulejos, pavilhões decorados com pinturas atribu- ídas a Leandro Joaquim, chafarizes, estátuas e um elegante portão projetado pelo escultor Valentim da Fonseca e Silva, Mestre Valentim (1750 – 1813). O portão de ferro é todo forjado, com formas curvas e retas que propiciam um ritmo decorativo singelo e gracioso. Volutas e urnas arrematam os pilares que sustentam o portão. Mestre Valentim também executou vários projetos arquitetônicos de chafa- rizes, imagens em madeira e entalhes para altares de igrejas. Mestre Valentim é tido como, depois de Aleijadinho, o maior escultor do Brasil colonial. A Vista da Lagoa do Boqueirão e do Aqueduto de Santa Teresa é um dos seis painéis instalados nos pavilhões do Passeio Público que registram as pai- sagens do Rio de Janeiro. Trata-se de uma pintura elaborada, cuja cena compõe-se de elementos do cotidiano urbano. Existem contradições sobre a autoria destes pai- néis. Atribui-se a Leandro Joaquim, um dos gran- des artistas da Escola Fluminense de Pintura, que exerceu as funções de cenógrafo, desenhista e retratista da época. A escola foi formada por um grupo de pintores que se dedicavam à feitura de UNIDADE 6 ARTE NO PERÍODO DA CORTE REAL Ilustração do portão projetado por Mestre Valentim. Portão do Passeio Público. Século XVIII. Rio de Janeiro (RJ). Leandro Joaquim. Vista da Lagoa do Boqueirão e do Aqueduto de Santa Teresa. Óleo s/tela, 86 x 105 cm. Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro (RJ). retratos, pinturas religiosas e alegóricas do estilo barroco. Entre os pintores mais reconhecidos, po- dem ser citados José Oliveira Rosa, chefe da Esco- la Fluminense, Caetano da Costa Coelho, Manuel da Cunha e João Francisco Muzzi. Na obra Incêndio do Recolhimento de Nossa Senhora do Parto, o pintor Muzzi registra um fato ocorrido em 1789. Por esse documento artístico e histórico, po- dem ser recuperados hábitos locais, representados nas mobílias, nos trajes e no sistema de locomoção da época em que a família Real chegou ao Brasil. D. João e seus auxiliares procuraram transformar a cidade do Rio de Janeiro, seguindo os padrões das cidades europeias. Foram construídos inúmeros prédios públicos, como o da Academia Militar, do Banco do Brasil, da Imprensa Régia, da Biblioteca Nacional e da Academia Imperial de Belas Artes, edificações que seguem as características da ar- quitetura neoclássica. O neoclassicismo recusou a arte barroca, mais volta- da para valores religiosos, e propôs uma produção artística que enaltecesse os valores morais e civis da humanidade. Para tanto, buscou representar formas e ideais da arte greco-romana. Na arquitetura, em- pregavam-se proporções rígidas e monumentais: as edificações tendem à horizontalidade, os telhados são ocultados, os frontões seguem o formato trian- gular, as colunas gigantescas servem mais como elementos de adorno do que de sustentação. Algumas medidas da Corte, como o Tratado de Comércio e Navegação e a abertura dos portos, facilitaram o processo de desenvolvimento de ou- tros costumes na colônia. Muitos artistas estran- geiros chegaram ao Brasil, entre eles os da Missão Artística Francesa, em 1816, contribuindo também para que os habitantes da cidade do Rio de Janei- ro adotassem o gosto dos franceses na maneira de se alimentar, de se vestir, de falar, de decorar suas residências e de apreciar e adquirir obras de arte. 6.1 A Missão Artística Francesa Por decreto Real de 1820, criou-se no Brasil a Real Academia de Desenho, Pintura e Arquitetura Civil, como consequência da chegada da Missão Artís- tica Francesa, composta dos artistas Joaquim Le- breton, pintor e chefe da missão; Nicolas Antonio Taunay, pintor; Augusto Maria Taunay, escultor; Jean-Baptiste Debret, pintor; Charles-Simon Pra- dier, gravador; Auguste-Henri Victor Grandjean de Montigny, arquiteto, e outros. A Real Academia impôs um ensino artístico rígido, por meio de uma metodologia acadêmica e de uma orientação pedagógica que não permitia ex- perimentar ideias novas, a não ser aquelas propa- gadas pelo estilo neoclássico. A pintura represen- tava, de maneira idealizada, a natureza, os heróis, os fatos históricos e a mitologiagreco-romana. Agravou-se o declínio da arte religiosa, que já es- tava em crise, e o estilo neoclássico foi progressi- vamente aceito pelas classes dirigentes. Jean Baptiste Debret (1768-1848) foi o artista da Missão Artística de maior projeção. No livro Voya- ge pittoresque et historique au Brésil (Viagem pito- resca e histórica ao Brasil), publicado entre 1834- 1839, Debret registra, com desenhos e aquarelas, a vida cotidiana da Corte, das pessoas ilustres, dos escravos e dos índios, enfim, cenas da sociedade brasileira da época. Debret tornou-se um artista atuante na socieda- de carioca. Além de ministrar aulas de pintura na Fachada da Academia Imperial de Belas Artes - RJ. Foto: Marc Ferrez. Coleção: Gilberto Ferrez 173 5 - H is tó ri a da a rt e B ra si le ir a - s éC .X Vi i e Xi X academia, prestava serviços à corte, retratando os monarcas e os feitos governamentais, decorando festas e também confeccionando panos de boca para os teatros. As obras de Debret constituem um material ico- nográfico bastante requisitado e analisado por etnólogos, historiadores e antropólogos, dada a sua preocupação documental. É importante ob- servar o quanto sua obra no Brasil se afasta das características de sua obra neoclássica produzida anteriormente na França. Ao retratar a Corte, observa-se o desejo do artista de seguir as normas preestabelecidas pelo neo- clássico, por exemplo, quando registra um evento pomposo, centraliza as linhas de força da compo- sição em torno de D. Leopoldina. Quanto aos índios, que pouco conhecia, repre- sentou-os de maneira idealizada, tomando como referência o material iconográfico existente no Museu Imperial do Rio de janeiro. Contudo, devem ser reverenciadas as obras que envolvem as atividades cotidianas dos negros na cidade do Rio de Janeiro. A elas, Debret confe- re cenas prosaicas com traços ágeis e contornos pouco definidos; um cenário em que, no primeiro plano, detalha a atuação dos escravos no trabalho e, no segundo plano, construções coloniais e pai- sagens nebulosas reforçam o caráter cenográfico de espaço urbano. As personagens anônimas de Debret merecem uma observação atenta, pois retratam a diversida- de dos tipos de trabalho e das etnias, vestimen- tas e costumes. As pessoas são representadas de maneira alheia, recolhidas em seus pensamen- tos, ou cheias de vida e alegria; às vezes possuí- das de sensualidade; muitas vezes tão idealiza- das quanto os negros retratados anteriormente por Albert Eckout. Até que ponto as obras de Debret evidenciam a ostentação do escravismo no Brasil? Onde come- ça e onde termina o registro fiel dos fatos? Vê-se um sistema formal artístico desvinculado da es- tética neoclássica, voltado exclusivamente para a representação de uma nova realidade brasileira, que tinha uma dinâmica social própria: a transito- riedade de uma cidade urbana assentada no tra- balho escravocrata. Outros artistas estrangeiros também tiveram a preocupação de retratar particularidades brasi- leiras, como exemplo: Johann Moritz Rugendas (1802-1858) e Thomas Ender (1793-l875). Pelos estudos iconográficos do período imperial, percebe-se que a cidade do Rio de Janeiro era um refúgio da legalidade monárquica do Novo Mundo e possuía ares de cidade africana. Como se constituiu essa visão? Através das obras de ar- tistas europeus, certamente, imbuídas de juízos e valores burgueses, preconcebidos acerca da vida cotidiana da América do Sul e da África. 6.2 Oficialização do ensino e da arte acadêmica No transcorrer do Segundo Reinado (1840-1889), a cidade do Rio de Janeiro tornou-se polo irradia- dor, para as elites brasileiras, de costumes afran- cesados. O objeto fetiche dessa fase cultural era o piano, instalado na sala de visita, que por sua vez era decorada com papel de parede e com mobiliário muitas vezes encomendado na Euro- pa. O brasileiro abastado procurava viver como um nobre europeu. A evolução das artes plásticas no Reino ocorreu em torno das atividades promovidas pela Aca- demia de Belas Artes, que recebia uma proteção Problematização Que paralelos podemos fazer entre a cidade do início do século XIX e a cidade contemporânea? Em Sobrados e Mocambos, Gilberto Freyre narra as desigualdades sociais e urbanas no Brasil escra- vocrata colonial. Como se dá a segregação social no desenho urbano de sua cidade? Onde estão as áreas nobres, quais bairros são tidos como peri- gosos, e como isso influencia na vida da cidade? Olho vivo Pesquise na internet imagens das obras de debret 5 - H is tó ri a da a rt e B ra si le ir a - s éC .X Vi i e Xi X 174 benevolente de D. Pedro II, e por artistas estran- geiros que propagaram suas produções artísticas de maneira itinerante. Ambos seguiam uma dire- triz estética neoclassicista. As temáticas ar- tísticas subdividiram-se em históricas, sacras e profanas. A pintura profana ampliou seu reper- tório, estendendo-se a registros de paisagens, de naturezas-mortas e de pinturas de cenas da vida cotidiana. Os artistas também foram resistentes às inovações técnicas, não atentando para os costu- mes populares ou nativistas e para as cores tropi- cais, que poderiam conduzi-los a um estilo novo e peculiar. Houve, então, mudanças artísticas? Sim, todavia elas ocorreram de maneira amena e im- perceptível, conforme afirmam os historiadores da arte brasileira. 6.3 A Academia de Belas Artes O nepotismo, as turbulências políticas e os proble- mas administrativos atrasaram o funcionamento efetivo da Academia, no transcorrer do Primeiro Reinado (l822-l831) e no período das regências (1831 – 1840). A fase de sua consolidação ocorreu somente no Segundo Reinado. A Academia de Belas Artes sofreu modificações a partir de 1855, quando o diretor Manuel de Araújo Porto-Alegre, instalou a Reforma Pedrei- ra, que reformulou a grade curricular, abrindo cursos na área de artes industriais e mecânicas, e quando o Ministro de Império regulamentou o período de pensionato dos alunos da referida escola na Europa. Era consenso que, no período diurno, se formas- sem artistas acadêmicos, de maior gabarito artís- tico, e que, no período noturno, se treinassem dis- cípulos para serem artífices. Desde então, houve mudanças profundas quanto à concepção social de arte e do ensino artístico no Brasil. Os concursos com prêmio de viagem para aper- feiçoamento na Europa eram visados por to- dos da Academia de Belas Artes. Assim, teriam a oportunidade de conhecer os grandes museus de Paris e de Roma, frequentar ateliês e, con- sequentemente, regressar com conhecimento artístico ampliado. Todavia, os pensionistas selecionados eram en- caminhados aos ateliês de formação também acadêmica. Logo, voltavam aperfeiçoados ape- nas quanto à técnica, não chegando a provocar modificações qualitativas nas artes plásticas no Brasil. Infelizmente, continuavam a desconhecer o “novo” que se instalava na Europa. Como exemplo de alunos e pensionistas expoen- tes da época, podem ser citados os artistas: Vítor Meireles de Lima (1832 – 1903), Pedro Américo de Figueiredo e Melo (1843 – 1903) e José Ferraz de Almeida Júnior (1850 – 1899). Vítor Meireles de Lima, filho de família simples, saiu de Florianópolis (SC) para estudar na Acade- mia de Belas Artes. Em sua estada na Europa, re- alizou várias obras, sendo a de maior destaque a Primeira Missão no Brasil, exibida no Salão de Paris, em 1861. O ritmo da composição e a capacidade do artista, ao condensar um fato histórico, são o que lhe conferem maior mérito. Como professor da Academia, Vítor Meire- les recebeu diversas encomendas do governo, entre elas, a Batalha dos Guararapes, de con- cepção acadêmica. Retratou-acom o rigor de um historiador: os personagens, os elementos de vestuário e a paisagem pesquisada duran- te seis anos, in loco. Observa-se a excelente dis- tribuição das massas e das luzes, que visa des- tacar o drama da batalha. Destaque também para a perspectiva executada, e a proporção incomum: 492 x 922 cm. Já na obra Moema, inspirada no poema Caramu- ru de Santa Rita Durão, Vítor Meireles expressa seu lirismo, advindo do Romantismo que, no Bra- sil, muitos artistas exploraram intencionalmente através de temas indianistas. Destaca-se o uso frequente dos planos longinários e da vegetação tropical. A figura da índia aparece numa posição muito idealizada. De qualquer forma, voltar-se a esse mito brasileiro serviu para desviar os artistas brasileiros dos temas europeus. Pedro Américo de Figueiredo e Melo, natural da Paraíba, foi acadêmico erudito de caráter ver- sátil e improvisador, que viveu a maior parte de sua vida na Europa. A Batalha do Avaí, pin- 175 5 - H is tó ri a da a rt e B ra si le ir a - s éC .X Vi i e Xi X tada em Florença, tornou-se sua obra-prima. Destacam-se os “grupos de ação dispostos em grandes linhas curvas, com surpreendentes so- luções de forma, cor e desenho, representan- do com veracidade o drama do evento militar de 11 de dezembro de 1868” (MELLO JÚNIOR, 1983). É uma obra dotada de surpreendentes proporções: 1100 x 600 cm. A Batalha dos Guararapes e a Batalha do Avaí foram expostas na Exposição Geral de 1872. Isso gerou uma crescente rivalidade entre os artistas e uma acirrada polêmica na crítica local, expressas pela imprensa da época. Uns preferiam o estilo dramá- tico e realista de Pedro Américo, outros, o conven- cionalismo idealizado de Vítor Meireles. Contudo, as trajetórias dos dois artistas são pa- ralelas: foram contemporâneos, empregaram as mesmas técnicas, abordaram temas históricos, seguindo o pensamento da ideologia dominante, e ambos receberam o título de Comendador da Ordem da Rosa, pelo Governo Imperial, em 1885, tornando-se, então, os mestres proeminentes da arte acadêmica no Brasil. Dicas O que ler: ALENCAR, José de. O Guarani, 1857 • (1ª ed.). O que ouvir: O Guarani, de Antônio Carlos • Gomes, 1870. José Ferraz de Almeida Júnior, filho de pintor ama- dor da cidade de Itú (SP), foi para o Rio de Janeiro estudar na Academia de Belas Artes. Ali, recebeu orientação do mestre Vítor Meireles. Em Paris, des- tacou-se pela obra Descanso do Modelo. Há uma precisão do desenho, na representação das ima- gens humanas e nos múltiplos acessórios fixados no cenário: tapete, porcelanas, tecidos e papéis. Ao regressar ao Brasil, na cidade de Itú, desenvol- veu o estilo da “pintura caipira”, com técnica ainda acadêmica, voltada para a realidade interiorana. Para Sérgio Milliet, as obras de Almeida Júnior tor- naram-se um marco divisório da pintura nacional, dada a sua liberdade artística. Um bom exemplo é a obra Caipira picando fumo. José Ferraz de Almeida Júnior - Amolação interrompida (1894) José Ferraz de Almeida Júnior - Caipira picando fumo (1893) 5 - H is tó ri a da a rt e B ra si le ir a - s éC .X Vi i e Xi X 176 Referências ALENCASTRO, Luiz Felipe de (org). História da vida privada no Brasil 2: Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo: Companhia das letras, 1997. AMARAL, Aracy. A hispanidade em São Paulo: da casa rural à capela de Santo Antônio. Revista Barroco. Ouro Preto, UFMG. Vol. 7, nº. 26 de julho de 1975, páginas 21-52. BAZIN, Germain. História da história da arte. São Paulo: Martins Fontes, 1989. CAMPOFIORITO, Quirino. História da pintura brasileira no século XIX. Rio de Janeiro: Pinakotheke, l983. CANCLINI, Nestor Garcia. A socialização da arte: teoria e prática na América Latina. São Paulo: Cultrix, s.d. DURAND, Jose Carlos. Arte, Privilégio e Distinção. São Paulo, EDUSP /Perspectiva, l989. GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da historia da filosofia. São Paulo: Companhia das Letras,1995. GUTIÉRREZ, Ramón. Arquitectura y urbanismo em Iberoamerica. Madri: Cátedra, S.A., 1992. MITCHELL, W.J.T. Iconology, Images, Text, Ideology. 1986. Chicago: University Press,1986. OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. 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São Paulo: Instituto Walter Moreira Salles, 1983. 2v., il. 177 5 - H is tó ri a da a rt e B ra si le ir a - s éC .X Vi i e Xi X História da Arte Brasileira – Século XX 5 Professora autora Dra. Maria Elizia Borges 210 APRESENTAÇÃO Caro estudante, A essa altura, você já deve estar familiarizado com as bases da arte pro- duzida no Brasil. Mesmo que rapidamente, tivemos uma visão da arte ru- pestre, arte indígena, período colonial, das inquietações do nosso barroco, do ecletismo do início do século XX e, agora, chegamos a um ponto crucial que é compreender o desenrolar dos movimentos artísticos e reflexões con- ceituais que caracterizam a instauração do modernismo no Brasil. Foram muitas transformações das manifestações dos anos 20 aos desdobramen- tos dos anos 40. Da busca da identidade nacional aos cruzamentos da arte brasileira com o contexto da arte internacional, a História da Arte Brasileira vai sendo construída por atores de várias procedências, de ideologias diver- sas, de classes diferenciadas etc. Mas todos são parte desse momento que alicerça o que hoje chamamos de arte contemporânea brasileira. DADOS DA DISCIPLINA EMENTA Princípios e desdobramentos do modernismo no Brasil. Semana de Arte Moderna. Relações entre modernidade, nacionalismo e busca de uma iden- tidade própria. Cruzamentos internacionais. Modernismo dos anos 30 e 40. Grupo Santa Helena. A importância da arquitetura moderna brasileira. ObjETIvOS Mapear o contexto histórico e os princípios estéticos do modernismo • no Brasil; *Currículo: É professora Associada de História da Arte na Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás. Pesquisadora do CNPq. Ministra aulas no Mestrado em Cultura Visual - FAV/ UFG e no Doutorado em História – FFCH/ UFG. Tem artigos publicados no país e no exterior sobre arte fune- rária no Brasil. Livros publicados: A pintura na “Capital do Café”: sua história e evolução no período da Primeira República. Franca: UNESP/Franca, 1999; Arte funerária no Brasil (1890-1930) ofício de marmoristas italianos em Ri- beirão Preto = Funerary Art in Brazil (1890-1930): italian marble carver craft in Ribeirão Preto. Belo Horizonte: Editora C/ Arte, 2002. Integra o Comitê Brasileiro de História da Arte, a Associação Brasileira de Críticos de Arte, a Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, a Association for Gravestone Studies., a Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais. Profa. Dra. Maria Elizia Borges* 211 hISTórIA DA ArTE brASILEIrA – SéCuLO XX Compreender o contexto histórico e a busca dos principaisartistas da • arte moderna brasileira; Analisar a busca pela representação de uma identidade nacional por • meio das obras dos artistas modernistas; Relacionar o pensamento modernista do início do século XX ao desen- • volvimento de uma arquitetura moderna e brasileira; uNIDADES uNIDADE 1 – O ESTOPIM DO MODErNISMO 1.1. Modernidade, nacionalismo e identidade 1.2. Desdobramentos da arte moderna 1.3. A busca do nacionalismo 1.4. Novos adeptos da arte moderna uNIDADE 2 – DESAFIO DOS MODErNISTAS 2.1. Contexto: crise e pluralidade 2.2. Grupo Santa helena (1935-1940) 2.3. Consolidação da arte moderna no país uNIDADE 3 – A EuFOrIA DA ArQuITETurA MODErNA 3.1. Novos tempos: outras formas de olhar 3.2. uma arquitetura moderna e brasileira 212 1.1. MODErNIDADE, NACIONALISMO E IDENTIDADE Desde o início, a arte moderna brasileira buscou uma identidade própria. Mesmo alicerçada na produção cultural da arte moderna européia, procu- rou investigar o terreno da cultura popular e colonial, o que levou a socieda- de a questionar valores simbólicos do nacionalismo. A questão nacionalista já se manifestara outrora, em vários momentos da arte brasileira. Muitos artistas estrangeiros mostraram-se sensíveis à te- mática brasileira. Franz Post, Jean Bartiste Debret e Georg Grimm são exem- plos disso. UNIDADE 1 O ESTOPIM DO MODERNISMO A grande diferença do nacionalismo modernista está na representativida- de dos elementos iconográficos. Observe o detalhe da aquarela de Debret – Negra tatuada vendendo caju, 1827 e a da pintura A Negra - 1923, repre- sentada por Tarsila do Amaral. Comparando os elementos icnográficos que compõem tais imagens, quais as principais diferenças que você percebe entre as duas represen- tações? PROBLEMATIZANDO Debret. Negra tatuada vendendo caju, 1827. Aquarela (detalhe) Tarsila do Amaral. A Negra, 1923. Óleo s/ tela. MAC-USP 213 hISTórIA DA ArTE brASILEIrA – SéCuLO XX O surgimento da arte moderna no Brasil foi marcado por dois eventos que “caíram de paraquedas” nos massmedia de São Paulo: a exposição de Anita Malfatti, em 1917, e a Semana de Arte Moderna, em 1922. Exposição de Anita Malfatti – Foram expostas obras de caráter expres- sionista. O crítico de arte mais importante da época, Monteiro Lobato, fez uma crítica feroz sobre a influência das vanguardas europeias nas obras de Anita. No artigo “paranoia ou mistificação”, ele reconhece o “talento vigoro- so e fora do comum da autora”, mas critica “a maneira anormal de decorar a natureza e de interpretá-la à luz de teorias efêmeras sob a sugestão estrábi- ca de escolas rebeldes”. Sabe-se que Lobato também estava engajado numa proposta de renovação artística; todavia, para ele, essa deveria emergir do naturalismo e do nacionalismo (Chiarelli, 1995). Para a pequena elite paulistana, formada por artistas e amigos de Anita, tal crítica serviu de arma para subestimar as qualidades artísticas e intelec- tuais de Monteiro Lobato e transformar a exposição no “estopim do moder- nismo”. Assim o movimento moderno brasileiro definiu-se como proposta renovadora. A Semana de Arte Moderna – tratou-se de um grande evento artístico- cultural promovido por um pequeno grupo de jovens intelectuais e artistas, patrocinados por figuras proeminentes da alta burguesia cafeeira. Foi reali- zada no Teatro Municipal de São Paulo, no período de 11 a 18 de fevereiro de 1922. No hall do teatro, houve uma exposição coletiva de: esculturas – Victor Brecheret, Hildegardo Leão Velloso, Waerberg; projetos arquitetônicos – A. Moya e Georg Przyrembel; pinturas – Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Ferrignac, Zina Aita, Oswaldo Goeldi e outros. Não eram obras acadêmicas e a maioria delas já havia sido vista ante- riormente pelo público. Porém, não tinham também os princípios básicos da arte moderna. Embora todos se considerassem modernos, não tinham a compreensão do real significado disso. Algumas obras, como as de Breche- ret (Figura 1), possuíam certa estilização modernizante. Na época, era o sufi- ciente para serem consideradas modernas. Para Carlos Zílio (1997), a artista Anita Malfatti era a única que poderia ser denominada moderna. Na obra O homem amarelo (Figura 2), observam-se os princípios básicos da arte mo- derna: a maneira de ocupação da figura na tela, o tratamento do segundo plano, a deformação do desenho e a dinâmica livre e indistinta das pincela- das e cores. Um dos principais organizadores da Semana de Arte Moderna foi o artis- ta Emiliano Di Cavalcanti (1897-1976). Nessa época, estava influenciado pelo estilo art nouveau e suas obras expostas revelavam inquietação e a busca de novas tendências. Observe a capa do catálogo da exposição (figura 3): um nu feminino linear, imerso em uma intensa vegetação composta de diversos planos, com traços rítmicos e direcionados; um texto condutor diagramado de maneira espontânea. Os projetos de Antônio Garcia Moya (Pesquise na Internet) demonstram uma inventividade poética e um espírito renovador ao fundir, de maneira íntima e integral, a escultura com a arquitetura. São dignos de nota o senti- do de síntese e o despojamento do busto do índio, uma figura reapropriada pelo modernismo brasileiro. FIGURA 1 – Victor Brecheret. Cabeça de Cristo, 1920. Bronze. Instituto de Estudos Brasileiros da USP, São Paulo – SP. FIGURA 2 – Anita Malfatti. O homem amarelo. 1917. Óleo sobre tela, 61 cm x 51 cm. Instituto de Estudos Brasileiros da USP, São Paulo – SP. FIGURA 3 – Emiliano Di Cavalcanti. Capa do catálogo da Exposição da Semana de Arte de 1922, São Paulo – SP. hISTórIA DA ArTE brASILEIrA – SéCuLO XX 214 Os espetáculos musicais da Semana de Arte Moderna apresentaram nomes como Villa Lobos, Guiomar Novaes, Ernani Braga e outros. A parte literária foi inaugurada com o prestígio e a conferência de Graça Aranha, além dos discursos de Mário de Andrade, Ronald de Carvalho, Menotti Del Picchia e Oswald de Andrade. Estavam ali todas as pessoas inconformadas com a estagnação cultural do Brasil, colocando-se numa atitude de ruptura com o passado, buscando uma nova identidade para a arte nacional (Ama- ral, 1972). As exposições, os discursos e as apresentações musicais tiveram um im- pacto propagado pela imprensa local, não pelo que se apresentou, mas por como se apresentou. O objetivo foi chocar o conservadorismo da sociedade paulistana. Assim, deve-se pensar para ver a Semana de Arte Moderna como o marco do desenvolvimento do modernismo no Brasil. “E sobretudo que se saiba que somos reacionários, porque nos domina e exalta uma grande aspiração de classicismo construtor. Queremos mal ao academismo porque ele é o sufocador de todas as aspirações joviais e de todas as iniciativas pensamentos. Para vencê-lo destruímos. Daí o nosso ga- lhardo salto de sarcarmo, de violência e de força. Somos “boxeurs” na arena. Não podemos refletir ainda atitudes de serenidade. Essa virá quando vier a vitória e o futurismo de hoje alcançar o seu ideal clássico”. Andrade, Oswald de. Jornal do Comércio. São Paulo, 11 fev. 1922. PARA REFLETIR 215 hISTórIA DA ArTE brASILEIrA – SéCuLO XX O que ler: ANDRADE, Mário de. Paulicéia desvairada. In: Poesias completas. São Paulo: Livraria Martins. 1966. ANDRADE, Mário de. A escrava que não é Isaura. São Paulo: Tipografia Paulista, 1925. O que ver: RUIZ Adilson. Mário... • Um homem desinfeliz. São Paulo: Instituto Cultural Itaú. 1993, 26 min; (vídeo). ANDRADE Joaquim Pedro de. • Macunaíma (Filme – baseado no roman- ce de Mário de Andrade). 1969. (108 minutos). O filme “Macunaíma”, realizado em 1969, é baseado no livro homônimo de Mário de Andrade, escrito em 1928. A recuperação de uma obra moder- nista no final da década de 60 traduz uma relação íntima entre os dois con- textos históricos. A preocupação com
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