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O que todo cidadão precisa saber sobre habitação

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tlávio Vi Ilaça
Íg{az é(<,eq+*í-*- .
Fotos de Nádia Somekh e Ag. Esfado
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SUMÁBIO
I- 0 problema da hahitação
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0 capitalismo e a habitação
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- 
Políticas púhlicas
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Resolver o prohlema da hahitação
V 
- 
à hahitação no Brasil urbano
ü eortiço
As vilas operárias
A legislação urbanística
A transição parâ a casa própria
A ideologia da casa propria
0 populismo
A autoconstrução e a Íavela
ü sistema financeiro da habitação
0 BNH e o capital financeiro
BNtl: Banco de desenvolvimento urbano
Vl 
- 
A hahitação e a cidade
A cidade como local de viver
A produção social clo perto e do longe
Espaço urbano e classes sociais
Espaço urbano e Estado
Espaço urbano e ideoíogia
A espoiiaçãa urbana
Vll-Aterraurhana
BihliograÍia
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1.0 PR0BLEMA DA HAB|TAÇA0
É um fatc óbvio que milhões de pessoas para habitar neste planeta precisam pagar p0r um pedaqo de chã0.
Esse pagamento pode ser a vista, pode ser através de um aluguel ou de serviços, mas s sempre um pagâ-
mento. Sua crigem está na proprredaile privada da terra,
Por que 0 ar e as águas não sãc proprredade privada e a terra e ?
Por que o caprtalismo conseguiu instituir a
priedade privada do ar ou das águas ? Uma
parcelas de dimensüe s fixas, razoavelmenie
reÍorçar a nropriedads privada da terra mas
propnedade privada da terra mas não conseguiu instituir a pro-
das razões resrde no fato da terra ser divisível e apropriável em
delimitáveis. Issa particularidade permitiu ao capitalismo não só
tamlrém esÍorÇar se e m transformá-la em mercadoria.
A terra e sua propriedade privada colocam se c0m0 questõBS Íundamentais para 0 equacionamento do proble-
ma da habitação sob o capitalismo. VamosÍalar mais scbre esse assuntü e algumas de suas nuances, c0m0,
por exemplo, a localização da terra, a terra como apoio físico e a terra ccmo capital. Por enquanto só, introdu-
zimos a questão por ser ela importante para o prcblema da habitaçã0,
Em que consiste o problema da habitação ? AÍorma abstrata de pensar responderá a essa pêrgLinta com algo
mais ou menos do seguinte teor:tod0 ser humano precisa de abrigo e proteçã0 conlra as intempéries e outras
agressões da natureza, e mÊsmo contra as agressões de seus semelhantes;precisa de privacidade e de abri-
g0 para desenvolver sua vida individual, famrliar e social. q probleryf AUe 0s homellstem que enÍrentar para
conseguir esse abrigo 
- 
a habitação 
- 
iá o "problema habitacronal". Prontol Está criado. não pela prática mas
pela mente, pela razãc, um "probiema" abstrato, universal e etÊrno, ou seja, um "problema" a-histórica. "Prablema"
para quem?forque é "problemâ"? Sua origern está nos homens 0u na natureza? À resposta a essas e 0utras
importantes perguntãs é obscurecida p0r essa dsfrnição do problema da habitaçã0,
A primeira {ecoyenç!g_d_es_se t1q9 d.e"_dgQ§[o da questão habitacional é que o prq!-!-eq9 semplg..ey_!s1iu q
semprg_ç5!-qtirá, Psde ser um pouco mais grave aquido que ali, hoje do que 0ntÊm. mas s€mpre existirá, Existe
nos Estadss Unidos, no Japã0, na União Soviética, na França e em Cuba. Existiu no Brasil escravocrata, na
ldade Módia e no antigo Egito. Nunca deixará de existir,
i.
- 
.r .i:;1t/ii':..
Essa forma de pensar esconde e distorce a verdadeira questãCI. tom isso, entre 0utras coisas, fornece à
classe burguesa íã?gu?n-êmo que ela precisa para tentar explicar à classe dominada, seu clamorcso fracasso
na solução do problema. As idáias daquele gênero são produzidas e diÍundidas, ao longo das décadas, numa
tentativa de transÍormá-las em verdades aceitas sem discussã0, em "dadcs" da realidade, e c0m issc fazer
qqm!U-e-0-s_trabalhadores acredilem que o problema da habrtação é mesmo muito complexo, difícil e no fundo,
11r-qdúyg,e que a burguesia e_stá-lazendo tudo que pode pâra resalvê-lo, ou melhor, pa-rg minqSi{q, jé que
resolvê-lo mesm0 seria impossível.
É Íalso p0rtanto, tentar fazer uma "história" do problema hahitacronal no Brasil {oLr no mtLndo}, atraves de
umg..{e_s-ç19ão crgplgglqa das formas de morar dos oprimidos, começando pela senzala. passando depois ao
cortiç0, à vila operária, à favela, etc. Não havia "problema" da habitação pãra 0 escravü, quer n0 Brasii, quer
3
na Grécia antiga, inclusive é especialmente p0rque 0 escravc não tinha direito à habitaçã0. C próprio direito
era entã0 conceituado de forma totalmente diversa da de hoje, no Brasil do sÉculc XVlll ou na Gr'ócia ãntiga.
A Íormulação da.questão da habitação não pode ser desvinculada das deterrninações fundamentais que his-
loricarnente a engendram, Nc Brasil escravocrata, a habitação era problema para quem? A quem 10cava a
responsabilidade, senão de resolve-io, pelo mencs de minorá-lo? Ao Êstadc? Positivamente nã0. Nem o Reino
de Portugalnem o lmpério do Brasilem sÉus primórdios, jamais re conheceram e niuitc men0s assutniram esse
problenra, Também a sociedarle civilnão o colocou ao Estado, nem tamp0uco a classe drrigente reconheceu o
c0mü seu. Tudo isso sinplesmente porque o problema não existia.
0 que hnje entendem0s por problema da habitaçã0, surge com o "homem livre" produzido pelo capitalismo
e t0rn as configuraç0es históricas engendradas p0r essÉ modo de pradLiçã0, rnclusive pelas especificidades
da luta de classes que sob ele ocorrem, A habitação aparece então con:o um direito dos cidadãos a ponto de,
em meados do sécllo XX, ser inciuída na DeclaraÇã,0 Universal dos Direitos Humanos em seu artrgo 25, nos
segtrintes termos:
"Todo homem tem direito a um padrão de vida ca-
paz de assegurar a si e a sua família, saúde e bem
estar, inclusive alinrentaçã0, vestuário, hahitaçã0,
cuidados médicos e os serviços sociais indispen-
sáveis e dirertos à segurança em casü de desem-
preg0, doença, rnvalidez, viuvez, velhice üu 0utr0s
casss de perda dos meias de subsistência em cir'
cunstâncias Íora de seu controle,.,"
Com o desenvolvim_e1to- do capitalismo, juntamen-
te com os demais bens necessários para atender
as necessidades humanas, a habitação começa
- 
embora lenta e pen0samente 
- 
a assumir a Íor-
ma de mer_cadoria, Entretanto, o sistema econômi-
co privado, não consegue oferecer habitações a
todos, quer sob a Íorma de mercadoria ou nãc" A
obrigação de oÍerecer habitação àqueles que nã0
têm condições econômicas de pagar por uma, pas-
sa progressrvamente a ser do 
_!5t-adq. Êste, con-
tradrtoriaments, a0 mesm0 tempo qLie reconhece
essa obrigação como sua, da prúvas c0ncrÊtas de
que é incapaz de, desincumbir-se satisfatoriamen-
te dela. Uma das Íormas pelas quais tenta livrar-se
dessa contradição e exatamente a produçã0, pela
classe dirigente, do çonceito ideológico dg "prg-
hlema habitacional" e da ideia já exposta de que
esse problema "sqmpre extstiu e sempre existirá".
Aliás, o uso da ideologia é um dqs estratagemas
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Bolaffi expÕe, por exemplo, os
curi0s0s malabarismos dos quais a ciãsse clominante e abrigada a lãnÇar mão para, em seu discurso, drzer que
está resolvendo o problema da habitaçã0.lnicialmenteBolaffimostra que nã0tem cabimentofalar-se em "dÉ-
Íicit" habitacional numa economia de mercado, da mesma rnaneira que, a nã0 ser transitoriamente, nã0 tem
cabimento falar-se de "dêticit" de automóveis ou televísores. Do ponto de vista da economia política vigente,
diz Bolaffi, o Brasil possui exatanrente o número de habitações para o qual existe uma demanda m0netária.
A classe dominante é então obrigada a inventar um problema que na sua lógica não existe, para depois dizer
que vairesolvê-lo,0Lr atacá-10. Assim, são Íormirlados probiemas falsos, que não se pretende, não se espera e
nem seria possível res0lver, para legitimar o poder e para justiÍicar rnedidas destinadas a satisfazer 0utros pr0-
pósitos, conclui Bnlaffi. lsso não quer drzer que o problema não exista.0uer dizer entretanto que a burguesia
não pode enunciá-lo c0rretamente pois se o fizesse teria que reconhecer a0 mesmo tempo sua incapacidade
de resolvê-lo, É o que vam0s abordar nos capítulos 3 e 4. Àntes, porém, vejamos c0m0 sB Íorma o problema da
habiiação sob o capitalismo,
*r,nrr? a
It. 0 GAP|TALISM0 E A HABTTAçA0
Um dos traç0s marcantes e necessários do capitalismo e que ele opera a separação entre 0 trabalhador e os
seus meios de produçã0, Com o capitalismo esses meios passam a ser propriedade do capitalista e ao traba-
lhador não resta oulra alternativa senão vender no mercado a sua Íorca de trabalhs, 0 trabalho passâ a ser
trabalho assalariado e a força de trabalho passa a se r uma mercadoria.
Evidentemente a burguesra não poderia privar o trabalhador de suas condições de trabalho, sem ter para ele a
sua pr0p0sta de vida Ê sem pr0curar provar que essa pr0p0sta era muito melhor que a do senhorfeudal, Para
isso desenvolveu uma ideologra que pr0cur0u 00nvencer o trabalhador das maravilhas da ordern burgussa,0u
seja, do modo capitalista de produçã0. Através eie uma dessas idéias procur0u m0strar ao trabalhador que ele
estava lÍvre do lugo e da dependência do senhorÍeudal, Ele poderia agora escolher seu trabalho e seu patrã0,
pois era "iivre", C capitalismo explorou ao máximo as idéias de liberdade daíadvindas, criando a imagem do
"homem livrg" e do "trabalhador livre", Livre para escolher o trabalho que quisesse, desde que Íosse traba-
Iho assaiariado, isto é. trahalho que possibilitasse sua própria exploraçã0, Livre para escolher 0 patrã0 que
quisesse desde que houvesse patrão que o aceitasse. Esse trabalhador "livre" é um homem despeiado, não
só de se us meios de trabalho mas também de sua casa. Voltaremos a abordar este tema quando tratarmos do
Cesenvnlvimento do problema da habitação no Brasil, no capítLrlo 5.
A diÍusão do trabalho assa-
iariadc e da Íorma mercado-
ria que passam a assumir os
produtos do trabalho, signiÍi-
ca que a ro,upa, a comid_a, a
casa, enÍim, tudo o que o tra-
balhadcr precisa para viver e
se reproduzir, passam a ser
comprados no mercado atra-
vés do salário.
A casa, entretanto, é uma
mercadoria especial. Nor-
malmente o capítalismo não
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cer a todos os membros da
sociedade as mercador"ias
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que ele tem condiçoes de produzir e que os consumidores teriam condições de consumir, Em outras palavras,
o capitalismo precisa de escassez para sobreviver. A escassez precisa ser produzida e controlãda na socieda-
de capitalista pois sem ela o mercado não funcionaria encluanto p.eqnlpmo fixador de preços, 0 capitalisnro
precisa criar permanentemente â escassez para poder haver concorrência, sem a qual ele tambén.t não sobre-
viveria, A escassez não precisa necessariamente ser criada entre as classes mais pobres, mas ela também e
criada nessas classes.fazendo inclusive parte da manutençâo do chamado "exército de reserva" e sencio um
dos mecanismos de rebaixamento dos custos de reproduçãc da Íorça de trabalho.
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Se o caprtalismo não tem possibilidade de oferecer aos trabalhadores as mercadorias básicas necessárías à
sua reprodução e compatívers com o crescimento da riqueza social, isso é mais verdade ainda para o caso da
habitaçã0, dadas algumas de suas peculiariclades. Há razões estruturais que impedern o modo capitalista de
produção de oferecer habitação decente a tod0s os membros da sociedade.
Em primeiro lugar, a habitação está vinculâda qq sql_o,, está "amarrada" à terra,lsso impede que ela,tal como
os demais produtos do tralialho, seia produzida em poucas localizações centrafizadas e depois drstribuída aos
ç_q$u111i{qres. A primeira vista, esta particularrdade poderia parecer uma característica universale eterna das
ediÍrcações em geral, em quaiquer modo de produçã0. Uma característica a-histórrca portanto. Na entanto,
quando inserida num modo de produÇão espe cíÍico, n0 caso o capitalista, ela assume suas ferções concretas.
0ra, a vrnculação territonal dificulta muito a produção ern larga escaia, para as prateleiras, para 0 mercado;
dificulta a transformação do produto em mercadoria. Por conseguinte, as diÍiculcades que sua amarração es-
pacial apresentam para sua produçã0, circulação e consum0, somente representarão obstáculo para aquele
modo de prodLição pâra 0 qualé vital a produção de mercadorias,0u seia,0 modo capitalista.lsto enlretanto,
apenas em parte explica a falência do capitalismo em oÍerecer habrtação popular,
Em segundo lugar há que se considerar o obstáculo representado pela propriedade privada da terra, Esta
onera violentamente 0 preço do produto habitaçã0, o que obriqa as camadas mais pobres a m0rar nas piores
localizações das cidades. No caso das cidades brasileiras e do Terceiro Mundo em geral, essas localizações
são os suhúrbios ou a chamada ÍperiÍeria" subequiparla.
Em terceiro lugar, outra particularidade da habitação que drficulta sua transÍormaçã0 plena em mercadoria,
prende-se a0 seu longo período de produção e consumo. Mesmo nos países mais adiantados {e c0mparati-
vamente a outros setores da produção nesses países), a natureza do produto habitação e a tecnol0gia de*
senvolvida para produzi-lo levam a umã duração excepcionalmente longa do período de rotaÇã0 do capital.
Esse período, express0 l:ela conhecida fórmula Dinheiro-Mercadoria-Dinheiro iD-M-D'], é dado pelo lapso de
temp0 qLre separa o investimento de um capital-dinheiro em meios de produção (através da indústria da cons-
truçã0 civil) do c0nsum0 da nnercadoria produzida c0m esse capital-dínheiro, Esse período envolve tanto 0
temp0 gasto na construção da casa c0m0 0 tempo gasto n0 seu totalconsum0. Mais adiante, quando Íalarmos
da transição para a casa própria, voltarem0s a abordar essa questão.
Finalmente cabe destaçar o papel da habitação nGS custos de reproduçãr da força de trabalho. Ouanto menos
da riqueza socialfor gasto para vÊstir, alimsr:tar, cuidar da saúde e abrigar o trabalhador,tanto maior a parcela
dessa mesma riqueza que sobrará para entrar no circuito da acumulação gerando lucros. 0 valor da parcela
da riqueza social dispendida para sustentar e reproduzir o trabalhador, para a reprodução da Íorça de trabalho,
é o chamado "cLrsto de reproclução da lorça de trabalho". Grande parte desse custo é pag0 c0m o salário do
trabalhador, de maneira quÊ quanÍ0 mais alto seu padrão de vida, inclirsive seu padrão de habitaçã0, mai0r
terá que ser 0 seu salário. Nem sempre é possívela burguesia rebarxar ao máximo 0s niveis de exploração do
trabalhador {reduzir ao rnáximo 0 custo de reprodução da força de trabalho}, Em alguns casos. em virtude da
organização e da força poiítica conseguidas pela classe trabalhadora, ela não ronsegue Íazê-lo. Em outros cas0s,
entretanto, havendo trabalhadores sobrando e sendo precário seu nível de organização política, a burguesia
pode conseguir aumentar o nívelde exploraçãa da força de trahalho através de vários estratagemas, Um de-
les, como voltaremos a ver mais adiante, é através da reduçãadas condições de vida urbana e de moradia.
7
Acontecia coisa semelhante ns escravâtura. Ern princípio não interessava a0 senhor expl0rar de talforma o
escravo a p0nto de levá-lo à morte, emboi"a isso pudesse sersocialmente aceito. Poróm, havendo escravo s0-
brando, pociia ser interessante, na lógica do senhor,levar à m0rtê, Bor exemplo, os tnaisvelhos, QUe p0r men0s
que consumissem, êinda gastavam mais do que produziam,
No Brasil, c0rTrB n0s países do Terceiro Murrdo em qeral,tem havido, por razões históricas que não cabe ana-
lisar aqui, uma grande "sobra" de trabalhadores, especialmente dentre os cie barxa qualiÍtcaçã0, Essa "snbra"
é o que se c0stuma chamar de "exército dÊ reserva", culo desenvolvimento o capitalismo pr0cura estimular
atraves de vários estratagemas, un: d0s quais a migraçã0. Esse "exército de reserva" serve a um duplo objeti-
vo burguês: em primeiro lugar, como vimos, permite um rebaixamento {absoluto ou relativo)do padrão de virla
do trabalhador, a redução {ansoluta ou relatrva)de seu salário. üe outro ladc, corrói sua capaciiiade de luta, de mobi-
lização e organtzaçã0, enfraquecendo a classe trabalhadora e reduzindo seu poder de barganha face à burguesia,
Veremos mais adiante qus a manutenção de um "exércrto de reserva" e a necessidade de rebaixar 0s custos
de morarjia es1ão murio relacionados c0m as más condiçÕes de habitação da maioria do povo brasrlerro.
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III. POLíTI§A§ PÚBUTA§
Verificar âté que p0nto a atução de um governo corresponde a política pública por ele enutrciada, ou seja,
correspcnrle a0 seu discurso. e uma tarefa complexa, Felizmente sua importância não é diretamente pr0-
porcronal à sua complexidade, embora não seja totalmentç sem importância, ü mais importante é desvendar
e entender a ação real do governo, p0rque na maior parte dos casos ele procura escondê-la, esconder as
consequências daquilo que Íaz, esconder seus reais obietivos. Entretanto, pode não ser possível c0nfrontar
a política enunciada c0m a política efetrvamente implementada, umê vez qile 0s governantês nem sempre
enunciam cúm antecedência a política que vão seguir.0 caso mais complexo, porém, é aquele em que 0
governo enuncia com antecedância as medidas que vai tomar e os objetivos que pretende atingir e eÍeti-
vamente t0ma essas medidas. Porém, seus verdadeiros objetivos, a0 t0mar as rnedidas enunciadas, estão
escondidos e não são aqueles que ele divulça, Por exemplo,0 govern0 pode enunciar uma determinada
§{tica de transporte urbano baseada na c0nslrução de metrôs subterrâneos e afirmar que seu obietivo é
.*recer à população trãnsporte rápido, sÊguro e coriÍçrtável e eÍetivamente construir 10 ou 20 knr de metrôs sub-
te rrâneos.0 verdaderro objetrva, entretanto, pode ser o de estimular a acumuiação do caprtalnos setores
da construção civil pesada, amparando grandes empreiteiras e mantendo ern atividade suas máquinas e
equipamentss {seu capital Íixoi que, caso cnntrário. correriam o risco de cair na ociosidade. Tal política
seria uma política socialde trânsp0rtes urbanos 0u umã política econômica de amparo a0 seÍ0r da c0nstru-
çãc civii pesada? 0 governo, é claro, dirá que é uma política de transportes. Dir-se-á que toda e qualquer
politica tem sempre uma dimensão econômica, Srm. mas a questão é descobrir quem, que grup0 0u que
ciasse, cnmanda a política, eÍetivamente decide quantc a ela e quais os beneÍícios que auÍerem, mesm0
que existam outros grup0s qLre püssam ató receber algum beneÍício, mas que não tem qualquer controle
sobre a política.
Uma política pública quase sempre visa vários objetivas, freqüentemente contraditórios e às vezes tem conse-
quências não pretendidas, A investigação dos meios utilizados para implementar uma política pode ser um ra-
minho fecundo para se descobrir seus reais objetivos. Construir metrôs á o melhor meia de oferecertransporte
r'ápido, ssgur0 e conÍortávelà população ou haveria 0Lrtros meios Ce ofergcsrrapidez, conforto I seguranÇa a
men0res citstos e a um maiar número de pessoas? üonstruir e financiar a c0mpra da casa própria e o melhor
meio de oÍerecer habitação popular aostrabalhadores brasilerros? 0 BNH fsirealirente criado para Íinanciar
habitaçãc papular para 0 nosso povo?
A política habitacional brasileira tem sido, provavelmente, a política pública mais investigada, debatida e
criticada neste país, especialmentÊ a partir de 1964. Sobre o assunt0 foi escrito um grande número de livros,
ensaios, artigos, além de muitas oissertaçÕes de mestrado e teses de doutorado. Difrcilmente se encontrará
setor da vida nacionalque tenha sido mais esmiuçado do que este. lsto se explica não só pela rmportância
da habitação em si, mas tambérn pelo Íato da moradia apresentâr grande riqueza de manifestaçôes econô-
micãs, políticas, sociais e ideológrcas e dada sLia c0nsÍante sresenÇa nos discursos oÍiciais. Neste livreto
\lam0s procurãr entender o problema da hahitação juntamente com a ideologiaburguesa,o discurso ea açãoreal
do Estado nusse campo, no Brasil nos últimos cem anos,
lv. HE§0LVEB 0 Pfi0BLEMA 0A HABTTÂÇAo
Numa primeira reÍlexão poder-se-á rentar desenvolver a
questão acima da seguinte maneira: resnlver a problema da
habitaçãc é oferecer a toda a populaçã0, pelo menos aque-
las condiçoes habitacianais consideradas mínimas num de-
terminado período histór'ico, respertadas as característrcas
econômicas, culturais e tecnológicas do país ou região con-
siderado. Conservem0s de lado essa resposta pür enquanto,
e prossigam0s em nossas reÍlexôes, considerando algumas
indagações corriqueiras e óbvias suscitadas pela pergLrnta
acima, tais como: por que a sociedade brasileira não tem
conseguido oÍerecer à maioria do povo condições decentes
de moradia? Por que as Íavelas e cortiços têm crescido tanto
ultimamente? Por que os pcbres são forçados a morar cada
vez mais ionge de tudo? A essas perguntas a ideologia bur-
guesa e conr ela.p Estado e a classe média, tem oÍerecido
várias respostas'; Alguns afirnram, p0r exemDlo, que o Brasil
é um país pobre e que por isso não tem condições de cÍe-
rçcer ha_hitaçÕes razoáveis à maiaria 0u a quase totalidade
do pavolÉ óbvio, dizern alguns, que se a França ou o Japã0,
por exemplo, sãa mais ricos que o Brasil, entã0 0s bras!leiros
pobrss tem qile morar pior que 0s íranceses 0u lap0neses
pobres. Entretanto, cantinuam eles, com 0 pr0gres§o do país,
o problema será praticamente resolvioo, pois haverá então
recurs0s para c0nstruir melhores habitaçÕes para 0s mais carentes. Porém, poder-se-ia indagar, há milhares
e milhares de Íamílias morando tão bem, e o paÍs tem progredido tanto, que não é possível aceitar a idéia que
._-a 
sociedade brosileira c0m0 um todo, não tenha recursos para abrigar meihor a rnaioria de sua populaçã0.
'A esse argumenio a burguesia üostuma responder que a melhoria dos quÊ estão mal não pode ser Íeita às
custãs daqueles que iá atingiram um patamar satisÍatório de conÍorto; que 0 ilue se deve almejar é um "ni-
velamenlo por ctma", uma sccialização da riqueza e não Ca pobreza. E 0ulros yargões do gênero. Costumam
alegar, qLlÊ c0m 0 "pr0gresso" todcs melhorariam, que 0 padrão iie r:ida dos mais pobres melhoraria, É a tese
de que é necessario primeiro esperar o bolo crescer para depois divrdi-lo, exp0sta certa vez p0r um ministro
do planelamentn de trrste memória. No entanto, foi precisamente na Época desse minrstro e seus colegas, que
a economia do país cresceu muito;foi a época da "milagre". Nesse período, houve muiio o talde "pr0gresso"
e n0 entanto as condiçÕes de vida dostrabalhadores só pioraram. Nessa Época, o Presidente Geiselteve pelo
men0s sensibilidade política paía captar a verdade e enunciar sua antológica Írase, que 0 t0rn0u rnternacio-
nalmente famoso, pelo menos entre 0s economistas,citado inclusive por PaLrl Sweezy: "A economra vai bem
mES o povo vai mal",
Averdade É que o "pr0gress0" no capitalismo é a acurnulação cie riqi;eza nas mãos de uns p0uc0s e c0nse-
queniemente 0 aumentn iia pobreza dos outros. Essa verclade aparece sob nossos olhos em nossãs ciciades,
Como entender que uma cidade como São Paulo seja tão rica, tenha tanto pr0gress0, e a0 mesm0 tsmp0
10
a:ll-L**iffi#t
- !q.
tenha milhões de pobres miseráveis? 0s fatos das últimas décadas têm demonstrado que o tipo de "desen-
valvimento" que vem rcorrendo entre nós não traz âutomaticamênte a redução da desigualdade, muito pelo
contrário, aumÊnta-a. {efaLd* prt*fit-táo *"t*z.td*si*x qt* o ênaor'/ acb viaan#tr kn oor,**
'tiit*, 'Sttet+tdteti. j Z, zrrt':n't+t -A'**datL' A .A.íq
Valtemos âg0ra ao n0ssü tema inicial: q que é condição de habilqçãF "Éti
qgqdl*g1!ryq|g,jg_lpje? Em outras palavras; qual seria aquele padrão de maradia que resolveria o pro-
blema da habitação? Â resposta a essa pergunta não será encontrada nas mentes de um brilhante grupo de
arquitetos, engenheiros ou sociólogos, da mesma Íorma, que não se pode esperar que o padrão de alimen-
tação rcerto" ou "ideal" para 0 trabalhador venha a ser definido por um grupo de nutricionistas. Em outras
palavras, 
.a rêsposta 
-Qquela pergunta não está 1a est_qr_a**tfÇ.lt-ç_§'n-q§_Iê"Aq[!|qa_. 0s técnicos certamente
poderão colaborar mas suâ ajuda não será deçisiva. Aí está, por exemplo, a legislação trabalhista para mostrar
de maneira límpida o destino de padrões de consumo fixados pela lei burgussa: 0 DecrÊto-Lei ns 393 de 1938
Tabela'lo 
TEMPc PABÀ ACIutstÇÃo
DA fiACAO ESSENCIAL
Anos
1 0Êo
1 960
1 961
1 gÊ2
i 963
1 964
1 965
'1 0Â7
1 968
1 9§9
1 970
'197i
1972
1 973
197 4
'1975
tu./b
1977
1 978
1 A7A
1 gB0
1 981
1 982
1 983
1 984
ínciice
100,00
125,22
114,47
145,66
15i,09
r si,oz
167,80
1â1.74
156,08
i 69,60
1 61 ,60
1-r1,75
183,ü5
225,97
211,27
229,96
241,91
u7,ga
211,45
235.ü0
242,84
229,91
201,12
211,4â
298,06
Fantes:CüGEP e DIEESÊ, citadas por Kowarick e
Campanáric in "São Paulo: metropole clo desenvolvi-
mento industrializads". Novas Estutlas CEBRAP, ne
rJ, fl. ru.
t1
assinr define "salário mínimo" em seu artig0 2e: "remuneração mínima devida a todo trabalhador adulto, sern
distinção de sexo, por dia normal de serviç0, e capaz de satisfazer, em determinada época e região do país,
as necessidades normais de alinrentaçã0, habitaçã0, vestuário e transp0rte", No entanto, é Íato sabido, que o
salário mínima quese nunca alendeu ã essa CeÍiniçã0. Atabela 1 m0stra que se o número de hcras de trabalho
necessárias para a aquisição Ca ração essencial mínima fosse igual a 10ü em 1959, teria que ser 298 em 1984,
Na década de 70, quase quãrenta anos depois de instituído o salário mínimo, era pessinro o nível de nLrtrição
cia classe trabalhadora brasilerra c0m0 m0siram os dados da tabela 2 re{erentes ao Munrcipio de São Paulo.
A ração mínima fixada por lei seria côt,":ica se não fosse trágica: mensalmente, o trabalhador {apenas ele, pois
c0m0 se vê pela deÍinição acima, a lei não menciona sua Íamília). deveria consumir 6 kg de carne,4,5 de feijã0,
6 de batata,0,6 de caÍé,0,75 de manteiga,3,0 de açúcar,7,5litros oe leite, etc, 0s dados apresentados a seguir
m0stram 0 cünsum0 real segundo algumas faixas de renda.
Suponhamos que em 1930, 1950 ou 1960tivesse sido incorporada a alguma Ccnstituição brasileira a deÍinição
de moradia mínima à qualteria direitotodctrabalhador. Se issotivesse ocorrido, em nadateriam sido melhora-
Tabela 2
t0NSUM0 DA BAÇÃ0 ES§ENCtAL MíNll!/]A N0
MUNICIPIO DE SÂÜ PA,JLO
Fontes. {1i 1375: São Paulo: crescimento e pobreza, p.69.
izi C0GtP/PMSR Política de Desenvolvimenm Urbano
Melhoria da 0ualidade de Vida, 1380. Sãa Paulo, p.7B
Ração essenciai
mínima mensal
Consumo per capita na
Begiãr: Metropolitana
Ce São Paulc por classe
de renda 13111 122
ate 
-l-íã r a--:-ãô r;1S.M.'2S.M. 6S.M.
tarne
Le ite
Feijãa
Ârroz
Farinha de Trigo
B atata
Tom ate
Cafe ipn)
Banana
Àçu c ar
Banha
Manterga
Ê,0k9
i.5kg
4,5k9
3,0kg
1.5kg
6.0kg
9,0k9
â Ol,r'U,UI\S
ü.6k9
?,5d2
3,0kg
0.75k9
0,75k9
1,3
2,9
1?
3,6
8,2
t1t,l
11
2,2
0,4
1,5
2,1
0,006
0,007
11
1Ê
3,6
ü,2
t,4
1,i
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0,5
11
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0,079
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nÀ1,+
tro
11
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0,5
1t
2,4
ü,0i3
0,ü3i
12
rias as condições de habitaçãc de nosso p0v0, c0m0 não o foram as suas condições de nutriçã0. A burguesia
Íaz amplo uso das leis como mecanismo para tentar ludibriar o trabalhador, Vamos ver mais adiante alguns
exemplos para 0 caso específrco da legislação urhanística e habitacional. üontudo, destaquemos desde já o
Íata de que tudo se passa *0m0 se a burguesia acreditasse que suas leis jurídicas fossem capazes de oÍerecer
a0 p0v0 aquilo que as suas leis de mercado não conseguem oÍerecer. Tais leis jurídicas são assim, Írequente-
mente Lrtilizadas para dar ao p0v0 a impressão de que 0 governc está zelando por ele, cuidando de seus inte-
resses;tanto é assim que estão sendo aprovadas várias leis visando melhorar suas condiÇões de alimentaçã0,
de habitação ou de saúde. Com o passar do tempo essa prática só pode levãr, c0m0 de Íato levou nas últimas
décadas, a total desmoralização não só das leis mas também dos parlamentüs e d0s governos que as editaram
e dos tribunais que as interpretararn e as Íizeram aplicar, . r- y'i ., 1 "- ',',r, 
.',' ".,, 
... :,
(1
0 padrão habitacional "ótimo" 0u "cefio" ou "ideal" é aquele que a classe tabalharjora acha que pode conquis-
tar através do avanco possível dentro das condiçÕes políticas, sociais e econômicas em que se êncontra.
"Besolver" o problema da habitação é conquistar esse padrão para todos os trabalhadores. Como esse pa-
drão não é fixo mas históricamente cambiante, não existe c m0mento dessa conquista.0 que existe e a luta
c0nstante dos trahalhadcres por melhores condiçoes de vida * de alimentaçã0, vestuário, moradia, saúde
- 
pr0cesso esse que nada mars é do que a caminhada dos dominad0s para sua Iihertaçã0,
Consrderand0 0 atual desenvolvimento d0 Brasil, em especial seu crescimento econômicn nas últimas dóca'
das, considerando nossos avanÇ0s em indústrias de ponta c0m0 nüs ramos da eletrônica, da aeronáutica, das
telecon:unrcações, da qLiímica, dos armamentos stc., e considerando ainda o padrão de vida da minoria mais
abastada, não há com0 negar qire as condiçdes de moradia da maror a do povo brasrleira são aterradoramente
barxas. Mais que isso:essas condições de moradia, c0rn0 as condições de vrda em geral,vem prorando há um
sécLtlo. Vamos ver mais adiante como isso se ríeu para ü caso específico da habitaçã0, quando analisarmos a
involução das condições de habitação no Bi'asil a partir d0 finaldo século passado.
13
-
v. A HÀBITÀçA0 N0 BBASIL UBBÂNo
0 problema da habitação popular urbana começa a se constituir no Brasilna segunda metade do século XIX com
a penetraÇã0 do capitalismo, da mesma forma como se ccnstituíra na lnglaterra cem anos antes, Naquela Época
começou a surgir aouí, como anteriormente havia surgido lá, o "homem livre". Este é antes de mais nada um
despejado. Despejado de sua terra, de sua oÍicina, de seus--rneios de trabalho, de seus meios de vicia. Começam
enlão a afluir às nüssas crdades milhares desses despossuídos, tanto brasilerros c0m0 estrangeiros, Eram os
despejados das decadentes fazendas, c0m0 as de café no Vale do Paraíba, eram 0s despelados da ltália, eram 0s
despejados das senzalas. Com o enorme crescimenlo das cidades através dessa populaçã0, surge o problema
de seu alcjamento, ou seja, surge 0 problema cla habitação enquanto questão social.
A principalforma de abrigo que a sociedade brasileira vaidesenvolver para alolar essas multidÕesé o cortiç0.
0 cortrço é uma "soluçã0" de mercado. É uma moradia aiugada, é um produto de iniciativa privada. Em seus
di'rei'sostipos,foi a primeiraformaÍísica de habitação oferecida ao "homem livre" brasileiro da mesma manei-
ra que o aluguelfoia primeira forma econômrca.
0 cortiço
0 romanie A Cortiço de Àluísio de Azevedo, publicado em'lBg3, mostra c0rr0 essa forma de habitação já era
conhecida e difundida na epoca no Hio de Janeiro. Aliás. mostra muita mais que isso. Colocando, como Íre-
qüentemente ac0ntece, â arte a frente da ciênçia, o romancista realiza além de um r0mance, urna prirnorosa
investigação sociológica e urbanística. Aluísio de Azevedo localiza seu c0rtiç0 no aristocrático bairro de Bo-
taÍago, vizinho ao palacete de um rico negociante oue viria a ser agraciado com 0 tí1u10 de Barão de Freixal.
Narra com detalhes os conÍlitos entre 0 Barão e o cortiço de maneira que nos aluda a entender desde as
primeiras leis segregacionistas c0ntra as habitações operárias que surgiram no início do século, até c zone-
amento contemporáneo, 0 crrtiço descritn por Aluísio cle Azevedl era típic0, na época, das grandes ciclades
do suldo Brasrl. Eram vártas casinhas especialmente cnnstrr;idas para aluguel, com tanques de lavar r0upa e
inslalações sanitánas de uso ccrnum. Cresceu c0mü um cogunrelo. impulsinnado peia ambição do proprietário
ioão Romã0, um inescrupuloso vendeiro que subrLr na vida explorando seus inquilinos. Começou construindo
".,. três casinhas de porta e janeia... que Íoram 0 p0nto de partida" do grande cortiçe. Grilando terren0s a sua
volta, o vigarisia foi expandrnd* seu c0rtiÇ0 em t0rno de um pátio a pontr de atingir Bm p0uc0s an0s, nüventa I
cine o casinhas, em cuia entrada se lra: "Estalagem de Tro Romão: alugam se casinhas e tinas para lavadeiras."
As casinhas eram alugadas por mês e as tinas por dia, Tudo pago adiantadc.
Ameaçada pelo cartiçc (Íoco de epidemiaslmas a0 mesfiotemp0 necessitando dele, a burguesia deu início a uma
sérre de medidas ambíguas destinadas a regularsua convivência com ele, De um iado, a classe dominante precisava
de um discurso que lhe pernritisse demolir os cortiços quando isso Íosse necessário, e de outro, precisava nrantê-los
e tolera-los pois necessilava deles para abrigar a napulação trabalhadora, Essa p*pulaçã0, convém lenibrar, crescia
verliginosamente não só em São Pauio e Rio mas em todas as atuais metrôpoles do país.
Dentre as n"redidas tomadas para dar a aparência de qLre 0s c0rtiÇ0s estavam sÊnd0 realmente combatidos,
destacam-se os Córliços Municipais de Posturas, que ü0ntinham dispositrvos determinando a sua demolição
0u 0 cerceamento de suas ü0nstruções. A razão invocada é sempre a saúde púbiica pois não eram raras as
14
epide mias, das quais as de lebre amare la no Hio de Janeiro, Íoram apenas as mais Íamosas, Havia epidemias
de varíola, de peste bubônica, de tíÍo e de cólera, A ameaça que 0 c0rtiÇ0, c0m0 a habitação operária em geral,
representava pâra 0 valor dos imóveis burgueses, não foi mencionada nunca, embora 0 ataque a essa ameaça
estela clarc em alguns dispositivos legars sobre aquelas habitações.
0 üódigo de Posturas Municipais do Munlcípia de Sãc Paulo de 1886, por exemplo, contém uma série de
drsposttivos regulamentando os cortiços, Não só número e dimensóes de cômodos, instalaçÕes sanitárias,
ventilação e insolaçã0, mas tamhérn suas localizaçôes. A cünstruçã0 de cortiços era proihida "no perimetro
do comercio" e quandc seus terren0s Íossem contíguss a "casas de habitaçã0" deveriam ter no mínimo 15 me-
tros de frente, Também no Rro de Janeiro, seçundo Bibeiro e Peachman, em 18E$ ".,, a Postura Municipalde-
termrnava que n0 perímetro ce ntralda cidade Íicavam proibrdos o estabeiecimento e a construçã0 de cortiços,
casinhas e ediÍicaçÕes acanhadas...". Vê-se qus Êstas regulamentaçÕes nada tinham a ver c0m o cornbate a
epidemia nem c0m a proteção da saúde pública, mas sim c0m 0 aÍastamEnto dos cortiços das áreas onde as
camadas de mais alta renda residiam, circulavam e tiriham seus imóveis mais nobres. A proteção dos valores
rnrobrliários vtria a ser nas décadas subseqüentes, até os dras de ho1e, uma das razões inconfessas de muitas
leis urbanísticas nos municípios brasileiros.
Nessa mesma época e utiiizando 0 mesm0 discurso, teve início a longa aliança entrê cs interesses imobiliários e a
legrslação urbanística. A necessidacie de dernolição dos cortiç0s insalubres era sistemalicamente invocada para a
proteçãc cia saúde púhlica, parém, eles somente eram demolrd0s nas áreas mais centrais da cidade, especialmente
para dar lugar as grandes avenidas que viriam para "embelezar e modernizar" nossas cidades {como se alegava na
épocai, ou se1a, abrir espaços para a frutiÍicação do capitalimobilrário. No Bio de ianeiro havia milhares de cortiços na
época da passagsm do sÉcukr, porém,0s que Íoram demolidos o ioram por razões das obras de renovação urbana nas
áreas imobiliariamente promissoras da cicjade. Saudando a abertura da Avenida Centralem 1906, Gastão CrLils, embo-
ra decadas maistarde, assim se manifestou:"Ao golpe incessante dos alviÕes e das picaretas, esilor0avâm-se para
sempre os nardieiros imundos e as pocilEas nauseahundas''. Para a abertura dessa avenida, o então Prefeito do Rro
de ianeiro, Pereira Passos, demoliu nada menos que 3.000 casebres, quantidade ênorme para a população da cidade
que era de Bü5.ü00 habitantes. Essa quantia representaria, parâ uma população atualde 10 milhões, a demolição de
46,000 casas. Também em São Paulo, a demolição dos corlrços era exigrda e saudada, porém, somente se c0ncretizava
quando eles se constituíarn ern obstáculos à renovação urbana nas direções "nobres" da cidade.
Na época da passagem do sécuio, no Brasi!, a burguesia tinha tão s0mente iniciado seu longo e persistente
trabalho ideológrco visando difundir a aceitaçãa dos valores do mcdo capitalista de produçã0, especialmente
o lucrn e a livre iniciativa. Se de um lado havia "núvos ncos" capitalistas e membros da velha aristocracia
ingressando no capitalismo, que exploravâm c0rtiç0s, c0m0 por exemplc c Conde D'Eu, genro de 0. Peoro ll,
de out;o lado havia também algumas raras pers0nalidades esclarecidas que. r0m0 o romancista Lrma Barre-
t0, eram "socialistas naturais", espontâneos, que c0nseguiam enxergar a realidade social, a opressão e as
miserias du lucro, cu qLre aparentemente se mantinhanr Íiéis a principios oré-capitalistas qLre provavelmente
haviam recellido de seus pais ou avós ou atá mesmn de algum ccnÍessor com idéias medievais, que ainda
achava que a usura e o lucro eram pecado. Um destes foio higienista Correa de Azevedo, citado por Gilberto
Freyre em "Sobradas e Mucamb0s", qLre assim se express0u a respeito do assurrto:"Um capitalista qLralque r"..
que tem nos bancos créditos suculentos e n0 tÊsouro grande c0nserva de dinheiro, arvora se em proprietárro,
dá o rrsco da casa,.. e manda c0nstruir depressa e harato uma casâ qualquer. Eie é senhor e possuidor do que
1C
lhe ilertence.,, lucra, mas n.rata a vida nacional; lucra, mas c0mete atrocidades c0ntra as leis da saúde e cia
pública moral;iucra, e uue lhe importa que um imundo cortrço que lhe da rnteresse, dê ao município molêstias,
miséria, crápula, o roubo e a rmoralidade revoltante" {sici.
As vilas operárias
Asvlias operárras ccnviveram duranie décadas c0rn 0s 66p{rÇ0s e pretendiam ser a resp0sta do capitatrrsmc ao
problerna da habitaçã0, embora sua origem estivesse nos socialistas utópicas.
ü socialismo utóprco desetrvclveu-se na Europa entre 0 final do século XVll! e c início do sécuL: XIX, especialmente
na trança e lnglaterra, onde se destacaram pensadores como Saint Simon, Fourier e 0wen. Representavam um setor
da sociedade que estavâ chocado com üs horreres do caprlalismo, com a mrséria urbana, c0m 0s cortiços, com as
epidenrias, com 0s milhares de despossuidos que entulhavam as cidades, e com as desumanas condições detraba-
lho nas fábricas, inclusivede mLrlheres e crianças. Tais pensadorestransÍormaram-se em reformLstas socrais acre-
ditando qLie tais misérias precisavai"lr acabar e gue uma ordem sacraln:ais humana deveria ser impiantada em seLr
lugar, Dedicarôm-sÊ entã0 a estudar essa nova ordem sacial e, de dentro de suas salas de estudo, a procurar "hoas
idéias" para organizar a sociedade. Estavam convencidos cle que o capitalismo havia sido uma espécie de "mau pas-
so" daCs pela humat,.idade e que era preuso reorientar sLla caminhada. Esses pensadores queriam uma nova ordesi
sociale imaginavam qus esta seria formulada pela razão e conseguida através cie carnpanhas de esclarecimento e
conscientização que fizessem os homens enxergar c0m0 0 capitalismo era errado e com0 era possíveltrocá-lo por
uma ordem nielhor. Para prová'lo, chegaram a conclusão que o melhor sue tínham a Íazer era oferecer exemplos
c0ncretcs dessa nova ordem social, Estes exemplns não podiam ser outra coisa senão novas cidades, novas comuni-
dades que pudessem revelar ao mundo c0m0 Êra possível c0nstruir uma sociedade totalmente diÍerente daquela qLre
o capitalisnro estava construind0, Alguns desses pensadores eram rndustriais e decidiram construir cidades inteiras
associadas às suas indústrias e abriganda as operárics e suas famílias. Seriam cidades-modeio. pensavam eles,
que serviriam de eferto de demonstração que convenceriam os líderes sociais e 0s governantes de suas vantagens.
Em resum0, esses pensadores acreditavam que a ordem social podia ser alterada pelo poder da razão apenas, oela
consçiência dos hsmens, Cesde que estes estivessem do lado daquilo que eles consideravam ser a "verdaele" e a
"JUstiÇe". Nas palavras de [ngels: "Para todns eles, o sncralismr: é a expressão da verdade absoluta, da razãa e da
justiça, e é hastante revçlá-lo pâra, Qraças a sua vifiude, canquistar o munda""
Miritas vilas nperárias, cu c0mpafiytlwnsforam c0nstruídas pelo munclo aÍora e seu fracasso faitotal. Não
só porque foram construicias em número insufrciente como também p0rqile muitas delas. apesar de serem
material, urbanística e arquitetonicamente primorosas, foram usadas c0m0 meio de exercer um controle
descabtdo sobre a Íorça de tr"abalho, impondo a seus moradores um estilo de vida rígido, puritano e drscipli-
nado, como convinha aos patrÕes.
No BrasilÍoram construídas várias vilas operárias, porem, seLi número íoi irrisório Íace às necessidades, A maroria
deias, ou Íoi construída em cidades do interior, onde a mão-de-ohra, p0r ser pequena, precrsava ser atraída e reti-
da, ou foioferecida apenas a operários qiraliÍicados, que cram mais raros. Citando um ievaniamento reaiizado pelo
Departamento Estadual do Trabalho em ,1919, Nabrl Bonduki reveia que das 227 empresas pesquisadas no Estado de
Sãc Paula apenas STfornecram casas a seus operários;destas, ãpenas 11\28ü/ü) se localizavam na cidaoe de Sãa
16
Paulo onde estâvam 57% das emprÊsas pesquisadas. Mesmo nas indústrias que mantinham casas para seus
operários, estas eram um número rrrisório.
Tambám nn Brasil, c0m0 na Europa. algumas delas, pelo controle que exerciam sobre a vida ccmunitária e privada
de seus moradores, se assemelhavam mais a penitenciárias do que a conluntos habitacionais modernos. Algumas
foram construídas por indústrias progressistas e houve tambem aqueias construídas peio governo c0m0 a da Usrna
Siderúrgica IrJacional, em Volta Redonda, n0s an0s 40. É um exe mplo típico, 0uando do início da operação da usina
não havia cidade no locai. A empresa foi então obrigada a construir uma vila operária para abrigar a mão de obra que
iria trabalhar na siderúrgica. Avila construída, Bntretanto, c0mp0rtava apenas uma Iiequena parte da mão-de-obra.
0 restante foi abrigado nos barracos remanescentes do acampamento de obras dos tempús da construção cla usina,
A cidade de Volta Redonda foi então se Íormanrio e crescenrio.0uanto niais a cidade crescia, mais casas eram ofe-
recidas peln seu mercado habitacionale men0s casas Êram construidas na vila operária, até que estas c0nstrucÕes
cês-sãÍâffi totalmenle, embora crescesse o contrngente de mão-de-obra. A C0SIPA- Companhia Siderúrgica Pau-
Iista, em Piassaguera, não construiLr qualqirer vila cperária, pois disso não tinha necessidade. S. ntos, tubatão e Sãc
Vicente eram n"lais que suÍicientes para alojar seus milhares de empregados.
Para a classe dominante, evidentem ente, era mais Íácil conviver c0m as viias operárias do qu e c0m 0s corliços, A única
restrição feita pela iegislação era que as vilas não fossem construídas em locais nobres cu potencialmente nobres, As
intençÕes segregacionistas que visavam mante-las afastadas dss !ocais de interesse da burguesia Íicam claras, pcr
exemplo, no Código Sanitário do Êstado de São Paulo de 1894, Apesar das vilas serem consideradas. na época modelos
de "habitação higiênrca", esse Códiga dete rminava que elas ".,. seriam estabelecidasÍora da aglomeração urbana", A,
Lei Municipal nq4'13 de i901 insentava de impostos as vilas operárias construídas "... fora do perimetro central".
Com o passar dos anos, c0m0 veremcs mars adiante, "a cidade" acabou chamando a si a inçumbência de, bem
0u mal, alojar os pobres e as vilas operárias desapareceram totalmente,
"A cidade", n0 cas0, significa cu o total abandono dos mais carentes 0u uma aparência de par-ticipação do Estado na
solução da problema da maradia, Corno veremos a seguii, a burguesia transfere 0 problema da moradia urbana para
o Estado e a0 mesmotempo impede-o de resolvê-lo. Proresso semelhante passoü-se com a moradia ruralno suldo
Brasilnos anos 60 cüm 0 aparecimento dos "boias{rias". Uma série de circunstâncias, especialmente o desenvolvi-
mento dos transportes rodovtártos, possibilitaram que 0s fazendeiros despejassem os trabalhadores rurais de suas
fazendas os quais passaÍam ã mcrar então nas cidades, ou seja, em favelas, que pãssâram a aparecer até mesmo enr
crdades pequenas no suldo Brasil.
A partrcipação do Estado nâ qLresiã0 da habitaçã0, entretânto, círrfieça antes, iambém no final do seculo pas-
sad0, atrarrés da regulamentação da iniciativa privada que ;tua r::)s setores da habitacão e do urbanism0, c0m
o aparecimento da iegrslação urbanística,
A Iegislação urhanística
0 mecanismo de mercad0 0u a chamada "livre iniciativa" não tem possibilidade de atender as necessidades
habitacionais da maioria da nossa popiilaçã0. A burguesia alega então que esse mecanismo não É perÍeito e que
17
em aigLnrs casos excepcionais, os prcdutos demandados devem ser oferecidos pelo [staCo ou pelo menos c0m
sua forte pafiicipaçãc. No caso da habitaçãa popular, essa participação pode assumirváriasÍarmas.
Uma delas é n subsíCio, cu seja, a aplicação de recursos pú'nlicos sem a expectativa de um retorno.0s mo-
radores das habitações construídas pela Esiado, por não terem condições de cobrir seu preç0, pagariam por
elas uma qLrantia men0r que esse preÇCI.0s recursos necessários aos subsídios, entretanic, terram que ser
retirados do processo acumulativo e assim nao produziriam lucros. Essa soluçã0, a burguesia pr0cura a lodo
custc evitar. Ela sempre lLitará por soluções que promovam a acLrmulaçã0, soluções de mercado. Fica ciara
entã0 a contr-adiçãc na qualse debate a burguesia, De L:m lado, ela é Íorçacia a reconhecer que não ó possível
atencier às necessiciades habitacronais das camadas cie baixa renda através do mercado,transferindo, entã0,
o problema para 0 Estado. Por outro lado, a burguesia pr0crrra evitar a todo custo que o Estada apirque recur-
sos macrços na produção de moradias subsidiadas.
0utraÍorma de rnterveçãl do Estada na questão habrtacicnal,tem sido a regulamsntação do mercado habitacio-
nalprtvado. Neste caso, cs empresários imobiliários serian os Erandesíornecedares de habitaçã0 para 0 p0v0;
porém, tenam que sujeitar"se as reEuiameniações oÍicrais, as quars paderiam abranger grande varredade de
aspectos, desde os padrõesfísicos das casas, até as condiçoes de vendaou aluguel, as prestaçÕes, as questões
jurídicas, inclusive as referentes à terra eic, Evidentemente a burguesia prefere esta última forma de participação
do Estado. mesm0 sabendo que ela jamais atenderá às necessidades habitacionais das camadas de baixa renda.
No entanio, esse falso atendimento permaneceu durante décadas c0m0 0 únrco existente no país,
0 que aqui chamamos de legislação urbanística incluiÍirndamentalmente três tipos de Cúdigos: os de Posturas
e übras, ts de Lateamentcs e os de Zoneamentc, 0s três p0ucü 0u nada lem rnÍluída sobre as condições de
habitação da nraioria da população urbana brasileira. Então por que tíatar deles aqui? Em primeiro lugar para
cclaborar ü0m a c0mpreeusãc desse aparente paraCoxo pois, aÍinal de ccntas, sã0 comuns as aÍirmações de
que esses Códigcs sãa fundan:entais para a seüuranÇa e higiene das habitações, para prcteger 0 p0vü c0ntra
eventuais abusos dos construtores e comerciantes de habitações, para assegurar o crescimento ordenado
de nossas cidades, rromovÊr uma racional ocupação do soio urbano e outras balelas do gênero. lsso é ditc
na imprensa. nas balcões iias PreÍeituras, n0s pareceres dos urbanistas do serviço público, nos discursos de
alguns polítrcos e nas "expüsições de motivos" das leis urbanísticas, rrunicipais, estaduais e federais. Pior
arnda. lsso é repetrdo e ensinado nas universidades como se fosse verdarle,
No Brasil, especialmente a partir da década de 2fl, as casas e âpartãmentos vem sendo produzidas de maneira
crescenie c0m0 mBrcadorias, üs lotes, integracias a loteamentos, já há muito são produzidos c0m0 merca-
dorias iapesar de alguns c0nfuncjirem "lote" Êom "terra" e acharem que ele á produto não prcduzid0 Ê que
poÍtanio nãc poderia ser mercaCoria), A esrrilha da localização dos lotÊâmentcs e de seus padrÕes tácnicos,
bem como a escolha da localizaçãc das ativioades urbanas e dos estabelecimentas que as abrigam 
- 
escrr-
tórios, cittemâs, residências, supermercados, aÍicrnas * semprc foifeita, em n0ssas cidades segundo as leis
de mercado, Estas á que ressond*m às perguntas "onde produzir?" da mesma forma que respondem "0 que
prrduzir?" 0u "cüm0 produzir?" ü mesmo vale para â pergunta "onde morar?" As atlvidades econômicas {abriqadas
em lojas, fábricas ou escritórios), procuram a localização que maximiza o lucro e as residências a localizaÇão que
maximiza a relação satrsfaçãolcusios com a casa.0s üódigos Urbanísticos pretendem, poftanlo, regulamentar a
produção e a comercialização de produtos irnohiliários, as quais se dão segundo as leis de mercado. Assim, unia lei
18
de z0neamento ou loteamento, regula a localização de atividades nas cidades oLr os padrões urbanístjcos de um
loteamentc,tanto quanto a SUNAB regula o preço dc cafezrnho ou do pã0, ou seja, regula murto superÍicralmen-
te. Antes de n:ars tiada, quem determ!na esses preÇ0s é o mercado. Só respertando as condiÇões de mercado e
que a SUNAB pade tabelar 0 preÇ0 do caÍézinhc, Da mesma Íorma, só respeitando as condiçÕes de mercado e
as condtções ecnnômicas da população é que um Códiga de übras ou de Loteamentos pode deÍinir os padrões
mínimos de uma casâ 0Lrde um lote.0uem estiverÍora do mercado está Í0rã dos Códigos.0s Códiqcs não sãoÍei-
t0s para regularnentar a proclução e comercialização de lotes nu rãsas para 0s que estã0 Í0ra do mercado. Uma
casa que atenda aos padrões mínrmos de um Código de übras {por exemplo:fiurn terren0 de 150 mz 00m certos
reqursitos de insolação e ventrlação c0m certo pó direito mínimo. com água c0rrÊnte, com barra impermeávelna
cozrnha e no banhetro etc,item um preÇ0 mínimo. As décadas se encarregaram de demonstrar que a maioria da
população brasileira, nãotem condições econônricas ietambém outras ccndiçõeslde morar em casas de acordo
c0m 0s üódigos. Portanto. em nada é beneÍiciada por eles. No Brasil, os Códigos são feitos pela minorra e para
a minoria, ou seja, aqueles que partrcipam do mercado, Em tocjos os municípios brasilerros que tem Códigos de
obras e de Loteamentos, esles cslocam Ísra da ler a nraioria das ÍamÍlias e suas casãs. Como entender entã0
Que a burguesia consiga eri aprovar Códigos c1ue ela diz serem de interesse da cidade quando na verdade só
atendem a uma minoria? Uma das razões é que, como e ssa classe não cnnsegue demonstrar ccm fatos qire ela é
capaz de oÍerecer habitações decentes pare todos, uma alte rnativa que lhe resta é "demonstra-lo" com nalavras
e Íalsas idéias, CuÍra razão é análoga {mas não igual} àquela apresentada por Francisco de 0liveira para explicar
o aparecimento da iegisiação trabalhista e do salár'io mínimo: a necessidade de se institucionalizar ilmã cerra
"ordem" no mercado imobiliário, definrndo um mínimo de "regras do jogo", um mínimo de padrões de referência,
A diferença para c0m o salário mínimo e que este aplicava-se a um mercado dos domrnados e no caso da legis-
lação urbanística aplica se a uín me rcado dos dcminantss. Essa ordem e esses padrÕes só vigorarãü parâ 0 setor
do mercado imobiliário envolvrdo na produção e comercialização de casas e lotes para as classes médra e alta,
Eles nãc são Íeites para rrigerar * e a burguesia sabe drsso 
- 
no mercada de habitações populares. Sem dúvida,
e necessário um sncrme trabalho ideológrco para sustentertalsrtuação e dar a impressão de que 0s govern0s
estã0 c0m tais leis, zelando pelo "interesse públrco". Voltaremos a0 assunto,
Não se imagine, entretanto, que estam0s defendencio a elrminação dos Códigos Urbanísticos. Acrecirtar que
sua elimrnação resolve alguma coisa e tã0 engan0s0 quãnto acreditar que sua manutenção resolve, Não é
Êssa â üuestã0.
À transição para a Gasa própria
A transÍormação da habitação em "casa pr"ópria" e uma necessidade histúrica clo capitalismo. Ele tende, por
necessidade a essa transformaçã0, que poderá ser mais rápicla 0u menos rápida, dependendo das particula-
ridades cie cada formacão social.
A plena transÍormaçãn da moradia e m mercadaria, independentemente das dificuldades que apresenta e das
quais 1á Íalainos, pressupõe a sua prcpriedade, sua aquisição através de compra nn mercado c0m 0 que se
realiza a mais valia gerada na sua produçã0. No capítLrlo 2 mencronam0s que uma das partrcularidades da
produção da habitação é o longo período rie rotação dc capital-clinheiro nela investidc. Esse período é exem-
pliÍicado pela seguinte fórnrula:
19
D in he iro
(Din$ 1CI,üo
M
Terreno
M ateri a I
M ão-d e-obra
Proc esso
Produtivo
Dinheiro
D'=D+d
D'= RS 10,00 + RS 5.00
lsto signiÍica que o caprtalrsta investe uma quantia inicialde capital-dinheiro no valor de R$ 10,00 com o qual
c0mpra no mercado, as mercadorias terreno, material de construção e força rie trabalho {M). 0 capitalista
leva esses c0mp0nentes a um pr0cess0 prodLrtivo ao cabo do qual á produzido o produto "casa". Esse produ-
to inccrpora o valcr das rnercadorias utilizedas na sua produção mais um valcr adicionalciecorrente da apli-
cação de trabalho humano na produçãn. Esse valor adicional (clldecorre do Íato de que o trabalho humano
tem a propriedade de çriar um valcr nraiar do que aquele dispendido n0 prscess0 praciutivo.OLlando vende
a mercacioria no mercado, o capitalista proprietário dos meios de produção e mbolsa o valor excedente "d",
Para a maioria das mercadorias o capitalista recebe rapidamente a quantra que rnvÊstiu mais o excedente.
lsso ocorre, mesm0 que haja, como de Íato há, vários intermedrári0s nesse pr0cessü, c0m0 0s comerciantes,
por exemplo, que se especializarãm em vender, para 0s capitalistas, as suas mercadorias, e que para tanto, fi-
cam c0m uma parcela do valor "d". Só c0m esse retorn0 tem o capitaiista um ncvo val0r, já agora aLimentado,
isto é. valorrzado, para novamente investir, üuanto mais rápioa essa rotaçã0, mais vezÊs 0 capital será rein-
vestido e mais ele crescerá. A rapidez do ciclo de rotação do capitale vital para a acumulação capitalista.
0 qLie acontecs c0m a mercadoria habitação?A realização do excedente só ocorrerá clepois que ela estiver
totalmenÍe paga. A habitação não só é uma mercadoria que demora muito para ser produzida {relativamen-
te as demais mercadoriasl como tanrbern para ser consumida, Se eia for alugada, tertamenie o período de
amoi'tizaçãa dc capital adiantadc será cle algumas Cócadas, É pcr essa razão que, com o Cesenv*lvimento
do capitalismo, rnclLisive c0m a c0ncent'açãc e centralização do capital, desenvolveu-se 0 ar'tiÍício do Íinan-
ciamento, [sie envclve um n0v0 intermediário qLiÊ surge entre a prodLrção e 0 consum0 e que Íaz c0m que 0
capitalista pr0dut0r receba mais rapidamente 0 capital inicialmente investido, devidamente valorizado. Peio
Íinanciamento, arlianla sâ Êsse capilal. Marx deixou claro esse pr0cess0 especialme nte no capitulo Xll do 2q livro de
0 Capitalquando drsse:"Nos estágios menos desenvolvidas da produção capitaitsta não se realizam, por mé-
todos caprtalistas, os empreendimenios que exigem longos períodos de trabalho, p0rtant0 granrJe dispendro de
capital por lonto praz0.., Por exempio, r"iã [ünstruÇão de casas,0 particular para quem se constrói a casa, faz
pagamentos parcelados a0 ü0nstrLit0r,,. Mas na era capitalista desenvolvida, quando capitais imensos se c0n-
centram nas mãos de alguns e surge o capitalista assosiado ao lado do capitalista singular, expandinda se ao
mssm0 temp0 o sistema de crédiro, só excepcionalmente ccnstrói um empresárro capitalista por enc0menda
individualde particulares". [mbora Marx esteia falando apenas do longa períoda de produção da mercadoria,
0 mesm0 se aplica a mercadorias que aílresentam lünü0 periodc de consumo. hic caso iia moradia, amhos os
períodos são Inngos,
No Brasri a casr própria vai assumir diias Íormas, uma das quais apenas se enquadra na colacação acima;a casa
produzida para servendida no mercado de habitações, para as classes media e alta, Trata-se de uma tendêncta, pors
a ação das Íorças c0ntradttórias tem Íeito ü0m que ainda nãn seja desprezível, embora cada vez men0r, a parcela
2ü
daquelas classes que manda fazer suas casas sob encomenda. Essa tendência, no Brasil, vem se desenvolvendo
bastante n0 tocanle a apârtamentos, e menos n0 tocante a residências individuais.
A segunCa Íarma é a casa prÓpria autoconstruída. Produzida enquantovator de us0, Ésta não se enquadra no
mesm0 pr0cesso. Ao cnntrário, a explicação de sua enürme difusão no sul do Brasil a partir dos anos 20, e
em todo o país algumas dÉcadas depois, deve ser busçada na necessidade que tem o capitaiisma de rebaixar
0s custos de reprodução da Íorça de trabalho, As particularidades do desenvolvimento de nosso país, que
não cabe examinar aqui, fizeram c0m que a dilapidação da sua Íorça de trabalho puciesse ser realizada com
relativa facilidade, Com isso, as condições de moradia, c0m0 as condiçôes urbanas de vida em geral, foram
rebaixadas a níveis medievais"
Em tais condições e n0 t0cante à habitaçã0, os únicos componcntes da cesta de consumo do trabalhador que são
oÍereciios pelo mercacio são: um lote em loteamento ilegal. Iongínquo e desprovrdo de melhoramentos púbiicos,
oferecidos para compra a prestações, e o material de construçã0. A mão de obra é a do próprio trabalhador, de seus
amigos e de sua Íamílie, que trabalham na rcnstrução da moradia nas horas de folga e nos fins de semana,
Entretanto, uma silrrme e crBSCente quantidade de trabalhadores não consegue participar sequer desse mer-
cado de lotes e material de canstruçã0, Para estes, a única alternativa é a obtenção de terra gratuita e ã
utiiizaçãl de material de construção veiho e de segunda mã0,0u mesm0 transÍormar os mais vanados tipos
de matei'ialem "materialde construçã0". A oblenção deterra çratLiita e conseguida pela ocupação de "terra"
releitada pela propriedade privada c0m0 0s mangues, alagados 0u rl0rr0s, ou, na inexistência destes, pela
invasão de terrenos de propriedade pública ou privada.
As formas de habitação popular da época da passageilr do século, tanto 0s cortiÇ0s em suas várias moda-
lidades, c0m0 as habitaçÕes de vilas cperárias, eram oferecrdas pelo mercado e alugadas. lsso mostra que
naquela Época, mesm0 proporcionalmente a população de entã0, não havia no Brasil a quantidade de mi-
serávers equivaiente àquela que, especialmente a partir dos anos 70, não dispunha de dinheiro sequer para
alugar um quarto de cortrço e por isso era jogada nas favelas que floresceram c0m0 nunca antes,0 Brasil
estava eniã0 n0 final da fase de transição sntre as relações sociais feudars e capitalistas, Estava ainda no
pr0cesso de separação dos trabalhadores de seus meios de produçã0, na sua transformação em homens
'livres" captialistas. l\osso proletarrado maltrapilho arnda estava em Íormaçã0. Mrlhares de Íamílras ainda
não haviam sido despejadas e vivianr em situação semiÍeudal não só nas Íazendas mas tambérn nas casas e
palacetes urbanos. Eram a;nda freqüentes as Íamílias enürmes, com muitos empregados morando na casa
e não recebendo salário, alguns ex-escrav0s, asÍilhos adotivos, enÍim, a grande quantidade de "agregados"
que era típica das {amí!ias ricas e remediadas até as primeiras décaCas deste sáculo. A maioria dos traba-
Ihadores não integrad0s nessasfamílias, os ope rários em geral, não eram mise ráveis e 0 desenrpreg0 quase
não existra {mesmo p0íque ainda havia p0Llc0 enrprega}. Tinham o suÍiciente para alugar um quarto de cor-
tigo, o que para a ápcca, era certanrente uma condição de moradia muito menos subumana e nriserável do
que ó hole, Havia, p0rtantú, um mercado razoávelpara habitaçÕes populares, mesm0 que cortiços.
Paralelamente, no âmbito da economia nacional, e do ponto de vista do sistema de habitaçÕes, havia unia
certa disponihilidade de capilais que passou a se orientar pera 0 mercado imobr[ário, Segundo CalilPadis, o
capital acumulado até a ápoca da passagem do século não foi imediatamente carreado para ã atividade in-
21
dustriaie durante 0s an0s 2C o restabelecimento do laços internacionais, reÍorÇados pelo aumento do preço
do cafá, abateram as atividâdes industriais de forma a dese ncoraiar rnvesrrmentos n0 setor É a retomada do
prscess0 oe inCr,rstrraiização a partir dos anos 3ú, deu-se em condiçÕes tais, que p0uca margem deixaram
para que os empresários de porte mádio do setor terciáric se aventurassem na atividade inCustrial, Dsntro
desse quadr0, pr0ssegue Calil Padis, a ativiriade imobiliária c0nstituiu-se num poderoso atrativc à dive rsi-
ficação dos investimentos. Acrescenle-se a isso o explosivo crescimento urbano que o país experimentava
e as facilidades para a atividade imobiliária representadas pela indefinição da proprieciacle fundiária nas
periÍerias urbanas, c0m a c0nseqüente ação dos grileiros, e c0mpreender-se-á 0 surto imobiliáric ocorride
nas n0ssas pr-incipars metrópoles, nas primeiras dócadas do século, Nesse surto ccnvÉm separar duas
atividades: a primerra e a construcão de casas para alugar, especialmente para a classe nrédia, mas tam-
bém para as classes suhalternas. Essa atividade fa; Íorte nas dÉcadas de 1310 e 20, declinando a seguir. Â
segunda á a atividade ioteadora.
0 período compreendrdo anroximadamente enrre 1920 e 1950 ia oerrodização varra conÍorme as diferentes
cidades e regrõesimarca a transição para 0 modelc da casa própna coma forma de moradra da maioi'ra da po-
nulação urbana do Brasrl, inrlusrve das massas populares.lsso não srgnifica que a casa ds aluguelÊ 0 c0riiÇ0
tenham desaparecidc. Estes não só continuaram existindo mas também e m grande quantidade. SigniÍica que
a tçndência quÊ passa a domrnar de maneira cresúente 0 seto,'de produção de hai:ltações, tanto a popular
quanto a de classe média, e a da produção de casas destinadas a serem próprras.
Segundo Nabil Bonduki, a década de 40 marca a superaçãc do modeio "casa de aluçuel" em Sao Paulo. üs
aiuguéis vinham aumentando já desde a década anterior e atingiram níveis elevadíssimos naquela década
quenC0 Íor promulgada a Lei delnqLrilrnato. [ssa não {oi nenhuma medida "scual", nem de proteção aos
interesses dos inquillnos ccm0 aiarCeava o Estadc Nov*, mas sirn uma intervenção do Estada que contri-
buia para destruir o modelo da casa alugada e implantar o da casa própria. Ainda segundo aquele autor,
enquentü desapareciam 0s empreendrmentos destinados exclusivamente a aluguel, come çavam a surgir
as incorporações visando à venda de apartamentos em altos edifícios. Segundo 0ueiróz Ribeiro, nu Rio
a crise de moraüias de aluçuel se acentlrolr no período 1910-1930, sendo qijÊ na década de 20, o item de
despesas básicas familiares que mais aumentsu de pre ço foi o aluguei, 0 desenvolvimento do capitalisno
hrasileiro, c0lr crescentes opções de jnvestr mento, t0rnava assrm cada vez rnen0s atraente, o irrvestimen-
to enr casas para alugar.
0 período 1920 1950 é caracterizado pelo desenvolvimento simultâneo das seguintes pr0cess0s, todas eles
conduzindo parã ã casa próprra, quer autoc0nstruída, quer c0mprada no mercadc.
- 
Desenvolvimento do capital financeirn,
-lntervenção do fstadotanto na esfera jurídica c0m0 econômica para a aÍirmação do modelo da casa própria,
* Desenvolvimento da ideologia da casa própria.
:A indústria da canstruqãc civile cs empreendedores inrobiliários abandonam. ou melhor, deixam de atender
ãs crescentes rnassas popuiares quÊ se acumulam nas cidades, e seu problema habitacronalfica sem soluçã0,
* Desenvolvtmento dos transportes urbanos através dos bondes e c0m estes desbravam-se amplas Írontei-
ras adequadas a ioteamentos"
- 
Expansão dos lotsamentos "clandestinos".
22
- 
Desenvolvimentc da prática da autoconstruçã0. Englobamos sob essa denominaçã0, todas as formas de mutirã0,
auta-ajuda ou ajuda mútua.
- 
0 Estado, rnclLrsive as PreÍeituras Municipais, assume posição totalmente omissa face aos loteatnentns ilegais.
- 
Declínio da construção de mcradias de aluguelpara a classe mádia,
A difLrsão dos loteamentos p0pulares, que mais tarde vrriam a ser chamados de "clandestinss", e das práticas
de construção da casa próoria através da aluda mútua.0c0rreram principalmente nas metrópoles e crdades
médias do sLrldo país. l\o ncrdeste, a invasão Íoi aparentemsnte, a prática mais comi;m. No Rio de Janeiro, em
quB ilese o surgimento e crescimento das Íavelas, foi enorme a expansão suburbana em loteamentos ilegais e
em câsas construídas pela ajuria mútua. Nas duas décadas que se seguiram a0 an0 cie 1920, enquanto asfave-
las se iniciavam no enião Distrito Federal, a população de Nova lguaçu {que na êpoca gerou Duque de Caxias,
Nilópoiis e São João do MeritiJ, quase qurntupiicou. De 1940 a 1950 a população do conjunto desses municípras
quase triplicou. Em term0s territoriais, esse crescimento se deu malotanamente sob a forma de loteamentos
popi-rlares ilegars. Er.,r São Paulo a área Lrrbanrzada teve um cresciments mádio anual de 114 hectares entre
1905 e 1914 e de 868 hectares entre 1914 e 1930.
A ideologia da casa própria
No plano ideológico, a classe dominante dava início à produção e drfusão de idéias visando Íirmar a crenÇa
de que só a casa própria dava segurança econômica e social, representãndo uma especie de seguro face as
tncertezas do Íutura, RecentementÊ essas ideias passaram a ser charnadas de "ideologia da casa própria".
Essa expressão se diÍundru bastante e parece Íer recebrCo generalizada aceitaçã0. Entretant0, nos dias atuais,
o signiÍtcado da casa própria está l0nge de ser ideológico. A classe dominante encarreg0u se de dar-lhe um
senttdo c0ncreto, CI Íilósofo Írancês Lours Althusser diz que "..,na ideologia, o que e re presentado não é o sis-
tema das relaçôes reais que g0vernanr a exrstência dos indivícluos, mas a relaçãa imaginária destes individuos
c0m as relações reais em que vivem". Seguindo Marx mais de perto, Mariiena Chaui não Íala de "indivídLios"
mas ie classes e afirma: "A idrnlogia é o processc pelcr rjualas idéias da ciasse dominante...se tornam idéias
domrnantes" e que estas nada ".,.mais são do que a expressão idealdas relações rnaterrais donrinantes". Seja
como Íor, a tdéia da associaçãü entre casa própria e sÊíJUrança social e econômica sú representa uma rela-
ção imagrnárta ou e uma expíessão rdeal das relações Comrnanies, numa certa etapa dn Cesenvclvimento da
Tahela 3
DrsTRrBUrÇÃ0 D0s D0MrcíLr 0
sr$uNDO 0 TtP0 DE üruPAÇÃ0
MUNICíPIO DE SÃÜ PAULO
Fonte: EondLiki, N. rn Valladares, Lícia do P. 
- 
Repensando a
hahitação nr Brasil, p.146
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23
habitaçâo no Brasil e que c0rresponde mais 0u men0s aa período l!2ü150. Nesse período a classe dominante
transformou as reíações reais de maneira a c0rrespünderem à ideológia e esta deixou entã0 de existir, Ho1e,
a inrportância da casa própria esta lunge de ser ideologica" Corresponde a relações reais. A posse de uma
casa não só con{ere mais stáÍus como Íacilita as relações econômicas, abre as pürtas acs emprástimos e aos
credrários € c0nstitlli não só uma íorma bastante segilra de investimento cüm0 uma eficaz defesa cüntra a
inflaçã0. É claro que pode serfalsa a idáia de que para se ter seguranÇa social e econômica é necessáric ter
casa própria, mas 0 mundo realconstruído pela burguesra t0rn0u verdadeira essa idéia.
A intervenção do Estado n0 pr0cess0 de desiruiçâa do modelo da casa alugada Íoimarcada pcr inúnreras me-
didas de "modernizaçã0" tantc jurídicas como econômicas. Nabil Bnnduki destaca neste particular a dácada
de 4ü. Nela foi sancicnada a Lerdo lnquilinato que cüngelou os aluguéis ao níveldos que vigoravam em 1941
e Íoitambénr reformulada a Lei de Condomínios que passou a permitir a proprieriade individual de unidades
resrdenciais e m urna habiÍação coletiva. Âté Êntã0 os ediÍícios em condomínio eram em pequen0 número e o
problema jur'ídicc representadc pela prcpriedade individualde apartamentos em um únrcc ediÍício isem haver
cc-proprredadelnão estava aind* resolvido, Sua soluçãn era {undamentalmente para que se pudesse vender
apartarnentos em grandes qirantrdades" Destaca ainda aquele autor, n0 plano econôrnico, a renovação das
Carxas Econômrcas que aumer-rtaram signiÍicativamente o volume de Íinanlamento de casas e apartamÊntos
próprios a juros haixos. Finalmente, em 1337 forsancionado o Decreto-lei n!. 58 que regulamentou a venda de
lotes a prestaçã0, nredida imp0rtante para a difirsão da venda de lotes. Esse decreto-lei, entretanto, riada fez
para prüteger os interesses dos compradcres desses mesmos lotes, A proprredade de um lote e a condição
prinreira para a propriedade de uma casa.
Sob a ação de tantas e tã0 f0rtes pressÕes, a modelo, da casa a!ugada vai sendo progressivamente destruído,
inicialmente só nas grandes metrópoles; hojs, já em todo o Brasil urbanc, 0 quaCro a seguir Fn0srra esse pr0-
çesso de destruição:
Em todo o Brasil urbano, em 1983, havia um total de 13 milhões de domicílios própri0s e apenas 6 mi-
lhõcs de alugados.
0 populismo
0 tnícto cios anos4ü marca 0 c0meç0 da aÇão sistemática dn Estado n0 caFip0 da produção e conercialização
da habitaçãc pnpular no Brasii.lssn ocnrre ianÍ0 a0 nível dos govei'nos estaduais como dc gúvernú federal.
Não houve entrctanto, n0 tocante a este último, a definição de uma polítíca habitacional em escala nacional,
nem se e strutur0u â atuaÇã0 centralizada de um orgão incumi:ido de in':plementartal po!ítica. lsso só viria a
ac0ntecer em 1946 com a Fundação da Casa Popular.
A obra Habitação Popular de autoria do FINEP-GAP registra a organização da Liga Social Contra o ÍVn-
camb0, em marÇ0 de 1940, com jurisdição sobretodo o Estado de Pernambuc0, mas que na verdade atuou
apenas na Grande §eciÍe. Essa Liga pretendia operar nas faixas de rnencr rênda, então exrluídas dc
atendimento pfir parte dos lnstitutos de Aposentadoriae Pensóes 
- 
cs IAP's" No me smo ano a Prefeitura
do então Distrito Federal intensiÍicou seu progrâma de erradicação de Íavelas. Êecife e Hio eram então
24
as cidades mais famosas no Brasil pela quantidade de suh-habitações, ali chamadas de "mocambos" e
"favelas", respe ctivamente.
No âmbito federal as atuaçÕes mais destacadas Íoram as dos Institutos de Apcsentadcria e Pensoes, Esses
entretantc, atendiam apenas seus associados e atuaram majorrtariamente n0 atendimento da ilasse média,
Durante aproxin:adamet'rte sL!a década rnicial, os lnstitutos construiram 31,587 unidades hahitacionais em todo
o paÍs FINEP-GAP,
No dia 1q de nraio de 1§4ô {o dia não é sem significadc}o Pre sidente Gaspar Dutra criou a Fundação da Casa Popular
que se propunha a ".,.proporcionar a brasileiros ou estrangeiros com mais de dez anos de residência no país 0u c0m
filhos brasileiros, a aqL:rsição ou construçâo de maradia própria em zona urbana ou rural". 0 preciosismo desse tex-
I0, e seu tom entre amadorístico e ingênua revelam c0m0 n0ss0s dirigentes desconheciam a complexidade da
solirção do problema habitacional, desconhecimento aliás compreensível, pois até essa epoca a experiência
em escala nacionaltinha se limitadc a um peqLreno atendimento dado a camadas com poder aqirisrtivo suÍi-
ciente para adquirir uma moradia subsidiada. 0s nhjetivos acima mencionados não refletiam apenas demagogia
populrsta mas também ignorlância da questã0.
A Fundação da Casa Popular foi o pnmeiro órgão em escala nacional crrado ccm a {inalidacle de cferecer
habitação popular a0 povc em geral. Propirnha se a Íinanciar não apenas casas mas tambám inÍra-estrutura
urbana, produçãn de materiars de construçã0, estudos e pesquisas etc. Tais finalidades parecem indicar que
hcuve avanç0s na c0mpreensão de que o problema da habitação não se limita ao edifício casa, mas qile houve
p0uü0 pr0gresso na compreensão da Íaceta econômica n financetra da questã0,
Azevedo e Gama de Andrade acreditam que consideraçÕes de natureza politica tiveram papel decisivo na criaçãa da
Fundação da Casa Popular, Essas considerações seriam representadas pela insatisfação popular reinante na época,
A elite dominante estaria alarmada com o resultado da eleição para a Assembléia Nacional Constituinte de 1946,
quando foram eleitos 14 deputados do Partido Comunista, bem como com o resultado das eleições presrdenciais do
mesm0 ano qLre deram expressivâ v0taÇã0 ao candidato desse partido. Aqueles ailtorês estabelecem inclusive um
paraielo entre a situação de i946 e a de 1964 quando foi criado o BI\lH,
A questãa econômicn-financeira viria a se revelar o calcanhar de Aquiles da Polítca Habitacronal, Apesar de
algumastentativas de criação e exploração defontes de recursos,outras que não 0 0rçamento da Uniã0. este
é que na verdade acabou sendo o grancie sustentáculo da Fundaçã0,
Sob o populismo Íoi c0nstruídB um pequen0 número de habitações para as carnadas de baixa renda e um nú-
mer0 razcável para a classe média, todas subsidiadas. ü subsídio, como dizem Azevedo e Gama de AnCrade,
logo revelou-se um p0Ç0 sem fundo, A inviabilidade cla política habrtacionalpopuilsta ficou então clara, sendo
hoje colocada nos segurntestÉrmos por aqueles autores:"4 saída dc investimento autoÍinanciado esbarrava na
própria lógica do populismo. Como exigir que se pagasss p0r um bem que até então vinha sendo distribuído qua-
se sem ônus? Como conciliar uma política de retorno de investimento c0m a imagem paternaiista do Êstado?"
A Fundação foi extinta em 1964 e em toda sua existência não produzru mais que 16,100 unidades.0s lnstitutos cle
Aposentadoria e Pensões, chegaram a ser ativos diirante a construção de Brasília, onde custearam a construção
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de vários ediÍícios de apartamei.rtos para
lnstituto Nacronal da Previdência Social-
tinlra a Íinanciamento de moradias dentre
a classe média. Em 1966 os diversos institutos Íoranr uniÍicados no
INP§, que.1á na era do Sistema Frnanceiro da Habitaçã0, não mais
siras atribuiçcies,
A autoconstrução e a Íavela
A periÍeria ou a área sirburbana,
subequrpada 
- 
e por isso com ter-
renos baratos-formada a partir rle
loteamentos rlegais e casas cons-
truídas por ajuda mútua já é, nos
anos 50, a forma predominante de
moradra das camadas populares
na maioria das grandes cidades do
tsrasil. A paftií dos anos 70 ela pre-
domina na maioria das c!dades dc
pais, inclusive em muitas cidades
peqllenas. A outra forma de sub'
habitação que comeÇa a crescer
corno nunca é afavela.
Diante da maciça presenÇa da auioconstrução nas cidades braslleiras- e aparentemenie nas do Terceiro Mun-
do em geral- a ideologia burguesa tem Íeito algumas investidas n0 sentido de promover a aceitação dessa
Íorma de submoradra, Através de uma de!as, de funcjo romântico, prccura explorar um suposto sentirnento de
solidariedade e amizade quü se ciesenvolve em t0rn0 da produção da casa pelo processo ce "ajucla mútua" que
reúne amigos e vizinhos estimulados pela al*grs sensação de produzir a casa "c0m as próprias mã0s". Daía uti-
lizaEão da palavra "mutirão" que recorda inclusive um passado rural dos tempos em que tod0s se reumam para
prürnover e c0mem0rãr, com festas, e colheita, Ermínia Maricato recusa essa c0notaÇào romântica com ela o
termo "mutirão" e deÍine auto-construção como 0 processo de construção da casa, própria 0u nã0, seja apenas
pelos seus moradores auxiiiados p0r parentes, amrgos ou vizinhos, seja ainda pelos moradcres auxiliados por al-
gum proÍissionalremunerado. Maricato apresenia pesquisa feita em São Bemardo do Campo que indica que em
'14,3?â cios casos de moradias autoconstruídas, estas foram produzidas pelo propríetário sozinho {marido, mulher
e filnosi, e em 66,8% por proprietános, amigos e fanrliares, sem qualquer aluda de proÍissional remuneraclü, cas0
este que correspondeu a 19% dototal.0 espírito aie gre, a Íraternidade e a sslidarie dade podem atÉ existir, porem
0correm sob o sacrifício do trabalho duro que ü0ns0me as horas que deveriam ser de descanso.
0utra visão romântica e ideológica {oi desenvolvida pela arquiteto irrglês John Turner,tido como autsridade
internacional no campo da habitação popular, e que grande impacto teve n0 Brasil. Turner diz que a habi-
tação é um pr0cesso e que deve ser encarada não somente em term0s de suas características físicas mas
tambem eril term0s de seu significado para seus usirários. Como a casa precisa de constantes alterações, inclLi-
sive Íace às mudanças na Íanília, as grandes empresas construtoras jamais poderãr atender a essa necessida-
de, dada 0s seus requisítos de padronrzação e massificaçã0. Turner não conclui qLle as Íamílias necessariamente
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deveriam construir suas próprias casas mas afirma ser indispensávelque elas accmpanhem e controlem todo o
processo de produçãc, desde a escolha do local e elaboraçãc do projeto até a ü0nstruçã0.
F,lão se trata, é clarc, de distingurr o "lado bom" do "lado mau" das idáias de Turner, como de resto de qual-
quer idéia ou teoria, Trata-se de entender sua gênese e suas origens, qiie nã verdade nascem da observação
apenas das aparências do problema habitacional. Turner é tido e havido com0 um cuidadoso e experiente
"observador" cios problemas habitacionars do Tercerro Munclo. Poder-se-ra, rniciaimente perguntar pCIr que ã
"partrcipaçã0" 0u "conti'ole" se É indispensável para os pobres, enquantü a classe média se aloja cada vez
mais em apartamenios padronizados e produzidos pnr grandes emDresas em larga escala, e parece satisÍeita
com isso, Além disso, o fundo idealista de suas ideias Íica claro quando se observa que elas são do estiio do
"é preciso que...".São do estilc da pregaçâ0, da conscientizaçã0, c0m0 se a origem dos males estivessem
em "err0s" das pessoas e que estas miLdariam se lhes fosse revelada a verdade. "É preciso que" as Íamílias
conti'olem 0 pr0cesso de prociuçãc da casa. Turner não se pergunta

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