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Comunicação e Sociedade João Pissarra Esteves (Org.) Livros Horizonte j A 0 Centro de Investigação de Media e Jornalismo (CIM3), é uma associação interuniversitária, sem fins lucrativos, integrada por docentes, investigadores e profissionais, que realiza trabalhos de investigação, estudos aprofundados, relatórios, pareceres e recomendações sobre temas ligados aos media e ao jornalismo, por sua iniciativa ou mediante solicitação de entidades oficiais ou privadas. C o m u n ic a ç ã o e S o c ie d a d e OS EFEITOS SOCIAIS DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA C o m u n ic a ç ã o e S o c ied a d e OS EFEITOS SOCIAIS DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA ORGANIZADO POR J oão Pissarra E stev es COLECÇÃO Media e Jornalismo Sob a direcção do Ce n t r o d e In v e s t ig a ç ã o M e d ia e J o r n a l is m o Título: Comunicação e Sociedade Os efeitos sociais dos meios de comunicação de massa C apa: João Segurado Organizador: João Pissarra Esteves 7Yadutores: Isabel Branco, Daniel Branco, Célia Caeiro, Joana Haderer e Patrícia Silva flewsão d a tradução: Clara Roldão Caldeira ▲ © Livros Horizonte, 2002 ISBN 972-24-1188-8 Paginação/Fotolito: Gráfica 99 Impressão: Rolo e Filhos, Lda. Março, 2002 Dep. Legal n.° 176376/02 ▼ Reservados todos os direitos de publicação total ou parcial para a língua portuguesa por LIVROS HORIZONTE, LDA. Rua das Chagas, 17*1.° Dt.° - 1200 LISBOA e-mail: livroshorizonte@mail.telepac.pt ÍNDICE AGRADECIMENTOS.......................................................................................................................9 INTRODUÇÃO O ESTUDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO E A PROBLEMÁTICA DOS EFEITOS J o ã o P issa r r a E s t e v e s .................................................................................................................................................. 1 3 TEXTOS AS NOTÍCIAS COMO UMA FORMA DE CONHECIMENTO: UM CAPÍTULO NA SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO R o b e r t E . P a r k ...................................................................................................................................................................3 5 A ESTRUTURA E A FUNÇÃO DA COMUNICAÇÃO NA SOCIEDADE H arold D . L a s s w e l l .......................................................................................................................................................4 9 O FLUXO DE COMUNICAÇÃO EM DOIS NÍVEIS: MEMÓRIA ACTUALIZADA DE UMA HIPÓTESE E lihu K a t z .............................................................................................................................................................................6 1 O FLUXO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA E O CRESCIMENTO DIFERENCIAL DO CONHECIMENTO P. J. T ic h en o r , G. A. D on o h u e e C. N. O l i e n ........................................................................ 79 AS NOTÍCIAS COMO UMA REALIDADE CONSTRUÍDA G aye T u c h m a n ....................................................................................................................................................................9 1 SOCIOLOGIA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL T odd G it l in ........................................................................................................................................................................ 1 0 5 OS EFEITOS DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NA PESQUISA SOBRE OS SEUS EFEITOS E l isa b et h N oelle-N e u m a n n ....................................................................................................................................1 5 1 AGRADECIMENTOS A p u blicação deste con junto de textos perm ite reconstitu ir alguns dos m o m entos fundam entais da problem ática dos efeitos sociais dos m eios de com u n icação - um a problem ática central no âm bito dos estudos sociológicos da com u nicação e, de um a form a m ais geral, de toda a pesquisa com u nicacional. O conjunto dos trabalhos aqui apresentado fornece uma perspectiva h istóri ca da evolução do debate sobre os efeitos dos m eios de com unicação social e, em sim ultâneo, perm ite tam bém estabelecer um quadro geral das principais pro postas de análise que foram desenvolvidas ao longo dos últim os anos. E, assim, dada visibilidade a diferentes ângulos de abordagem do tem a - perspectivas política, econôm ica e cultural bem como a um vasto conjunto de tem áticas adjacentes que esta discussão vem m obilizando e tem ajudado a aprofundar: com portam entos políticos, cidadania, violência, processos sociais de m anipula ção e de influência, a formação dos gostos, etc. Os textos aqui reunidos constituem algumas das propostas originais m ais m arcantes do estudo dos efeitos, desde uma perspectiva com portam entalista (através das teorias dos efeitos totais e dos efeitos lim itados), até às m ais recen tes perspectivas cognitivistas e críticas (teorias do agendam ento, distribuição do conhecim ento , espiral do silêncio , construção das notícias e um a con cep ção crítica dos m eios de com unicação]. Enquanto problem ática central da investigação das ciências sociais, os efeitos dos m eios de com u nicação são hoje em dia um objecto de estudo incontorná vel para todos aqueles que encontram nestes novos m eios tecnológicos de m ediação sim bólica das relações hum anas um m otivo de preocupação ou de m era curiosidade. Não só para os profissionais dos próprios m eios e todos aqueles que estabelecem um a relação privilegiada (de ordem profissional, ao n ível das diversas institu ições e organizações sociais, ou «sim plesm ente» cív i ca) com estes m eios; m as tam bém , e m uito em especial, para a generalidade dos alunos e investigadores que se vêm dedicando a este dom ínio de estudo, que em bora relativam ente novo no nosso país, tem vindo a registar nos ú lti m os anos um desenvolvim ento seguro e decisivo. O co n trib u to de d iv ersos co leg as e am igos fo i d eterm in an te para a concretização desta publicação. 10 C om u n icação e S oc ied ad e Gostaria de agradecer, m uito em particular, o incentivo e ajuda que de to dos eles recebi. Em prim eiro lugar, ao Professor N elson Traquina, o prim eiro grande entu siasta deste projecto, que acom panhou desde a prim eira hora, sem pre com grande cuidado e dedicação. Aos colegas, M aria João Silveirinha, João Carlos Correia, Teresa Garcia M ar ques e Leonel Garcia M arques, pelas suas sugestões e sábias propostas que me ajudaram a solu cionar alguns problem as m ais intrincados que a tradução dos textos colocou. E, finalm ente, m ais que todos, à Paula, à Catarina e ao David: um a perm a nente presença inspiradora e pela infinita p aciência que me dispensaram ao longo de toda a realização deste projecto - e m uito mais. JPE Lisboa, 29 de Junho de 2001 INTRODUÇÃO O ESTUDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO E A PROBLEMÁTICA DOS EFEITOS BREVE RESENHA HISTÓRICA E CONTRIBUTOS PARA UMA PERSPECTIVA CRÍTICA J o ã o P iss a r r a E s t e v e s A form ação, nas prim eiras décadas do século XX, de um a d iscip lina cien tí fica esp ecialm ente vocacionada para o estudo do fenôm eno da com unicação apresenta com o suas condições constitu intes um conjunto diversificado de factores. Alguns destes factores dizem respeito à situação geral das sociedades ocidentais nessa época, outros estão m ais directam ente relacionados com as condições esp ecíficas de desenvolvim ento das ciên cias sociais e, de entre es tas, em particular, a sociologia. A este nível, sobressai com o grande problem ática m obilizadora de esforços para a constitu ição e, depois, para rápida consolidação da sociologia da com u n icação, a cham ada questão dos efeitos,cu ja presença m arcou, até aos nossos dias, quase todos os grandes m om entos do desenvolvim ento desta nova d isci plina cien tífica : proporcionou a form ulação de propostas teóricas e m etodo lógicas originais, de novas técnicas de análise (que viriam a conhecer uma am pla repercussão m esm o noutros dom ínios das ciên cias sociais] e, ainda, o desenvolvim ento de várias pesquisas de cam po paradigm áticas. A questão dos efeitos acabou, assim , por exercer um a espécie de função ordenadora sobre um a série de outras im portantes problem áticas da d iscip lina: o estudo dos diversos elem entos constitu intes dos processos com u nicacionais, em especial das audiências, o estudo da recepção e dos processos de estruturação das m en sagens, as funções sociais dos m edia - para referir apenas alguns exem plos. O con ju nto de textos apresentados nesta colectânea constitu i a selecção possível, dentro dos condicionalism os próprios a um a primeira edição do gênero o ferecida ao pú blico português, de alguns dos trabalhos e propostas m ais m arcantes surgidas neste dom ínio de estudos ao longo de todo o século xx. Não é, certam ente, um a selecção exaustiva, nem o seu critério poderá ser considerado inquestionável: m ais que fechar um a problem ática, o que esta edição pretende é sim abri-la a um a m ais am pla discussão da com unidade (cien tífica e não só) de língua portuguesa, desejando, num futuro tanto quanto possível próximo, o surgimento de novos contributos, nomeadamente editoriais, 14 C om u n icação e S oc ied ad e deste m esm o gênero e outros, que m ais incisivam ente possam dar expressão p ú blica à produção cien tífica nacional que vai sendo realizada neste dom ínio de estudos. Em qualquer caso, a im portância dos trabalhos aqui apresentados - de diferentes autores e, em alguns casos, já m uito afastados no tem po - é absolutam ente inquestionável: todos eles continuam , ainda hoje, a m arcar m om entos decisivos da história desta d iscip lina cien tífica e são m otivo de reflexão da m aior actualidade para todos os que se preocupam com os proble m as da com u nicação nos nossos dias. I Para um a m elhor com preensão das incidências, m arcantes mas tam bém bastante contraditórias, do desenvolvim ento cien tífico desta problem ática, ju stifica-se um esforço prelim inar de esclarecim ento quanto ao significado propriam ente dito, e preciso, da noção «efeitos da com unicação» neste con tex to; sendo tanto m ais ú til esta precisão quanto as questões delim itadas a partir dessa noção são, efectivam ente, bastante m ais restritas do que a própria desig nação sugere. Prim eiro, haverá que ter em conta que os efeitos considerados são apenas (ou prioritariam ente) efeitos de carácter sociológico, ou seja, as conseqüências dos processos de com unicação ao nível da vida colectiva e da organização das sociedades hum anas, o que deixa de fora (ou em plano secu n dário) m uitos outros tipos de efeitos; não obstante estes poderem tam bém ser considerados, m as sem pre, sublinhe-se m ais um a vez, de um modo secund á rio ou com plem entar. Em segundo lugar, haverá que considerar que a com u ni cação em causa se restringe aos cham ados m eios de com u nicação de m assa: não a com u nicação tout court, portanto, m as a com unicação relativa aos referi dos m eios e, m esm o dentro desta, com a atenção esp ecial a incid ir naquela que assum e um carácter público, habitualm ente designada por com unicação so cia l1. Para se com preender a razão porque a problem ática dos efeitos foi d elim i tada desta form a, as circu nstâncias sociais e h istóricas da sua em ergência são da m aior im portância. Recuando aos anos 30 do século passado, ao período entre as duas Guerras M undiais, deparam os com um am biente de extrem a conturbação a n ível social, econôm ico e político: m ais um a das fatídicas crises do sistem a capitalista (fazendo-se sentir as suas repercussões dram áticas quer nos Estados U nidos quer na Europa), a revolução com unista que se consolid a va na R ússia e os totalitarism os que germ inavam de form a am eaçadora no C ontinente Europeu - estes apenas alguns exem plos m ais m arcantes desse clim a geral de enorm e instabilidade. Ao m esm o tem po que as tecnologias de difusão co lectiva de m ensagens registavam um desenvolvim ento até então nunca visto: a im prensa de m assa, a rádio (já com um im pacto poderoso no con junto da sociedade) e a televisão (a ensaiar, então, os seus prim eiros pas sos). Em bora ainda só de um modo difuso, com eçou então a tom ar forma social m ente a consciência de um a íntim a relação entre estes dois tipos de fenôm enos, dando origem à constitu ição de um a preocupação consistente com os m eios C om u n icação e S oc ied ad e 15 de com u nicação, bem com o ao reconhecim ento, pela prim eira vez e de forma clara, do enorm e poder destes m esm os m eios. E um a inquietação envolta por um clim a de tem or e de um certo m istério, m as tam bém de um a profunda ignorância quanto aos m eandros m ais secretos do funcionam ento dos novos m eios de com u nicação e aos lim ites do seu poder. Foi assim , neste contexto histórico e nestas circu nstâncias sociais particu lares, com o objectivo de dar resposta a este gênero de necessidades de conhe cim ento, que ao nível da ciência , diferentes d isciplinas (e de entre elas em particular a sociologia) com eçaram a consolidar um a preocupação com a com u nicação, através do seu estudo rigoroso e sistem ático. A circu n stân cia de as preocupações científicas em torno dos m eios de co m u nicação se constitu írem a partir de um a forte pressão social acabaria por m arcar decisivam ente o desenvolvim ento dos estudos da com u nicação (e da sociologia da com unicação, em particular) neste período. As necessidades de conhecim ento a este nível partiram , m ais precisam ente e de um a form a orga nizada, dos próprios agentes sociais m ais directam ente ligados à actividade dos m eios de com u nicação: os em issores institucionalizados, que desta form a se im puseram , desde o in ício , com o a m ais poderosa in flu ên cia sobre o traba lho cien tífico , segundo interesses próprios e tendo em vista, declaradam ente, m axim izar a sua capacidade de controlo e de m anipulação dos m eios. Neste sentido, a problem ática dos efeitos assum e um valor paradigm ático para a sociologia da com unicação, tam bém em função do dilem a fundam ental que introduz no desenvolvim ento subsequente da d isciplina: de um lado, as exigências próprias do conhecim ento científico e do saber sobre um a dada realidade que procura sem pre aperfeiçoar-se, de outro, as pressões m ais ou m enos subtis no sentido de se produzir um «conhecim ento útil» - os constran gim entos de diversos tipos que recaem sobre o trabalho científico , procurando transform á-lo num m ero recurso produtivo, em saber instrum entalizável para fins ex tracientíficos. Esta am bivalência ficou bem tip ificada num a célebre tipologia de caracterização da pesquisa com u nicacional, enunciada nestes ter m os por Lazarsfeld: a pesquisa adm inistrativa, «conduzida ao serviço de algu ma in stân cia adm inistrativa, se ja ela de carácter público ou privado», e a pesquisa crítica , «que, prioritariam ente e a par de qualquer outro propósito particu lar servido, visa o estudo do papel geral dos m eios de com u nicação no sistem a social» (Lazarsfeld, 1941: 8 e 9). II Este dilem a, em bora tendo atravessando toda a história da sociologia da com u nicação até aos nossos dias, fez-se sentir de form a m ais aguda nos pri m eiros tem pos, com o se torna patente, nom eadam ente, na cham ada teoria dos efeitos ilimitados - a primeira proposta propriamente dita surgida neste domínio. Como o seu próprio nom eindica, a ideia que aí com eça a tom ar form a é a de que os efeitos da com u nicação de m assa se exercem de um modo total, d irecto e irreversível «sobre cada elem ento do público, que é pessoal e directa- 16 C om u n icação e S oc ied ad e m ente “atingido” pela m ensagem » (Wright, 1975: 79). A tendendo às circu n s tâncias h istóricas referidas e, em particular, ao tipo de utilização predom inan te que dos m eios de com unicação era realizada nessa época, podemos considerar que o sentido lato do fenôm eno com u nicacional se encontra ausente desta teoria e, de um modo geral, do pensam ento da m aioria dos autores que à m es m a prestaram um contributo. O que de form a clara então sobressai com o refe rên cia do fenôm eno dos m eios de com unicação de m assa é, estritam ente e em rigor, a propaganda; perante a qual o m eio cien tífico reage com a m aior perple xidade: revelando tem or em relação às suas conseqüências, mas ao m esm o tem po não escondendo tam bém um certo fascínio por este novo e enorm e po der que agora era colocado à disposição do hom em (e que a ciência , em p ri m eiro lugar, teria a possibilidade ou sonhava poder vir a dominar). No percurso cien tífico da sociologia da com unicação, esta hipótese sobre os efeitos não é m ais do que um a espécie de pré-história da d iscip lina: os contornos da problem ática com eçaram a ganhar alguma definição e os con h e cim entos sobre a m esm a adquiriram tam bém um a certa sistem aticidade, mas continuavam ainda a predom inar as meras intuições e as percepções pouco rigorosas do fenôm eno2. Embora condicionada pelo am biente social convulsivo da época, já referido, esta proposta não deve ser considerada propriam ente com o destituída de quaisquer m éritos científicos, destacando-se m esm o, a este nível, outras duas teorias com o sua principal base de sustentação: a teoria com portam entalista da acção e a teoria da sociedade de m assa - um a de carác ter psicológico e outra sociológica, respectivam ente3. A teoria com portam entalista tom ou forma a partir da psicologia behaviorista w atsoniana com o um a explicação de tipo naturalista (biologizante) da acção hum ana, tendo por referência a relação que se estabelece entre o organism o e o am biente. Esta relação é concebida, então, ainda de um a form a pouco com plexa, num a lógica estrita de associações estím ulo-resposta: aos estím ulos que têm por origem as condições am bientais correspondem determ inadas respos tas por parte do organism o, as quais constituem , afinal, o próprio com porta m ento do indivíduo. Transposta esta lógica para o funcionam ento dos m eios de com u nicação, torna-se fácil perceber a form ulação que adquire a hipótese dos efeitos totais: as m ensagens dos m eios de com unicação funcionam com o estím ulos «in jectados» nos indivíduos capazes de produzirem um a determ i nada resposta - um com portam ento uniform e e predeterm inado4. A teoria da sociedade de m assa, por sua vez, fornece o suporte sociológico da concepção dos efeitos ilim itados dos media. A preocupação com o fenôm eno da m assificação com eçou a m arcar presença no pensam ento social ainda du rante o século XIX, na seqüência de um a série de m utações sociais que atingi ram o cham ado m undo desenvolvido. Nas prim eiras décadas do século xx, esta preocupação assinala um a im portante m udança qualitativa: quando se passou a considerar que a m assa deixa de delim itar, m eram ente, um a certa form a de sociabilidade (emergente) e passa a apresentar-se com o o verdadeiro paradigm a da organização geral das sociedades desenvolvidas. Toda a carga negativa já antes associada à m assificação vê-se assim transposta para a teoria geral da sociedade, sobressaindo a imagem dos processos de com unicação im C om u n icação e S oc ied ad e 17 pessoais, destinados a gigantescas aglomerações hum anas, constituídas por in divíduos anônim os, isolados entre si, indefesos e sem qualquer capacidade de resposta às m ensagens que lhes eram dirigidas; as pessoas organizadas social m ente como massa transformam-se em alvos inertes dos meios de comunicação, enquanto as m ensagens destes m eios, estruturadas sob a forma de propaganda, se apresentam com o autênticos projécteis que visavam esses m esm os alvos5. A im agem do processo de com unicação subjacente quer à teoria com porta m entalista quer à teoria da sociedade de m assa é, pois, a da m anipulação: um im enso poder dos m edia para controlar as pessoas e levá-las a agir de acordo com as m ensagens difundidas (isto é, conform e as in tenções daqueles que as produziram ). A apresentação m ais com um da teoria dos efeitos totais assum iu um a for m a difusa e fragm entária. Ela não é tanto um corpo de conhecim entos coeren te e sistem ático, mas antes um con junto de ideias dispersas e desconexas, que podem ser encontradas em autores m uito diferentes e, em geral, sem qualquer relação entre si. A excepção a esta regra cabe a Harold Lassw ell, o qual, ao form ular um m odelo de com u nicação próprio, forneceu a sistem atização orgâ n ica e a form alização m ais consistentes desta m esm a teoria dos efeitos. Como cientista político, a preocupação de Lasswell com o fenôm eno com uni cacional tinha por principal objectivo verificar as condições de eficácia da propaganda política. N este sentido, o seu trabalho avançou com a id en tifica ção dos elem entos fundam entais constituintes do processo com u nicacional - em issor, m ensagem , receptor, canal e efeitos6; e estruturou a partir deles, de pois, as diferentes áreas de pesquisa da com u nicação7. E, porém , na form a com o o m odelo estabelece o encadeam ento linear dos seus elem entos, bem com o num con junto de pressupostos essenciais relativos ao «funcionam ento» dos processos de com unicação, que a teoria dos efeitos ilim itados m ais n itida m ente transparece no pensam ento de Lassw ell: a com unicação com o um pro cesso de tran sm issão de in form ação (entre dois pontos d eterm inad os e percorrendo um a série definida de etapas/elementos interm édios), que obede ce a um a intencionalidade in trínseca (consubstanciada pelo conteúdo da m en sagem e em vista à obtenção de resultados específicos, aferíveis em term os com portam entais), com um a organização estrutural assim étrica (o em issor como agente activo - gerador de estím ulos - e o receptor com o elem ento passivo - lim ita-se a «reagir» enquanto m assa) e absolutam ente insulada, isto é, o pro cesso de com u nicação fechado sobre si m esm o, dependente estritam ente das suas condições técn icas internas e sem qualquer in terferência determ inante por parte de algum elem ento exterior (social ou cultural). Em bora a construção deste m odelo tenha obedecido a um propósito essen cialm ente analítico, a partir dele foi possível dar in ício a um trabalho m ais sistem ático de pesquisa e experim entação em píricas, revelando-se os seus re sultados, de um modo geral, inesperados e surpreendentes. Contra todas as expectativas e os próprios pressupostos de base do m odelo, os efeitos dos m e dia não se revelaram «totais»8. E por esta razão, a Lassw ell deve ser reco n h eci do um duplo papel na história da teoria dos efeitos da com unicação: se, por um lado, se apresenta com o o m ais esclarecido representante da teoria dos 18 C om u n icação e S oc ied ad e efeitos totais, por outro, foi tam bém o prim eiro responsável de um a superação desta hipótese de trabalho, abrindo a porta a novas linhas e orientações de pesquisa, que vieram a desenvolver-se nas décadas seguintes e todas elas apon tando para um a nova (e m ais com plexa) concepção dos efeitos9. III A resposta da sociologia da com unicação, a partir dos anos 40, aos proble mas suscitados pelom odelo linear de Lassw ell evidencia um a alteração de fundo no paradigm a geral de análise: a in fluência passa a ocupar o lugar cen tral de referência que até então tinha pertencido à m anipulação - in fluência considerada com o processo social geral, o que significa tam bém que, a partir de agora, a com u nicação dos m eios de m assa deixa de poder ser considerada de um a form a isolada, exigindo antes a sua integração no con junto dos proces sos com u nicacionais que constituem a sociedade e, em term os m ais latos, nos próprios processos sociais gerais. Esta alteração, com o se com preende, tem tam bém profundas im plicações em term os da form a de com preender o Espaço Público e a O pinião Pública dos nossos dias. Outra alteração m arcante no plano científico é o investim ento p raticam en te in con d icion al no trabalho de pesquisa em pírica - característica quase au sente nos prim eiros passos da sociologia da com unicação, mas que depois (e até final dos anos 60) se veio a revelar com o o seu principal atributo. Como grande dinam izador desta viragem destaca-se a figura de um ilustre acadêm ico, Paul Felix Lazarsfeld. A sua chegada aos Estados U nidos, em 1932, ainda m uito jovem , a convite da Fundação Rockefeller e para dirigir o Radio Research Project, m arcou o in ício de um percurso fulgurante não só no dom í nio dos estudos da com u nicação m as tam bém , de um modo m ais geral, ao nível de toda a pesquisa social norte-am ericana. Em bora de origem europeia, Lazarsfeld notabilizou-se por ter im prim ido um cunho de identidade próprio à investigação social do outro lado do A tlântico, desenvolvendo aquilo que ficou conhecido com o um «novo espírito universitário», onde o behaviorism o e o positivism o m arcavam posições de destaque contra a propensão m ais filo sófica até aí predom inante (herdada da tradição europeia). A partir destas n o vas bases, a aposta no trabalho em pírico, realizado de form a sistem ática e m assiva, surgiu com o que um a conseqüência natural, assim com o o estreita m ento de ligações entre o m eio acadêm ico e o m undo das em presas. Toda uma nova orientação, em sum a, tendo em vista um único objectivo: a racionaliza ção em term os praticistas das ciên cias sociais - o «cam inho da glória» que viria a projectar estas ciências para a sua participação com enorm e êxito no grande processo de desenvolvim ento desencadeado no Pós-Guerra. A problem ática dos efeitos foi da m aior utilidade para este am bicioso pro jecto . Todos os requisitos indispensáveis encontravam -se nela reunidos: trata- -se de um a questão com um sentido prático indiscutível, a exigir um esforço su bstancial em term os de pesquisa em pírica e que correspondia, tam bém , a um a necessidade social em inente (reclam ada por agentes sociais m uito diver- C om u n icação e S oc ied ad e 19 sos, directa ou indirectam ente ligados aos meios de com unicação). O contributo decisivo de Lazarsfeld para a sociologia da com unicação ficou em especial associado a duas propostas originais deste autor: um novo m odelo de com u ni cação, conhecido por «fluxo de com unicação em dois níveis», e a teoria dos efeitos m ínim os (que, com o o nom e indica, altera radicalm ente alguns dos princípios da anterior concepção dos efeitos). A validação de am bos estes in s trum entos cien tíficos decorreu na seqüência da realização de dois im portan tes trabalhos de pesquisa, cujos resultados viriam a ser objecto de publicação em livro com os seguintes títulos sugestivos: The People’s Choice - how the voter m akes up his mind in a presidential campaign (1944) e Personal Influence - the part played by people in the flow o f mass communications (1955 )10. Em qualquer destas pesquisas, Lazarsfeld procede a um a análise dos efe i tos tendo em esp ec ia l consid eração o contexto socia l dos processos de com u n icação de m assa; e conclu i, quanto a estes m esm os efeitos, que eles dependem essencialm ente do referido m eio socia l (e não tanto, com o antes se pensava, do conteú do propriam ente dito das m ensagens difundidas). Por outro lado, a observação m ais porm enorizada do processo dos m eios de com u n icação so c ia l p u n h a em ev id ên cia , tam bém , a profunda in ad equ ação do m odelo lassw ellian o : a difusão das m ensagens não é lin ear nem u niform e no tecido social. Nas referidas pesquisas foi possível identificar, entre a totalidade dos recep tores, um con ju n to m ais restrito de indivíduos que revelavam um a ca pacidade de re lacionam ento com os m eios de com u nicação m ais in tensa; são os cham ados «líderes de opinião», que se destacam no in terior dos gru pos inform ais (dos quais eles próprios fazem parte), entre outras razões, pre cisam en te pela sensib ilid ad e superior que dem onstram perante este tipo de com u n icação e pela sua m aior pred isposição em aco lh er as m ensagens com origem n esses m eio s11. E com base nestes novos dados que Lazarsfeld acaba por form ular o seu m odelo de com u nicação: já não linear mas segundo níveis - «dois níveis» - isto é, a com u nicação dos m eios de m assa antes de atingir a generalidade do pú blico sofre ela própria um a m ediação, através dos líderes de opinião. Estes, por sua vez, cum prem neste processo a m ediação sob a form a de um a dupla função: são retransm issores das m ensagens dos m eios de com u nicação e pro cedem , sim ultaneam ente, a um trabalho selectivo sobre essas m esm as m ensa gens, ou seja, adequam -nas de algum modo às características (valores, norm as, regras, padrões de conhecim ento, etc.) dos grupos a que se destinam (fam ília, círcu los de amigos, de relações de trabalho, de vizinhança, associações de vários tipos, etc.). E assim se contraria a ideia a partir de agora considerada fantasiosa (da teoria hipodérm ica) de que os efeitos dos m eios de com unicação de m assa se processam de um a form a directa sobre as pessoas: pelo contrário, e les d ecorrem , em geral, in d irectam en te , através do quadro de re lações interpessoais em que cada indivíduo se insere e, em particular, da m ediação de certos elem entos destacados dos grupos inform ais. Por últim o, quanto à avaliação propriam ente dita do poder dos m eios de com unicação, as conclu sões das pesquisas desm entem , de um a forma que para Lazarsfeld é tam bém categórica, a hipótese dos «efeitos totais». Desde logo, os 20 C om u n icação e S oc ied ad e dados em píricos recolhidos não autorizam a que se fale de um ú nico efeito (de m anipulação), verificando-se pelo contrário diferentes tipos de efeitos, a sa ber: o reforço, a activação e a conversão - tendo sem pre por referência o pro cesso de constitu ição de um a dada opinião. Apenas o últim o se adequa ao paradigm a da teoria dos efeitos totais, na m edida em que corresponde a um poder ilim itado dos m eios de com u nicação de orientarem o com portam ento dos indivíduos; já o reforço e a activação, pela sua natureza, são a própria negação desse poder: reportam -se a com portam entos que já estão orientados (ou pelo m enos pré-orientados) antes de qualquer intervenção dos m eios de m assa. A quantificação destes vários tipos de efeitos revela, ao m esm o tempo, que são precisam ente estes últim os os m ais observados, enquanto a conversão se verifica apenas num núm ero m uito reduzido de casos12. A conclusão inevi tável, segundo esta lógica de raciocín io, só pode então ser um a: ao contrário de todas as afirm ações conhecidas e da própria convicção generalizada entre a m aioria dos estudiosos, os efeitos dos meios de com unicação são, afinal, extrema m ente diminutos! De form a um tanto paradoxal m as com o um a m ais-valia desta teoria que não pode ser esquecida (e não obstante todas as reservasque possam m erecer os seus m étodos de pesquisa e conclu sões), há que destacar a im portante reabilitação, por assim dizer, aqui proporcionada ao processo de com unicação pessoal. E este tipo de com unicação, em últim a análise, que estabelece os lim i tes dos efeitos e do poder dos m eios de m assa; um a suprem acia da com u nica ção p essoal que advém do p ap el fu nd am ental que ela co n tin u a ain d a a desem penhar em term os sociais, com o factor de hom ogeneidade e de coesão, e que lhe garante um a capacidade de in fluência superior13. Depois de um período em que dom inaram os sentim entos m ais paroxísticos sobre os m eios de com u n icação - receios, tem ores, con fian ça e fé absolu tas - , a teoria dos efeitos lim itados assum iu-se com o um elem ento de grande sere nidade, m as não estando isenta de um a profunda am bigüidade. Q uando Lazarsfeld afirm a, confiante, que nos processos gerais de in flu ên cia , o papel prim ordial con tin u a a pertencer às pessoas (relações in terp essoais), em de trim ento da im pessoalidade e do anonim ato dos m eios de com u nicação , pa rece acred itar que isto é só por si um a garantia contra a propaganda e a m anip u lação ; m as não é verdade, com o todos bem sabem os e a exp eriên cia quotidiana da com unicação confirm a a todo o m om ento. E o próprio Lazarsfeld tam bém não o ignorava, ao recon h ecer que o «poder lim itado»/«efeitos m ín i m os» dos m eios de com u n icação tinha com o corolário um papel secundário das ju stifica çõ es e das fundam entações racionais ao n ível dos processos ge rais de in flu ên cia (Lazarsfeld, B erelson e Gaudet, 1962 : 217 e 218) - neste caso, um a verdade que se ap lica tanto à com u n icação in terp essoal com o à dos m eios de m assa. O bservado à d istância o contributo de Lazarsfeld para a sociologia da co m unicação, subsiste seriam ente a dúvida se a tranqüilidade e a confiança que irradiam das suas teorias são, na verdade, a expressão de um verdadeiro saber ou, pelo contrário, meras m itificações de uma época que tantas vezes se inebriou até ao lim ite com o su cesso do seu próprio desenvolvim ento. C om u n icação e S o c ied a d e 21 IV D urante cerca de três décadas, a teoria dos efeitos lim itados assum iu in d is cu tivelm ente a posição de paradigm a dom inante da sociologia da com u nica ção - um a situação ímpar, que nenhum a outra teoria (anterior ou posterior a Lazarsfeld) no âm bito desta d iscip lina conheceu. Como refere G itlin , as razões deste sucesso estão m uito para além de asp ec tos propriam ente cien tíficos, relacionando-se antes com um con junto de pre disposições ideológicas que acabariam por se constitu ir com o verdadeiros princíp ios m etateóricos desta proposta14. Delas, cabe referir, em prim eiro lu gar, o ponto de vista adm inistrativo: a orientação das pesquisas determ inada a p artir do ex terio r por in stitu içõ e s e organizações so c ia is com am bições hegem ônicas, que viam nos m eios de com unicação um instrum ento essencial para atingirem os seus fins e desenvolverem as suas estratégias de afirm ação em geral15. Em segundo lugar, foi de igual modo determ inante para o sucesso destas pesquisas a sua orientação com ercial, isto é, a forma com o assim ilaram na perfeição a «natureza» do seu objecto de estudo - o sistem a dos m eios de com unicação norte-am ericano; a problem ática dos efeitos assum iu, assim , como seu objectivo m uito preciso e prioritário, a produção de um conhecim ento útil quanto à «m elhor form a de com unicar», num a perspectiva de eficácia econô m ica (dos próprios m eios de com unicação e dos bens de consum o em geral, cu ja com ercialização passou a estar directam ente dependente dos prim eiros)16. Por últim o, há a registar a m arca indelével da ideologia social-dem ocrata no pensam ento de Lazarsfeld - definida desde o tem po da sua juventude vienense e do círcu lo de am izades que então estabeleceu com destacados in telectu ais e dirigentes políticos do cham ado m arxism o-austríaco (Adler, Bauer i Hilferding); a partir de um a ideia de dem ocracia sui generis, as ciên cias sociais de um m odo geral são predispostas de modo a prestarem o seu contributo à celebra ção de um a esp écie de ritual perm anente de expressão das escolhas e prefe rências dos indivíduos (segundo um a pauta, porém , predefinida por agentes institu cionais, com erciais e políticos, à margem da in iciativa dos próprios in divíduos). Deste m odo, o declín io do paradigma dom inante, a partir dos anos 70, não pode tam bém deixar de ser relacionado com as condições sociais que determ i naram a crise destes m esm os princíp ios m etateóricos (pressupostos ideológi cos). A este nível destacam -se certas transform ações registadas directam ente ao n ível do próprio sistem a dos m eios de com unicação, em particular, a fulgu rante expansão da televisão, que num curto espaço de tem po conquistou um a posição hegem ônica, afirm ando-se com um a intervenção p olítica decisiva e evidenciando recursos operativos únicos (fora do a lcance de todos os outros m eios) - capacidades apelativas, de sedução, de síntese de m ensagens e de m anipulação da fronteira sim bólico-realidade. Neste plano, ainda, outra alte ração im portante (resultado da própria televisão, mas não só) foi a grande d i v ersifica çã o da oferta de m ensagens dos m eios de co m u n icação , com a conseqüente pulverização das audiências, a sua m aior hom ogeneidade e uma distribuição da inform ação no sistem a social m uito m ais diferenciada. Quanto 22 C om u n icação e S o c ied ad e a outras transform ações sociais de ordem m ais geral que acabaram tam bém por se repercutir nos m eios de com unicação, salientam -se: um a intensificação progressiva dos factores de instabilidade p olítica (com o fim do «grande con senso» que prevaleceu nas sociedades ocidentais no Pós-Guerra), a mudança/ /crise profunda dos partidos políticos (ao nível da sua estrutura e papel social) e a transform ação tam bém do discurso político (no sentido de um a crescente dependência dos m eios de com unicação de m assa)17. M ais do que apenas um outro sentido da problem ática dos efeitos, o que com eça realm ente a tom ar form a pelos anos 70, com estas novas condições sociais e com as alterações em curso ao n ível das pesquisas18, é um a nova sociologia da com unicação, que alia às preocupações tradicionais sobre os efei tos e funções dos m eios de com unicação, novas preocupações relacionadas com o funcionam ento da Opinião Pública nos nossos dias, a im portância social do jornalism o no actual discurso político e o papel geral dos m eios de com u ni cação na construção social da realidade19. Estes novos horizontes foram defi nindo cada vez m ais nitidam ente os seus contornos a partir de um confronto crítico decisivo com o anterior paradigm a e da convicção que se consolidou de que este apenas soube esclarecer alguns aspectos da questão com u nicacional nas sociedades actuais, ao m esm o tem po que deixou obscuros, incom pletos ou esquecidos outros aspectos, servindo assim com o m era form a de ju stifica ção do status quo (sistem a de propriedade, form as de controlo e objectivos estabelecidos dos m eios de com unicação de massa). Este esforço de renovação recupera algumas das ideias in icia is desenvolvi das pela pesquisa sociológica da com unicação - ideias que perm aneceram es quecidas durante largo período, em virtude das poderosas pressões externas que se fizeram sentir sobre este gênero de pesquisa (interesses econôm icos e p olíticos que esperavam um a avaliação im ediatista dos efeitos e, acim a de tudo, o desanuviam ento das preocupações sociais quanto ao poder dos m eios de com unicação). Autorescom o Lippm ann, Park e os m em bros da Escola de Frankfurt em geral voltaram , assim , a ganhar actualidade, em função de duas ideias principais: o grande poder social dos m eios de com unicação (embora esse poder não seja agora já apresentado sob a forma sim plista de «efeitos totais») e a avaliação da incidência dos efeitos da com unicação num plano social m ais pro fundo - ao nível das formas de apreensão do mundo envolvente (representações sim bólicas), isto é, enquanto conhecim ento não sistem ático, intuitivo, fragmen tário, de senso com um e colectivam ente partilhado (acquaintance with20). Como podem os verificar, é m ais um a vez a questão dos efeitos dos m eios de com u nicação a ocupar o prim eiro plano das preocupações, mas agora através de um a perspectiva inteiram ente diferente. Já não a concepção ob jectiv ista (de Lazarsfeld ou de Lassw ell) que fazia a aferição dos efeitos em term os im edia tos e estritam ente com portam entais, mas um a concepção dos efeitos em ter m os cognitivos: ao n ível do conhecim ento social, do saber público partilhado, das form as de entendim ento que as sociedades adquirem sobre si próprias e o seu m eio envolvente. A lém deste aspecto, quanto à natureza propriam ente dita dos efeitos, regis- tam -se ainda outras grandes diferenças entre estas duas concepções. Como já C om u n icação e S o c ied a d e 23 foi referido, os m eios de com unicação voltam a ser avaliados com o poderosos - sem o dram atism o (e um a certa ingenuidade) dos anos 20, mas tam bém sem a obsessão tranquilizadora dos anos 50 e 60. Sendo efeitos ao nível das formas de pensar e de com preender o mundo, não podem já ser encarados com o efeitos directos e im ediatos, m as sobretudo indirectos (através de com plexos processos de m ediação sim bólica) e com carácter cum ulativo. Por esta razão, não são tam bém efeitos instantâneos mas de longo prazo, que exigem quadros de análise alargados e um acom panham ento mais prolongado das pesquisas. A sua aferi ção já não pode fazer confiança ilim itada nos métodos quantitativos, tornando- -se indispensável a m obilização de métodos qualitativos de pesquisa e a im agi nação de formas originais de articular estes dois tipos de metodologias. E por últim o, será a própria avaliação social dos efeitos que ganha um a nova dim en são: além dos indivíduos propriamente ditos (unidades singulares e discretas), há que considerar as unidades sociais colectivas - as instituições e as organiza ções sociais em geral que, tal com o os sujeitos individuais, são tam bém desti natárias das m ensagens dos meios de com unicação (e dos seus efeitos). Todas as principais propostas da sociologia da com unicação surgidas ao longo dos últim os anos, não obstante as diferenças que as separam , situam -se nesta linha teórica. A título m ais representativo podem os referir: a teoria da função de tem atização dos m eios de com unicação, desenvolvida por Luhm ann no âm bito de um a análise sistêm ica da Opinião Pública contem porânea (1978: 85 -1 2 9 )21; a teoria de agenda-setting, que procede a um a com paração da agen da dos m eios de com u nicação com a agenda do público para avaliar o poder de penetração que a prim eira tem sobre a segunda22; os estudos de newsmaking, que exploram o papel das notícias na construção social da realidade23; ou, ain da, a teoria do diferencial cognitivo, que procede a um a avaliação em termos sociológicos da distribuição diferenciada do conhecim ento e da inform ação através dos m eios de com u nicação24. V Todas estas teorias evidenciam um claro centram ento num a concepção dos efeitos em term os cognitivos, mas cabe tam bém realçar na m ais recente linha de renovação dos estudos sociológicos da com unicação a preocupação crítica. A posição de ruptura frontal com o paradigm a dom inante e a contestação à hegem onia que Lazarsfeld e a sua Escola exerceram neste dom ínio de estudo perpassa num a crítica dos «efeitos m ínim os» que se articula em torno de três eixos: as questões teóricas, os procedim entos m etodológicos e o quadro tem poral de análise. No plano teórico, o m odelo de Lazarsfeld coloca diversos problem as, mas quanto à questão dos efeitos, especificam ente, esses problem as podem ser cir cu nscritos (e inter-relacionados) num núcleo m ais restrito. Prim eiro, a ques tão da form a de re co n h e c im e n to do poder dos m eios de co m u n ica çã o («influência»), para a qual Lazarsfeld toma com o padrão aquilo que ele pró prio tip ifica com o a «m udança de atitude» (denunciando, assim , o seu apego 24 C om u n icação e S oc ied ad e ainda à lógica dos «efeitos totais» e à concepção do poder dos m eios de com u n icação com o «m anipulação»); todas as demais situações em que não se obser va um a «conversão» da opinião in icia l (segundo a sua própria tipologia, os casos de «reforço» e de «activação»), e que constituem a larga m aioria das ocor rências, são interpretadas com o um a suposta ausência de efeitos. Esquece-se, assim , que o que se esconde afinal por detrás desta falácia é um outro (e deci sivo) poder dos m eios de com unicação, o poder definido não pela capacidade de fazer as pessoas pensarem de outra forma mas, pelo contrário, de levá-las a pensar sem pre do m esm o modo - esse trabalho m onum ental de consolidação das ideologias ao n ível das consciências individuais, que não é objecto de qualquer questionam ento por parte das pesquisas adm inistrativas e que per m anece, assim , na m ais com pleta obscuridade25. O corolário desta prem issa m inim izadora dos efeitos dos m eios de com u ni cação é estabelecido pelo poder reconhecido às relações pessoais, mas de um a form a, contudo, bastante equívoca, que consiste em considerar estas duas fon tes de influência, em term os behavioristas, com o perfeitam ente com ensuráveis entre si, esquecendo as diferenças estruturais m arcantes que na verdade as caracterizam 26. A intenção apaziguadora da teoria dos efeitos lim itados está ainda presente num a concepção in tu icionista (e m uito ingênua) do poder, que ignora por com pleto os padrões estruturais (não equitativos nem pluralistas) da sua distribui ção social; na concepção da «liderança de opinião» com o m ero seguidism o - com o se dentro dos grupos sociais só houvesse lugar para a estabilidade e os «líderes» não tivessem qualquer papel de inovação e m udança social; e, por últim o, tam bém na equivalência funcional totalm ente abstracta que Lazarsfeld estabelece entre as diversas actividades sociais (moda, frequência de salas de cinem a, consum o de bens dom ésticos e assuntos políticos), a partir da qual procede à avaliação dos efeitos (em term os quantitativos)27. Um segundo eixo de crítica ao paradigm a dom inante desenvolve-se em tor no da sua base m etodológica28. Como é sabido, os instrum entos de análise e os m étodos de pesquisa em pírica desenvolvidos por Lazarsfeld ainda hoje gozam de um elevado reconhecim ento de notoriedade entre o m eio acadêm ico em geral, m as, com o se procurará argumentar, estes atributos não são suficientes, só por si, para construir um a sólida teoria científica , nem é claro, tão-pouco, que a sua utilização tenha sido sem pre a m ais coerente. Como já sabem os, a tese que m inim iza os efeitos dos m eios de com u nica ção tem com o corolário o reconhecim ento do papel prim ordial que continu a a pertencer à in flu ên cia pessoal; todas as pesquisas foram orientadas no sentido de confirm ar esta ideia e acum ularam -se dados sobre dados para im por a sua «evidência». M as, pelo m enos em dois m om entos cruciais, Lazarsfeld (e o seu circu n stan cia l com panheiro de pesquisa, E lihu Katz) deparou-se com contra- -ev id ên cias em baraçosas: foi em Personal Influence, quando se procurou identificar,a propósito das questões políticas, as fontes de in flu ência e o papel que os próprios indivíduos foram cham ados a reconhecer possuírem no pro cesso de in fluência . Em am bos os casos, o poder da in flu ência pessoal parece dissipar-se com o que m isteriosam ente: ao contrário dos restantes assuntos que C om u n icação e S o c ied ad e 25 foram objecto de pesquisa, nas questões políticas as pessoas não evidenciaram um a intervenção m uito relevante das relações pessoais e, nesse m esm o senti do, revelaram tam bém grande dificuldade em reconhecer para si próprias um p a p e l e s p e c íf ic o n e s s e su p o sto p ro c e s s o g era l de in f lu ê n c ia (co m o influenciadoras de outras ou com o influenciadas por outras). Am bas as situa ções - confirm adas por dados quantitativos inequívocos - deixam supor, rela tivam ente ao caso dos assuntos políticos, um a infirm ação da tese genérica dos efeitos que é sustentada: podem os de facto aceitar que estam os perante uma negação dessa tese, pois de acordo com a lógica da própria pesquisa, quando não se verifica a in flu ên cia pessoal é porque no seu lugar estará a in fluência dos m eios de com unicação. No m ínim o, porém, a questão deveria ser m erece dora de um aprofundam ento; mas não foi isso de modo algum o que acon teceu, lim itando-se os autores a proceder a um a agregação geral dos resultados (as opiniões políticas conjuntam ente com as opiniões sobre os restantes as suntos), que teve por efeito m ágico (mas cientificam ente m uito duvidoso) uma diluição das d iscrepâncias referidas. Este é um caso típico de «efeito de realidade» m itificador produzido pela teoria, revestindo aqui a form a deste suprem o paradoxo: em bora as questões políticas tenham fornecido os dados m enos convincentes da teoria dos efeitos lim itados, seria contudo a este nível que a teoria depois encontrou o seu aco lhim ento m ais favorável e onde obteve m aior consagração. Por ú ltim o, a crítica a propósito do quadro tem poral das pesquisas sobre o fluxo de com u nicação a dois níveis. A lém da questão básica de estas pesquisas visarem apenas os efeitos de curto prazo dos m eios de com unicação, colocam - -se ainda outros problem as a este n ível quanto ao processo de generalização de resultados adoptado. O perfil desenhado para as investigações paradigm áticas contém pelo m e nos duas m arcas tem porais determ inantes que recom endavam um certo cu i dado n a in terp re ta çã o dos resu ltad o s: quanto ao s istem a dos m eios de com u nicação, o facto de a televisão não ter sido objecto de estudo, e quanto ao sistem a social, o tipo de com unidades estudadas (com unidades com um m isto de rural e de urbano, onde se observavam ainda laços fortes de relações sociais directas entre os indivíduos). M esm o considerando que este seria o perfil m ais adequado para a época - perfeitam ente aceitável quanto à exclusão da televi são (dada a sua expressão social, então, ainda m uito pouco significativa), mas já nem tanto no que se refere às com unidades seleccionadas (o perfil m isto não as torna representativas dos m eios propriam ente urbanos nem dos rurais) - , isso não chega para fazer dos resultados obtidos (para todos os efeitos, resu l tad os p o n tu a is ) a b ase de u m a «grande teoria» (su p o sta m en te geral e intem poral). M as foi isto m esm o o que acabou por acontecer29, não obstante todas as oportunidades que estes investigadores tiveram ao seu dispor (mas não aproveitaram ) para testarem de um modo m ais rigoroso as suas co n clu sões, noutro tem po e em outros locais com condições (sociais e com u nica cionais) d istintas - com a televisão já com o m eio de com u nicação de grande im pacto e com relações sociais m ais fortem ente m assificadas (e sob a in flu ên cia dos m eios de com unicação). Prevaleceu, assim , um procedim ento «cientí 26 C om u n icação e S oc ied ad e fico» de cariz m arcadam ente positivista, que teve com o efeito uma certa feti- ch ização da realidade social: dados em píricos circu nstanciais que ao serem apresentados com o «factos sociais» indiscutíveis, criaram uma absoluta evidên cia da «realidade» que é, contudo e na verdade, com pletam ente enganadora30. V I Perante as cr ítica s co n tu n d en tes que se abateram sobre o im portante paradigm a de Lazarsfeld, é natural que se possa instalar um a certa incerteza quanto à viabilidade da própria sociologia da com unicação. Contra esta perspectiva dos m ais cépticos, é possível, contudo, afirm ar com um a fundam entada convicção, um trabalho reconstrutivo, tendo por base, ju s tam ente, esta discussão crítica do paradigma dom inante que se desenvolveu nos últim os anos a partir de m últiplas direcções. Este trabalho poderá iniciar-se, m ais um a vez, partindo da questão dos efei tos, m as agora necessariam ente segundo um novo ponto de vista, que perm ita ultrapassar a visão superficial predom inante durante largo período - dos efei tos dos m eios de com unicação apenas a um nível de aparência, superficial, efeitos m ensuráveis, com portam entais, de curto prazo, m ais ou m enos d irec tos e im ediatos. Estam os agora confrontados com um a noção sociológica m ais consistente das audiências, considerando não só os seus diversos critérios de segm entação m as tam bém os perfis sim bólicos que lhes estão associados: os processo de recepção e as form as diferenciadas de descodificação das m ensa gens (Hall, 1999 : 59-61), os quadros culturais e os investim entos afectivos m obilizados. De um ponto de vista reconstrutivo, tão im portante quanto estas alterações em alguns aspectos específicos da questão dos efeitos, é a possibilidade de reenquadrar em termos gerais de um novo modo a problem ática da com unica ção na actualidade. E todo um im enso trabalho de recuperação de questões fun dam entais sobre os meios de com unicação, a cultura de massa e a com unicação em geral que ficou esquecido pelo paradigma dom inante (ou que foi realizado apenas m uito parcialm ente): os interesses e os fins que dom inam o actual siste ma dos m eios de com unicação de massa, as configurações institucionais que gerou e as transform ações que im prim iu nas instituições já existentes (ao nível da sua estrutura, objectivos e significado social), a sua repercussão nos univer sos sim bólicos das nossas sociedades (na linguagem quotidiana e nas culturas tradicionais, por exem plo), as relações que estabelece (ou inibe) com as diversas aspirações sociais e os interesses hum anos em geral. Em termos políticos, a par de um a perspectiva sistêm ica, é a possibilidade tam bém de reencontrar as pes soas concretas: perceber o significado da com unicação de m assa no universo dem ocrático dos dias de hoje (a dem ocracia de m assa face às aspirações utópi cas dos cidadãos e da vontade colectiva), o seu papel, em particular, sobre as institu ições políticas e os m ovim entos sociais. O que se espera hoje da sociologia da com unicação é, sobretudo, um a capa cidade de análise m ais incisiva, habilitada a captar as am bivalências subtis C om u n icação e S o c ied a d e 27 que atravessam o cam po dos m eios de com unicação e o universo m ais lato da com unicação nos nossos dias. Perceber por que formas e em que circunstâncias os m eios de com u nicação operam com o dispositivos de controlo social - uma «engenharia social» ao nível sim bólico, com vista à im posição de um «consen tim ento público» que tem por objectivo reprim ir aspirações e expectativas so ciais fundam entais; com preender, sim ultaneam ente, o papel esp ecífico que produtores e difusores têm em todo este trabalho. Mas, ao m esm o tem po, per ceber tam bém as form as de resistência que perpassam por estas redes, os ecos de um a infelicidadequotidiana que ressoa em m anifestações de contestação e revolta, e que por vezes se fazem tam bém ouvir através dos novos dispositivos tecnológicos de m ediação sim bólica. A par destas am plas possibilidades de renovação que se oferecem à socio logia da com u nicação a partir do seu próprio objecto de estudo, tem os ainda a considerar todo um vasto trabalho que está por realizar nos planos teórico e m etodológico: a possibilidade (e a necessidade) de encontrar enquadram entos m ais abrangentes e consistentes (para todas as novas problem áticas que aca baram de ser referidas) - que equacionem as questões do poder, da econom ia política, das ideologias, do sistem a e da sociedade de consum o, da cultura em geral (m esm o nas form as autônom as que persistem em afirm ar-se à margem dos p rocessos de m assificação) - e novos m étodos de p esqu isa (com o a etnografia, o in teraccionism o sim bólico, a sociofenom enologia, a observação participante ou as histórias de vida) que possam vir a superar o em pirism o reinante. O vasto cam po de possibilidades que, com o se vê, está ao a lcance da socio logia da com u nicação perm ite fundadam ente continuar a alim entar expectati vas quanto a um conhecim ento crítico m ais agudo do Espaço Público e da O pinião P ú blica - não apenas nas suas dim ensões m ais form ais e in stitu cion a lizadas, m as tam bém nas form as espontâneas e autônom as que nos nossos dias continuam a emergir a partir da vida quotidiana (Habermas, 1998: 439-468). N o t a s 1 Esta delimitação tão restritiva da problemática dos efeitos deixou de fora vários aspectos relevantes do fenômeno comunicacional, os quais só puderam encontrar resposta em áreas um tanto marginais da sociologia da comunicação; o caso lalvez mais representativo é o do sociólogo canadiano Erving Goffman, com uma obra monumental dedicada ao estudo da comunicação interpessoal - da sua vasta obra sobres saem como estudos mais específicos sobre a comunicação (Goffman, 1980; 1987). Nos últimos anos tem crescido a consciência (mesmo entre os investigadores que têm nos meios de comunicação de massa o seu principal motivo de interesse) de que o conhecimento neste domínio de estudo só poderá verdadeiramente sustentar-se a partir de uma perspectiva mais global e integrada do fenômeno da comunicação (o que implica uma outra forma de equacionar a problemática dos efeitos). 2 Esta fragilidade está bem patente, por exemplo, nas valorizações completamente antagônicas da própria teoria que se encontram entre os seus diversos autores. De um lado, os que viam nos meios de comunicação (e no seu extraordinário poder) uma «nova aurora da democracia» - como Park ou Cooley; de outro, aqueles que os consideravam autênticos agentes diabólicos e instrumentos demoníacos, capa zes de conduzir «à total destruição da sociedade democrática» - por exemplo, Adorno, Horkheimer ou Mills (Katz e Lazarsfeld, 1979: 17 e 18). 28 C om u n icação e S o c ied ad e 3 A presença destas duas teorias na hipótese dos efeitos totais perpassa na concepção de «uma massa atomizada, composta por milhões de leitores, ouvintes, etc. dispostos a receber a mensagem, sendo cada mensagem um estímulo directo e poderoso que conduz à acção, que obtém uma resposta directa e espon tânea; em suma, os meios de comunicação considerados como um novo tipo de força unitária - um sistema nervoso simples - que alcança os olhos e os ouvidos de todos, numa sociedade caracterizada por uma organização social amorfa e pela escassez de relações interpessoais» - (Katz e Lazarsfeld, 1979:18). 4 A designação «teoria hipodérmica» aplicada a esta concepção dos efeitos é extremamente evocativa e encontra-se com regularidade na literatura especializada (Wolf, 1987: 22 e sg.s). 5 Daí, também, a designação «bullet theory» para esta concepção dos efeitos totais ou do poder ilimitado dos meios de comunicação (Schramm, 1971: 3-53). G Elementos identificados a partir da resposta a cinco perguntas fundamentais que podem ser dirigidas a qualquer processo de comunicação concreto: Quem? Diz o quê? A quem? Por que meios? Com que conseqüências? (Lasswell, 1971: 84). 7 Segundo a terminologia do próprio autor, essas áreas são as seguintes: análise de controlo («factores que iniciam e guiam o processo comunicativo»), análise de conteúdo, análise dos meios de comunicação social, análise das audiências e análise dos efeitos (Lasswell, 1971: 84 e 85). Dadas as suas preocupações prioritárias, Lasswell veio a explorar mais sistematicamente apenas os estudos dos efeitos e dos conteú dos - domínios nucleares da propaganda (a sua produção e a avaliação das suas conseqüências). 8 Contra a ideia de um receptor passivo, que se limitava a reagir deterministicamente a estímulos que lhe eram incutidos, «a audiência revelava-se intratável; as pessoas decidiam por si se escutavam ou não, e mesmo quando escutavam, a comunicação podia não provocar qualquer efeito ou provocar efeitos opostos aos previstos. Os investigadores eram então obrigados a desviar progressivamente a sua atenção da audiên cia para compreenderem os indivíduos e o contexto social que a constituíam» (Bauer, 1964:127). 9 São três as linhas de investigação que se desenvolveram a partir do modelo de Lasswell: a pesquisa empírica da psicologia experimental (onde se destacam como nomes mais relevantes, Kurt Lewin e Carl Hovland), a sociologia estrutural-funcionalista (com uma abordagem funcional dos meios de comunica ção no conjunto da sociedade) e a sociologia empírica (que deu lugar à chamada M ass Communication R esearch ) (Schramm, 1964: 11 e 12); Wolf, 1987: 27 e 28). A primeira destas linhas de pesquisa desen volve-se um tanto à margem dos estudos sociológicos da comunicação e só a última viria a ter um impacto decisivo na consolidação da problemática dos efeitos. 10 O primeiro destes trabalhos corresponde a uma pesquisa de campo realizada em 1940, em Erie County, por altura da campanha presidencial que viria a conferir a Roosevelt o seu terceiro mandato como Presidente dos Estados Unidos; o outro trabalho apresenta os resultados de uma grande pesquisa realizada cinco anos mais tarde (em Decatur - Illinois), onde foram seguidos os processos de influência dos meios de comunicação social em diferentes áreas temáticas (bens domésticos, moda, frequência de salas de cinema e assuntos políticos) e no qual os autores procuraram testar e aperfeiçoar os instrumen tos de análise ensaiados na anterior investigação (respectivamente, Lazarsfeld, Berelson e Gaudet, 1962; Katz e Lazarsfeld, 1979). " Esta relação privilegiada que certos indivíduos mantêm com os meios de comunicação é apenas um aspecto da função social mais ampla de «liderança dos grupos informais», a qual é definida por uma espécie de critério moral reconhecido pela generalidade dos membros do grupo a certos indivíduos: os que aceitam mais entusiasticamente as normas do grupo, os mais conhecedores dos assuntos importan tes para o grupo e os mais estimados em geral pelo grupo (Katz e Lazarsfeld, 1979:108). 12 Acresce ao número diminuto de situações de conversão, a caracterização sociológica profunda mente atípica da maioria dos indivíduos nelas envolvidos: em geral, com níveis de interesse muito baixos pelos assuntos em causa e sujeitos a pressões (sociais) contraditórias (Lazarsfeld, Berelson e Gaudet, 1962:114-116). Do ponto de vista dos efeitos limitados, estes factores constituem um elemento de desva lorização suplementar do poder dos meios de comunicação social. 13 Este «poder» superior da comunicação pessoal pode também ser explicado pelas características próprias deste tipo de comunicação (em contraste com a dos meios de massa): mais extensa, mais casual (e, aparentemente, menos intencional), mais flexível, portadora de uma confiança intrínseca, com um carácter profundamentepersuasivo e a possibilidade de conferir recompensas imediatas (Lazarsfeld, Berelson e Gaudet, 1962: 212 e sg.s). ” Para o que se segue (Gitlin, 1978: 225 e sg.s). 15 «Administrativismo» que foi o principal responsável da relação siderada que esta teoria estabele ceu com a realidade social constituída (em particular, a estrutura estabelecida do sistema dos meios de C om u n icação e S o c ied ad e 29 comunicação de massa), rejeitando qualquer interrogação sobre o sentido e a razão de ser dessa realida de, ou as possibilidades da sua transformação; o caso tipico de «empirismo abstracto» que é capaz de «eliminar da pesquisa os grandes problemas sociais e as questões humanas do nosso tempo» (Mills, 1982: 83). 16 As conseqüências, no plano científico, da orientação comercial das pesquisas são demolidoras: ao assumir «o quadro consumista como definitivo e ao colocar as questões correspondentes sobre o “como”, deixa ao mesmo tempo de lado outras questões; está interessada em como os meios de massa podem expandir o seu poder e como a vida quotidiana coloca obstáculos a essa expansão, mas não está interes sada em saber quando e em que circunstâncias o poder dos meios de comunicação é um bem social, nem nas conseqüências estruturais e culturais de diferentes modelos de propriedade dos meios de comunica ção, nem na construção de uma visão de conjunto sobre as técnicas desses meios ou sobre os seus percursos históricos; não considera problemática a própria cultura do consumo e não consegue imaginar o discurso político concreto, que pode ser afectado para o melhor e para o pior pelas representações que os meios de comunicação social fazem da política» (Gitlin, 1978: 237). 17 O fenômeno de espectacularização da política, que está intimamente associado ao triunfo de uma linguagem dos meios de comunicação de massa dominada pelas figuras da narrativa, da dramatização e do entretenimento (Gomes, 1995: 299-317). 18 Não podem ser esquecidas as condições propriamente científicas que também contribuíram para o declínio deste paradigma, através de um conjunto de contributos bastante diversificado e complexo - com origem na mass com m unication research mas também noutras fontes científicas, até exteriores à própria sociologia da comunicação (Saperas, 1987: 36-49). 19 Na linha do decisivo trabalho desenvolvido pela pesquisa sociofenomenológica, passa a reconhe- cer-se, por exemplo, que «as notícias, ao imporem significações sociais, estão permanentemente a definir e a redefinir, a construir e a reconstruir os fenômenos sociais» (Tuchman, 1978:184). 20 A designação pertence a Robert Park (a partir de uma tipologia estabelecida por William James) e serve para caracterizar o tipo de conhecimento produzido pelas notícias (com base no qual os indivíduos definem uma certa imagem do seu mundo envolvente e de si próprios nesse mundo); por contraste com o conhecimento formal, analítico, sistemático e exaustivo que é próprio da ciência - know ledge about (Park, 1940: 669-686). 21 Além de ser um dos contributos pioneiros no desenvolvimento da perspectiva cognitiva dos efei tos, este trabalho assinala também a recuperação de uma posição de relevo por parte da pesquisa social europeia nos estudos dos meios de comunicação de massa. 22 A ideia de uma orientação cognitiva dos indivíduos (da sua atenção relativamente a certos temas e assuntos) da responsabilidade dos meios de comunicação social tinha já aparecido nos anos 20, a propósito da imprensa (Lippmann, 1922; Park e Burgess, 1967). Só na década de 70, porém, esta ideia pôde ser formalizada como uma teoria específica dos efeitos (McCombs e Shaw, 1972: 176-187). A ver são mais radical desta teoria sustenta não apenas uma transposição genérica das temáticas dos meios de comunicação para o «conhecimento público» mas também um paralelismo no ordenamento das duas agendas (hierarquização temática em termos de importância atribuída aos diversos assuntos) «as pessoas têm tendência para incluir ou excluir dos seus conhecimentos aquilo que os meios de comunicação de massa incluem ou excluem do seu próprio conteúdo e, além disso, o público tende a atribuir àquilo que esse conteúdo inclui uma importância que reflecte de perto a ênfase atribuída pelos meios de comunica ção de massa aos acontecimentos, aos problemas, às pessoas» (Shaw, 1979: 96). 23 O new sm aking estuda, como o nome indica, o processo de construção das notícias, o que sendo em si uma área importante de desenvolvimento da sociologia da comunicação (do jornalismo e dos jornalis tas) não é propriamente uma teoria dos efeitos; só se aproxima desta na medida em que põe em discussão o problema da «construção social da realidade», na linha da investigação fenomenológica iniciada por Schutz, e depois amplamente desenvolvida no âmbito da sociologia (Berger e Luckmann, 1978). Como trabalho de convergência exemplar a este nível deve ser mencionado (Tuchman, 1978). 24 A questão dos efeitos na «hipótese de distanciamento» assume a forma de uma discussão do papel do conhecimento como mecanismo de controlo social. A intervenção dos meios de comunicação a este nível é assim sumarizada no texto que inaugura esta teoria: «quando a difusão da informação dos meios de comunicação de massa num sistema social cresce, os sectores da população com mais elevado estatu to socioeconóm ico tendem a adquirir esta informação de forma mais ampla que os sectores socioeconómicos baixos, ao mesmo tempo que o distanciamento entre estes sectores tende a acentuar-se em vez de diminuir» (Tichenor, Donohue e Olien, 1970:159-160). 30 C om u n icação e S o c ied ad e 25 A ideia de uma aferição dos efeitos a partir do acompanhamento das opiniões dos indivíduos deixa também supor, erradamente, que o trabalho dos meios de comunicação tem sempre por objecto uma realidade previamente constituída. Como sabemos, isto está longe de ser verdade nos nossos dias, quando os meios de comunicação se apresentam cada vez mais como dispositivos primários de consti tuição da experiência simbólica: são eles os primeiros formadores da opinião e, muitas vezes, os únicos. Foi, aliás, um discípulo do próprio Lazarsfeld quem primeiro levantou esta objecção de fundo à «grande teoria» (Klapper, 1968: 85). 26 Como refere Gitlin, só uma lógica comportamentalista muito rudimentar, que reduz o comporta mento humano a uma resposta a estímulos (externos), pode esquecer as diferenças entre uma forma de influêirtia (pessoal) que é generalizada e recíproca, e outra (dos meios de comunicação social) que é hierarquizada, unidireccional e restrita (Gitlin, 1978: 212 e 213). 27 Como se os processos de opinião fossem perfeitamente uniformes e obedecessem a um mesmo padrão de exigências em todas estas matérias; segundo uma lógica política muito cara à ideologia social- democrata e que levou Lazarsfeld a sustentar como uma das suas mais conhecidas máximas a «equiva lência metodológica entre o voto socialista e a compra de sabão» (Lazarsfeld, 1969: 279). 28 Antes mesmo de uma questão de fundo relativa ao empiricismo da pesquisa da comunicação de massa, a perspectiva crítica pode tomar como seu objecto de problematização, a própria lógica interna seguida nos trabalhos de campo mais representativos (nomeadamente o estudo de Decatur sobre a «in fluência pessoal») (Gitlin, 1978: 219 e 220). 29 Aparentemente, em contradição com as recomendações muito claras que os próprios autores assu miram quanto à validação de resultados de pesquisa: exigência de repetição e corroboração regular de provas, análise comparativa sistemática de dados (Lazersfeld, Berelson e Gaudet, 1962 :18 e sg.s). 30 E o sociologismo durkheimiano que aqui se revela no seu lado mais obscuro: «os fenômenos sociais são coisas e devem ser tratados como coisas (...) desligados dos sujeitos conscientes que deles têm representações; estudados defora, como coisas exteriores» (Durkheim, 1980: 51 e 52). 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N esse caso, ao interpretar a distinção, estarei a dar-lhe um sentido pessoal. A form ulação de Jam es é, em parte, a seguinte: «Existem dois tipos de conhecim ento que se distinguem em term os gerais e práticos: podem os designá-los, respectivam ente, conhecimento de fam iliari dade e conhecimento sobre... Em m entes capazes de articular linguagem existe, de facto, algum co n h eci m ento sobre tudo. As coisas podem, pelo m enos, ser classificadas e an u n cia das quando se m anifestam . Mas em geral, quanto m enos analisarm os uma coisa e quanto m enos perceberm os as suas relações, m enor é o nosso co n h eci m ento e m aior é o nosso contacto do tipo “fam iliaridade” com essa realidade. Os dois tipos de conhecim ento são, por isso, da form a com o a m ente hum ana os utiliza, term os relativos. Isto é, o m esm o pensam ento sobre um a coisa pode ser designado conhecim ento sobre em com paração com um pensam ento mais sim ples, ou fam iliaridade com em com paração com um pensam ento m ais com plexo e m ais explícito» (James, 1896: 221 e 222). Em todo o caso, «fam iliaridade com», tal com o eu utilizaria a expressão, é o tipo de conhecim ento que inevitavelm ente se adquire no decurso dos co n tactos pessoais e im ediatos com o m undo que nos rodeia. E o tipo de co n h eci m ento que advém do uso e do costum e e não de um a investigação form al e sistem ática. N estas circunstâncias, conseguim os conhecer as coisas não ape nas através dos sentidos, mas tam bém através das respostas do nosso organis m o, com o um todo. C onhecem os as coisas, neste caso, com o coisas a que estam os habituados, num mundo ao qual estamos ajustados. Tal conhecim ento pode, efectivam ente, ser concebido com o um a form a de adaptação ou a justa m ento orgânico, que representa um a acum ulação e, por conseguinte, a conso- A ESTRUTURA E A FUNÇÃO DA COMUNICAÇÃO NA SOCIEDADE Ha ro ld D. La ss w e l l O ACTO DE COMUNICAÇÃO U m modo adequado para descrever um acto de com u nicação consiste em responder às seguintes questões: Quem Diz o quê Através de que canal A quem Com que efeito? O estudo científico do processo com unicacional tende a concentrar-se num a ou noutra destas questões. A queles que estudam o «quem», o em issor, debru çam -se sobre os factores que desencadeiam e conduzem o acto de com u nica ção. Esta subdivisão do cam po de pesquisa é denom inada análise de controlo. Os esp ecialistas que se dedicam ao «diz o quê» desenvolvem um a análise de conteúdo. A queles que dão prioridade ao estudo da rádio, im prensa, cinem a, televisão e outros canais de com unicação realizam um a análise dos meios. Quando a preocupação principal são as pessoas atingidas pelos m eios de co m u nicação, falam os de análise de audiência. Se a questão se refere ao im pacto sobre as audiências, então trata-se de análise do efeito. A utilidade de tais distinções depende unicam ente do grau de sofisticação considerado apropriado para um determinado objectivo científico e adm inistra tivo. Por exem plo, m uitas vezes é m ais sim ples com binar as análises de audiên cia e de efeito,do que m antê-las separadas. Por outro lado, podemos pretender concentrar-nos na análise do conteúdo, subdividindo para esse fim o cam po de pesquisa no estudo do sentido e no estudo do estilo, o prim eiro referindo-se à m ensagem e o segundo à organização dos elem entos que a com põem . ESTRUTURA E FUNÇÃO Por m uito m otivante que seja o trabalho de desenvolver com m aior detalhe estas categorias, a presente discussão tem um objectivo diferente. O nosso 50 C om u n icação e S o c ied a d e in teresse é m enos o de dividir o acto de com unicação, do que observá-lo com o um todo, na sua relação com o processo social global. Qualquer processo pode ser analisado segundo dois quadros de referência, nom eadam ente, o da estrutu ra e o da função; esta nossa análise da com unicação irá abordar as especializa ções que com portam determinadas funções, entre as quais se podem distinguir claram ente as seguintes: (1) a vigilância sobre o meio am biente; (2) a correlação dos elem entos da sociedade na resposta ao meio am biente; (3) a transm issão da herança social de uma geração para a seguinte. EQUIVALÊNCIAS BIOLÓGICAS M esm o correndo o risco de estabelecer falsas analogias, podem os adquirir um a perspectiva sobre as sociedades hum anas quando verificam os até que ponto a com u nicação é um a característica da vida a todos os níveis. Um a enti dade com vida, re la tiv am en te iso lad a ou em asso ciação , p o ssu i m odos especializados de receber estím ulos do m eio am biente. Quer um organismo u nicelu lar quer um grupo com posto por vários m em bros tendem a m anter um equilíbrio interno e a responder a m udanças no m eio am biente, de modo a m anter esse equilíbrio. O processo de resposta requer m odos especializados de co n d u ção das p artes do todo a um a acção harm onizad a. Os an im ais m u lticelu lares possuem célu las especializadas para a função dos contactos externos e da correlação interna. Assim , entre os prim atas, a esp ecialização é exem plificada por órgãos com o o ouvido ou o olho, e o próprio sistem a nervo so. Quando os padrões de recepção e dissem inação dos estím ulos operam re gularm ente, as diversas partes do anim al actuam de form a concertada em relação ao m eio am biente («alimentar», «fugir», «atacar»)1. Em algum as sociedades anim ais, determ inados m em bros desem penham papéis especializados de vigilância do meio am biente. Estes indivíduos actuam com o «sentinelas», m antendo-se à parte do bando ou da m anada, e provocam agitação sem pre que alguma alteração alarm ante ocorre na área envolvente. O cacarejar, o rugir ou o grito do sentinela são o suficiente para levar o grupo a reagir. Entre as actividades dos «líderes» especializados, está o estím ulo in ter no dos «seguidores» para se adaptarem de um a form a ordenada às c ircu n stân cias anunciadas pelos sentinelas. No interior de um organismo específico, altam ente diferenciado, os im pul sos nervosos recebidos e os im pulsos enviados são transm itidos através de fi bras que estabelecem ligações sinápticas com outras fibras. Os pontos críticos no processo ocorrem nos term inais de ligação, onde o im pulso que chega pode ser demasiado fraco para atingir o lim iar capaz de activar o elo de ligação se guinte. Nos centros superiores, as correntes separadas m odificam -se um as às outras, produzindo assim resultados muito diferentes daquele que seria obtido se cada um a delas seguisse um rumo separado. Em qualquer term inal de ligação pode existir não condutibilidade, condutibilidade total ou condutibilidade interm édia. Estas mesm as categorias são aplicáveis aO que se passa entre os m em bros de um a sociedade anim al. A raposa m atreira pode aproximar-se do C om u n icação e S o c ied ad e 51 galinheiro fornecendo estím ulos demasiado fracos para que a sentinela faça soar o alarme. Ou o anim al que ataca pode elim inar a sentinela, não lhe perm itin do outra reacção além de um breve grito. É óbvio que existe toda uma gradação possível entre a «condutibilidade total» e a ausência de condutibilidade. A ATENÇÃO NA SOCIEDADE MUNDIAL Quando se examina o processo de com unicação de qualquer Estado da com u nidade mundial, distinguem-se três tipos de especialistas. Um grupo supervisio na o meio ambiente político do Estado como um todo, outro correlaciona a resposta da totalidade do Estado com o meio ambiente, e um terceiro transmite determina dos padrões de resposta dos mais velhos para os jovens. Diplomatas, adidos e correspondentes estrangeiros representam aqueles que se especializam sobre o meio ambiente. Editores, jornalistas e oradores estabelecem a correlação da res posta interna. Os educadores na fam ília e na escola transmitem a herança social. As com u nicações com origem no exterior atravessam seqüências nas quais diversos em issores e receptores estão interligados. Su jeitas a m odificações em cada ponto de retransm issão, as m ensagens que têm origem num diplom ata ou num correspondente estrangeiro podem passar pelas m esas de edição e, eventualm ente, virem a alcançar grandes audiências. Se se pensar o processo de atenção m undial com o uma série de estruturas de atenção, é possível determ inar a proporção segundo a qual um conteúdo equivalente é trazido à atenção de indivíduos ou de grupos. Pode-se determ i nar o ponto a partir do qual deixa de existir «condutibilidade», e pode-se ob servar tam bém o espectro entre «condutibilidade total» e «condutibilidade m ínim a». Os centros m etropolitanos e políticos m undiais têm m uito em co m um com a in terdependência , a d iferenciação e a actividade dos centros corticais ou su bcorticais de um organism o individual. Sendo assim , as estru turas de atenção que se encontram nestes locais são as m ais variáveis, sofisti cadas e interactivas de todas as estruturas da com unidade m undial. No extrem o oposto encontram -se as estruturas de atenção dos habitantes prim itivos de zonas isoladas. Isso não significa que as culturas tradicionais estejam com pletam ente isoladas da civilização industrial. Quer se caia de pára- quedas no in terior da Nova Guiné, ou se aterre nas encostas do Him alaia, não se encontra ho je nenhum a tribo sem o m ínim o contacto com o m undo. As extensas redes de com ércio, de acção m issionária, de exploração aventureira, do cam po de estudo cien tífico e da guerra global alcançam locais m uito lon gínquos. N inguém se encontra com pletam ente fora do m undo. Entre os prim itivos, a form a final que tom a a com unicação é a canção ou o conto. A contecim entos rem otos do grande m undo dos negócios, acontecim en tos que chegam ao conhecim ento das audiências das grandes cidades são re- flectidos, se bem que de um modo im preciso, no m aterial tem ático dos cantores e dos narradores. Nestas criações, os líderes políticos de locais distantes po dem assim ser apresentados entregando terras aos cam poneses, ou a restitu ir caça em abundância às m ontanhas. 52 C om u n icação e S oc ied ad e Q uando fazem os ascender o fluxo de com unicação, verificam os que a fun ção de retransm issão im ediata entre os m em bros de tribos rem otas e nôm adas é por vezes desem penhada por habitantes de povoações com os quais aqueles m antêm contactos esporádicos. O retransm issor pode ser o professor, o m édi co, o ju iz, o co lector de im postos, o polícia, o soldado, o traficante, o vendedor, o m issionário , o estudante; em qualquer dos casos é ele o ponto de encontro de notícias e de com entários. EQUIVALÊNCIAS MAIS PORMENORIZADAS Os processos de com unicação da sociedade hum ana, quando exam inados em porm enor, revelam m uitas equivalências com as esp ecializações que se encontram nos organism os físicos e nas sociedades anim ais inferiores. Porexem plo, os diplom atas de um Estado estão colocados por todo o m undo e enviam m ensagens para um reduzido núm ero de pontos centrais. Como é ób vio, estes re la tó rio s p artem de m u itos pontos para chegarem a p ou cos, interagindo aí uns sobre os outros. M ais tarde, a seqüência desdobra-se com o um leque, segundo um padrão de poucos-para-m uitos, com o acontece quando um m inistro dos negócios estrangeiros profere um discurso em público, um artigo é publicado na im prensa, ou um docum entário é distribuído pelas salas de cinem a. As linhas de orientação que provêm do m eio exterior ao Estado são funcionalm ente equivalentes aos canais aferentes dos anim ais, que transm i tem im pulsos nervosos para o sistem a nervoso central, ou aos m eios pelos quais um sinal de alarm e é difundido entre um grupo de anim ais. Im pulsos que saem , ou eferentes, revelam paralelism os do m esm o tipo. O sistem a nervoso central é apenas parcialm ente envolvido na totalidade da transm issão de im pulsos aferentes-eferentes. Existem sistem as autom áticos que podem actuar uns sobre os outros, sem envolver os centros «superiores». A esta bilidade do m eio interno é m antida através, principalm ente, da m ediação das especializações do sistem a nervoso vegetativo ou autônomo. De modo sem e lhante, a m aioria das m ensagens no interior de qualquer Estado não envolvem os canais centrais de com unicação. Estas têm lugar no interior das fam ílias, das relações de v izinhança, das lojas, dos grupos e de outros contextos locais. A m aior parte do processo educacional decorre do mesmo modo. Um outro conjunto de equivalências significativas está relacionado com os circuitos de com unicação, os quais são predom inantem ente de sentido único ou de dois sentidos, dependendo do grau de reciprocidade entre com unicadores e audiência. Ou, dito de outro modo, a com unicação em dois sentidos ocorre quan do as funções de em issor e receptor são desempenhadas com igual frequência por duas ou mais pessoas. Considera-se norm alm ente que a conversação é um pa drão de com unicação de dois sentidos (sem considerar os monólogos). Os m o dernos instrum entos da com unicação de massa conferem um a enorm e vantagem aos que controlam as em presas gráficas, os equipam entos de radiodifusão e ou tras form as de capital fixo ou especializado. No entanto, deve-se ter em conta que as a u d iên cia s «respondem », depois de algum tem po; e m u itos dos C om u n icação e S o c ied ad e 53 controladores dos meios de com unicação de massa utilizam métodos científicos de amostragem de modo a antecipar este fecham ento do circuito. Os circuitos de duplo contacto são particularm ente evidentes nos grandes centros m etropolitanos, políticos e culturais do mundo. Nova Iorque, Moscovo, Londres e Paris, por exem plo, m antêm um intenso contacto em dois sentidos, m esm o quando o fluxo é muito reduzido em volum e (como entre M oscovo e Nova Iorque). Até locais insignificantes se tornam grandes centros quando se transformam em cidades capitais (Camberra, na Austrália; Ancara, na Turquia; o Distrito de Columbia, nos EUA). Um centro cultural como a cidade do Vaticano tem uma relação intensa de dois sentidos com os centros dominantes por todo o mundo. M esmo centros de produção especializada como Hollywood, apesar da preponderância do material emitido, recebem um enorme volume de mensagens. Um a outra distinção pode ser estabelecida entre os centros de controlo e de processam ento de m ensagens e as form ações sociais. O centro de m ensagens no enorm e Edifício do D epartam ento de Guerra do Pentágono, em W ashing ton, transm ite, apenas com pequenas alterações acidentais, as m ensagens re cebidas aos seus destinatários. Este é tam bém o papel das em presas im pressoras e distribuidoras de livros; dos expedidores, operadores de linha e m ensageiros ligados às com u nicações telegráficas; dos engenheiros radiofônicos e outros técn icos associados à radiodifusão. Estes processadores de m ensagens distin- guem -se daquelas que alteram o conteúdo do que é dito, com o é o caso de edi tores, censores e propagandistas. Falando assim dos especialistas dos símbolos em geral, é n ecessário d iferenciá-los em m anipuladores (controladores) e processadores; tip icam ente, o prim eiro grupo m odifica o conteúdo das m ensa gens, enquanto o segundo não o faz. NECESSIDADES E VALORES A pesar de term os referido um a série de equivalências funcionais e estrutu rais entre a com u nicação nas sociedades hum anas e noutras entidades vivas, não está aqui im plícito que possam os investigar de form a frutífera o processo de com u nicação na A m érica ou no m undo com os m esm os m étodos da pes quisa em anim ais inferiores ou em organism os físicos individuais. Em p sico lo gia com parativa, quando se descreve algo daquilo que rodeia um rato, um gato ou um m acaco com o um estím ulo (isto é, com o uma parte do m eio que atinge a atenção do anim al), não se pode questionar o rato; utilizam -se sim outros m eios para inferir a percepção. Quando os objectos de investigação são seres hum anos, é possível entrevistar o grande «anim al que fala». (Isto não significa que se aceite tudo com o evidências. Por vezes, prevem os o oposto do que o indivíduo diz pretender fazer. Neste caso, são consideradas outras indicações, tanto verbais, com o não verbais.) No estudo dos seres vivos, é vantajoso, como já foi dito, considerá-los como transformadores do m eio am biente no processo de satisfação das suas necessida des, m antendo assim um a situação estável de equilíbrio interno. Alim ento, sexo e outras actividades que envolvem o meio podem ser exam inadas em termos 54 C om u n icação e S oc ied ad e com parativos. Dado que os seres hum anos exibem reacções discursivas, podem ser investigadas m uito m ais relações do que nas espécies não hum anas2. C onsi derando os dados fornecidos pelo discurso (e por outros actos com unicativos), pode investigar-se a sociedade hum ana em termos de valores, isto é, com referên cia a categorias de relações que são objectos reconhecidos de satisfação. Na Am érica, por exem plo, não é necessária nenhum a técnica de estudo elaborada para perceber que o poder e o respeito são valores. Podemos demonstrá-lo, sim plesm ente, escutando testem unhos ou observando o que acontece à nossa volta. É possível estabelecer um a lista de valores correntes em qualquer grupo es colhido para investigação. M ais ainda, é possível descobrir a ordem hierárquica desses m esm os valores. Podemos ordenar os m embros de um grupo de acordo com as suas posições em relação aos valores. No que diz respeito à civilização industrial, não há hesitação em afirmar que o poder, a riqueza, o respeito, o bem - -estar e o conhecim ento se encontram entre os seus valores. Considerando ape nas esta lista, que não é exaustiva, podemos descrever com base no conhecim ento disponível (mesmo que frequentemente fragmentário) a estrutura social da maior parte do m undo. Como os valores não estão distribuídos de form a hom ogênea, a estrutura social revela um a m aior ou m enor concentração de quantidades relativam ente significativas de poder, de riqueza e de outros valores em pou cas m ãos. Em alguns locais, esta concentração é transm itida de geração em geração, form ando castas em vez de um a sociedade com m obilidade. Em qualquer sociedade, os valores são modelados e distribuídos segundo padrões m ais ou m enos próprios (instituições). As instituições incluem com uni cações que servem de apoio à rede social com o um todo. Estas com unicações constituem a ideologia; e em relação ao poder é possível diferenciar a doutrina política, a fórmula política e os miranda3. Estas distinções são ilustradas, nos Estados Unidosda Am érica, pela doutrina do individualism o, pelos artigos da Constituição, que são a fórmula, e pelas cerim ônias e lendas da vida pública, que formam os miranda. A ideologia é transmitida às novas gerações através de ins tâncias especializadas como o lar e a escola. A ideologia é apenas um a parte dos m itos de qualquer sociedade. Podem existir contra-ideologias opostas à doutrina, à fórm ula e aos miranda dom i nantes. Hoje em dia, a estrutura de poder da política m undial é profundam en te afectada pelo conflito ideológico e pelo papel de dois poderes gigantescos, os Estados U nidos e a Rússia. As elites dirigentes vêem -se m utuam ente com o potenciais inim igos, não só no sentido em que equacionam as diferenças entre Estados com o podendo ser dirim idas pela guerra, mas tam bém no sentido m ais prem ente de que a ideologia do outro pode fazer apelo a elem entos internos insatisfeitos, enfraquecendo assim a posição interna de poder de cada um a das classes dirigentes. CONFLITO SOCIAL E COMUNICAÇÃO N estas circu nstâncias, os dirigentes de um lado estão especialm ente alerta aos do outro, e confiam na com unicação com o um m eio para preservar o po C om u n icaçã o e S o c ied a d e 55 der. Sendo assim , um a função da com unicação é fornecer inform ação acerca das actividades da outra elite e sobre a sua força. Dado o medo de os canais de inform ação poderem ser controlados pela outra parte, de modo a sonegar ou distorcer inform ação, há a tendência para recorrer a um a vigilância secreta. A ssim , a espionagem internacional in tensifica-se acim a do seu n ível norm al durante os períodos de paz. Além disso, são desenvolvidos esforços de ocultação da própria identidade, de modo a neutralizar o escrutínio realizado pelo in i migo potencial. E ainda, a com unicação é utilizada afirm ativam ente com o objectivo de estabelecer contacto com as audiências no interior das fronteiras da outra potência. Estas diversas actividades estão patentes na u tilização de agentes declara dos e secretos para escrutinar o outro lado, no trabalho de contra-inform ação, na censura e na restrição de viagens, na radiodifusão e noutras actividades de inform ação para além das fronteiras. As elites dirigentes encontram -se tam bém sensibilizadas em relação a poten ciais am eaças no m eio interno. A lém do recurso a fontes de inform ação v isí veis, tam bém são adoptadas m edidas secretas. São tom adas precauções no sentido de im por «segurança» sobre o m aior núm ero possível de assuntos po líticos. Sim ultaneam ente, a ideologia da elite é reafirm ada e as contra-ideolo- gias suprim idas. Os processos aqui esboçados apresentam um paralelism o com os fenôm enos que podem ser observados no reino anim al. Instâncias esp ecializadas são m obilizadas para m anter sob vigilância as am eaças e as oportunidades que tem por origem o m eio exterior. Esses paralelism os incluem a vigilância exercida sobre o am biente interno, visto que entre os anim ais inferiores, alguns líderes de grupo alertam para ataques com origem em duas frentes, a interna e a exter na; dirigem a sua observação atenta para dois m eios. De modo a evitar a vigi lân cia exercida pelo inim igo, certas espécies dispõem de estratagem as bem conhecidos, com o por exem plo, a utilização de um fluido com o «nevoeiro» de protecção pela lu la, ou a coloração de cam uflagem do cam aleão. No entanto, parece não existir nada de sem elhante à d istinção entre canais «secretos» e «visíveis» que se observa na sociedade hum ana. Dentro de um organism o físico, o paralelism o m ais próxim o com um a revo lução social seria o desenvolvim ento de novas ligações nervosas com partes do corpo que concorrem e podem substituir as estruturas de integração central existentes. Poder-se-á dizer que isto ocorre com o em brião quando se desen volve no corpo da m ãe? Ou então, se considerarm os um processo destrutivo, enquanto distinto de um reconstrutivo, poder-se-á dizer com propriedade que a vigilância in terna se verifica no caso do cancro, dado que os cancros com pe tem pelos suplem entos alim entares do organismo? COMUNICAÇÃO EFICIENTE A análise realizada até este ponto pressupõe determ inados critérios de efi ciên cia ou de in efic iên cia na com unicação. Nas sociedades hum anas, o pro- 56 C om u n icação e S o c ied a d e cesso é tanto m ais eficien te quanto os juízos racionais são facilitados. Um juízo racional prom ove objectivos em função de valores. Nas sociedades ani m ais, a com u nicação é eficien te quando contribui para a sobrevivência, ou para algum a outra necessidade esp ecífica do agregado. Os m esm os critérios podem ser aplicados ao organism o individual. Um a das tarefas de um a sociedade organizada racionalm ente é descobrir e controlar todos os factores que interferem com a com unicação eficiente. Alguns factores lim itativos são de ordem p sicotécn ica . Por exem plo, as radiações destrutivas podem estar presentes no meio am biente, e mesmo assim perm ane cerem sem serem detectadas, dada a capacidade lim itada do organismo isolado. No entanto, m esm o as insu ficiências técn icas podem ser superadas pelo conhecim ento. Nos últim os anos, a radiodifusão de onda curta tem registado interferências por perturbações que acabarão por ser resolvidas, ou, então, que poderão levar ao abandono deste modo de radiodifusão. Durante os últim os anos, têm sido reg istad os avan ços no sen tid o de e n co n tra r su b stitu to s satisfatórios para a visão e a audição deficientes. Um desenvolvim ento m enos dram ático, em bora não m enos im portante, tem sido a descoberta de possib ili dades de correcção dos hábitos de leitura inadequados. Existem , por certo, obstáculos deliberados à com unicação, com o a censura ou a lim itação drástica de m ovim entos. Até certo ponto, os obstáculos podem ser ultrapassados por uma evasão habilidosa, mas a longo prazo será sem dú vida m ais eficien te elim iná-los através do consentim ento ou da coerção. A pura ignorância é um factor influente cujas conseqüências nunca foram avaliadas adequadam ente. Ignorância significa, neste contexto, a ausência, num dado ponto do processo de com unicação, de conhecim ento socialm ente d is ponível. Devido à falta de form ação adequada, as pessoas envolvidas na reco lha e difusão de inform ação interpretam continu am ente m al ou de form a descuidada os factos, entendendo por factos aquilo que um observador treina do e objectivo pode discernir. Ao tentar com preender a ineficiência , não devemos neglicenciar a pouca im portância atribuída à capacidade de produzir com unicação relevante. Mesmo m uitas vezes irrelevantes, ou positivam ente deturpadores, os desem penhos com andam o prestígio. Pelo interesse de um «furo», o repórter dá um toque sensacionalista a um a conferência internacional m orna, e contribui assim para a im agem popular da política in ternacional com o um conflito intenso, crôn i co, e pouco m ais. Os especialistas em com unicação não acom panham , m uitas vezes, a expansão do conhecim ento sobre este processo; note-se a relu tância com que m uitos recursos visuais têm sido adoptados. E apesar da pesquisa realizada sobre vocabulário, m uitos com unicadores de m assa continuam a seleccion ar palavras inadequadas. Isto acontece, por exem plo, quando um correspondente estrangeiro acaba por se deixar envolver pelo am biente do país em que se encontra, esquecendo que a audiência do seu país de origem não tem equivalentes directos, na sua experiência, para «esquerda», «centro» e outros term os faccionais deste gênero. Para além dos factores de com petência, o nível de e ficiên cia é por vezes in fluenciado adversam ente pela estrutura de personalidade. U m a pessoa opti-C om u n icação e S o c ied ad e 57 m ista e expansiva pode transform ar «uma pena em pássaros», e adquirir uma visão incorrecta, exageradamente optimista, dos acontecim entos. Por outro lado, quando se juntam personalidades pessim istas e cism áticas, escolhem «pássa ros» com pletam ente diferentes para confirm ar a sua consternação. Existem tam bém diferenças im portantes entre as pessoas em term os de níveis de in te ligência e de energia. Algum as das am eaças m ais graves à com unicação eficiente para a com u ni dade com o um todo estão relacionadas com os valores do poder, riqueza e respeito. Talvez os exem plos m ais evidentes de distorção pelo poder ocorram quando o conteúdo da com u nicação é ajustado deliberadam ente a um a ideo logia ou contra-ideologia. As distorções relacionadas com a riqueza não deri vam só das tentativas de in fluenciar o m ercado, por exem plo, mas tam bém das concepções rígidas de interesses econôm icos. Um exem plo típico de ineficiên- cias relacionadas com o respeito (classe social) ocorre quando um a pessoa de classe alta se relaciona apenas com pessoas do seu próprio estrato, e se esque ce de corrigir a sua perspectiva através do contacto com m em bros de outras classes. A PESQUISA EM COMUNICAÇÃO Os factores referidos que interferem com a eficiência da com u nicação ind i cam os tipos de pesquisa que, de form a vantajosa, podem ser levados a cabo sobre elos representativos da cadeia de com unicação. Cada agente é um vórti ce de factores am bientais e de predisposições. Se ja quem for que desem penhe um a função de ligação, pode ser exam inado em term os de inform ação receb i da e enviada. Q ue relatos são trazidos à atenção do elo de ligação? O que é que ele passa literalm ente? O que é que elim ina? O que é que transform a? O que é que acrescenta? Que relação as diferenças entre inform ação recebida e inform a ção enviada m antém com a cultura e a personalidade? Ao responder a estas questões é possível ponderar os vários factores de condutibilidade, de não condutibilidade e de condutibilidade m odificada. A lém do elo de ligação, é necessário tam bém considerar o elem ento prim á rio de um a seqüência de com unicação. Ao estudar o foco de atenção do obser vador prim ário, são realçados dois tipos de influência: as m ensagens às quais está exposto; e outras características do seu m eio am biente. Um adido ou um correspondente estrangeiro encontram -se eles próprios expostos aos m eios de com u nicação de m assa, bem com o às conversas privadas; podendo tam bém o próprio efectuar contagens de soldados, avaliar o posicionam ento de armas, anotar os horários de trabalho num a fábrica, observar a m anteiga e a gordura num a m esa. E de facto ú til ter em consideração a estrutura de atenção da retransm issão, mas tam bém a do elem ento prim ário, em term os de exposição aos m eios de com u nicação e de outros tipos. O papel dos factores exteriores aos m eios de com u nicação é m uito ténue, no caso de m uitos dos operadores dos elos de ligação, ao contrário do que se verifica quanto ao observador prim ário. 58 C om u n icação e S oc ied ad e AGREGADOS DE ATENÇÃO E PÚBLICOS Pode-se considerar que nem todas as pessoas são m em bros do p ú blico m undial, em bora pertençam , de certo modo, ao agregado de atenção m undial. Para pertencer a um agregado de atenção basta ter sím bolos de referência co m uns. Todos os que têm um sím bolo de referência para Nova Iorque, para a A m érica do Norte, para o hem isfério ocidental ou para o globo são, respectiva m ente, m em bros do agregado de atenção de Nova Iorque, da A m érica do Nor te, do hem isfério ocidental ou do globo. No entanto, para se ser m em bro do p ú blico de Nova Iorque, é essencial fazer-se exigências de acção p ú blica em Nova Iorque, ou que afectem expressam ente Nova Iorque. O público dos Estados Unidos, por exem plo, não está reduzido aos seus residentes ou cidadãos, visto que não cidadãos além fronteiras podem tentar in flu enciar a p olítica am ericana. E ao invés, nem todos os que vivem nos Esta dos U nidos são m em bros do público am ericano, dado ser necessário algo m ais do que atenção passiva. Um indivíduo passa de um agregado de atenção para o público, quando com eça a ter a expectativa de que aquilo que deseja pode afectar a p olítica pública. GRUPOS DE SENTIMENTO E PÚBLICOS Um a outra lim itação tem de ser tida em conta, antes de ser possível fazer um a classificação correcta de um indivíduo esp ecífico ou de um grupo com o parte de um público. As exigências form uladas em relação à p olítica pública têm de ser passíveis de debate. O público m undial é relativam ente fraco e pouco desenvolvido, em parte porque se m antém subordinado a dom ínios que envolvem sentim entos, nos quais nenhum debate é perm itido sobre assuntos políticos. Por exem plo, durante uma guerra ou crise de guerra, os habitantes de um a região estão com pletam ente em penhados em im por determinadas políticas a outros. Dado que o resultado do conflito depende da violência, e não do deba te, não existe público nestas condições. Existe sim um a rede de grupos de senti m ento que agem com o m ultidões, sem tolerância para nenhum dissidente4. Da análise realizada, torna-se claro que existem áreas de atenção, de p ú bli cos e de sentim ento com diferentes graus de inclu são na política m undial. Estas áreas estão inter-relacionadas com as características estruturais e fu n cio nais da sociedade m undial, e especialm ente do poder m undial. E evidente, por exem plo, que as potências mais fortes tendem a estar incluídas na mesma área de atenção, dado que as suas elites dirigentes estão atentas um as às ou tras enquanto fonte de grande am eaça potencial. As potências m ais fortes pres tam norm alm ente m enos atenção às potências m ais fracas do que estas prestam às prim eiras, visto que as potências m ais fortes são norm alm ente fontes m ais im portantes de am eaça, ou de protecção para as potências m ais fracas do que estas para as m ais fortes5. A estrutura de atenção no interior de um Estado é um índice im portante do respectivo grau de integração estatal. Quando as classes dom inantes tem em a C om u n icação e S o c ied a d e 59 m assa, os seus m em bros não partilham a sua visão da realidade com os restan tes m em bros da sociedade. Quando não é possível que a visão da realidade de reis, presidentes e m inistérios circu le pelo Estado com o um todo, o grau de d iscrep ância revela a que ponto os grupos dirigentes assum em que o seu po der depende da distorção. Ou, exprim indo as coisas de outro modo, se a «verdade» não é partilhada, os dirigentes esperam m ais um conflito interno do que um ajustam ento har m onioso ao am biente exterior do Estado. Consequentemente, os canais de com u n icação são controlados na esperança de se organizar a atenção da com unidade no seu con junto , de m aneira a lim itar as respostas apenas àquelas considera das favoráveis à posição de poder das classes dom inantes. O PRINCÍPIO DO ESCLARECIMENTO EQUIVALENTE D iz-se frequentem ente, na teoria dem ocrática, que a opinião pública racio nal depende do esclarecim ento. Existe, contudo, m uita am bigüidade no que se refere à natureza do esclarecim ento, e o termo é m uitas vezes tornado sinônim o de conhecim ento perfeito. Um a concepção m ais m odesta e actual é a de esc la recim ento equivalente, em vez de perfeito. A estrutura de atenção de um espe cia lista dedicado integralm ente a um a dada política será m ais elaborada e precisa do que a de um leigo. Podemos tom ar com o certo que esta diferença irá existir sem pre. A inda assim , é m uito possível que o esp ecialista e o leigo ch e guem a acordo sobre os traçosgerais da realidade. Um objectivo viável da sociedade dem ocrática é o esclarecim ento equivalente entre o especialista, o líder e o leigo. O esp ecialista, o líder e o leigo podem ter a m esm a estim ativa geral das principais tendências populacionais do m undo. Podem partilhar a m esm a v i são geral acerca das probabilidades de guerra. Não é de modo algum absurdo im aginar que os controladores dos m eios de com unicação de m assa virão a assum ir a liderança no estabelecim ento de um elevado grau de equivalência, por toda a sociedade, entre a im agem leiga de relações significativas e as im a gens de um perito ou de um líder. RESUMO O processo de com unicação na sociedade desem penha três funções: (a) vigilância do m eio am biente, revelando am eaças e oportunidades que possam afectar a posição da com unidade e das suas partes constitu intes, em term os de valores; (b) correlação dos elem entos que constituem a sociedade, com o res posta ao m eio exterior; (c) transmissão da herança social. Em geral, podem ser encontrados equivalentes biológicos nos agrupam entos hum anos e anim ais, e na econom ia de um organism o individual. Na sociedade, o processo de com unicação apresenta características especiais quando o elem ento dirigente revela m edo quer do am biente interno quer do 60 C om u n icação e S oc ied ad e externo. Para determ inar a eficiência da com unicação num determ inado con texto, é n ecessário ter em conta os valores em causa e a identidade do grupo cu ja posição está a ser estudada. Nas sociedades dem ocráticas, as escolhas racionais dependem do esclarecim ento, que, por sua vez, depende da com u ni cação; e, especialm ente, da equivalência em term os de atenção entre líderes, esp ecialistas e restantes m em bros da população. HAROLD D. LASSWELL «The Structure and Function of Communication in Society», in Lyman Bryson (ed.), The Comm unication o f Ideas, New York, Institute for Religious and Social Studies, 1948. NOTAS 1 Na medida em que os padrões comportamentais são transmitidos na estrutura hereditária de cada animal, desempenham uma função similar à transmissão da «herança social» através da educação. 2 Considerado apropriadamente, o acontecimento discursivo pode ser descrito com tanta confiança e validade quanto muitos acontecimentos não discursivos, os quais são utilizados como dados em inves tigações científicas mais habitualmente. 3 Estas distinções derivam e foram adaptadas dos escritos de Charles F. Merriam, Gaetano Mosca, Karl Manheim, e outros. Para uma exposição sistemática, ver (Lasswell e Kaplan, 1950). (N.T. - O termo latino m iranda é aqui utilizado com o sentido de aquilo que é digno de admiração e merece respeito.) 4 A distinção entre «multidão» e «público» foi estabelecida na literatura crítica italiana, francesa e alemã, como reacção à utilização excessiva por Le Bon do conceito de multidão. Para um resumo desta literatura, por um autor que se veio a revelar como um dos mais profícuos cientistas sociais neste campo, ver (Park, 1904). 5 As asserções deste parágrafo são hipóteses passíveis de serem subsumidas a partir da teoria geral do poder, referida na nota 3. Ver também (Lasswell e Goldsen, 1947: 3-11). B ib l io g r a f ia LASSWELL, Harold D. e KAPLAN, Abraham, 1950, Power an d Society, New Haven, Yale University Press. LASSWELL, Harold D. e GOLDSEN, Joseph M., 1947, «Public Attention, Opinion and Action», The International Journal o f Opinion an d Attitude R esearch, n.° 1. PARK, Robert E., 1904, M asse und Publikum; Eine m ethodologische und soziologische Untersuchung, Berne, Lack and Grunau. O FLUXO DE COMUNICAÇAO EM DOIS NIVEIS: MEMÓRIA ACTUALIZADA DE UMA HIPÓTESE* E lih u Katz A análise do processo de tom ada de decisão no decorrer de um a cam panha eleitoral levou os autores da obra The People’s Choice a sugerir que o fluxo da com u nicação de m assa poderia ser m enos directo do que norm alm ente se su punha. Estes autores propuseram com o provável que as in fluências transm iti das pelos m eios de com unicação de m assa alcançam prim eiro os «líderes de opinião» e que estes, por sua vez, transm item o que lêem e ouvem a grupos que lhes são próxim os na sua vida quotidiana, e sobre os quais exercem influência. Esta hipótese foi designada «fluxo de com unicação em dois níveis» (Lazarsfeld, Berelson e Gaudet, 1948 : 151). A ideia despertou grande interesse. Os próprios autores ficaram surpreen didos com as suas im plicações para a sociedade dem ocrática. Consideraram um sinal positivo o facto de as pessoas serem m ais facilm ente persuadidas pela com u nicação interpessoal e a in flu ência dos m eios de com u nicação ser m enos autom ática e m enos poderosa do que se tinha presum ido. Para a teoria social e para o m odelo de investigação com u nicacional, a h ip ótese sugeria que a im agem da sociedade urbana m oderna necessitava de um a revisão. A ideia da au diência com o um a m assa de indivíduos separados entre si, apenas liga dos pelos m eios de com unicação, não é com patível com a proposta do «fluxo de com u nicação em dois níveis», que im plica o reconhecim ento de redes de indivíduos interligados, através das quais a com unicação de massa é canalizada. De todas as ideias presentes em The People’s Choice a hipótese do «fluxo em dois níveis» é, provavelm ente, aquela que foi m enos bem docum entada com dados em píricos. E a razão para tal é clara: a concepção do estudo não previa a im portância que as relações interpessoais viriam a assum ir na análise dos dados. U m a vez que a im agem da audiência atom izada caracterizava gran de parte da investigação dos m eios de com unicação, foi surpreendente que a questão da in flu ên cia interpessoal tenha sequer suscitado interesse aos inves tigadores1. Em quase 17 anos, desde o in ício das pesquisas eleitorais, vários estudos desenvolvidos no Bureau o f Applied Social Research da U niversidade de Colum bia procuraram analisar esta hipótese e trabalhar a partir dela. Quatro 62 C om u n icação e S o c ied a d e desses trabalhos serão aqui destacados: o estudo sobre a influência interpessoal e com portam entos com unicacionais em Rovere, de M erton (Merton, 1 9 4 9 :1 8 0 - -219); o estudo de D ecatur sobre os processos de decisão nos dom ínios do consum o, moda, frequ ência de salas de cinem a e assuntos públicos (Katz e Lazarsfeld, 1955 : Parte II); o estudo de Elm ira sobre a cam panha eleitoral de 1948 (Berelson, Lazarsfeld e M cPhee, 1954); e, por últim o, um estudo m uito recente de Colem an, Katz e M enzel sobre a divulgação de um novo m edica m ento entre os m édicos2. Estes estudos servirão com o trabalhos de enquadram ento, a partir dos quais se procurará verificar o estado actual da hipótese do «fluxo em dois níveis», exam inar até que ponto esta encontrou confirm ação e de que form as tem sido desenvolvida, contrariada e reform ulada. A lém disso, estes estudos servirão para destacar as sucessivas estratégias que têm sido desenvolvidas para co n si derar de form a sistem ática as relações interpessoais no âm bito da investigação em com u nicação, visando em últim a análise uma espécie de «levantam ento sociom étrico». Finalm ente, estes estudos, e ainda outros a que nos referirem os de passagem , proporcionarão um a rara oportunidade de reflexão sobre proble mas no âm bito do desenvolvim ento da pesquisa social3. RESULTADOS DE THE PEOPLE’S CHOICE O ponto de partida desta retrospectiva deve ser a verificação da evidência patente no estudo eleitoral de 1940, que conduziu à form ulação original da hipótese. Essencialm ente, parecem ter estado envolvidos três tipos distintos de resultados. O prim eiro diz respeito ao impacto da influência pessoal. É afir m ado que tanto os indivíduosque se decidiram tardiam ente na cam panha, com o aqueles que alteraram a sua form a de pensar no decorrer desta, estão m ais aptos do que qualquer outra pessoa a referir a in flu ência pessoal com o determ inante para as suas decisões. A pressão política que é exercida por gru pos de fam iliares e de amigos é explicada pela hom ogeneidade política que caracteriza estes grupos. E m ais, foi m aior o núm ero de pessoas que revelou ter, no seu dia a dia, participado em discussões sobre as eleições do que pro priam ente ter ouvido algum discurso da cam panha ou lido qualquer editorial de jornal. Com base nestes dados, os autores conclu íram que os contactos pes soais parecem ter sido m ais freqüentes e m ais eficazes do que os m eios de com unicação de m assa na influência das decisões de voto (Lazarsfeld, Berelson e Gaudet, 1948 : 135-152). O segundo elem ento que entrou na form ulação da hipótese esteve re lacio nado com o fluxo da influência pessoal. Dada a aparente im portância da in flu ên cia pessoal, o passo seguinte, óbvio, foi saber se algumas pessoas tinham sido m ais im portantes do que outras na transm issão da influência. O estudo procurou identificar indivíduos «líderes de opinião» a partir de duas questões: «Tentou recentem ente convencer alguém das suas ideias políticas?» e «Alguém lhe pediu recentem ente conselho sobre um a questão política?» Na com para ção entre líderes de opinião e os restantes indivíduos, percebeu-se que os p ri C om u n icação e S oc ied ad e 63 m eiros m anifestavam m aior interesse pelas eleições. E devido à distribuição quase uniform e dos líderes de opinião pelas várias classes e ocupações, bem com o à referência freqüente por parte dos eleitores à in flu ência de amigos, colegas de trabalho e fam iliares, conclu iu -se que os líderes de opinião são susceptíveis de ser encontrados em todos os níveis da sociedade e, presum i velm ente por essa razão, são indivíduos m uito parecidos com as pessoas que eles próprios in fluenciam [Ibid.: 50-51). Um a posterior com paração entre os líderes e as restantes pessoas, no que diz respeito aos hábitos relacionados com os m eios de com unicação, proporcio nou o terceiro elem ento: os líderes de opinião e os meios de comunicação de massa. Com parados com o resto da população, os líderes de opinião estiveram consideravelm ente m ais expostos à rádio, jornais e revistas, isto é, aos m eios form ais de com u nicação (Ibid.: 51). A ssim o argum ento é claro: se a com unicação pessoal é tão im portante, se os m ais destacados neste dom ínio estão am plam ente dispersos na sociedade e se estes se encontram m ais expostos aos m eios de com unicação do que aque les que eles in fluenciam , então talvez se possa afirm ar que «as ideias frequen tem ente circu lam a partir da rádio e da im prensa para líderes de opinião, passando em seguida destes para os sectores m enos activos da população» (Ibid.: 151). ESTRUTURA DO ESTUDO ELEITORAL Para estudar a form a com o o fluxo de in fluência intervém na tom ada de decisões, o m odelo de pesquisa de The People’s Choice apresentou várias van tagens. A m ais im portante foi o m étodo de painel, que tornou possível lo ca li zar as m udanças de opinião praticam ente quando estas ocorriam e a partir daí estabelecer a sua correlação com as in fluências que afectavam os eleitores. Em segundo lugar, a unidade de efeito, a decisão, constituiu-se com o um in d ica dor tangível da m udança, que podia ser prontam ente registado. No entanto, para estudar a parte do fluxo de in fluência relacionada com os contactos entre os indivíduos, o m odelo de pesquisa revelou-se insu ficiente, um a vez que re correu a um a am ostra aleatória de indivíduos descontextualizados dos seus am bientes sociais. Este aspecto do m odelo de investigação explica a evolução que viria a ser necessária a partir dos dados disponíveis até à form ulação da hipótese de «fluxo de com unicação em dois níveis». O facto de os indivíduos, num a am ostra aleatória, apenas poderem falar por si próprios, levou a que a identificação dos líderes de opinião no estudo eleitoral de 1940 tivesse sido feita por autodesignação, isto é, com base nas respostas dos próprios indivíduos às duas questões anteriorm ente referidas4. Com efeito, era apenas exigido aos inquiridos que dissessem se eram ou não líderes de opinião. A lém do óbvio problem a de validade colocado por esta técn ica, é im portante realçar que a m esm a não perm ite a com paração entre os líderes e os seus respectivos seguidores, mas apenas a com paração entre líde res e não líderes de um modo geral. Por outras palavras, os dados consistem 64 C om u n icação e S o c ied a d e apenas em dois grupos estatísticos: o dos indivíduos que afirm aram dar con se lhos e o dos que afirm aram não dar. A ssim , o facto de os líderes estarem m ais interessados nas eleições do que os não-líderes não pode ser considerado para afirm ar que a in flu ên cia flu i no sentido dos m ais interessados para os m enos interessados. Expondo o problem a de um a form a drástica, pode até acontecer que os líderes apenas se in fluenciem uns aos outros, perm anecendo os não- -líderes à m argem do processo de influência. Contudo, a tentação de consid e rar que os não-líderes são os seguidores dos líderes é enorm e, e, em bora The People’s Choice seja um a obra cautelosa quanto a este aspecto, acabou por ceder a esta ideia5. Foi a partir da noção de que os líderes de opinião se en con tram m ais expostos aos m eios de com unicação de m assa do que os não-líderes que surgiu a proposta do «fluxo de com unicação em dois níveis»; no entanto, m anifestam ente, esta proposta só poderá ser considerada verdadeira se os não- -líderes forem , de facto, seguidores dos líderes. Os próprios autores realçaram que um método m ais rigoroso teria sido o de «questionar as pessoas sobre a quem tinham pedido conselho sobre determ i nado assunto, e em seguida investigar a interacção entre conselheiros e acon selhad os. M as este proced im ento teria sido extrem am ente d ifícil, se não im possível, já que poucos destes “líderes” e “seguidores” faziam parte da am os tra» (Lazarsfeld, B erelson e Gaudet, 1948: 49-50). Como verem os já em segui da, este é, provavelmente, o problema mais importante que os estudos subsequentes procuraram resolver. ESTRUTURA DE TRÊS ESTUDOS SUBSEQUENTES Até aqui, foram passados em revista dois aspectos da form ulação original da hipótese de «fluxo em dois níveis». Prim eiro, a hipótese foi apresentada com o possuindo três elem entos distintos, respeitando, respectivam ente, ao im pacto da in flu ên cia pessoal, ao fluxo da in fluência pessoal e à relação entre os líderes de opinião e os m eios de com unicação de m assa. A evidência sub jacen te a cada um deles foi já objecto de análise. Segundo, o m odelo do estudo foi invocado com o objectivo de apontar a dificuldade inerente à resolução do problem a da incorporação, num estudo transversal, dois dois padrões de in flu ência num a situação de transacção de influências. A partir deste ponto, o foco principal de atenção voltar-se-á para os estudos que surgiram na seqüência de The People’s Choice. Abordarem os, em prim eiro lugar, as diferentes concepções de investigação sobre a in flu ência pessoal, apresentadas por três dos quatro estudos seleccionados para revisão6. C onse quentem ente, os resultados substantivos destes estudos serão passados em revista e avaliados de form a a poderem constituir um a m em ória actualizada das com provações acum uladas contra e a favor da hipótese do «fluxo de co m u nicação em dois níveis». 1 - 0 Estudo de Rovere. Realizado exactam ente na altura em que a pesquisa eleitoral de 1940 estava a ser term inada, este estudo,o prim eiro dos três a ser C om u n icação e S o c ied ad e 65 concluído, foi efectuado num a pequena cidade de New Jersey. Com eçou por considerar um a amostra de 86 inquiridos, aos quais foi pedido que indicassem as pessoas a quem recorriam para obter inform ações e conselhos sobre variados assuntos. Nas respostas foram m encionados centenas de nom es, e aqueles que surgiram quatro ou m ais vezes foram considerados líderes de opinião. Estes indivíduos influentes foram destacados e entrevistados (Merton, 1 9 49 :184 -185 ). A qui deparam os com a prim eira tentativa, a um a escala reduzida, de resol ver o problem a colocado pelo m odelo de investigação de The People’s Choice. Para localizar alguém influente, este estudo sugere que se com ece por pergun tar ao entrevistado «quem é que o influencia?», partindo das pessoas in flu en ciadas para aquelas designadas com o influentes. E fundam ental su blinhar a existência de duas im portantes diferenças entre este estudo e o estudo eleitoral de 1940. Em prim eiro lugar, há uma diferença na concepção da liderança de opinião. Enquanto o estudo eleitoral encarava qualquer pessoa que tivesse fornecido um conselho com o um líder de opinião, m esm o influenciando apenas um a pessoa (por exem plo, o m arido ind icar à m ulher em quem votar), os líderes identificados através do critério em pregue em Rovere eram , certam ente, apenas os «conselheiros» com larga influência. Em segundo lugar, o estudo eleitoral, pelo m enos indirectam ente, m ostra- va-se interessado em questões com o a im portância da in flu ência pessoal na tom ada de decisões e a sua relativa eficácia em com paração com a dos m eios de com unicação de massa. Enquanto o estudo de Rovere tomou com o adquirida a im portância da in fluência pessoal e m obilizou esforços de form a a id entifi car as pessoas que desem penhavam papéis-chave na transm issão deste tipo de influência. Um últim o aspecto a frisar, relacionado com o m odelo deste estudo, é o facto desta pesquisa ter utilizado as entrevistas in iciais quase exclusivam ente com a finalidade de localizar os líderes de opinião, acabando por quase não explorar as relações entre líderes e seguidores. Um a vez identificados os líd e res, a preocupação lim itou-se praticam ente a classificá-los consoante os dife rentes tipos, em estudar os com portam entos com u nicacionais respectivos e a in teracção que os líderes estabeleciam entre si, prestando pouca atenção à in teracção dos líderes com os indivíduos que os tinham designado. 2 - O Estudo de Decatur, efectuado em 1945-46 , procurou dar um passo em frente (Katz e Lazarsfeld, 1955: Parte II). Tal com o o estudo eleitoral, e ao con trário do estudo de Rovere, procurou-se ter em consideração as decisões - in s tâncias esp ecíficas onde o efeito de diferentes influências pode ser identificado e avaliado. Tal com o no estudo de Rovere, e ao contrário do estudo eleitoral, foram realizadas entrevistas com as pessoas que tinham sido creditadas com o influentes, relativam ente a tomadas de decisão m ais recentes dos indivíduos da am ostra in icia l (nas áreas de consum o, frequência de salas de cinem a e assuntos públicos). O estudo incid ia, nesse m om ento, não nos líderes de opi nião em si, m as (1) sobre a im portância relativa da in fluência pessoal e (2) sobre os indivíduos que definiram os líderes, bem com o sobre os próprios líderes - o par «conselheiro-aconselhado». 66 C om u n icação e S oc ied ad e Idealm ente, por conseguinte, este estudo pôde questionar se os líderes de opinião tenderiam a pertencer à m esm a classe social dos indivíduos que eles aconselham ou se a tendência era para a influência se processar das classes superiores para as inferiores. Seriam os m embros do par conselheiro-aconselha- do da m esm a idade, do m esm o sexo, etc.? Estaria o líder m ais interessado na esfera de influência propriamente dita do que o seu aconselhado? Teria ele maior probabilidade de se encontrar exposto aos meios de com unicação de massa? Da m esm a form a que poderíam os construir o par partindo de um aconse lhado para o seu conselheiro, tam bém era possível fazê-lo em sentido inverso, falando prim eiro com alguém que tivesse assum ido ter actuado com o co n se lheiro e a partir daí localizar a pessoa que supostam ente teria sido in flu en cia da. O estudo de D ecatur tentou precisam ente este método. U tilizando o m esm o gênero de perguntas de autodesignação do estudo eleitoral, foi solicitado às pessoas que se consideravam influentes que indicassem os nom es dos ind iví duos que tinham influenciado. Através de um processo tipo «bola de neve», das pessoas in fluentes para as influenciadas, surgiu a oportunidade, não ape nas de estudar a in teracção entre conselheiros e aconselhados, mas tam bém de verificar até que ponto existia correspondência entre a opinião dos que se autodesignavam influentes e a apreciação realizada pelos indivíduos alega- dam ente in fluenciados. Procedendo desta form a, os investigadores esperavam poder verificar a validade da técn ica da autodesignação7. Os autores de The People’s Choice assum iram que «perguntar às pessoas a quem é que elas recorrem e depois investigar a in teracção entre conselheiros e aconselhados... seria extrem am ente d ifícil, senão im possível». E, de facto, pro- vou-se ser um a tarefa extrem am ente d ifícil. Surgiram m últiplos problem as no trabalho de cam po com o conseqüência do processo de «bola de neve», pois nem todas as entrevistas puderam ser realizadas8. Por isso, em diversas partes da análise de dados foi necessário regressar às com parações entre líderes e não líderes, atribuindo um m aior poder de in fluência aos grupos que apresenta vam concentrações m ais elevadas da «autodesignada» capacidade de lideran ça. No entanto, ficou m esm o assim demonstrado, em princípio, que um m odelo de estudo para dar conta das relações interpessoais era não só possível de executar mas tam bém útil. M as quando se tornou evidente que este objectivo era alcançável, o próprio com eçou a alterar-se. Tornou-se pertinente dar conta de cadeias de influência m ais com plexas do que as que correspondiam ao par «conselheiro - acon se lhado»; e, consequentem ente, esta relação passou a ser vista com o apenas um aspecto da estrutura m ais elaborada dos grupos sociais. Estas alterações surgiram gradualm ente e por variadas razões. Em prim eiro lugar, os resultados do estudo de Decatur, e, depois, tam bém os do estudo de Elm ira revelaram que os próprios líderes de opinião afirm avam frequentem ente que as suas decisões eram influenciadas por outras pessoas [Ibid., 318; Berelson, Lazarsfeld e M cPhee, 1 9 5 4 :1 1 0 ). Tornou-se desejável, por esse m otivo, com e çar a pensar em term os de líderes de opinião de líderes de opinião9. Em segun do lugar, tornou-se claro que a liderança de opinião não podia ser vista com o um «característica» que algumas pessoas possuem e outras não, em bora o es C om u n icação e S o c ied a d e 67 tudo eleitoral tenha, por vezes, precisam ente induzido este ponto de vista. Em vez disso, revelou-se sim ilusório que o líder de opinião seja influente em certas ocasiões e quanto a determ inadas assuntos im portantes pelo facto de ser investido de poderes para tal pelos outros m em bros do grupo. A razão pela qual determ inadas pessoas são escolhidas deve ser explicada, não apenas em term os dem ográficos (estatuto social, sexo, idade, etc.), mas tam bém em ter m os da estrutura e dos valores dos grupos a que pertencem tanto o «conselhei ro» com o o «aconselhado». Assim , a inesperada ascensão de jovens à liderança de opinião em grupos tradicionais, quando estes enfrentaram as novas situa ções de urbanização e industrialização,só pode ser entendida tendo em conta os antigos e novos padrões das relações sociais dentro do grupo e os antigos e os novos padrões de orientação face ao m undo exterior ao grupo10. A recupera ção da literatura de pesquisa sobre os pequenos grupos ajudou a form ular esta concepção (Katz e Lazarsfeld, 1955: Parte I). U m outro factor con tribu i tam bém para d efin ir a d irecção do novo pro gram a de pesquisa. R eflectindo sobre o estudo de Decatur, fica claro que em bora se possa falar do papel das várias in flu ên cias nas tom adas de decisão sobre m oda, o m odelo de estudo não era adequado para estudar a m oda no seu todo - a m oda com o um p rocesso de difusão - um a vez que não co n sid e rava nem o conteú do das decisões, nem o factor tem po envolvido. As d eci sões dos indivíduos que «m odificaram a sua opinião sobre moda», estudadas em Decatur, ter-se-iam neutralizado m utuam ente: enquanto a senhora X re feria um a alteração da m oda A para a m oda B, a senhora Y podia referir a passagem da m oda B para a A. O que é válido para a m oda é válido para qualquer outro fenôm eno de difusão: para estudá-lo, deve-se traçar o fluxo de alguns tópicos esp ecíficos ao longo do tem po. A com binação deste in te resse pela d ifusão com o in teresse em analisar o papel das redes socia is de com u n icação m ais elaboradas proporcionou o aparecim ento de um a nova pesquisa que se centrou (1) num tópico esp ecífico , (2) difundido num deter m inado período tem poral, (3) atravessando a estrutura so cia l de um a dada com u nidade na sua totalidade. 3 - 0 estudo sobre medicamentos. Este estudo procurou determ inar quais os critérios u tilizados pelos m édicos nas suas tom adas de decisão relativa m ente à adopção de novos m edicam entos. Desta vez, quando se procurou de fin ir um estudo que desse conta do possível papel da in flu ência interpessoal entre os m édicos, constatou-se que estes eram tão poucos (m enos de um e m eio por cada m il pessoas) que seria possível entrevistar todos os elem entos da classe m édica em várias cidades. Se todos os m édicos (ou todos aqueles que exerciam especialidades relacionadas com o assunto em questão) podiam ser entrevistados, não restaria qualquer dúvida de que todos os pares «conse lheiros - aconselhados» estariam inclu ídos na amostra. Todos estes pares po deriam então ser localizados no contexto de agrupam entos sociais m ais am plos de m édicos, e poderiam ser avaliados através de m étodos sociom étricos. Foram entrevistados m édicos especialistas em quatro cidades do Sudoeste dos EUA. Para além de questões relacionadas com o conhecim ento anterior, 68 C om u n icação e S o c ied a d e atitudes, uso de m edicam entos, exposição a várias fontes de inform ação, in flu ência, etc., so licitou-se ainda a cada m édico que referisse o nom e de três colegas com quem tinha m aior contacto social, de três colegas com quem cos tum ava discutir m ais frequentem ente casos clín icos e de três colegas a quem recorria quando necessitava de inform ações ou conselhos11. Para além de perm itir delinear as redes de relações interpessoais, esta in vestigação tam bém forneceu os outros dois elem entos necessários para um verdadeiro estudo da difusão: a atenção a um tópico esp ecífico no decorrer do período da sua ace itação e um registo desta d ifusão ao longo do tem po. A investigação foi realizada através de um a consulta às receitas arquivadas nas farm ácias locais das cidades em estudo, o que tornou possível determ inar cronologicam ente a prim eira prescrição feita por cada m édico de um determ i nado m edicam ento novo - um m edicam ento que tinha ganho larga aceitação alguns m eses antes do in ício deste estudo. Cada m édico pôde, desta forma, ser classificado em função do grau de rapidez da sua decisão de resposta às inova ções, e em term os tam bém de outras inform ações fornecidas pela verificação das receitas. Comparando com os estudos anteriores, esta pesquisa conseguiu um enquadra m ento m ais ob jectivo - em term os psicológicos e sociológicos - das decisões. Em prim eiro lugar, o indivíduo que decide não é a ú nica fonte de inform ação quanto à sua decisão. Os dados objectivos presentes no registo da receita fo ram tam bém utilizados. Em segundo lugar, o papel das diferentes in fluências é estabelecido, não apenas com base na reconstrução do evento pelo indivíduo, m as tam bém a partir de correlações objectivas, a partir das quais se podem estabelecer in ferências relativas aos fluxos de influência. Por exem plo, os m é dicos que adoptavam o m edicam ento m ais cedo eram m ais susceptíveis de participar em encontros m édicos da especialidade, fora das suas cidades, do que os m édicos que o adoptaram m ais tarde. Da m esm a forma, é possível inferir o papel das relações sociais nas tomadas de decisão dos m édicos, não só a partir do próprio testem unho destes profissio nais sobre o papel das diferentes formas de influência, mas tam bém a partir da «localização» do m édico nas redes interpessoais definida através de inquérito sociom étrico. Assim , com base em dados sociom étricos, é possível classificar os m édicos de acordo com o seu nível de integração na com unidade m édica, ou com o seu grau de influência, m edidos pelo número de vezes que são m enciona dos pelos colegas com o amigos, parceiros de discussão e consultores. Podem tam bém ser classificados de acordo com a sua qualidade de m embro de uma determinada rede ou grupo exclusivo, conforme a informação fornecida por quem os indica. U tilizar a prim eira medida torna possível investigar até que ponto os m édicos m ais influentes adoptam um m edicam ento m ais cedo do que os m enos influentes. A partir do segundo tipo de análise podemos verificar, por exem plo, se os m édicos que pertencem aos m esmos subgrupos têm ou não os mesmos padrões quanto ao uso de m edicam entos. Desta forma, foi possível fazer uma com paração entre, por um lado, o próprio testem unho do m édico acerca das suas decisões e formas de influência envolvidas e, por outro, o registo mais objectivo das suas decisões e das influências às quais esteve exposto. C om u n icação e S o c ied ad e 69 R efira-se que as redes de relações sociais nesta investigação foram refe renciad as an teriorm ente à introdução do novo m edicam ento ser estudada, no sentido em que a am izade, o aconselham ento , etc. foram registados in d e pendentem ente de qualquer decisão do m édico. A investigação estava in teres sada na p otencial relevância de vários aspectos destas estruturas sociom étricas para a transm issão de in flu ên cia . Por exem plo, é possível assinalar os asp ec tos da estrutura que são «activados» com a introdução de um novo m ed ica m ento, e d escrever a seq ü ên cia da difusão deste m edicam ento, à m edida que vai ganhando aceitação por parte dos indivíduos e dos grupos na com u nid a de. E nqu anto o estudo de D ecatu r p rocurou apenas exam in ar a re lação in terp essoal p articu lar que in flu en cia um a determ inada decisão, este estudo sobre m edicam entos pôde situar esta relação no contexto m ais vasto de toda um a rede de re lações p oten cia lm en te relevantes onde o m édico se encontra inserido. OS RESULTADOS DOS ESTUDOS SUBSEQUENTES A THE PEOPLE’S CHOICE Depois de exam inados os m odelos de pesquisa destes estudos, o passo se guinte consiste em explorar os seus resultados naquilo que possuem de re le vante para a hipótese de «fluxo de com unicação em dois níveis». Será necessário voltar às três categorias já referidas na discussão de The People’s Choice: (1) o im pacto da in flu ência pessoal; (2) o fluxo da in fluência pessoal; e (3) os líderes de opinião e os m eios de com unicação de m assa. Serãoconvocados aqui resu l tados dos três estudos já referidos, bem com o do estudo de Elm ira (Berelson, Lazarsfeld e M cPhee, 1948), e de alguns outros; de qualquer form a, as caracte rísticas de cada m odelo de pesquisa devem ser consideradas na avaliação dos resultados apresentados. A. O impacto da influência pessoal 1 - A Influência Pessoal e dos Meios de Comunicação de Massa. O estudo de 1940 evidenciou que a in flu ência pessoal afectava de form a m ais acentuada do que a dos m eios de com unicação de m assa as decisões de voto, particular m ente no caso daqueles que tinham mudado de opinião no decorrer da cam pa nha. O estudo de D ecatur procurou explorar o im pacto relativo das influências pessoais e dos m eios de com unicação de m assa noutras três áreas: consum o, m oda e frequência de salas de cinem a. Tendo com o base das suas conclusões o testem unho dos próprios indivíduos em processo de decisão e usando um instrum ento para avaliar a eficácia relativa dos diferentes m eios que in terferi ram nessas decisões, o estudo de D ecatur confirm ou que a in flu ência pessoal era m ais freqüente e efectiva do que a de qualquer m eio de com u nicação de m assa (Katz e Lazarsfeld, 1955: 169-186). A análise efectuada no estudo sobre m edicam entos não equacionou o pro b lem a da e ficácia relativa dos vários m eios de com unicação, do ponto de vista 70 C om u n icação e S o c ied a d e da própria reconstru ção realizada pelos m édicos sobre o que tinham tido em consideração na sua tom ada de decisão. Comparando a sim ples frequência das referências feitas pelos m édicos relativam ente aos diferentes m eios, torna- -se claro que os colegas não foram a fonte mais vezes m encionada. No entanto, a análise dos factores relacionados com a questão do m om ento de adopção de um m edicam ento acabou por revelar que o factor m ais determ inante foi o grau de integração do m édico na com unidade médica. Isto é, quanto m ais um m édico for apontado pelos colegas com o um amigo ou um parceiro de discussão, m aior é a probabilidade de ser um inovador no que respeita à introdução de um novo m edicam ento. O grau de integração parece ser, deste modo, um factor m ais im portante do que qualquer outro (seja ele a idade, a faculdade que frequentou, ou o núm ero de pacientes que possui) ou mesmo do que qualquer outra fonte de influência (tal com o a leitura de jornais da especialidade) examinada. O estudo da relação entre integração e inovação in d ica dois aspectos ce n trais: (1) com u n icação in terp essoal - os m édicos que se encontram in tegra dos m antêm m ais contactos e estão m ais actualizados; (2) apoio socia l - os m édicos que estão integrados sentem m aior segurança quando enfrentam os riscos da inovação m éd ica52. A ssim , tam bém o estudo sobre m ed icam en tos forn ece um a com provação do forte im pacto que têm as re lações pessoais - m esm o na tom ada de d ecisões cien tíficas. 2 - Homogeneidade de Opinião nos Grupos Primários. O efeito da in flu ên cia pessoal, tal com o nos tem vindo a ser revelado pelos estudos em análise, re flecte-se na hom ogeneidade de opiniões e acções nos grupos prim ários. A form a de com u nicação do grupo prim ário é, por definição, pessoa-a-pessoa. A m bos os estudos eleitorais assinalam o elevado grau de hom ogeneidade da opinião p olítica entre m em bros da m esm a fam ília, entre colegas de trabalho e am igos. A eficácia destes grupos prim ários em im pedir potenciais desvios à linha definida é dem onstrada pelo facto de aqueles que alteraram a sua in ten ção de voto serem m aioritariam ente pessoas que logo desde o in ício da cam pa nha revelaram a sua intenção de votar de form a diferente da sua fam ília ou am igos (Lazarsfeld, Berelson e Gaudet, 1948: 137-145 ; Berelson, Lazarsfeld e M cPhee, 1954 : 94-101 e 120-122). Tam bém o estudo sobre m edicam entos perm itiu avaliar o nível de hom o geneidade no com portam ento dos m édicos sociom etricam ente correlacionados, e dem onstrar que existem situações onde um com portam ento sim ilar pode ser observado. Por exem plo, verificou-se que, quando eram cham ados a tratar do enças m ais com plexas, os m édicos tinham tendência para receitar os m esm os m edicam entos que os seus colegas com características sociom étricas sem e lhantes. O estudo m ostrou tam bém que, na introdução de um novo m edica m ento, os m édicos inovadores que estavam sociom etricam ente correlacionados tendiam a adoptar o novo m edicam ento praticam ente ao m esm o tempo. Este fenôm eno de hom ogeneidade de opinião ou de com portam ento entre ind iv í duos que interagem , e que se confrontam com um a situação pouco clara ou incerta que exige acção, tem sido frequentem ente estudado por sociólogos e psicólogos so cia is13. C om u n icação e S oc ied ad e 71 3 - Os Diferentes Papéis dos Meios de Comunicação de Massa. O estudo eleitoral de 1940 explorou algumas das razões pelas quais a in flu ência pessoal pode ser m ais determ inante nas m udanças de opinião do que os m eios de com u n icação : é norm alm ente n ão-in ten cion al, é flexível, é de con fian ça . O que sugere que os m eios de com unicação têm m ais frequentem ente um pa pel de reforço das predisposições existentes e das decisões já tom adas. No entanto, foi assum ido que os vários m eios e a in fluência pessoal são essen cia l m ente com petitivos entre si, na medida em que um a dada decisão é influenciada pelos prim eiros ou pela segunda. O estudo de D ecatur adoptou tam bém esta acepção, m as a determinada altura procurou demonstrar que os diferentes meios de com u nicação desem penham diferentes papéis no processo de decisão e assum em posições padronizadas num a seqüência de várias in fluências. O es tudo sobre m edicam entos avança um pouco m ais na questão dos papéis dos m eios de com u nicação, fazendo a distinção entre m eios que «inform am » e m eios que «legitim am » decisões. Assim , nas decisões dos m édicos, os m eios de com u nicação profissionais (tal com o os colegas) parecem ter um papel legitimador, enquanto os m eios de com unicação com erciais desem penham um papel inform ativo. B. O fluxo da influência pessoal O estudo eleitoral de 1940 verificou que os líderes de opinião não se con centravam nos extractos m ais elevados da população, mas existiam em iguais proporções em todos os grupos e extractos sociais. Esta descoberta conduziu os estudos subsequentes a um esforço de verificação desta ideia em outras áreas além das cam panhas eleitorais, e tam bém a um a preocupação de averi guar o que torna diferentes os líderes de opinião das pessoas sob sua influência. A prim eira coisa bem clara a reter dos estudos aqui analisados é que existe um a forte relação entre o assunto sobre o qual a in fluência é exercida e a deter m inação de quem será líder e seguidor. Assim , o estudo de Rovere sugere que no am plo dom ínio dos assuntos públicos, um a parte dos indivíduos influentes se ocupa dos assuntos «locais» e outra parte dos assuntos «cosm opolitas» (M erton, 1949 : 187-188). O estudo de Decatur, por sua vez, sugere que em term os de consum o, por exem plo, a liderança de opinião cabe às m ulheres m ais velhas e com fam ílias num erosas, enquanto em term os de m oda e fre quência de salas de cinem a são as raparigas jovens e solteiras que são m ais solicitadas para aconselham ento. Raram ente existe uma sobreposição da lid e rança: aquele que é líder de opinião num dom ínio não é provável que exerça in flu ência noutro dom ínio d iferente14. No entanto, m esm o quando a liderança num determ inado dom ínio se en contra fortem ente concentrada nos m em bros de um grupo esp ecífico - com o no caso da lid erança de opinião em m atérias de consumo, referida no estudo de D ecatur - os resultados sugerem que as pessoas continuam a conversar, principalm ente, com outras pessoas que possuem características sem elhantes às suas. A ssim , em bora as m ulheres casadas de fam ílias num erosas tam bém 72 C om u n icação e S o c ied ad e in flu enciassem outros tipos de m ulheres, a sua m aior in fluência dirigia-se a m ulheres com a m esm a situação. Além disso, no que respeita a consum o, moda e frequência de salas de cinem a, não existia um a concentração considerável de indivíduos influentes em nenhum dos três níveis socioeconóm icos. A pe nas ao nível dos assuntos públicos se verificava essa concentração da lideran ça nos extractos m ais elevados, existindo um a ténue constatação de que a in flu ên cia partia deste grupo para os indivíduos dos extractos in feriores. O estudo de Elm ira perm itiu verificar tam bém que os líderes de opinião se encontravam em proporções sem elhantes em todos os níveis ocupacionais e socioeconóm icos, perm itindo constatar ainda que as conversações sobre a cam panha se estabeleciam , regra geral, entre indivíduos da m esm a idade, profis são e tend ência política. O que é que contribui para a concentração de alguns tipos de liderança de opinião em certos grupos? E quando «influente» e «influenciado» partilham apa rentem ente as m esm as características - com o se verifica com frequência - o que é que na verdade os distingue, se algo de facto os distingue? Em termos gerais, a influência parece estar relacionada (1) com a personificação de certos valores (o que se é); (2) com a competência (o que se sabe); e (3) com o posicionamento social estratégico (quem se conhece). O posicionam ento social, por sua vez, ope ra a divisão entre as pessoas que se conhecem no seio de um grupo e fora dele. A transm issão da in flu ência é frequentem ente bem sucedida porque os in flu en ciad os desejam tornar-se o m ais possível idênticos aos in flu entes15. O facto de jovens solteiras serem as líderes de opinião em relação à m oda é facilm ente com preensível num a cultura onde os jovens e a juventude co n sti tuem valores suprem os. Este é um exem plo em que o que se é tem um peso m uito forte. M as o que se sabe não é m enos im portante16. Verificam os que as m ulheres m ais velhas, graças à sua grande experiência, são encaradas com o conselheiras em questões de consum o, tal com o os especialistas em m edicina interna - os que gozam de um estatuto m ais «científico» entre os m édicos praticantes - são os m ais frequentem ente m encionados com o líderes de opinião entre os m édicos. A influência que os jovens exercem relativam ente à frequência de salas de cin e ma pode tam bém ser facilm ente entendida, dada a sua familiaridade com o mundo cinem atográfico. O estudo de Elm ira encontrou concentrações de liderança de opinião ligeiram ente m aiores entre os elem entos m ais instruídos de cada nível socioeconóm ico, sugerindo novam ente a im portância da com petência. F inal m ente, a in fluência dos «cosmopolitas» no estudo de Rovere baseou-se na pre sunção de que estes possuíam m uita informação. Não basta, no entanto, ser alguém com petente ou que outros pretendam imitar. E necessário tam bém ser acessível. Assim , o estudo de D ecatur verifi cou a existên cia de um gregarismo - quem se conhece - relacionado com todos os tipos de liderança. O estudo de Rovere mostra que a liderança em term os «locais» se relaciona com a posição central que os influentes detêm na rede de contactos interpessoais. Do m esm o modo, estudos sobre a transm issão de rum o res identificaram aqueles que são considerados os indivíduos «socialm ente acti- vos» enquanto agentes transm issores de rumores (Allport e Postman, 1 9 4 3 :1 8 3 ). C om u n icação e S o c ied a d e 73 É claro que a im portância de quem se conhece não é apenas a questão do núm ero de pessoas com as quais um líder de opinião estabelece contacto. É tam bém um a questão de as pessoas com quem o líder contacta terem interes se pela área em que este exerce a sua liderança. Por esta razão, é bem claro que o m aior in teresse dos líderes de opinião pelos assuntos nos quais exercem in flu ência não é um a explicação satisfatória para a sua influência. Enquanto os estudos eleitorais, assim com o o estudo de Decatur, apresentam os líderes com o aparentem ente m ais interessados, o estudo de D ecatur vai porém m ais longe, ao dem onstrar que o interesse não constitu i por si o factor determ inante (Katz e Lazarsfeld, 1955: 249-252). Em m atéria de moda, por exem plo, uma jovem solteira é consideravelm ente m ais susceptível de exercer in flu ência do que um a m ãe de fam ília com igual interesse por roupas. A razão que explica esta situação é que a jovem solteira é susceptível de conhecer m ais pessoas que partilham o seu interesse, e é por isso tam bém m ais susceptível de vir a ter seguidoras que peçam o seu aconselham ento. Por outras palavras, a liderança depende de dois factores: um líder e um seguidor. Finalm ente, há um segundo aspecto a considerar quanto a «quem se con h e ce». Um indivíduo pode ser influente não só porque os elem entos do seu gru po lhe pedem conselhos, m as tam bém devido às pessoas que conhece fora do grupo17. Tanto o estudo de Elm ira com o o de D ecatur constataram que os h o m ens têm m aiores possibilidades do que as m ulheres de se tornarem líderes de opinião no dom ínio dos assuntos públicos, o que é justificado pelo facto de terem m ais oportunidades de sair à rua, de conhecer pessoas e de falar de política. Da m esm a m aneira, o estudo de Elm ira revelou que os líderes de opi nião eram m em bros de m ais organizações e conheciam m ais m em bros de par tidos políticos, além de outros aspectos, do que o resto dos indivíduos. O estudo sobre m edicam entos perm itiu verificar que os m édicos in fluentes poderiam ser caracterizados em term os de aspectos com o a frequência de deslocações a encontros fora da sua cidade e a diversidade de locais freqüentados, com par ticu lar relevância se fossem distantes. É ainda interessante sublinhar que um estudo sobre agricultores inovadores e responsáveis pela difusão das sem en tes híbridas em Iowa conclu iu que estes líderes poderiam ser tam bém caracte rizados em função da relativa frequência com que viajavam para fora da cidade (Ryan e Gross, 1942a: 7 0 6 -7 0 7 )18. C. Os líderes de opinião e os meios de comunicação de massa O terceiro aspecto da hipótese de «fluxo de com unicação em dois níveis» relaciona-se com o facto de os líderes de opinião se encontrarem m ais expos tos aos m eios de com u nicação de m assa do que os indivíduos que eles in flu en ciam . Na obra The People’s Choice esta ideia é apoiada pela referência ao com portam ento dos líderes e dos não-líderes face aos m eios de massa. O estudo de D ecatur corroborou esta constatação e partiu para a explora ção de dois aspectos ad icionais desta ideia (Katz e Lazarsfeld, 1955 : 309- -320). Em prim eiro lugar, dem onstrou-se que os líderes de um a dada esfera 74 C om u n icação e S o c ied ad e (m oda, assu ntos pú blicos, etc.) estavam particu larm ente expostos aos m eios d ireccionad os para essa área. Esta foi essen cia lm en te um a confirm ação dos resultados do estudo de Rovere, de que os indivíduos in flu entes em relação aos assu ntos cosm opolitas tinham m aior probabilidade de serem leitores de p u b licações inform ativas n acionais, em bora o m esm o não fosse válido no que se refere aos indivíduos com in flu ên cia em assuntos «locais». Em segun do lugar, o estudo de D ecatur m ostra que, pelo m enos no que respeita à qu es tão da m oda, os líderes não só se encontram m ais expostos aos m eios de com u nicação de m assa, m as são tam bém m ais afectados por estes nas suas d ecisões. Este caso parece não ter sucedido em outros dom ínios onde, em bo ra os líderes estivessem m ais expostos aos m eios de com u n icação do que os não-líderes, a in flu ên cia pessoal era o factor referido com o determ inante nas suas decisões. Isto sugere que, em alguns dom ínios, as cadeias de in flu ên cia pessoa-a-pessoa, consid eravelm ente m ais extensas do que as do par «conse- lheiro-aconselhad o», têm de ser consideradas antes de qualquer registo de in f lu ê n c ia d e c is iv a dos m eios de co m u n ica çã o de m assa , a in d a que o contribu to da in flu ên cia destes possa ser assinalado em vários m om entos. O estudo de E lm ira sugeriu igualm ente esta ideia. N esta pesquisa constatou- -se que os líd eres, apesar de m ais expostos aos m eios de com u n icação , re fe riam m ais frequ entem ente outras pessoas com o fonte de in form ações de acon selh am en to (Berelson, Lazarsfeld e M cPhee, 1954 : 110). Da form a sem elhante, o estudo sobre m edicam entos m ostrou que os m édi cos in fluentes eram m ais frequentem ente leitores de um a vasta gama de pu bli cações especializadas e valorizavam -nas m ais do que os m édicos com m enor influência. M as, sim ultaneam ente, eram tam bém capazes de afirmar, com o qualquer outro m édico, que os seus colegas m ais próxim os constitu íam uma im portante fonte de inform ações e de aconselham ento para as suas decisões. Por últim o, o estudo sobre m edicam entos dem onstrou tam bém que se po deriam caracterizar os m édicos m ais influentes não só pelo seu m aior in teres se por p u blicações de m edicina, mas tam bém pelos contactos que estabeleciam e pelos encontros em que participavam fora da sua cidade. Esta questão foi já d iscutida no tópico de análise anterior sobre o posicionamento estratégico do líder de opinião em relação ao «mundo exterior» ao seu grupo. C onsiderá-la novam ente neste contexto, sugere-nos que a m aior exposição dos líderes de opinião aos m eios de com unicação de m assa pode ser apenas um caso especial da perspectiva m ais geral segundo a qual os líderes de opinião têm com o fun ção estabelecer a relação entre os seus grupos e dom ínios relevantes do m eio am biente, função para a qual os m eios de com unicação se revelam adequados. Esta afirm ação m ais geral torna claras as funções sim ilares que se observam nos jornais das grandes cidades para os líderes no dom ínio da moda, no estu do de D ecatur; nas pu blicações inform ativas nacionais para os líderes «cosm o politas», no estudo de Rovere; nos encontros profissionais fora da cidade para os m édicos in fluentes; e no contacto com a cidade para os agricultores inova dores em Iow a19, bem com o para os novos jovens líderes de opinião em áreas subdesenvolvidas um pouco por todo o m undo (ver, Lerner Berkm an e Pevsner, no prelo). C om u n icação e S o c ied a d e 75 CONCLUSÕES A pesar da diversidade de assuntos abordados, os estudos aqui passados em revista constituem um exem plo de continuidade e acum ulação, tanto em term os de m odelo de pesquisa com o de projecto teórico. O conjunto dos resu l tados avançados por estes estudos à luz da proposta original da hipótese de «fluxo em dois níveis», sugere o seguinte cenário. Os líderes de opinião e os indivíduos que eles in flu en ciam têm m uito em com u m uns com os outros e pertencem , geralm ente, aos m esm os grupos p ri m ários de fam ília , am igos e colegas de trabalho. Em bora o líder de opinião possa estar m ais in teressado no dom ínio p articu lar em que ele é in flu ente, não é provável que o n ível de in teresse dos indivíduos in flu en ciad os seja m uito in ferior ao do líder. In flu entes e in flu enciad os podem trocar de papéis em dom ínios de in flu ên cia d iferentes. M uitos assuntos focalizam a atenção do grupo em algum aspecto do seu m undo exterior, e a função do líder de op inião é estab elecer ligação entre o grupo e esse aspecto relevante do seu m eio envolvente, contando com os m eios de com u nicação com o veículo ade quado a esse fim . Em todos os casos considerados, verificou -se que os in d iv í duos in flu en tes se encontravam m ais expostos a estes pontos de contacto com o m undo exterior. No entanto, é tam bém verdade que, apesar da sua m aior exposição aos m eios de com u nicação , a m aior parte dos líderes de opinião são p rin cip alm en te afectados, não pelos m eios de com u nicação , m as por outras pessoas. A m aior ênfase da hipótese de «fluxo em dois níveis» parece ser dada a apenas um aspecto das relações interpessoais - as relações in terpessoais com o canais de com u nicação. M as, a partir dos vários estudos apresentados, ficou claro que estas m esm as relações interpessoais in fluenciam a tom ada de d eci sões, pelo m enos de duas outras form as distintas. Para além de funcionarem com o redes de com unicação, as relações interpessoais constituem -se igual m ente com o fontes de pressão para conform ação dos indivíduos com as for mas de pensar e de agir do grupo e com o fontes de apoio social. As m anobras de pressão de grupo são claram ente evidentes na hom ogeneidade de opiniões e de acções observada quer entre votantes quer entre m édicos, em situações pouco definidas ou de incerteza. O apoio social que decorre da integração num a com unidade m édica pode transm itir ao profissional a confiança n eces sária para se decid ir a adoptar um novo m edicam ento. Assim , as relações in terpessoais são (1) canais de inform ação, (2) fontes de pressão social, e (3) fon tes de apoio so cia l, e cada um destes elem en tos co n e cta as re lações in terpessoais com o processo de decisão, de form a diferente20. O problem a m etod ológico cen tra l em cada um dos estudos co n sid era dos tem sido com o dar conta das re lações in terp essoais, preservando ao m esm o tem po a econ om ia e a rep resentativ id ade que a am ostra a leatória e tran s-se cto ria l p rop orcion a. As respostas a este p roblem a vão desde pedir aos m em bros da am ostra para d escreverem aqu eles com quem interagiram (Elm ira), a con d u zir in q u éritos tipo «bola de neve» com pares « in flu en te- in flu en ciad o » (D ecatur), ou a en trev istar toda um a com u nid ad e (estudo 76 C om u n icação e S oc ied ad e sobre m ed icam en to s). Estudos futuros d escobrirão certam en te um p o s ic io nam en to in term éd io . Para a m aior p arte deles, no en tan to , o p rin cíp io orien tad or poderá ser o de con stru ir m olécu las so cia is m aiores ou m enores em torno de cad a átom o in d ivid u al da am ostra21. ELIHU KATZ «The Two-Step Flow of Communication: an Up-to-Date Report on an Hypothesis», Public Opinion Quarterly, n.° 21, 1957. NOTAS * Este artigo pode ser identificado como a publicação n.° A-225 do Bureau o f A pplied Social Research da Universidade da Columbia. E uma versão resumida de um capítulo de Interpersonal Relations and M ass Com m unications: studies in the Flow o f Influence, de Elihu Katz, Universidade da Columbia, 1956 (tese de doutoramento, não publicada). O aconselhamento e o estímulo dados pelo Professor Paul F. Lazarsfeld na escrita desta tese são largamente conhecidos. ’ Para a discussão da imagem da audiência atomizada e sua refutação por evidência empírica, ver (Katz e Lazarsfeld, 1955: 15-42; Friedson, 1953: 313-317; e Janowitz, 1952). 2 Um relatório sobre a fase piloto deste estudo encontra-se em (Menzel e Katz, 1955: 337-352); um volume e vários artigos sobre o estudo completo estão actualmente a ser preparados. 3 Outros autores que trabalharam os conceitos de líder de opinião e de «fluxo de comunicação em dois níveis», e que posteriormente os desenvolveram, são (Rileye Riley, 1951:445-460; Eisenstadt, 1952: 42-58 e 1955:153-167; Riesman, 1950; Handel, 1950). O programa de pesquisa em comunicações inter nacionais do Bureau o f A pplied Social R esearch prestou considerável atenção ao conceito de líder de opinião (cf. Glock, 1952-53: 512-523; Styeos, 1952: 59-70; e Lerner, Berkman e Pevsner, no prelo). Estu dos em preparação de Peter H. Rossi, Robert D. Leigh e Martin A. Trow debruçam-se igualmente sobre a articulação das influências pessoal e dos meios de comunicação de massa nas comunidades locais. 4 Rigorosamente falando, é claro que quando um inquirido exprime se é ou não um líder não está a falar por si, mas pelos seus seguidores, reais ou imaginários. Além disso, é conveniente registar que, por vezes, é possível ao entrevistado falar por outras pessoas além dele. Os estudos eleitorais, por exemplo, questionam os indivíduos acerca das intenções de voto dos outros membros da sua família, de amigos, de colegas de trabalho, embora este procedimento seja de validade duvidosa. 5 Existe um procedimento alternativo que é, em certa medida, um improviso. Pode-se perguntar aos inquiridos não apenas se tinham dado conselhos mas se tinham também recebido conselhos. Este proce dimento foi utilizado no estudo de Decatur e no estudo de Elmira, antes referidos. Assim, os não-líderes podem ser classificados conforme estejam ou não incluídos no circuito de influência, isto é, conforme sejam ou não «seguidores». 6 O estudo de Elmira será omitido neste ponto porque o seu modelo de pesquisa é essencialmente igual ao do estudo eleitoral de 1940, excepto quanto ao importante facto de ter obtido de cada inquirido consideravelmente mais informação acerca das intenções de voto de outras pessoas exteriores, do gênero de pessoas com quem os inquiridos falavam, etc. do que a informação que tinha sido conseguida em The P eop le’s Choice. 1 Cerca de dois terços dos alegados influenciados confirmaram que tinha tido lugar uma conversa entre eles e os que se autodesignaram influentes sobre o assunto em questão. Destes, 80% confirmaram posteriormente ter recebido aconselhamento. A dimensão desta confirmação é consideravelmente me nor no domínio dos assuntos públicos do que em matéria de consumo ou moda (Katz e Lazarsfeld, 1955: 149-161 e 353-362). a Em parte isto deveu-se à incapacidade de localizar as pessoas designadas, mas em parte também ao facto de os inquiridos nem sempre conhecerem a pessoa que os tinha influenciado, como é obviamente, por exemplo, o caso de uma mulher que copia o estilo do chapéu de outra mulher, etc. Ver (Katz e Lazarseld, 1955: 362-363). C om u n icação e S o c ied a d e 77 9 Isto foi, efectivamente, tentado num momento do estudo de Decatur. Ver (Katz e Lazarsfeld, 1955: 283-287). 10 Ver, por exemplo (Eisenstadt, 1952 e 1955; Glock, 1952-53J. Também o estudo de Rovere tem cuidadosamente em linha de conta a estrutura das relações sociais e os valores em que se encontram inseridos os indivíduos mais influentes, e faz a discussão das várias vias de influência abertas às diferen tes pessoas. " Ver nota 2. 12 Sobre a relação entre a integração social e a autoconfiança numa situação laborai, ver (Blau, 1955: 126-129). 13 Estes indivíduos, face a uma situação pouco estruturada, olham uns para os outros de forma a construir uma «realidade social» na qual possam agir - um tema central do trabalho de Durkheim, de Kurt Lewin e seus discípulos, H.S.Sullivan («validação consensual»), e dos estudos de Sherif, Asch e outros. 14 Para um resumo dos resultados do estudo de Decatur sobre o fluxo da influência interpessoal, ver (Katz e Lazarsfeld, 1955: 327-334). 15 Que os líderes são, em certo sentido, os membros mais conformistas dos grupos - defendendo quaisquer que sejam as normas e os valores centrais do mesmo - é a proposição que melhor ilustra este ponto. Para uma ilustração empírica inserida num estudo de grande relevo, ver (Marsh e Coleman, 1954: 180-183). 16 A distinção entre «o que» e «quem» se conhece é utilizada por (Merton, 1949: 197). 17 É interessante verificar que alguns estudos concluíram que as pessoas mais integradas no seio de um grupo parecem ser as que maior número de contactos estabelecem fora do grupo. Por exemplo, (Blau, 1955: 128). 18 Para um sumário geral, ver (Ryan e Gross, 1942b: 15-24). Um artigo, actualmente em preparação, aponta alguns paralelismos no modelo de pesquisa e nas conclusões entre este estudo e o estudo sobre medicamentos. 19 Ryan e Gross (1942b) optaram por explicar as «viagens à cidade» como um outro indicador da orientação não tradicional, da qual constitui também um indicador a própria inovação. No caso dos encontros farmacêuticos realizados fora da cidade e das viagens a centros de conhecimento externos à cidade, etc., estas últimas foram também mencionadas pelos médicos considerados inovadores e influ entes como fontes principais de aconselhamento. 20 Estas diferentes dimensões do relacionamento interpessoal podem ser ilustradas tendo como base de referência os estudos que representam o «modelo puro» de cada dimensão. Os estudos sobre a difusão dos rumores abordam a dimensão dos canais de informação (ver, por exemplo, Moreno, 1953: 440-450). O estudo de Festinger, Schachter e Back (1950) ilustra a segunda dimensão. Blau (1955:126-129) ilustra a dimensão do «apoio social». 21 Várias formas de aperfeiçoamento das pesquisas têm sido discutidas nos últimos dois anos num seminário sobre «análise das relações», no Bureau o f A pplied Social R esearch. O trabalho recente de Lipset, Trow e Coleman (1956), constitui um exemplo, com o estudo realizado sobre os tipógrafos nos diversos contextos sociais dos seus locais de trabalho. O estudo de Riley e Riley (1951) é um outro bom exemplo. BIBLIOGRAFIA BERELSON, Bernard R., LAZARSFELD, Paul F. e McPHEE, William N., 1954, Voting: a study o f opinion form ation in a presiden tial cam paign, Chicago, University of Chicago Press. BLAU, Peter M. 1955 The Dynamics o f Bureaucracy, Chicago, University of Chicago Press. EISENSTADT, S. N., 1952, «Communications Processes Among Immigrants in Israel», Public Opinion Quarterly, Vol. 16. 1955, «Communication Systems and Social Structure: an exploratory study», Public Opinion Quarterly, Vol. 19. FESTINGER, Leon, SCHACHTER, Stanley, BACK, Kurt., 1950, Social Pressures in Inform al Groups, New York, Harper and Bros. FRIEDSON, Eliot, 1953, «Communications Research and the Concept of the Mass», American Sociological Review, Vol. 18. 78 C om u n icaçao e S oc ied ad e GLOCK, Charles Y., 1952-53, «The Comparative Study of Communications and Opinion Formation», Public Opinion Quarterly, Vol. 16. HANDEL, Leo A., 1950, Hollywood Looks at its Audience, Urbana, University of Illinois Press. JANOWITZ, Morris, 1952, The Urban Press in a Community Setting, Glencoe, Illinois, The Free Press. KATZ, Elihu, LAZARSFELD, Paul F., 1955, Personal Influence: the part p lay ed by p eo p le in the flow o f m ass com m unications, Glencoe, Illinois, The Free Press. LAZARSFELD, Paul F., BERELSON, Bernard e GAUDET, Hazel, 1948, The People's Choice, New York, Columbia University Press (2.a ed.). LERNER, Daniel, BERKMAN, Paul e PEVSNER, Lucille, M odernizing the M iddle East. N.T. edição poste rior à data de publicação deste artigo: LERNER, Daniel, 1958, The Passing o f Traditional Society: M odernizing the M idlie East, Glencoe, Illinois, The Free Press. LIPSET, Seymour M., TROW, Martin A., COLEMAN, James S., 1956, Union Democracy, Glencoe, Illinois, The Free Press. MARSH, C. Paul, COLEMAN, A. Lee., 1954, «Farmers Practice Adoption Rates of Leaders», Rural Sociology, Vol. 19. MENZEL, Herbert e KATZ, Elihu, 1955, «Social Relations and Innovation in the Medical Profession», Public Opinion Quarterly, Vol. 19. MERTON, Robert K., 1949,«Patterns of Influence: a study of interpersonal influence and communications behavior in a local community», in Paul Lazarsfeld e Frank N. Stanton, Comm unications Research, 1948-1949, New York, Harper and Brothers. MORENO, Jacob L., 1953, Who Shall Survive, Beacon, New York, Beacon House. RIESMAN, David, 1950, The Lonely Crowd, New Haven, Yale University Press. 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Segundo esta perspectiva, um dado increm ento no sen tido da m udança pode conduzir a um a reacção em cadeia, surgindo com o um acréscim o de aceitação de um determ inado padrão de com portam ento, de um a crença, de um valor ou de um elem ento tecnológico num dado sistem a social (Moore, 1963 : 37 e 38; Loom is e Loom is, 1961 : 589). Com o determ inados subsistem as, dentro de qualquer sistem a social considerado no seu todo, têm padrões de com p ortam en to que cond u zem à m u dança, ten d em a surgir d istanciam entos entre subgrupos que estão já a experim entar a m udança e outros subgrupos que se encontram estagnados ou m ais lentos na sua in ic ia ção a essa m esm a m udança. O objectivo deste trabalho é exam inar resultados de estudos anteriores e de um a exp eriência de cam po recente realizada em M inneapolis e St. Paul, com base na seguinte hipótese geral: Q uando a introdução de inform ação dos m eios de com unicação de m assa n u m sis te m a so c ia l au m en ta , os seg m en to s da p o p u la çã o de esta tu to socioeconóm ico m ais elevado tendem a adquirir esta inform ação a um ritm o m ais rápido do que os segm entos socioeconóm icos de níveis m ais baixos, pelo que a diferença de conhecim ento entre estes segm entos tende a aum entar em vez de dim inuir. Esta hipótese de «diferencial de conhecim ento» não afirm a que os segm en tos popu lacionais de estratos m ais baixos se m antêm com pletam ente desin- form ados (ou que os pobres em conhecim ento se tornam m ais pobres num sentido geral). A firm a-se sim que o crescim ento do conhecim ento é relativa mente m aior nos segm entos de estatuto m ais elevado. No âm bito deste estudo, o nível de instru ção é considerado com o um indicador válido de estatuto socioeconóm ico (Reiss Jr., 1961 : 115 e 116). Dois outros pressupostos são im portantes para esta análise. O prim eiro é que, em bora o crescim ento do con h ecim en to hum ano possa ser caracteriza do por ten d ên cias lineares ou cu rvilineares, esse crescim ento é irreversível 80 C om u n icação e S oc ied ad e dentro do in tervalo de tem po su je ito a estudo (Coelm an, 1964 : 492 e ss; C arlsson, 1968 : 706 -7 1 4 ). Um segundo pressuposto é o de que, para um dado tem a em análise, não foi ainda alcançado um ponto de d im inuição de res posta à infusão dos m edia, ou, se foi a lcançado, é possível que o m esm o ocorra a n íveis d iferentes para os d iferentes grupos socioecon óm icos. A lém disso, esta h ip ótese ap lica-se em prim eiro lugar a no tícias sobre ciên c ia e assu ntos p ú blicos, de in teresse m ais ou m enos geral. Não se ap lica n ecessa riam ente a assu ntos d ireccionados a au diências m ais esp ecíficas, tais com o cotações da bo lsa de valores, n otícias da sociedade, de desporto ou de ja rd i nagem . RESULTADOS PRELIMINARES A pesar de não afirm ada ex p lic itam en te , esta h ip ótese do d iferen cia l de co n h e cim en to en co n tra-se im p líc ita na literatu ra sobre os efeitos da co m u n ica çã o de m assa. Por trás deste ponto de vista, está a co n clu são geral de que a in stru ção tem um a re lação estre ita com a aqu isição de co n h ecim en to sobre assu n tos p ú b lico s e sobre c iê n c ia a partir dos m eios de co m u n icação de m assa (Davis, 1 9 5 8 ; Sch ram m e W ade, 196 7 ; Wade e Sch ram m , 196 9 : 1 9 7 -2 0 9 ). O acréscim o da educação form al proporciona um espaço de v ivência m ais dilatado e m ais diferenciado, que in clu i um m aior núm ero de grupos de refe rência, um m aior interesse e con sciên cia sobre questões cien tíficas e outros assuntos públicos, m ais conhecim ento acum ulado sobre estes tem as e um a exposição m ais extensiva ao conteúdo dos m eios de com unicação de m assa nestas áreas (Sam uelson, Carter e Ruggles, 1963: 491-496). A h ip ó tese do «d iferen cia l de co n h ecim en to » p arece , desta form a, apre- sen tar-se com o um a ex p licação fu nd am ental para o ap arente fracasso da p u b lic ita çã o da co m u n icação de m assa na in form ação do p ú b lico em geral. N um a an á lise aos esforços para inform ar os adultos de C in cin a ti sobre as N ações U nidas, S tar e H ughes destacam que as p essoas atingid as pela cam p an h a ten d iam a ser as m ais in stru íd as, os jovens e os hom en s, enquanto as p essoas m ais v elh as e com m enos in stru ção ignoravam p raticam en te o assu n to (S tar e H ughes, 1 9 5 0 : 3 8 9 -3 9 7 ). R ob in son propõe a ex p lica çã o n ew ton ian a de que as p essoas desinform adas se m antêm n esse estado, a não ser que se jam estim u lad as por um a força exterior, enq u anto as p essoas já in form ad as co n tin u am o p rocesso de desenvolv im ento do seu c o n h e c i m ento (R obin son , 1 9 6 7 : 2 3 -3 1 ). A p ersp ectiva m e ca n ic is ta de R obin son p arece sugerir que as p essoas podem d esenvolver cap acid ad es ou incap a- cid ad es treinad as para reagir a estím u los de fon tes tanto in tern as com o extern as. H ym an e S h eatsley parecem tam bém ace ita r a n oção de cap acid a des treinad as para a aprendizagem de assu ntos p ú b lico s: «à m edida que as p essoas aprendem m ais, o seu in teresse aum enta, e à m edida que isso a co n te ce , elas são im p elid as a aprender m ais» (H ym an e Sh eatsley , 194 7 : 4 1 3 - -423 ). C om u n icação e S o c ied a d e 81 Star e H ughes vão m ais longe na esp ecificação da in terd ep end ência entre instru ção , in teresse e exposição, su blinhand o que as pessoas com um nível de instru ção m ais elevado atingidas pela cam panha estariam provavelm ente m ais in teressad as e, por isso, m elhor inform adas. C onclu íram , assim , que as pessoas que foram m ais atingidas pela cam panha eram as que tinham m enos n ecessid ad e dela, e que as pessoas não-atingidas eram as que a cam panha p retendia a lcan çar (Star e Hughes, 1950). A análise de Key da in ten sa re la ção entre a estratificação da au diência e a exposição a n o tícias p o líticas su gere que um a das funções p rincip ais de um a cam panha p resid en cia l seria aum entar a d iferença do n ível de inform ação entre pessoas posicionad as em extrem os ed u cacion ais, pois os que estão no topo têm taxas m ais elevadas de exposição (Key, 196 1 : 348 -3 5 7 ). Num sentido m ais geral, um crescen te d is tan ciam en to do con h ecim en to pode estar a ocorrer nas nações em desen volv im ento , com o resu ltad o dos sistem as de d ifusão de in form ação. Com o é afirm adopor B eers, o padrão de m elh oria dos n íveis de in stru ção das n ações em m od ern ização pode ser ta l que a re lativa ig n orân cia de um a l deão in stru íd o h o je é m aior do que a do seu pai que não tin h a qu alqu er in stru ção (Beers, 1963). Existem várias razões que contribuem para o aparecim ento e crescim ento do referido d iferencial de conhecim ento, com o aum ento dos níveis de infor m ação fornecida pelos m eios de com unicação. Um factor são as competências comunicacionais. Os indivíduos com um a m aior educação form al têm, previ- sivelm ente, m ais capacidades de leitura e de com preensão necessárias à aqu i sição de conhecim ento sobre assuntos públicos e ciência. Um segundo factor é a quantidade de informação armazenada, ou o co n h e cim ento existente resultante da exposição anterior ao tem a através dos m eios de com u nicação de m assa, ou da própria educação form al. As pessoas que já se encontram m elhor inform adas têm um a m aior probabilidade de tom ar cons ciên cia de um tem a, quando este aparece nos m eios de com u nicação de m as sa, e estão m elhor preparadas para o com preender. Um terceiro factor é o contacto social relevante. O grau de instrução d elim i ta norm alm ente um a esfera m ais am pla de actividade quotidiana, um m aior núm ero de grupos de referência e m ais contactos interpessoais, o que aum enta a probabilidade da d iscussão de assuntos públicos com outras pessoas. Estu dos sobre a difusão em grupos com o m édicos ou agricultores tendem a revelar taxas de aceitação superiores e m ais rápidas entre os indivíduos m ais activos e socialm ente integrados (Katz, 1961). Um quarto factor in clu i a exposição, aceitação e retenção selectivas da in form ação. Como foi referido por Sears e Freedm an, a exposição voluntária tem m uitas vezes um a relação m ais próxim a com a instrução do que com qualquer outro gênero de variáveis. Estes autores consideram que o que aparenta ser exposição selectiva segundo um critério de atitudes pode ser cham ado «de facto», de modo m ais apropriado, selectividade resultante de diferenças de n ível de instru ção (Sears, 1967 : 194-214). A aceitação e a retenção selectivas podem , contudo, ser o resultado con junto de diferenças de atitude e de in s trução. Um tem a persistente na pesquisa dos m eios de com unicação de m assa 82 C om u n icação e S o c ied a d e é a aparente tendência para interpretar e convocar inform ação que seja de algum m odo congruente com as crenças e os valores existentes (Klapper, 1960: 15-26). Um últim o factor é a natureza do sistem a dos m eios de com u n icação de m assa responsável pela difusão da inform ação. Até aqui, a m aioria das notí cias sobre assuntos pú blicos e c iên c ia (com as possíveis excep ções recentes de acon tecim entos de crise e acontecim entos esp ectacu lares relacionad os com as conqu istas esp aciais) surgia nos m eios de com u nicação im pressos, que são trad icion alm en te consu ltados com m ais frequ ência pelas pessoas de estatuto socia l m ais elevado. Os m eios de com u nicação im pressos são orien tados de acordo com os gostos e in teresses do segm ento de estatuto m ais elevado, e podem fazer d im inuir a sua cobertura de determ inados tem as, quando estes com eçam a perder a novidade que caracteriza a «notícia». Ao contrário de m u ita da p u blicidade contem porânea, às n o tícias sobre assu n tos p ú blicos e c iên c ia falta-lhes a constante repetição que facilitaria a apren dizagem e a fam iliarização com esses assuntos por parte das pessoas de estatu to m ais baixo. A hipótese do diferencial de conhecim ento pode ser expressa, operacional m ente, pelo m enos de dois modos diferentes: 1. Ao longo do tempo, a aquisição de conhecim ento sobre um tema m uito publicitado irá decorrer m ais rapidam ente entre as pessoas m ais instruídas, do que entre aqueles com m enor instrução; e 2. Num determinado momento, deverá existir um a m aior correlação entre aqu isição de co n h ecim en to e instru ção no que se refere a tem as m uito publi- citad os nos m eios de com u n icação do que no caso de tem as m enos pu- b licitad os. Será de esperar um diferencial de conhecim ento especialm ente sign ificati vo quando um ou m ais dos factores referidos estiver presente. D este modo, na m edida em que sejam m obilizados a com petência com u nicacional, o co n h eci m ento anterior, o contacto social ou a selectividade com base na atitude, o d iferencial deverá aum entar proporcionalm ente ao fluxo dos m eios de com u n icação de m assa. DADOS DE TENDÊNCIA TEMPORAL Podem ser extraídas conclu sões tanto a partir de estudos a curto prazo, com o a longo prazo. Budd, M acLean e Barnes estudaram a difusão, ao longo de um período de dois dias, de dois grandes acontecim entos noticiosos: a dem is são de Nikita K hrushchev e o caso W alter Jenkins em 1964. Os estudos cobriam o período que com eçava com o primeiro anúncio dos acontecim entos e continua va a partir do dia seguinte (Budd, M acLean Jr. e Barnes, 1966: 221-230). Apesar de os autores esperarem que as diferenças socioeconóm icas a n ível de co n h e cim ento d im inuíssem neste tipo de acontecim entos de grande im pacto, os re su ltad os foram no geral co n sis te n te s com a h ip ó tese do d ife re n cia l de conhecim ento. Os inquiridos com m aior instrução tomaram conhecim ento mais C om u n icação e S o c ied a d e 83 rapidam ente dos acontecim entos do que aqueles com m enor instrução; e um a grande percentagem de pessoas m ais instruídas estava consciente dos aconte cim entos dois dias após eles terem ocorrido. Neste intervalo de tem po, o dis tan ciam en to em term os de co n h ecim en to entre grupos so cio eco n ó m ico s aum entou. U m outro teste à h ip ótese do d iferen cia l de co n h ecim en to envolve o recu rso a dados de estudos cond u zid os ao longo do tem po, realizand o a m esm a pergunta em d iferen tes m om entos. D ados sobre três tóp icos a n a li sados dessa form a foram recolh id os pelo American Institute o f Public Opinion en tre 1 9 4 9 e 1 9 6 5 1. Os tóp icos in c lu íam satélites terrestres, a ten tativ a do H om em chegar à Lua e a con trovérsia sobre can cro e tabagism o. Cada um d estes tem as m ereceu um a con sid eráv el aten ção dos m eios de co m u n ica ção de m assa durante o período de estudo, co in cid in d o com um a fase em que os m eios de co m u n icação de m assa am ericanos d edicaram , em geral, grande aten ção à c iê n c ia (K rieghbaum , 196 8 : 65 e ss). Em 195 8 , fo i p ergu n tado aos d irectores de 240 jo rn ais d iários se o esp aço n o tic io so ded icad o à c iê n c ia , en g en h aria e m ed icin a se tin h a alterado nos ú ltim os anos. M ais de 9 0 % afirm aram que tin h a havido um aum ento, e aproxim ad am ente dois qu in tos in d icaram um aum ento corresp on d en te à d u p licação das n o tícias sobre c iê n c ia (K rieghbaum , 1968). A lém disso, cada tem a esp ec ífico m ere ceu um tratam en to profundo por parte dos m eios de co m u n icação em re sultado de acon tecim entos esp ecíficos ocorridos. O p rin cip al acontecim ento na p esq u isa esp acia l foi o lan çam en to do Sp u tn ik I, em 1 9 5 8 , seguido por vários lan çam en to s de outros sa té lites tanto pelos Estados U nidos com o p ela R ú ssia S o v iética . A possível re lação entre tabagism o e can cro receb eu p ela p rim eira vez um a vasta cobertu ra na seq ü ên cia do re latório AM A, de 1 9 5 4 , sobre o problem a. Em relação a cada um destes tem as, houve ao longo do tem po um cresci m ento geral do seu conhecim ento ou da aceitação da crença apresentada. Os coeficien tes de correlaçãoentre instrução e conhecim ento ou crença em rela ção a cada assunto e ano são apresentados na Tabela 1, sendo o padrão bastan te consistente com a hipótese de um crescente diferencial de conhecim ento. Os dois inquéritos sobre satélites terrestres são ilustrativos, visto que a corre lação cresce à m edida que o conhecim ento aum enta, desde 1955 (três anos antes do Sputnik) a 1961 (depois da prim eira viagem espacial norte-am ericana com um ser hum ano). M ais m arcantes são ainda os resultados dos quatro inquéritos em que se perguntava aos inquiridos se acreditavam que o Hom em iria chegar à Lua num futuro próxim o2. Novam ente, à m edida que a aceitação geral desta convicção aum entava, a correlação com a instrução m ostrava um crescim ento estatisti cam ente significativo, ao longo de um período de cinco ou seis anos. O distan ciam ento crescente entre níveis de instrução é directam ente visível na Figura l 3. Entre as pessoas com form ação universitária, a convicção de que o Homem iria chegar à Lua subiu de m enos de 20% , em 1949, para m ais de 80% , 16 anos m ais tarde; entre as pessoas com a instrução prim ária, essa convicção cresceu apenas para 38% durante o m esm o período. 84 C om u n icação e S o c ied ad e Tabela 1 Correlação entre instrução e conhecimento, relativamente a três temas que mereceram publicitação cres cente ao longo do tempo Tema 1949 1954 1955 1957 1959 1961 1965 1969 Diferenço entre coef.s corre. Identificação correcta de satélites terrestres .158 .265 p <.050 Crença de que o Homem vai chegar à Lua .042 .132 .259 .334 1949-1954, p <.020 1954-1959, p <.001 1959 -1965, p <.010 Crença de que os cigarros causam .050 .116 .127 n.s. cancro do pulmão .79 Fonte dos dados: AIPO AIPO AIPO AIPO AIPO AIPO AIPO AIPO 450 541, 544 585, 621 652 705 Set. 525 592 1969 Percentag —♦— Escola prim. —•— Secundário —j — Universidade Figura 1. Percentagem de respostas em inquéritos nacionais que afirmam acreditar que o Homem vai chegar à Lua, por Nível de Instrução e Ano N enhum destes estudos aferiu directam ente a cobertura ou exposição dos m eios de com u nicação de m assa, e o im pacto da sua inform ação nestes pa drões tem assim de ser inferido. Parece bastante claro, porém , que a p u blicita ção realizada por estes m eios de com unicação é aqui um factor fundam ental, mas tam bém é possível que existam outros factores envolvidos. Estes dezasseis anos cobrem um período de m udanças no sistem a educacional. A população tam bém m udou, passando a incluir, em 1965, no nível edu cacional m ais ele vado, um a m aior proporção de jovens do que em 1949. No entanto, a questão im portante é que o diferencial de conhecim ento não deixou de existir no período estudado. C om u n icação e S o c ied a d e 85 A crença na relação tabagism o-cancro tam bém obedece ao padrão previsto, apesar de a correlação no últim o ano perm anecer baixa. No período de 1954- -1957 , contudo, a relação entre fum ar e ter cancro levantava m uito m ais dúvi das do que actualm ente. Apesar de terem sido realizados estudos m ais recentes sobre este assunto, com o envolveram diferentes am ostras e técn icas de m edi ção, não podem assim ser com parados directam ente com os dados da AIPO. ESTUDO DE UMA GREVE NUM JORNAL Outro modo possível de testar a hipótese do d iferencial de conhecim ento é através da observação da exclusão da publicitação realizada pelos m eios de com u nicação de m assa. De acordo com a referida hipótese, seria de esperar que a au sência da cobertura de um dado tem a pelos m eios de com u nicação de m assa reduzisse a diferença de conhecim ento entre grupos com diferentes n í veis de instrução. Em bora tal experiência seja de difícil concretização, ela pode ser aproxim ada num a situação de greve dos jornais. Sam uelson estudou, em 1959, o conhecim ento de acontecim entos públicos correntes num a com u ni dade onde os jornais se encontravam em greve, e num a outra com unidade próxim a onde o jornal diário continuava a ser publicado com o habitualm en te4. O estudo foi realizado após a prim eira sem ana de greve, antes que os cid a dãos da com unidade afectada pudessem estabelecer algum m eio de substituição dos m eios de com unicação. Um a vez que a ausência de jornais im plica um a m enor atenção às notícias do dia difundidas pelos m eios de com u nicação por parte das pessoas com m aiores níveis de instrução, pode adm itir-se, com o h i pótese, que essas pessoas «perdem» proporcionalm ente m ais em resultado da greve dos jornais. Sendo assim , deveria existir um a m enor diferença de con h e cim ento entre as pessoas m ais e m enos instruídas na com unidade em situação de greve do que na outra com unidade. C onsid erand o que a am ostra da com u nid ad e em que não havia greve só in c lu ía nove p essoas com um n ív el de in stru ção in ferio r ao secu n d ário , a an á lise p resen te co n sid erou apenas os grupos com os n íveis secu n d ário e u n iv ersitário em cada com u nid ad e. De acordo com a h ip ótese , a d iferen ça de co n h e cim en to entre n íveis de in stru ção é efectiv am en te m aior na com u nidade onde não se registou greve do que na com u nid ad e onde o jorn al tinha estado em greve na sem ana anterior (Tabela 2, d iferença de 1.08 vs .44). E sta in teracção , ou con traste , é sig n ifican te em term os esta tísticos a um nível de sign ificação .0 0 1 5. M ais um a vez, estes dados não exclu em e x p lic a ções a ltern ativ as, tais com o a p ossib ilid ad e de a com u nid ad e em situ ação de greve ser caracterizad a por um a correlação b a ixa entre in stru ção e co n h ecim e n to dos assu ntos p ú b lico s antes da greve. A pesar de as duas com u n id ad es serem próxim as g eograficam ente, a com u n id ad e sem greve era m ais p equena, m enos in d u stria lizad a e caracterizad a por um n ív el so c io eco n óm ico geral m ais elevado. Na au sên cia de dados antes e depois da greve, a in terp retação dos dados reco lh id os não deve pois ser tom ada com o d efin itiva . 86 C om u n icação e S o c ied ad e Tabela 2 Níveis de conhecimento de assuntos públicos para pessoas com diferentes níveis de instrução, numa comunidade em que o seu jornal esteve em greve e numa outra comunidade sem greve, 1959* Com unidade Ensino Secundário Ensino Superior Diferença Greve do jornal 4.07 (N = 153) 4.51 (N = 142) .44 Ausência de greve do jornal 4.38 (N = 40) 5.46 (N = 56) 1.08 * Número de tópicos correctos num teste de 11 tópicos sobre acontecimentos correntes A EXPERIÊNCIA DE MINEAPOLIS-ST. PAUL Apesar de a m aior parte dos dados acim a apresentados serem consistentes com a hipótese do d iferencial de conhecim ento, os factores su bjacentes são inferidos e não directam ente observados. Se a hipótese geral estiver correcta, a instru ção deverá estar m ais fortem ente correlacionada com o conhecim ento adquirido a partir de um artigo esp ecífico relativo a um tem a que anteriorm en te tivesse sido objecto de grande publicitação, em contraste com artigos sobre tem as m enos publicitados. Pessoas com elevado n ível de instrução têm um a m aior probabilidade de terem estado expostas a um tem a m uito publicitado; encontram -se já «activas» em relação a esse tem a e evoluem nele m ais fa c il m ente do que as pessoas com m enor instrução (Robinson, 1967). Um a exp eriência de cam po recente realizada na área m etropolitana de M ineapolis-St. Paul tornou possível um teste m ais directo deste aspecto da hipótese. A com preensão da leitura foi aferida através de 22 artigos relacion a dos com pesquisa m édica e b iológica e de 21 artigos sobre ciências sociais, todos eles retirados de jornais m etropolitanos de referênciado midwest dos Estados Unidos, no Verão de 1967 e no Inverno de 1967/68. Estas áreas tem áticas foram analisadas separadam ente, visto que, no caso das notícias m édicas, a relação entre instrução e com preensão é frequentem ente curvilinear (Tichenor, 1 965 ; Krieghbaum , 1958 : 5). Foi ainda essencial utilizar artigos sobre áreas tem áticas que variavam no nível de publicitação prévia6. Na área m etropolitana de M ineapolis-St. Paul, foi seleccionada um a am os tra p robabilística de 600 pessoas, tendo sido as entrevistas realizadas em A bril de 1968. Foi pedido a cada entrevistado que lesse dois artigos diferentes de notícias c ien tíficas7. Cada artigo era apresentado com a seguinte questão, «Por favor, le ia o artigo com o leria qualquer outro artigo noticioso?». D epois do entrevistado ter term inado a leitura, o entrevistador recolh ia o artigo e pergun tava: «Procure lem brar-se o m elhor possível do conteúdo deste artigo». Os entrevistadores tinham instruções para fornecerem dois ind ícios que ajudas sem os su jeitos a recordar. M ais de 94% dos inquiridos leram pelo m enos um dos dois artigos. Cada artigo foi lido por 20 pessoas no m áxim o. O em parelha- m ento foi organizado de m aneira a que um dado artigo fosse apresentado em prim eiro lugar em 10 entrevistas e em segundo nas outras 10. As respostas foram depois analisadas por unidades individuais de conteú do, definidas com o asserções específicas, independentem ente das frases que C om u n icação e S o c ied ad e 87 os inquiridos utilizavam para as compor. As fontes citadas nos artigos foram então contactadas e foi-lhes pedido que avaliassem a exactidão das afirm ações apresentadas. A compreensão do leitor era definida pelo núm ero de unidades de conteúdo por si produzidas e classificadas pela fonte acim a do ponto m édio de um a «escala de exactidão» de 7 pontos. A m edida de m em ória era de resposta aberta e pode, com certeza, su besti m ar a capacidade para reconhecer inform ação m ais tarde. No entanto, é supos to m edir a capacidade de os indivíduos verbalizarem o conteúdo de um artigo noticioso e, consequentem ente, a inform ação que conseguem transm itir para o sistem a social. O nível de p u blicitação de um artigo foi definido operacionalm ente com o o núm ero de vezes que, durante o anterior ano civil, artigos dessa m esm a área tem ática tinham surgido na prim eira página de um dos quatro principais jor nais diários das cidades gem inadas. O pressuposto é de que a presença na prim eira página constitu i pu blicitação de grande relevo dos m eios de com u ni cação. Para a biologia e m edicina, «mais publicitado» significava duas ou m ais m enções de prim eira página; para as ciên cias sociais, «mais publicitado» sig n ificava quatro m enções de prim eira página. RESULTADOS Visto que as respostas a um segundo artigo lido por uma determ inada pessoa podem divergir das do primeiro, os resultados foram analisados separadam ente (Tabela 3). A lém disso, a distribuição dos artigos noticiosos conduziu a alguma sobreposição nas subam ostras para o primeiro e segundo artigos. Contudo, os dados relativos ao «primeiro artigo lido» na Tabela 3 representam 4 subam ostras independentes, sendo o mesmo válido para o «segundo artigo lido». Tabela 3 Correlações entre instrução e compreensão de artigos científicos para tópicos de elevada e baixa publici tação em duas áreas gerais Primeiro artigo lido Segundo artigo lido Área Temas mais publicitados Temas menos publicitados Temas mais publicitados Temas menos publicitados Medicina - Biologia r = .109 (N = 84) n.s. r =.032 (N =111) n.s. R =.264 (N = 90) p <.02 r = .165 (N = 108) n.s. Ciências Sociais r = .278 (N = 104) p <.01 r =.228 (N = 93) p <.05 r = .282 (N = 91) p <.01 r =.117 (N = 97) n.s. O padrão geral de correlações entre instrução e com preensão na Tabela 3 é consistente com a hipótese in icia l; em cada um a das quatro com parações, os artigos «m ais publicitados» tendem a revelar um a m ais elevada correlação. Em 88 C om u n icação e S oc ied ad e relação ao prim eiro artigo lido, as correlações não variam significativam ente em função da p u blicitação anterior. No entanto, no que se refere ao segundo artigo lido, o coeficien te é significativam ente m aior que zero no caso das subam ostras de leitura de tem as m ais publicitados, e não é significativo para os tem as m enos publicitados. Este padrão é observado em relação tanto aos artigos sobre m edicina e biologia, com o em relação aos artigos sobre ciências sociais. Com o era esperado, a relação observada entre instrução e com preensão, nos tem as de m edicina e biologia publicitados m ais intensam ente, tende a ser curvilinear. Isto é, a diferença de com preensão entre os tem as m ais e m enos publicitados nesta área é m ais acentuada no nível de instrução m édio, ao in vés do n ível de instrução m ais elevado. Este padrão dem onstra, m ais um a vez, o in teresse elevado pela inform ação sobre m edicina e saúde por parte das pes soas m edianam ente instruídas. PUBLICITAÇÃO E FAMILIARIDADE A m aior parte dos dados tende, assim , a ser consistente com hipótese do «crescente diferencial de conhecim ento». Na m edida em que esta hipótese pode ser sustentada, fornece algumas reflexões cruciais sobre o im pacto «massivo» dos m eios de com unicação. No que se refere aos assuntos aqui estudados, os m eios de com u nicação de m assa parecem ter um a função sem elhante à de outras institu ições sociais: reforçar ou aum entar in ju stiças existentes. Se os m eios de com u nicação aum entam estas diferenças, em que cond i ções os distanciam entos podem deixar de existir? C ertam ente, algumas ideias sobre este assunto acabam por ser universalm ente partilhadas. Em bora não existam ainda dados disponíveis, há poucas dúvidas que a «cam inhada na Lua», em Ju lho de 1969, contribuiu para a aceitação geral de que o hom em podia a lcançar a su perfície lunar. No entanto, os m eios de com u nicação têm recursos lim itados, e o espectáculo espacial de 1969 pode ser um a excepção extraordinária que ilustra um a regra m ais geral: a cobertura dos m eios de co m u nicação tende a esm orecer antes que deixe de existir um diferencial de conhecim ento . Esta tendência pode ser especialm ente óbvia no dom ínio dos assuntos científicos, onde um novo desenvolvim ento ou descoberta torna im e diatam ente obsoletos os tem as das notícias do dia anterior. Logo que o hom em entrou em órbita, os satélites terrestres foram com pletam ente ignorados pelos m eios de com unicação. Se este é o caso geral, a perspectiva de anular o d ife ren cia l de conhecim ento em áreas gerais de ciên cia e de assuntos públicos, a partir dos m eios de com unicação de m assa, parece ser som bria. Outros siste m as de difusão de inform ação de m assa podem ser necessários para evitar que segm entos da população de m ais baixo estatuto se afastem ainda m ais em ter m os da sua relativa fam iliaridade com acontecim entos e descobertas de actua- lidade. Esta análise concentrou-se, fundam entalm ente, nos aspectos relacionados com a pu blicitação de m assa na imprensa e pode não se aplicar à aprendiza- C om u n icação e S o c ied a d e 89 gem a partir da televisão - talvez, pelo m enos, não na m esm a medida. Visto que o uso da televisão tende a estar m enos correlacionado com a instrução, existe a possibilidade de a televisão ser um «nivelador de conhecim ento» em algumas áreas. Esta parece ser um a questão prioritária para a futura investigação. Apesar da su stentação dos resultados desta análise, estes não apontam n e cessariam ente para um «fracasso» das cam panhas de inform ação, com o sugerem H ym an e Sh eatsley ou Star e Hughes. A criação de d iferenciais m ais elevados de conhecim ento na sociedade é, em si m esm a, um profundo efeito social e pode ser um factor central na m udança social futura. Na m edida em que as pessoas m ais instruídas se encontram na vanguarda da m udança social e tecnológica, a sua aquisição acelerada de conhecim ento através dos m eios de com u nicação pode ser socialm ente funcional. No entanto, ao m esm o tem po, os d iferenciais de conhecim ento podem conduzir a um aum ento da tensão no sistem a social; um a das reconhecidas disparidades entre pessoas brancas e negras, por exem plo, é a diferença relativa na tom ada de con sciên cia de nova inform ação. Um diferencial de conhecim ento im plica, por definição, um a di ferença com u n icacion al e constitu i um desafio especial quando se pretende resolver problem as sociais. TICHENOR. P.J., DONOHUE, G. A. e OLIEN C. N„ 1970, «Mass Media Flow and Differential Growth in Knowledge», Public Opinion Quarterly, n.° 34. N o t a s 1 Os dados dos inquéritos da AIPO foram obtidos através do Roper Public Opinion R esearch Center, Williamstown, Mass. 2 As perguntas específicas variaram ligeiramente. Em 1949,1959 e 1965, foi perguntado aos inquiri dos se eles pensavam que o homem iria chegar à Lua dentro de 20 anos. Em 1954, a pergunta foi se o homem iria chegar à Lua nos próximos 50 anos. Nestes dois itens e naqueles relativos às conseqüências do tabagismo, assume-se que a «crença» reflecte aumento de conhecimento. 3 A análise de tendência dos dados, na Figura 1, mostra que tanto os efeitos lineares como quadráticos são estatisticamente significantes para além do nível .001 para os três níveis educacionais. No entanto, o efeito quadrático para o grupo universitário, por exemplo, diz respeito a uma variância adicional de menos .005. Logo, é razoável considerar estas tendências como basicamente lineares. 4 Dados de um estudo conduzido por Merrill Samuelson (1960) «Some News-Seeking Behavior in a Newspaper Strike», tese de doutoramento não publicada, Stanford University, 1960. 5 A análise de variância utilizada na realização deste teste é baseada num algoritmo de aproximação, no qual os quadrados médios são ajustados para números desiguais de casos nas várias células (ver, Blalock, 1960: 264). e O estudo envolveu um total de 60 artigos. No entanto, aqueles que não diziam respeito a assuntos de medicina, biologia ou ciências sociais, variavam tanto em termos de tema e tão pouco quanto ao nível de publicitação anterior, que não foram considerados apropriados para esta análise. 7 As entrevistas foram realizadas como parte de uma sondagem da Metro-Poll, conduzida pelo M inneapolis Star e Tribune R esearch Division. 90 C om u n icação e S oc ied ad e B ib l io g r a f ia BEERS, Howard W., 1963, Application o f Sociology in D evelopm ent Programs, New York, Agricultural Development Council. BLALOCK, Hubert M., 1960, S ocial Statistics, New York, McGraw-Hill. BUDD, Richard W., MacLEAN Jr. Malcolm S. e BARNES, Arthur, 1966, «Regularities in the Diffusion of Two Major News Events», Journalism Quarterly, Vol. 43. CARLSSON, Gosta, 1968, «Change, Growth and Irreversibility», Am erican Journal o f Sociology, vol. 73. COLEMAN, James S., 1964, Introduction to M athem atical Sociology, New York, Free Press. 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De form a distinta, as sociologias interpretativas m ais recentes consideram que o m undo social fornece norm as que os actores invocam , com o recursos ou constrangim entos do seu trabalho activo, para concretizar os seus p ro jectos1. Através deste trabalho, os actores dão form a ao m undo social e às suas in sti tu ições com o fenôm enos construídos e partilhados. Dois processos ocorrem em sim ultâneo. Por um lado, a sociedade ajuda a m oldar a consciência . Por outro lado, através da sua apreensão in tencional dos fenôm enos no m undo social partilhado - através do seu trabalho activo - , os hom ens e as m ulheres constroem e constituem colectivam ente os fenôm enos sociais. AS NOTÍCIAS COMO UMA REALIDADE CONSTRUÍDA Cada um a destas perspectivas sobre os actores sociais im plica um a aborda gem teórica diferente das notícias. Partindo da prim eira perspectiva, a m ais tradicional, pode-se argum entar de form a lógica, tal com o Roshco (1975), que qualquer defin ição social de notícia depende da própria estrutura da socieda de em questão. A estrutura social produz norm as, inclu indo atitudes que defi nem os aspectos da vida social que são do interesse ou têm im portância para os cidadãos. E suposto que as notícias digam respeito a esses tópicos reconhe cíveis. Socializados nessas atitudes sociais e nas norm as profissionais, os jor nalistas cobrem , seleccionam e difundem histórias sobre os tem as identificados com o interessantes ou im portantes. Em virtude do cum prim ento desta função por parte dos jornalistas, as notícias reflectem a sociedade: as notícias apre sentam à sociedade um espelho das suas preocupações e interesses. Para que um a definição social de notícia se altere, infere-se logicam ente, a estrutura da92 C om u n icação e S oc ied ad e sociedade e das suas institu ições tem prim eiro de mudar. Como diz Roshco, as notícias podem desem penhar um papel na m udança social ao relatarem actos desviantes «interessantes» sob a form a de notícias leves, com o no exem plo paradigm ático do hom em que m ordeu o cão. Se um núm ero su ficiente de pes soas adoptar essas form as de desvio, a estrutura social pode ser m odificada e a sua definição de notícia pode ser alterada. Mas, segundo esta perspectiva, as defin ições de notícia perm anecem dependentes da estrutura social, e não das actividades dos jornalistas ou das organizações jornalísticas. Estudos realizados (Tuchman, 1978: 156-181) desacreditam , porém , esta perspectiva tradicional das notícias e da m udança social. As concepções m o dernas de notícia desenvolveram -se em conjunto com a estrutura social norte- -am ericana. A im prensa popular proporcionou o aparecim ento, em sim ultâ neo, de novos cap italistas e de novas definições de dem ocracia, m as está tam bém indissociavelm ente ligada a estes m esm os fenôm enos. Criou a distinção, então radical, entre m oralidade pública e m oralidade privada, ao assum ir a noção de inform ação pública difundida para benefício privado (em presarial). Rom peu tam bém a relação face-a-face entre produtores e consum idores de com u nicação - um a transform ação crucial para as subsequentes form as de interacção parasocial e para a segm entação de papéis nas sociedades industriais avançadas. A abordagem interpretativa das notícias - de acordo com a m etáfora da janela-enquadram ento (Ibid .: 1-14) - é m ais activa. Enfatiza a actividade dos jornalistas e das organizações jornalísticas, em vez das norm as sociais, um a vez que não pressupõe que a estrutura social produz norm as claram ente defi nidas que determ inam o que é digno de notícia. De modo diferente, defende que os jornalistas, que sim ultaneam ente invocam e aplicam norm as, tam bém definem essas m esm as norm as. Isto é, as noções de noticiabilidade encontram as suas definições em cada m om ento; com o, por exem plo, quando os editores de jornais decidem os assuntos a ser apresentados em prim eira página. De form a sem elhante, defende esta abordagem que as notícias não espelham a sociedade. A judam a constitu í-la com o um fenôm eno social partilhado, dado que no processo de descrição de um acontecim ento, as notícias definem e m oldam esse acontecim ento ; tal com o as histórias noticiosas interpretaram e construíram o período in icia l do m oderno m ovim ento fem inista, com o um a actividade de ridículas incendiárias de soutiens. Ao enfatizar as actividades dos jornalistas, a abordagem interpretativa es tabelece tam bém um tratam ento diferente da m udança social. A sem elhança da perspectiva m ais tradicional, esta abordagem aceita a ideia de que as h istó rias sobre desviantes têm alguma relação com a estrutura social, m as descreve esta relação de um a m aneira diferente. Em vez de afirm ar que as histórias sobre desviantes podem «m odificar» a estrutura social, as sociologias interpre- tativas consideram que essas histórias definem , de um modo activo, o que é desviante e o que é norm ativo. Reciprocam ente, as histórias sobre actos e acto res sociais positivam ente sancionados são recursos que perm item definir tan to a conform idade com o o desvio. Cada um destes tipos de histórias im plica ou afirm a a presença ou ausência do outro tipo, na m edida em que cada um C om u n icaçao e S o c ied a d e 93 deles está integrado nos processos que os jornalistas utilizam para reduzir a grande quantidade de ocorrências enquanto m atéria prim a de notícias (Ibid.: 39-63). As histórias acerca de grupos sociais desviantes, com o o m ovim ento fem inista, são transform adas, por exem plo, em notícias leves (Ibid.: 133-155), ou, quando tratadas com o notícias sérias, caracterizam as fem inistas com o pessoas que se reúnem em locais im próprios, a horas im próprias e com objec- tivos im próprios (M olotch and Lester, 1975), com o um a am eaça à estabilidade social. Ao im por estas significações, as notícias estão perm anentem ente a de fin ir e a redefinir, a construir e a reconstru ir os fenôm enos sociais. Já em anteriores ocasiões recorri a um a abordagem interpretativa no estudo das notícias, procurando dem onstrar com o o trabalho jornalístico transform a as ocorrências quotidianas em acontecim entos inform ativos. Por vezes exp li citam ente, outras im plicitam ente, essas descrições do trabalho jornalístico re correm aos conceitos de «reflexividade» e «indexicalidade», propostos pelos etnom etodólogos (particularm ente Garfinkel, 1967); de «quadro sim bólico» e «tira», propostos por Goffm an (1974); e de «construção social da realidade», desenvolvido por Berger e Luckm ann (1967). Todos estes conceitos sublinham que os hom ens e as m ulheres constroem activam ente significações sociais. Todos eles derivam, em últim a análise, de leituras do trabalho de Alfred Schütz (1962, 1 9 6 4 ,1 9 6 6 ,1 9 6 7 ) , um filósofo das ciências sociais cu jas ideias in flu en ciaram tam bém a form ulação de ideologia de Sm ith (1972). Os escritos de Schütz, por sua vez, derivam do seu estudo da fenom enologia de Edm und H usserl, do trabalho de H enri Bergson e dos pragm atistas am ericanos, e da sociologia de M ax Weber. ALFRED SCHÜTZ E O ESTUDO DO MUNDO QUOTIDIANO Um ensaio de Schütz, incorporando as ideias de W illiam Jam es, teve um im pacto particularm ente poderoso no desenvolvim ento m ais recente da socio logia interpretativa2. Em «On M ultiple Realities», Schütz (1962) desenvolve as propriedades fenom enológicas básicas do m undo social partilhado3. Prim eiro, Sch ü tz aceita a noção de Jam es de que todos nós experienciam os m uitos subuniversos, inclu indo o m undo dos sentidos e das coisas físicas, o m undo da ciên cia , o m undo dos sonhos e o m undo da loucura. Em seguida, Schütz distingue o m undo quotidiano dos sentidos e das pessoas de outras realidades m últiplas. Interroga-se de que form a experienciam os estas realidades m ú lti plas? Como, por exem plo, é que a nossa experiência do m undo dos sonhos difere da nossa percepção do m undo quotidiano? Schütz está particularm ente interessado no m undo quotidiano porque, tal com o Jam es, identifica-o com o um a realidade prim ordial. Duas ideias que Sch ü tz vai bu scar a Husserl assum em particular im portân cia. No desenvolvim ento da sua filosofia, Husserl (1960, 1967) destacou a re lação entre aquele que conhece e o que é conhecido. R econhece a con sciên cia com o um fenôm eno in ten cion al4. A lém disso, H usserl propôs que o filósofo pode apreender a essência dos fenôm enos adoptando um a atitude esp ecífica, 94 C om u n icação e S o c ied a d e referida com o «pôr entre parênteses» ou a redução fenom enológica. Ao adop- tar esta atitude, o filósofo põe em dúvida a existência de um fenôm eno o b jec tivo para verificar a sua essência, com o oposta à sua forma m aterial no m undo social. Por exem plo, o filósofo pode duvidar da existência das notícias para descobrir a sua essência idealista, enquanto oposta às suas form as, do passa do, do presente ou do futuro, no m undo social. A explicação de H usserl (1967) para a redução fenom enológica é com plexa e tem sido ob jecto de análise por parte de outros autores (e.g., Farber, 1966). Aqui, é im portante apenas na m edida em que Schütz inverte a ideia de Husserl quanto ao significado do «pôr entre parenteses». Husserl propôs esta atitude com o aquela que distingue o filósofo fenom enológico; Schü tz explica que o m undo quotidiano se distingue precisam ente pela ausência dessa atitude. Em vez de adoptarem um a atitude de dúvidaem relação aos fenôm enos do m undo social, os actores sociais aceitam os fenôm enos com o dados adquiridos. Por exem plo, apesar de um leitor de jornal poder duvidar da veracidade de uma n otícia esp ecífica , ele ou ela não põem em causa a própria existência das notí cias com o fenôm eno social. O leitor pode contestar o ponto de vista de um a h istó ria esp ec ífica , de um dado jorn al ou de um determ inado n oticiário televisivo, mas os jornais, as transm issões de radiodifusão e as próprias n o tíc i as surgem com o dados objectivos. Schü tz dá o nom e de «atitude natural» ao estilo cognitivo que aceita a existência objectiva dos fenôm enos sociais. Esse term o p ressu p õe que todos nós dam os com o adquirida a ex is tê n cia dos fenôm enos sociais, vêm o-los com o dados, com o estando «naturalm ente» ali. Mas Sch ü tz nu n ca afirm a que esses fenôm enos dados são eles próprios «natu rais». Em «On M ultiple Realities», a sua preocupação não é em relação aos fenôm enos do m undo, mas com a atitude que os actores sociais assum em para abordar o m undo5. Ao u tilizar o term o «atitude natural», Schütz considera que quaisquer que sejam os conteúdos culturais, estruturais ou pessoais da vida do indivíduo, todos os indivíduos com petentes experienciam estilos cognitivos sem elhantes quando lidam com a realidade social. Isto é, um sam oano, um ucraniano ou um am ericano, apesar dos seus antecedentes diferentes, podem experienciar estilos cognitivos sem elhantes. Os indivíduos aceitam o seu m undo (quais quer que sejam os seus conteúdos) com o «natural», aceitam as coisas tal com o são. Im aginem os duas pessoas que leiam a m esm a n otícia de jornal. Um a delas situa-se p oliticam ente ao centro; a outra é um revolucionário. O revolucioná rio pode duvidar que a ocorrência relatada no jornal tenha acontecido da for m a com o a n o tíc ia a descreve. M as não duvida da ex istên cia da própria ocorrência. A liás, por exem plo, na tentativa de prever o efeito daquela notícia nos seus leitores ou de com preender com o é que ela pode in fluenciar a ten ta tiva de lançar um novo programa político, o revolucionário pode até dar m ais atenção à «notícia do que aquele que é politicam ente conservador»6. Na obra de Schütz, o conceito do m undo quotidiano é quase tautológico: o m undo quotidiano é constituído pelo próprio facto de ser dado com o pressuposto. Lançar a dúvida leva-nos de um a das realidades m últiplas ou subuniversos para outra. Por exem plo, ao lançar a dúvida, podem os entrar no m undo da C om u n icação e S o c ied ad e 95 ciên cia , no qual os indivíduos põem em dúvida (entre parênteses) a existência dos fenôm enos com o objectivo de os estudar. Mas Schü tz não define a atitude natural de forma tautológica. Pelo contrá rio, propõe seis «características clássicas que constituem o estilo cognitivo específico» do m undo quotidiano e que o diferenciam de outras «províncias fin itas da significação» (outras realidades m últip las)7. Para os m eus objectivos, há duas tensões interessantes nesta lista de características apresentada por Schütz. Em prim eiro lugar, enfatiza a característica de se dar com o pressupos tos os elem entos básicos da vida social, tais com o o tem po e a in tersubjecti- vidade (tomar o papel do outro), enquanto socialm ente adquiridos. Em segundo lugar, Sch ü tz defende que, na atitude natural, os actores sociais «trabalham » activam ente, no sentido em que assum em um a posição activa de perfeita vigí lia perante o m undo, através da qual apreendem e criam significações. Assim , por exem plo, ao ler um jornal o actor tom a com o certo que as notícias existem e que as histórias são «notícias de actualidade». O leitor ou a leitora apreen dem as histórias num quadro tem poral claram ente delineado que é socialm en te definido em term os de intersecção da experiência hum ana com o m ovim ento da lua e dos planetas. No m undo dos sonhos, o tem po está ausente, em expan são ou em suspenso; perde a sua referência social. Os leitores de notícias tam bém trabalham para encontrar sentido nas m an chas de tin ta im pressas na página. Percebem palavras e frases, factos e in ter pretações. A preendem activam ente e atribuem significados a essas m anchas, tal com o apreendem activam ente sons articulados com o declarações e lingua gem. De form a sem elhante (Tuchm an, 1978: 15-38) os jornalistas trabalham para apreender e atribuir significado quando identificam certos tópicos, e não outros, como notícias. Através deste trabalho, segundo Schütz, os actores sociais criam significações e, ao m esm o tem po, um sentido colectivo partilhado da ordem social. A ordem social depende da partilha de significações. A noção de atitude natural de Schü tz serviu com o ponto de partida para vários autores da sociologia interpretativa, todos eles afirm ando que os h o m ens e as m ulheres se em penham na criação de significações sociais. As teo rias que derivam da abordagem de Schütz aplicam -se à produção n oticiosa e às notícias enquanto fenôm enos sociais, da m esm a form a que se aplicam à apreensão de sons articulados com o enunciações com sentido. Considerem os de seguida os conceitos de «reflexividade» e «indexicalidade» desenvolvidos pelos etnom etodólogos. AS NOTÍCIAS COMO ACTIVIDADE REFLEXIVA E INDEXICAL Sob a d irecção de Garfinkel (1967) e Cicourel (1 9 6 4 ,1 9 7 3 ) , os etnom etodó logos exam inam com o as pessoas constroem o sentido do m undo quotidiano quando assum em a atitude natural8. («Etnometodologia», foi um term o estabe lecido por um dos d iscípulos de Garfinkel, que significa o estudo dos m étodos das pessoas.) Os etnom etodólogos não estão interessados nas categorias que as pessoas utilizam para darem sentido ao m undo; por exem plo, não consideram 96 C om u n icaçao e S o c ied ad e os estereótipos que um grupo pode aplicar a outro. Estudam sim o trabalho diário de criação de categorias (ou, utilizando os seus próprios termos, a «produção» de categorias); por exemplo, com o os significados estereotípicos são atribuídos aos actos de outras pessoas, com o na estereotipização dos mem bros in iciais do m o vim ento fem inista (Tuchman, 1978: 133-155), na identificação de certos m em bros de m ovim entos sociais com o «líderes responsáveis» [Ibid.: 82-103), ou na rejeição do estereótipo de que todos os presidentes são desonestos [Ibidem). Os etnom etodólogos propõem, especificam ente: tal com o a atitude natural existe em todas as sociedades e culturas, há tam bém características ou m éto dos invariantes da atitude natural que as pessoas utilizam para darem sentido ao m undo quotidiano. Tais características não têm um conteúdo específico, m as podem ser invocadas para darem sentido a um a variedade de conteúdos. Essas características da atitude natural identificadas pelos etnom etodólogos esp ecificam com o é que as pessoas funcionam num estado de plena vigília para apreenderem e criarem significações. «Reflexividade» e «indexicalidade» são duas características invariáveis identificadas pelos etnom etodólogos. Estes conceitos gêmeos (indexicalidade im plica reflexividade e vice-versa) podem ser utilizados para descrever com o é que as pessoas conferem sentido às expressões um as das outras em conver sações partilhadas; com o é que as pessoas dão sentido às notícias com o regis tos do m undo quotidiano; com o os repórteres dão sentido aos acontecim entos; ou com o é que as pessoas extrapolam a partir de cada tópico esp ecífico uma caracterização do m undo quotidiano. Tanto a reflexividade com o a indexicalidade referem-se à inserção contextual dos fenôm enos. A reflexividade especifica que os relatos dos acontecim entos estão inseridos na m esm a realidade queeles próprios caracterizam , registam ou estruturam. A indexicalidade especifica que os actores sociais, ao utilizarem relatos (termos, enunciações ou narrativas), podem atribuir-lhes sentidos inde pendentes do contexto no qual esses relatos são produzidos e processados. Por exem plo, alguém atribui sentido a um a afirmação feita num a conversação em que participa tendo em conta o contexto dessa afirmação. (Sem contexto, a ex pressão «uh» não tem sentido). Retirar essa afirmação do seu contexto de produ ção e repeti-la num a segunda conversação, pode ser um a tentativa de atribuição indexical de sentido. Considerem os uma conversa hipotética de um casal (Ibid.: 1-14). D iscutindo sobre as notícias do dia, eles conversaram ao mesmo tempo sobre o com portam ento de Joe num a reunião do departamento. No futuro, o casal pode referir-se a esse dia com o «o dia em que Joe disse x». Separando a caracterização «o dia em que Joe disse x» do processo da sua produção, eles transform am aquela caracterização num a indexicalidade específica. Tanto a reflexividade com o a indexicalidade são com ponentes essenciais da transform ação dos acontecim entos em notícias. São com ponentes quer do carácter público das notícias quer do próprio trabalho inform ativo. O carácter público das notícias. As notícias registam a realidade social e são sim ultaneam ente um produto dessa m esm a realidade, na m edida em que for n ecem aos seus consum idores um a abstracção selectiva in tencionalm ente co C om u n icação e S o c ied a d e 97 erente, m esm o podendo descurar certos porm enores. Quando os consum ido res de notícias lêem ou vêem notícias, acrescentam -lhes porm enores - mas não necessariam ente aqueles que foram suprim idos na construção da história. A abstracção e a representação selectivas da inform ação, e a atribuição reflex i va de significado aos acontecim entos enquanto notícias são características n a turais da vida quotidiana. C onsiderem os dois casos, o m assacre de M y Lai e o escândalo Watergate. A pesar de centenas de pessoas terem sido chacinadas em M y Lai, as suas mor tes não tiveram existência pública para os am ericanos até à divulgação de relatos selectivos do m assacre. Sem esses relatos inform ativos, o acon tecim en to teria sido apenas um a preocupação pessoal dos soldados envolvidos e dos sobreviventes. Da m esm a forma, o assalto à sede nacional do Partido D em ocrá tico no ed ifício de escritórios Watergate com eçou por ser um assunto público para os assaltantes detidos, m as um a preocupação pessoal para o pequeno grupo de indivíduos que poderiam ser identificados com o conspiradores - até que m ais ninguém tivesse conhecim ento do seu efectivo envolvim ento. A di vulgação p ú blica da inform ação foi necessária para que se in iciassem os pro cessos ju d icia is e no Congresso e para que, em últim a análise, R ichard N ixon fosse forçado a renunciar à Presidência. Em am bos os casos, os relatos n o tici osos divulgaram o que se estava a passar ou o que se tinha passado no m undo quotidiano; em am bos os casos, os relatos noticiosos tiveram , claram ente, uma intervenção activa no processo sociopolítico. Os m ilitares tentaram silen ciar a história de M y Lai; os acessores do Presidente tentaram silen ciar as notícias sobre W atergate. Os m eios de com unicação social foram parte integrante do drama de estruturar e divulgar a inform ação, que constitu iu depois base para a form ação do conhecim ento. Os relatos inform ativos não só conferem às ocorrências a sua existência com o acontecim entos públicos, com o tam bém lhes atribuem um certo carác ter, na m edida em que ajudam a dar form a à definição p ú blica dos acon teci m entos, atribuindo-lhes de form a selectiva porm enores ou «particularidades» esp ecíficas. Tornam acessíveis aos consum idores de notícias esses porm eno res selectivos. C onsiderem os o caso de um m otim . Ao divulgarem porm enores com o o núm ero de participantes, o núm ero de feridos ou m ortos, a dim ensão dos estragos e a seqüência das acções (por exem plo, um hom em foi preso e depois um a m ultidão de cidadãos concentrou-se frente à esquadra da polícia), os relatos noticiosos transform am um m otim enquanto acontecim ento amorfo, no m otim (aquele m otim em particular), com o acontecim ento público e preo cupação pública. Os relatos noticiosos dão tam bém form a a noções sobre as características gerais de todos os m otins. Kapsis et al. (1970) referem que todos os m otins atravessam fases de form ação, quando «nada de especial» parece estar a acontecer, tal com o as batalhas têm tam bém os seus «m om entos de acalm ia». As notícias norm alm ente ignoram estas fases, reduzindo o curso dos m otins a um a actividade in tensa e contínua. Através dos seus relatos de m o tins esp ecíficos, as notícias ajudam a dar form a a um a definição p ú blica do que é um m otim , e essa definição pública existe sem referência aos processos que transform aram o m otim -ocorrência em m otim -acontecim ento-notícia. Em 98 C om u n icação e S oc ied ad e últim a análise, os cientistas sociais podem de facto utilizar o relato noticioso com o se fosse um a descrição verídica da ocorrência, com o se a notícia fosse o próprio acontecim ento (ver Danzger, 1975, 1976; Tuchm an, 1976). Ao m esm o tem po, por exem plo, alguns historiadores e sociólogos tradicionais u tilizam as notícias com o dados que revelam a natureza dos fenôm enos e os focos m utáveis das preocupações do público. Ao utilizarem as notícias com o dados sem refe rên cia ao contexto da sua produção, esses sociólogos estão a basear-se no ca rácter ind exical das notícias. Notícias e a produção noticiosa. Tal com o o carácter público das notícias é s im u ltaneam ente in d exical e reflexivo, tam bém a produção noticiosa está inserida num dado contexto. As notícias estão inseridas na organização social do trabalho inform ativo: nos m eios conflituais das cadeias de responsabilida de territoriais, institucionais e de tópicos - descritas noutro contexto com o rede de notícias (Tuchm an, 1978: 15-38), que requerem um a perm anente n e gociação; nas tip ificações tem porariam ente estabelecidas, enraizadas no rit mo do trabalho (Tuchm an, 1978 : 39-63); e na constitu ição m útua dos factos e das fontes, realizada quer pela ancoragem da rede de notícias em institu ições legitim adas quer pelas negociações entre concorrentes-colegas (Ibid.: 64-81). Segundo G arfinkel (1967 ; ver tam bém Cicourel, 1968), os trabalhadores recorrem à sua com preensão dos processos de um a institu ição para produzi rem registos sobre aspectos desses m esm os processos. No exem plo de Garfinkel, os entrevistadores responsáveis pelo controlo de adm issões num a clín ica u ti lizam a sua com preensão dos processos de trabalho dessa clín ica para produ zirem os registos de adm issão dos entrevistados. Esses registos são assim objectivados com o relatos factuais da história c lín ica e pessoal dos pacientes. G arfinkel m ostra-nos com o, no processo de produção destes registos, os traba lhadores reproduzem e objectivam quadros sociais da clín ica . M oloch e Lester (1975) referem que podem os ver as notícias com o um a reprodução da com pre ensão que os jornalistas têm tanto dos processos jornalísticos com o dos pro cessos políticos, e, assim , tam bém com o um a reprodução desses processos. Por exem plo, quando um jornalista ou um editor id entifica um a ocorrência com o notícia séria, aquele agente de inform ação está a basear-se na sua com pre ensão pessoal da forma de processam ento deste tipo particular de notícias. Quan do o executivo m unicipal é identificado com o «a cidade», o jornalista está a basear-se em com preensões dos processos políticose dos processos jornalísticos que transform am os políticos em representantes da cidade, passando assim a significar a própria cidade. Quando Betty Friedan foi identificada com o uma «porta-voz responsável» ou com o líder do movim ento fem inista, os jornalistas basearam -se nos seus m étodos para determ inarem a liderança responsável (Tuchm an, 197 8 : 82 -103 e 133-155). Em todas estas situ ações, o trabalho jornalístico está reflexivam ente mergulhado no contexto da sua própria produ ção e apresentação. Baseia-se e ao m esm o tempo reproduz a estrutura política, assim com o se baseia e tam bém reproduz a organização do trabalho informativo. A pesar do carácter reflexivo da produção das notícias, as histórias são nor m alm ente apresentadas de form a ind exical - dissociadas do seu contexto de C om u n icação e S o c ied a d e 99 produção. Este aspecto das notícias é captado pelo modo de ob jectivação dos factos. Um jornalista pode citar um a fonte sem indicar qual foi a pergunta concreta que m otivou aquela afirm ação em particular [Ibid.: 96). Um repórter pode id entificar um facto sem explicar com o aqule facto foi produzido com o um porm enor não problem ático ou «especial» (Ibid.: 88). A indexicalidade das notícias está presente, sim ultaneam ente, quer na a-historicidade das notícias quer na sua lógica do concreto, a insistente recusa por parte dos jornalistas em apresentarem as histórias no seu contexto situacional concreto - a recu sa em analisarem a relação entre o ontem , o hoje e o am anhã. AS NOTÍCIAS COMO QUADRO SIMBÓLICO Goffm an (1974) baseia-se claram ente na interpretação etnom etodológica de Schü tz para a elaboração de dois conceitos centrais da sua análise dos qua dros sim bólicos9. Um «quadro sim bólico» é constituído pelos «princípios de organização que governam os acontecim entos - pelo m enos os sociais - e o nosso envolvim ento subjectivo nos m esm os». Os quadros sim bólicos organi zam tiras do m undo quotidiano (ou de qualquer outra das realidades m ú lti plas). Goffman define «tira» com o «uma fatia ou um corte arbitrários na corrente das actividade em curso» (1974: 10-11). Tal com o Schütz, Goffm an considera que a experiência da realidade im põe um a dada ordem nessa m esm a realida de. E à sem elhança dos etnom etodólogos, não adm ite a possibilidade de a or dem ser um a característica in trínseca do m undo quotidiano. Assim , os quadros sim bólicos tornam acontecim entos não reconhecíveis ou a conversa am orfa em acontecim entos identificáveis. Sem os quadros sim bólicos, seriam sim ples ocorrências ou m era conversa, sons incom preensíveis. Considerem os o seguinte diálogo apresentado com o um a tira: «Como foi?» «Nada de especial.» «Seis parágrafos?» «Está bem.» Em si m esm o, este diálogo não tem sentido. Contudo, fornecendo-lhe um dado quadro sob a form a de inform ação adicional, esta tira transform a-se: Um repórter regressa à redacção vindo da cena de um incêndio. Aproxima-se do editor-chefe, que levanta os olhos do seu trabalho e lhe pergunta: «Como foi?». Referindo-se ao incêndio, o repórter responde: «Nada de especial». O editor per gunta: «Seis parágrafos?». (Seis parágrafos serão o espaço suficiente para contar a história do incêndio?) O repórter responde: «Está bem», e dirige-se para a sua secretária, onde escreve seis parágrafos acerca do incêndio. Enquadrada, esta tira torna-se reconhecível com o um a conversação sobre um a ocorrência. Pode ser vista com o a negociação do valor-notícia daquela 100 C om u n icação e S o c ied ad e ocorrência com o acontecim ento inform ativo. E fornece uma determ inada ca racterística àquela ocorrência. O incêndio que o repórter observou não é um incênd io qualquer; é um pequeno incêndio, um incêndio esp ecífico que vale seis parágrafos de cobertura jornalística. Os editores e os repórteres podem ser caracterizados com o profissionais que procuram quadros sim bólicos. Van G leder procurava um quadro sim bóli co que lhe perm itisse encontrar a sua história sobre a m anifestação de m u lhe res ocorrida durante o C oncurso de M iss A m érica de A tlantic City para o seu jorn al (Tuchm an, 1978 : 138). Os editores do Seabord City Daily procuravam um quadro sim bólico que lhes perm itisse afirm ar que um determ inado ed ifí cio habitacional de um a zona degradada tinha perm anecido, em pleno Inver no, vários dias sem aquecim ento, sem que o senhorio tivesse tom ado qualquer previdência [Ibid.: p. 95). As im agens das notícias televisivas u tilizam ângulos de câm ara esp ecíficos com o quadros sim bólicos para dar significados sociais às relações esp aciais (Ibid.: 104-132). E as seqüências desses ângulos são de pois elas próprias enquadradas (ou dispostas em justaposições convencionais) para criar outras relações entre os vários elem entos constitu intes de um a h is tória. Em todos estes casos, dois processos ocorrem sim ultaneam ente: uma ocorrência é transform ada em acontecim ento, e um acontecim ento é transfor m ado em notícia. O quadro sim bólico das notícias organiza a realidade do quotidiano e é parte constitu inte dessa m esm a realidade, dado que, com o vi m os, o carácter público das notícias é um a das características essenciais das próprias notícias. A análise de quadros sim bólicos de Goffm an reconhece a ex istên cia das notícias em duas realidades, sim ultaneam ente. Ao contrário de Schü tz e dos etnom etodólogos, Goffm an não reconhece o m undo quotidiano com o um a re alidade prim ordial. Está interessado noutras realidades m últiplas, com o o tea tro e o m undo da ilusão in tencional (encenado por burlões e vigaristas, espiões e agentes duplos). Propõe os seus conceitos de quadro sim bólico e de tira para questionar: quais as regras constitutivas do com portam ento quotidiano que as pessoas u tilizam para organizar a sua experiência num determ inado m undo (realidade m últipla) de form a a poderem traduzir essa experiência para um outro m undo? Por exem plo, que regras perm item transform ar a realidade quo tidiana em ficção? E su blinha Goffm an que a ficção, sob a form a de film es, rom ances ou ilusões é um elem ento do m undo quotidiano. Para Goffm an, os próprios quadros sim bólicos são fenôm enos negociados. Talvez o grande interesse de Goffm an pelas ilusões o tenha levado, m as não aos etnom etodólogos, a acentuar a vulnerabilidade da experiência de realizar enquadram entos. Para os etnom etodólogos, o «docum entário» é um m étodo de ilustração, com o no «método docum ental de interpretação», um a das caracte rísticas invariantes da atitude natural. O «método docum ental de interpreta ção» é um a form a de dar sentido aos fenôm enos, associando-os a um princípio, a um a noção, ou a um conceito gerais10. Para Goffman, o termo «docum entário» refere-se a transform ação, não a associação, e revela a vulnerabilidade das cadeias de experiência (tiras) perante os dispositivos de enquadram ento. Refe- rindo-se a notícias e a docum entários film ados, Goffm an afirm a (1974 : 448 , C om u n icação e S o c ied a d e 101 450) que o enquadram ento do docum entário «deve incid ir um a lim itação de inform ação relativa (...) à interconexão dos acontecim entos literais no m undo real. (...) Paradoxalm ente, (...) aquilo a que hoje cham am os docum entário... é exactam ente o que deveria ser considerado suspeito segundo os padrões da docum entação». Ao im por um a ordem, ao lim itar a inform ação acerca de um a tira que é inclu íd a e difundida segundo um certo quadro docum ental, esse quadro docum ental cria necessariam ente significação. Cria a significação tan to do jornalista na cena de um a história com o jornalista-que-está-de-fora-e- -com enta-os-acontecim entos, o «repórter objectivo», com o daocorrência en quanto acontecim ento público. No entanto, paradoxalm ente, precisam ente porque Goffm an está in teressa do na vulnerabilidade da experiência e na organização social da m esm a, re je i ta de form a explícita a preocupação com a organização social per se. O seu in teresse está nos estados de espírito e nos gestos que deslocam um fenôm eno de um quadro sim bólico para outro, não nos m ecanism os institucionais que operam essa transform ação. Com efeito, Goffm an recusa-se a identificar os recursos organizacionais e profissionais que podem ser convocados para orga nizar a experiência, m esm o reconhecendo-lhes esse seu papel. Alguns desses recursos, porém , são explicitam ente objecto de discussão no trabalho de Peter Berger e de Thom as Luckm ann, tam bém eles seguidores do trabalho de Schütz. AS NOTÍCIAS E A CONSTRUÇÃO DA REALIDADE Berger e Luckm ann (1967) fundem as ideias de Alfred Schü tz com algumas das preocupações sociológicas tradicionais acerca dos conteúdos da realidade que podem ser encontrados na atitude natural. Tal com o Schü tz e Jam es, reco nhecem o m undo quotidiano com o realidade prim ordial. À sem elhança dos ensaios de Sch ü tz sobre o tem a (1964), os escritos de Berger e Luckm ann ex ploram tam bém o im pacto das institu ições e dos processos sociais, à m edida que os m esm os se desenrolam historicam ente, na criação e definição dos fac tos sociais. No estudo dos factos sociais estão inclu ídas as categorias segundo as quais os grupos organizam a sua experiência colectiva da realidade e os processos através dos quais essas m esm as categorias são constitu ídas. A ssim , Berger e Luckm ann falam do m undo em que nascem os com o um m undo dado, que é trazido até nós pelo m undo dos nossos antepassados (e que partilham os com os nossos contem porâneos, inclu indo aqueles que nos estão m ais próxi m os; ver Schütz, 1962 : 15 e segs.), e com o um m undo a que damos form a na organização das nossas in teracções diárias e invocações de relevância. C ria m os, por exem plo, a relevância do nosso passado colectivo para as nossas ac ções presentes e futuras ao invocar elem entos do passado para ju stificar acções presentes. Por exem plo, o jornalista invoca grandes notícias do passado para construir novas notícias no presente. Berger e Luckm ann tam bém su blin ham a form a com o as in stitu içõ es objectivam as significações sociais. Sugerem que as significações sociais, cons titu ídas nas in teracções sociais, se transform am em regras e procedim entos 102 C om u n icação e S o c ied ad e institucionais e organizacionais que podem ser invocados com o recursos para ju stificar acções. («Podemos in clu ir este com entário na notícia, se nos arranja- res m ais citações.») Do seu ponto de vista, as significações podem ser altera das, da m esm a form a que os significados das palavras se transform am quando são aplicados a novas situações. Os significados podem tam bém ser cod ifica dos à m argem dos contextos nos quais foram originalm ente produzidos. R eti rado do seu contexto de origem, um procedim ento pode tornar-se «a form a de fazer as coisas»; ou seja, pode ser transm itido ao m undo dos nossos d escen dentes com o um dado h istórico objectivo. Por exem plo, os norte-am ericanos consideram com o adquirido que as notícias são relatos a-históricos e a-teóri- cos de acontecim entos de actualidade que ocorrem em institu ições esp ecífi cas, e que as no tícias u tilizam a lógica do concreto. C onsideram os com o adquirida a produção diária de notícias com o um bem de consum o, sem ter em atenção a sua relação h istórica com o desenvolvim ento da publicidade na im prensa barata. Tomamos com o adquirida a integração da rede de notícias em institu ições legitim adas e a ex istência de um a recolha centralizada de n o tícias, com o chegou até nós desde o século xix . E não conseguim os perceber com o esta integração pesa negativam ente na em ergência de novas form as de notícia. Enquanto as notícias sérias continuarem a estar associadas às activ i dades das institu ições legitim adas e enquanto a organização espacial e tem po ral do trabalho jornalístico continuar condicionada pelas actividades destas institu ições, as notícias continuarão a reproduzír-se a si m esm as com o factos h istó rico s in d iscu tív e is . Não só d efin indo e red efin in d o , co n stitu in d o e reconstitu indo as significações sociais; m as tam bém definindo e redefinindo, constituindo e reconstitu indo m odos de fazer as coisas - os processos ex isten tes nas in stitu ições existentes. A IDEOLOGIA COMO PROCEDIMENTOS OBJECTIVADOS Na sua abordagem da ideologia, Sm ith (1972) defende que a integração dos procedim entos em institu ições legitim adas - a sua indexicalidade e reflex iv i dade (Garfinkel, 1967), a sua objectificação (Berger e Luckm ann), o seu pro cesso sim ultâneo de enquadrar e participar no m undo quotidiano (Goffman, 1974), e a sua estruturação vulnerável da experiência (Goffman, 1974) - os identifica com o meios para não conhecer. Na perspectiva desta autora, os proce dim entos tornam -se assim «procedim entos interessados», m étodos de não saber que se encontram incrustados nas instituições legitimadas que eles próprios reproduzem. Estes procedim entos facultam aos actores sociais m ateriais que se destinam à produção de estruturas sociais e, ao mesmo tempo, lim itam a cap aci dade de os actores transform arem as instituições e as estruturas existentes. A caracterização que Sm ith estabelece da ideologia com o m eio de não sa ber vai m ais longe que a noção de ideologia com o indicação dos projectos possíveis dos actores sociais agindo num estado de perfeita vigília, de acordo com a atitude natural. Baseando-se nas sociologias interpretativas, esta carac terização com porta um a crítica à form a com o os «procedim entos in teressa C om u n icação e S o c ied ad e 103 dos» perm anecem cegos perante as suas próprias profecias de autorealização. Um a crítica que se aplica ao jornalism o, assim com o às ciên cias sociais. GAYE TUCHMAN 1978, «News as a Constructed Reality», in M aking News: a Study in the Construction o f Reality, New York, The Free Press. N o t a s 1 «Projectos» é um termo técnico. Schütz (1962: 48-85) vê a acção como um projecto (ou projecção) de preocupações presentes e experiências passadas para o futuro, e sublinha que os actores sociais se empenham na sua realização. Sugere também que a base das acções do passado e do presente significa que a acção terá lugar num futuro hipotético; cada indivíduo baseia a sua acção naquilo que espera que venha a acontecer. 2 O uso de Schütz das ideias de James desvaloriza o modo como o conhecimento se desenvolve através de padrões de trocas. O trabalho de Schütz está também directamente ligado ao trabalho de Husserl, o qual foi extremamente influenciado por Brentano. E James também foi influenciado por Brentano. 3 Heap e Roth (1973) fornecem uma discussão útil da relação entre o trabalho de Schütz e as socio logias fenom enológicas su bsequentes. Estes autores dão destaque e explicam a noção de intersubjectividade. 4 Ver Heap e Roth (1973) para uma discussão da intencionalidade e da intersubjectividade. 5 Este uso do conceito de «atitude» é bem diferente da acepção sociológica comum. Não se refere a estados de espírito (como «atitude positiva»), nem a opiniões e ideias (como «a atitude da classe média perante a sexualidade»). Mais uma vez, ver Heap e Roth (1973). 6 Há uma distinção que tem de ser estabelecida entre «dar atenção» a alguma coisa e «atentar» em algo. Agindo de acordo com a atitude natural, ambos os leitores estão a atentar na notícia; estão a apreendê-la. Segundo o quadro de Schütz, a apreensão nãoé um contínuo; «dar atenção» é algo que pode ser aferido pelas ciências sociais mais tradicionais. 7 Estas são, segundo Schütz (1962: 230, 231): 1. Uma tensão particular da consciência, nomeadamente um estado de perfeita vigília, originado pela plena atenção à vida. 2. Uma ep o ch é específica, designadamente a suspensão da dúvida. 3. Uma forma de espontaneidade predominante, nomeadamente laboriosa (uma espontaneidade significante baseada num projecto e caracterizada pela intenção de realizar o estado projectado dos acontecimentos, através de movimentos corporais que têm por origem o mundo exterior). 4. Uma forma específica de experiência de si mesmo (um eu trabalhador como eu total). 5. Uma forma específica de sociabilidade (o mundo comum intersubjectivo da comunicação e da acção social). 6. Uma perspectiva de tempo específica (o tempo-padrão originado numa intersecção entre a durée e o tempo cósmico como estrutura temporal universal do mundo intersubjectivo). 8 Mehan e Wood (1975) apresentam uma explicação valiosa da etnometodologia. 9 Mas Goffman atribui a Bateson (1955) estes termos e aplica a utilização que Bateson faz deles. 10 Por exemplo, Zimmerman e Pollner (1970) acusam os interaccionistas simbólicos de usarem o método documental de interpretação ao reorganizarem a sabedoria popular das suas fontes em vez de analisarem como essa sabedoria é uma realização intersubjectiva (ver Wilson, 1970). A sua critica teóri ca invoca também um argumento epistemológico a propósito da forma de produção de dados pelo cien tista social. 104 C om u n icação e S o c ied a d e B ib l io g r a f ia BERGER, Peter e LUCKMANN, Thomas, 1967, The Social Construction o f Reality, Garden City, N. Y., Doubleday-Anchor. 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SOCIOLOGIA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL O PARADIGMA DOMINANTE T odd G itlin Desde a Segunda Guerra M undial, à m edida que os m eios de com unicação social nos Estados U nidos se tornaram m ais concentrados em term os de pro priedade, m ais centralizados nas suas operações, com m aior a lcance nacional e com um a presença cada vez m ais penetrante, o seu estudo sociológico tem sido dom inado pelo tem a da relativa falta de poder dos operadores de radiodi fusão. Quando as redes nacionais de televisão - as prim eiras na história - in iciaram a sua actividade, a sociologia am ericana afastou-se do estudo da propaganda. N este ensaio, sustento que esta singular con junção de acon teci m entos encerra um a lógica própria. Sustento que os sociólogos, devido a com prom issos in telectu ais, ideológicos e institucionais, não colocaram as questões críticas; que por detrás da tese da relativa pouca im portância dos m eios de com u nicação de m assa está um conceito distorcido e errôneo de «im portân cia», sem elhante ao conceito pouco rigoroso de «poder», que os sociólogos políticos tam bém sustentaram neste m esm o período, especialm ente os defen sores da persuasão pluralista; e que, com o o pluralism o, a sociologia dom inan te da com u nicação de m assa tem sido incapaz de explorar alguns aspectos fundam entais do seu objecto de estudo. M ais: tem obscurecido e circunscrito tais aspectos, ignorando por vezes a sua existência e, assim , tendo com o efeito ju stificar o sistem a actual de propriedade, de controlo e de fins dos m eios de com u nicação social. O paradigm a dom inante da sociologia dos m eios de com u nicação de m as sa, que D aniel B ell designou com o o «conhecim ento recebido» da «influência pessoal» (Bell, 1975 : 218), tem desviado a atenção do poder dos m eios de co m u nicação de definirem o que é norm al e anorm al em term os de actividade social e política; de estabelecerem o que é politicam ente autêntico e legítim o e aquilo que não o é; de justificarem a estrutura política bipartidária; de estabe lecerem determ inadas agendas políticas, para captar a atenção social, ao m es mo tem po que contêm , conduzem e excluem outras; e de m oldarem as im agens dos m ovim entos de oposição. Devido à sua metodologia, a sociologia dos meios de com u nicação tem salientado a obstinação das audiências, a sua resistência às m ensagens difundidas pelos m eios de com unicação, em vez da sua depen 106 C om u n icação e S o c ied ad e dência , co n d escen d ên cia e credulidade. O paradigm a dom inante tem co n siderado os «efeitos» da program ação de radiodifusão de um modo esp eci fica m en te co m p ortam en ta lista , d efin in d o-o s de um a form a tão restrita , m icroscóp ica e d irecta, que, na m elhor das hip óteses, os estudos que p roce dem à sua aferição apenas podem detectar efeitos insignificantes. O paradigma dom inante tem privilegiado «efeitos» a curto prazo com o «m edidas» de «im portância», em grande parte porque estes «efeitos» são m ensuráveis num sen tido co m p ortam en ta lista estrito e linear, desviando assim a aten ção dos sign ificad os socia is m ais am plos da produção dos m eios de com u n icação de m assa. Tem procurado «dados sólidos,» produzindo resultados confusos que pretendem agradar a todos e a ninguém , em vez de colocar, de form a m ais produtiva, as questões m ais d ifíce is. Ao estudar apenas os «efeitos» que po dem ser «m edidos» de form a experim ental ou através de inquéritos, tem co locad o a carro ça m etod ológica à frente do cavalo teórico . Ou m elhor: o paradigm a dom inante tem procurado um cavalo para puxar a sua carroça. Será,então, surpresa que trin ta anos de pesquisa m etódica sobre os efeitos ten h am p rod u zid o tão p ou ca teo ria e tão p o u co s resu ltad o s co eren tes? O p rin cip a l resultado, m aravilhoso paradoxo, é o in íc io da decom posição do próprio paradigm a dom inante1. No processo de acum ulação de um im pressionante corpo de resultados em píricos, a pesquisa dos m eios de com unicação de m assa teve a necessidade de certificar com o norm al precisam ente o que deveria ser investigado com o problem ático, nom eadam ente o vasto dom ínio dos instrum entos da radiodifu são de m assa, em particular da televisão. Ao enfatizar os efeitos precisos sobre as «atitudes» e o «com portam ento» definidos de forma m icroscópica, esta área de estudo tem ignorado sistem aticam ente a im portância da própria existência da radiodifusão de m assa, em prim eiro lugar, de um a forma corporativa e sob um certo grau de regulação estatal. Durante a m aior parte da história da c iv ili zação, nunca existiu nada sem elhante. Quem quis a radiodifusão, e para que fins? Q ue configurações institucionais foram geradas devido à radiodifusão de m assa, e que alterações se registaram nas institu ições existentes - política, fam ília, educação, desporto - em term os de estrutura, objectivos, significado social, e que repercussões tiveram estas m esm as institu ições sobre a radiodi fusão ao n ível dos seus produtos? De que modo a prevalência da radiodifusão m udou a orientação da política, o carácter da vida política, os desejos e as expectativas? Como se relacionou com a estrutura social? Que epistem ologias populares fizeram o seu percurso através das sociedades de radiodifusão? Como é que a rotina de certas hierarquias, que num m esm o dia se im põem a m ilha res de lares, afecta a linguagem com um , os conceitos e os sím bolos? Ao contor nar estas questões, tom ando por garantida a ordem institu cional existente, a pesquisa contornou tam bém as avaliações substantivas: o aparato televisivo, tal com o existe, preenche ou frustra as necessidades hum anas e os interesses sociais? Ao não colocar estas questões, a investigação dos m eios de com u nica ção de m assa tornou-se a si própria um instrum ento útil para as grandes redes de com u nicação, para as em presas de pesquisa de m ercado e para os candida tos políticos. C om u n icação e S o c ied ad e 107 O PARADIGMA DOMINANTE E OS SEUS DEFEITOS O paradigm a dom inante nesta área de estudo, desde a Segunda Guerra M undial, tem sido, claram ente, o con junto de ideias, m étodos e resultados associados a Paul Lazarsfeld e à sua escola: a procura dos «efeitos» específicos, m ensuráveis, a curto prazo, individuais, relativos às atitudes e ao com porta m ento, do conteúdo dos m eios de com unicação de m assa, e a conclusão de que estes m eios não são m uito im portantes para a form ação da opinião pú bli ca. Em toda esta configuração, a teoria esp ecífica m ais destacada tem sido, seguram ente, a do «fluxo de com unicação em dois níveis:» a ideia de que as m ensagens dos m eios de com unicação atingem os indivíduos, não tanto de modo directo, m as através da intervenção selectiva, interesseira e com plexa dos «líderes de opinião». No subtítulo de Personal Influence, o famoso e m arcante estudo sobre a difusão da opinião em Decatur, Illinois, em meados da década de 40, E lihu Katz e Lazarsfeld esclareciam a sua preocupação: «o papel desem pe nhado pelas pessoas no fluxo das com unicações de massa» (Katz e Lazarsfeld, 1955). Um entendido na m atéria com enta o estudo da seguinte forma oportuna e transparente: «Poucas formulações nas ciências comportamentais tiveram maior im pacto que o m odelo do fluxo de com unicação em dois níveis» (Ardnt, 1968: 457-465). D aniel Bell, com a sua im petuosidade característica, define Personal Influence com o um «trabalho-m odelo» (Bell, 1975). Como em toda a sociologia, as questões form uladas e o cam po de análise definem o paradigm a antes m esm o de os resultados serem registados. Na tra dição estabelecid a por Lazarsfeld e os seus correligionários, os investigadores prestam m ais atenção às «variáveis» que intervém entre os produtores e os receptores das m ensagens, especialm ente à «variável» das relações in terp es soais. C onceptualizam a audiência com o um tecido de indivíduos inter-relacio- nados, e não com o alvos isolados num a sociedade de m assa. C onsideram os m eios de com u nicação de m assa apenas com o um a entre diversas «variáveis» que in fluenciam as «atitudes» ou as opções de voto, e interessam -se pelos «efei tos» m ensuráveis dos m eios de com unicação, particularm ente em com para ção com outras «variáveis» com o o «contacto pessoal». M edem os «efeitos» com o mudanças ao longo do tem po ao nível das atitudes ou dos com porta m entos d iscretos dos inquiridos, de acordo com a form a com o estes são referenciados nas pesquisas. Na seqüência de estudos iniciada com The People’s Choice (Lazarsfeld, Berelson e Gaudet, 1948), Lazarsfeld e os seus correligio nários desenvolveram um a m etodologia (enfatizando os estudos de painel e a sociom etria) adequada à sua preocupação com a m ediação de «variáveis» como o estatuto social, a idade e o gregarismo. Mas em que sentido é que o seu aparato de investigação constitu i um «paradigma», e em que sentido tem sido o m esm o «dom inante»? Pretendo u tilizar o term o «paradigma» livrem ente, sem o peso que tem na história da ciência , para ind icar um a tendência de pensam ento que (a) identi fica com o im portantes certas áreas de investigação num cam po, (b) explora um a certa metodologia, m ais ou m enos distintiva, e (c) produz um con junto de resultados particulares e, m ais im portante, que são reconhecidos com o tal. 108 C om u n icação e S o c ied ad e N este sentido, um paradigm a é estabelecido com o tal não apenas pelos seus produtores, m as tam bém pelos seus consum idores, o corpo de profissionais que lhe confere o estatuto de perspectiva fundam ental. D entro do paradigm a, a teoria em particular do «fluxo de com unicação em dois níveis» de Katz e Lazarsfeld, a ideia de que os «líderes de opinião» fu n cio nam com o m ediadores decisivos entre os m eios de com unicação de m assa e as audiências, tem sido o foco de atenção principal dos acadêm icos. Em qualquer d iscussão sobre os efeitos dos m eios de com unicação de m assa, citações de Personal Influence tornaram -se virtualm ente obrigatórias. Enquanto prim eira exploração extensiva da ideia - o «fluxo de com unicação em dois níveis» tinha surgido com o sim ples reflexão, pouco elaborada, no final da obra anterior, The People’s Choice - , Personal Influence pode ser considerado com o o docum ento fundador de todo um cam po de pesquisa. Apesar de a teoria ter sido recen te m ente contestada, com grande veem ência, com base em fundam entos em pí rico s2, o paradigm a com o um todo continua a ser a configuração central que os críticos não podem ignorar. The Effects o f Mass Communication (1960), de Joseph T. Klapper, é a com pilação definitiva das prim eiras etapas da teoria; m as o estudo de Decatur, com toda a sua porm enorização, parece-m e um a m elhor base de análise para um a reavaliação de todo o paradigma. Ao ter o poder de despoletar citações e críticas a um nível geral, perm anece com o um a referên cia central neste dom ínio de estudo. D urante vinte anos, proliferaram estudos de resposta, com p lexifican d o e m u ltip licando as categorias do estudo de Decatur, observando diferentes tipos de com portam ento, diferentes tipos de «função das notícias» («retransmissão», «informação», entre outras), alguns con firm ando o fluxo de com u nicação em dois níveis num a escala reduzida (Rosa rio, 1971: 288-297 , em particular),mas a m aioria refutando-o ou qualificando-o severam ente3. Todos estes estudos resultam da introdução, num sistem a social isolado, de um ú nico artefacto - um produto, um a «atitude», um a im agem. O «efeito» advém sem pre de um a experiência controlada (essa é, pelo m enos, a in tenção), mas a tendência é para extrapolar, sem fundam ento, do estudo do «efeito» de um ú nico artefacto, para o «efeito» m uito m ais geral e significante da radiodifusão sob os auspícios das corporações e do Estado. Independente m ente dos resultados esp ecíficos, as questões gerais do im pacto estrutural e da m udança institu cion al perdem -se na aura e na reputação do «fluxo de co m u nicação em dois níveis». Talvez a p resença proem inente de Paul Lazarsfeld na sociologia recente seja um a «influência pessoal» que ajuda a com preender a suprem acia do seu paradigm a, que superou, aliás, as suas próprias pretensões, relativam ente m ais m odestas. Mas o carism a de um hom em , m esm o tornado um lugar com um , não exp lica tudo. Não pode explicar, por exem plo, com o é que o paradigm a da « influência pessoal» se encontra referenciado, sem nenhum a reserva crítica, num trabalho crítico com o The Class Structure o f the Advanced Societies, de A nthony Giddens: «A in flu ência dos m eios de com unicação de m assa e a difu são da “cultura de m assa” em geral são norm alm ente apontadas com o a fonte original da suposta "hom ogeneização” dos padrões de consum o, das n ecessi dades e dos gostos. Mas a pesquisa sobre o “fluxo de com u nicação em dois C om u n icação e S o c ied a d e 109 n ív eis” m ostra que um conteúdo form alm ente idêntico, dissem inado pelos m eios de com u nicação, pode ser interpretado e suscitar respostas bastante diferentes. Longe de serem erradicadas pelo conteúdo uniform e dos m eios de com u nicação, as form as de d iferenciação da estrutura social podem ser activa m ente reforçadas por esse m esm o conteúdo, com o um a co n seq ü ên cia da selectiv idade de percepção e de resposta» (Giddens, 1975 : 222). Naturalm ente que a questão da estrutura de classe não pode ser nem a sua erradicação (um argumento ilusório) nem o seu «simples» reforço (como se o reforço fosse sim ples), mas sim a sua transform ação num cam inho m odelar pela possibilidade de «leituras» alternativas e hierarquicam ente preferidas de qual quer material difundido pelos meios de com unicação (Hall, 1973; Williams, 1977: 121-127). O m eu objectivo é apenas afirmar que a teoria de Katz e Lazarsfeld, em 1973, tinha ainda o poder de incutir entusiasm o num teórico que, sim ultanea m ente, não revelava grande sim patia pela abordagem daqueles autores. Como salientaram M elvin L. D eFleur (1970: 112-154) e Roger L. Brow n (1 9 7 0 :4 1 -5 7 ), o percurso da teoria dos m eios de com unicação de m assa tem de ser entendido com o um processo histórico, ao longo do qual os teóricos con frontam não só a realidade social mas tam bém as teorias existentes. Os teóri cos, com o é evidente, respondem às teorias vigentes através das linguagens da pesquisa social correntes nesse m om ento, isto é, de acordo com um a visão so ciocien tífica do m undo considerada então «normal», em vias de se tornar «normal», ou aspirando à «norm alidade». Respondem , explicitam ente ou não, à luz ou à obscuridade da história - das novas e proem inentes forças do m un do social, p o lítico e tecnológico. Existem , assim , três condições m etateóricas que dão form a a qualquer perspectiva teórica: a natureza da teoria ou teorias precedentes (neste caso, a teoria «hipodérm ica»); a perspectiva sociológica «norm al» então em vigor, ou que aspira a um a suprem acia em term os ideológi cos (neste caso, o com portam entalism o); e as condições sociais, políticas e tecnológicas, do m undo nesse m om ento. A teoria do fluxo de com u nicação em dois n íveis e a abordagem esp ecífica dos «efeitos» em que esta teoria está inserida são resultado de um a perspectiva com portam entalista que se tornou d ecisiva - e in visível - sob a form a de m icropressupostos m etodológicos. O paradigm a dom inante tem de ser com preendido com o um a intersecção de todos estes factores. Na crítica que se segue, neste primeiro ponto, a m inha preocupação é com a forma com o Personal Influence se constituiu como um esteio e uma referência para a abordagem «normal», mais lata e geral dos efeitos dos meios de com unica ção. Pretendo identificar as falhas de uma teoria particular, mas mais, averiguar as suas im plicações para o campo global da pesquisa com unicacional. No ponto seguinte, a incidência recairá nas raízes deste empreendimento intelectual. A Teoria «Hipodérmica» O paradigm a da «influência pessoal» está relacionado com a crítica da pre cedente teoria «hipodérm ica», que, por sua vez, é sim ultaneam ente um a teoria 110 C om u n icação e S oc ied ad e da sociedade e um a teoria do funcionam ento interno dos m eios de com u nica ção de m assa4. De acordo com o m odelo «hipodérm ico», a sociedade é um a sociedade de m assa, e as com unicações de m assa «injectam » ideias, atitudes de ordem com portam ental em indivíduos passivos, atomizados e extrem am ente vulneráveis. Katz e Lazarsfeld, os prim eiros a nom ear o paradigma da «influên cia pessoal», codificaram este paradigma e trouxeram-no para o centro do cam po de pesquisa, pretendendo, explicitam ente, destronar a teoria «hipodérm ica»: «... os m eios de com u nicação eram considerados com o um novo tipo de força unificadora - uma espécie de sistem a nervoso sim ples - alcançando cada olho e cada ouvido, num a sociedade caracterizada por um a organização social am orfa e um a escassez de relações interpessoais. Este era o “m odelo” - de sociedade e dos processos de com u nicação - que a pesquisa dos m eios de com u nicação parecia ter em m ente, no seu in ício , pou co tem po após a introdução da rádio, na década de 20. Em parte, o “m odelo” desenvolveu-se a partir de um a ideia de potência dos m eios de com unicação de m assa, que estava presente no im aginário popular. Sim ultaneam ente, en controu tam bém apoio no pensam ento de certas escolas de teoria social e p si cológica. A ssim , a sociologia clássica das escolas europeias do final do século X IX enfatizava a ruptura das relações interpessoais na sociedade urbana e in dustrial, e a em ergência de novas formas de controlo social rem oto e impessoal» (Katz e Lazarsfeld, 1955: 16-17). Durante os anos 20, o «im aginário popular» de que Katz e Lazarsfeld fala vam, estava a recuperar do fenôm eno sem precedentes de propaganda dos Estados-N ação, durante a Prim eira Guerra M undial, e da prim eira u tilização da rádio a larga escala. As «escolas de teoria social e psicológica», a que se referiam , eram orientadas de acordo com a psicologia relativam ente elem entar de estím ulo-resposta (DeFIeur, 1970). Foi este m odelo «hipodérm ico» que Katz e Lazarsfeld se propuseram desalojar, ao cham arem a atenção para o contexto social em que as audiências recebiam as m ensagens dos m eios de com u nica ção. Como um correctivo às noções «hipodérm icas» trazidas a descoberto, com o um a reabilitação da sociedade no contexto do estudo da com u nicação social, a nova in sistên cia na com plexidade do processo de m ediação parecia fazer todo o sentido. Pressupostos comportamentalistas e resultados distorcidos Como a teoria da «influência pessoal» foi fundada em pressupostos lim ita- tivos, as suas sólidas pretensões acabaram por se revelar enganadoras, ainda que su bstanciais. De facto, o que acontece é que a teoria nem sequer se su sten ta nos seus próprios term os; o estudo de Decatur, confrontado nos seus resu l tados, não consegu e su sten tar sob vários aspectos a teoria que pretendeconfirm ar. A lém disso, as próprias anom alias ajudam -nos a com preender o contexto social da teoria; isto é, as anom alias têm significado. Por agora, pre tendo isolar os pressupostos teóricos do con junto do paradigm a, e observar com o foram aplicados em Personal Influence. Na discussão que se segue, centrar- C om u n icação e S o c ied ad e 111 -m e-ei nos pressupostos lim itativ os da teoria, em algum as discrepâncias em píricas, e - um a questão m ais lata, m esm o m antendo-a à parte - nos limites temporais da teoria. Vale a pena salien tar de novo que a teoria se enraizou num com porta m entalism o estrito. Os «efeitos» dos m eios de com unicação de m assa in screv i am -se su p e rfic ia lm e n te ; eram en carad o s com o «efeitos» a cu rto prazo, p recisam en te em term os de m u danças m ensuráveis de «atitudes» ou de com portam entos discretos. Tanto nas pesquisas de Lazarsfeld com o nas expe riências laboratoriais de Carl Hovland e dos seus correligionários, o objectivo consistia em produzir teorias predicativas das respostas da audiência, n eces sariam ente - in tencionalm ente ou não - consonantes com um ponto de vista adm inistrativo, a partir das quais adm inistradores posicionados em lugares de centrais, possuindo a inform ação adequada, estariam em condições de tomar decisões que afectam a totalidade da sua área de intervenção, com um a ideia prévia rigorosa das conseqüências das suas escolhas. É um facto que, em várias notas de rodapé, Katz e Lazarsfeld anotaram (a palavra é apropriada) as lim itações auto-im postas do seu estudo e da sua co n cepção. M ais tarde, seguidores, utilizadores e prom otores da teoria nem sem pre foram tão cuidadosos a esp ecificar as fronteiras do seu trabalho. Tal com o a noção de «conhecim ento recebido», as noções de «fluxo de com u nicação em dois níveis» e «líderes de opinião» tendem a não ser qualificadas5. Num a nota de rodapé, Katz e Lazarsfeld classificaram quatro tipos de «efeitos», «ao longo de um a dim ensão tem poral sim plificada»: «resposta im ediata, efeitos a curto prazo, efeitos a longo prazo e m udança institucional» (Katz e Lazarsfeld, 1955: 18, n5). Na página seguinte, num a outra nota de rodapé, escreveram : «E im por tante salientar que alguns destes efeitos num âm bito m ais alargado, que quase não têm sido estudados, prom etem revelar m uito m ais o poder dos m eios de com u nicação de m assa do que os efeitos de “cam panha” [isto é, efeitos de uma ú nica cam panha prom ocional ou eleitoral, de curto prazo]. Estes últim os, com o irem os salientar depois, transm item a im pressão de que os m eios de com u ni cação são praticam ente ineficazes em term os persuasivos, quanto a m atérias sociais e p olíticas [isto é, não com erciais]» [Ibid.: 19, n6). Algum as páginas adiante, advertem novam ente: «Seria um erro... generali zar o papel dos m eios de com u nicação de m assa a partir... dos efeitos directos e a curto prazo para o grau de poder dos m eios de com u nicação que seria revelado se alguns efeitos indirectos e de longo prazo fossem conceptualizados e objecto de estudo» [Ibid.: 24, n l6 ) . E com o últim a palavra desta parte - Prim eira - teórica do seu trabalho, conclu íram com um a cham ada de atenção tão poderosa quanto um a nota de rodapé o pode ser: «Talvez valha a pena reiterar o que foi dito no in ício : a pes quisa dos m eios de com u nicação de m assa tem incidido quase exclusivam ente sobre o estudo de um ú nico tipo de efeito - o efeito a curto prazo que procura (“cam panhas”) alterar opiniões e atitudes... O que não se deve esquecer em tudo isto, no entanto, é a ideia de que existem outros tipos de efeitos dos m eios de com u nicação de m assa - que não têm sido m uito estudados - pelo que o im pacto destes m eios sobre a sociedade poderá ser muito maior. Assim , os m ei 112 C om u n icação e S o c ied a d e os de com unicação proporcionam todos os tipos de gratificações psicológicas e “usos” sociais; parecem ter efeitos visíveis no carácter da “participação” pessoal, num a grande diversidade de actividades culturais e políticas; têm sido frequen tem ente creditados com o sendo os agentes primários de transm issão de valores culturais, etc. Estes capítulos não tiveram como seu interesse explícito estas questões (predom inantem ente de longo alcance). Mas a nossa asserção - de que a p e sq u isa da co m u n ica çã o deve tom ar em co n sid era çã o os co n tex to s interpessoais em que os m eios de com unicação de massa se inserem - pode ser útil, tam bém , para a necessária pesquisa sobre esses efeitos m enos aparentes, m as talvez m ais poderosos, das com unicações de massa» [Ibid.: 133, n20). Finalm ente, para evitar qualquer eventual m al-entendido, os autores in tro duziram no texto um enunciado para situar a sua análise da in flu ência pessoal - «m udanças de curto prazo e in fluências ao n ível das relações face-a-face» - num qualquer outro programa de pesquisa m ais am bicioso: «Esperam os, com a continuação, que cada vez m ais elos nas cadeias de in flu ência geral perm i tam o estudo da nossa sociedade... N enhum leitor deverá confundir a m odés tia da nossa presente iniciativa com um fecham ento relativam ente a problem as m ais gerais e com plexos. Mas estes problem as m anter-se-ão, provavelm ente, para sem pre, fora do nosso alcance, se não dedicarm os a devida atenção a investigações tão esp ecíficas, com o a que aqui realizam os» (Ibid.: 163). Esta ú ltim a afirm ação deve significar que a análise da in flu ên cia pessoal é necessária para um a análise m ais geral dos efeitos dos m eios de com unicação de m assa e é comensurável com ela. M as, m odéstias à parte, o m étodo de estudo de Personal Influence, tal com o o de trabalhos precursores e sucessores, m antém -se com o um a perspectiva m uito própria. Não só um a geração de sucessores veio a trabalhar com o modelo da influência pessoal, com o o próprio Katz (1957: 61-78) e m uitos com entadores posteriores se referiram a este m odelo com o um a hipótese auto-sustentável. O m odelo, por si próprio, pretende ser m ais do que prelim inar; constitu i-se de form a coerente e unitária, separado do desejado m odelo geral, que nunca ch e gou a m aterializar-se. Exige a sua própria crítica, partindo dos pressupostos que assum e com o garantidos. Pressuposto 1. Comensurabilidade dos Modos de Influência: o exercício de poder através dos m eios de comunicação de massa é considerado comparável ao exercício de poderem situações de comunicação face a face. «As pessoas» «desem penham um papel» no «fluxo das com unicações de m assa». Os elos na «cadeia de in flu ên cia geral» são todos do m esm o tipo; as relações entre as várias form as de in flu ências podem ser caracterizadas com o «m aiores» ou «m enores». Isto foi assum ido, m as não explicitam ente afirm ado em Personal Influence, apesar de existirem algumas passagens do texto (por exem plo, na página 96), onde o pressuposto é relativam ente explicitado. D iscutir as duas «formas de influência» ao m esm o tem po, com o funcionalm ente equivalentes ou com ensuráveis, abriu cam inho à concepção de efeito genérico. Esta redução de processos sociais estruturalm ente d istintos a unidades com ensuráveis pode ser reconhecida com o um a operação central no cânone C om u n icação e S o c ied ad e 113 com portam entalista. Mas o que é distinto nos dois processos é, com certeza, o facto de todos terem a oportunidade de exercer «influência pessoal» d irecta m ente sobre alguém , ainda que de modo inform al, num a relação que é em geral recíproca, enquanto que a in fluência directa dos m eios de com unicação se processa regular e profissionalm ente a partir de um a hierarquia organizadade indivíduos que têm acesso aos m eios de com unicação. A própria im agem de um a cadeia é um a rem in iscência da ideia m edieval da Grande Corrente da E xistência , em que tudo e todos se encontram no seu lugar apropriado e divi nam ente definido. Um a linguagem deste tipo revela a prem issa silenciosa do trabalho. Pressuposto 2. O Poder como Ocorrências Distintas: o Poder é concebido para ser avaliado em estudos de caso de incidentes discretos. Katz e Lazarsfeld discutiram e rejeitaram dois outros possíveis critérios de in fluência : o m étodo reputacional, porque (a) não perm ite revelar a frequência das in fluências e, (b) pode destacar nom es de indivíduos prestigiados que, de facto, não in flu en cia ram , n aq u ele m om ento, d irectam en te, o inqu irid o . Em segundo lugar, a contabilização dos contactos face-a-face não foi tam bém considerada porque poderia deixar escapar os encontros decisivos. Em detrim ento destas alterna tivas, os autores decidiram pedir aos inquiridos para recordarem «ocorrências de troca de influência», e quais os influenciadores em concreto envolvidos (Katz e Lazarsfeld, 1 9 5 5 :1 4 6 ). Em particular, perguntavam aos inquiridos com o tinham m udado as suas opiniões em cada um a de quatro áreas tem áticas; e, então, entrevistavam em seguida o próxim o elo da cadeia. A ocorrência da in flu ên cia era o encontro face-a-face, em que o indivíduo A fazia passar uma atitude a ou com portam ento b para o indivíduo B. Os que exerciam in fluência nestas circu n stân cias eram definidos com o «líderes de opinião». Note-se que esta com portam entalização do poder é idêntica à alcançada e defendida pelos investigadores que se ocupam da análise p olítica da com u ni dade, da esco la pluralista, que adquiriram proem inência e com eçaram a dom i nar o seu cam po de estudo na década de 506. Aqui, foi tam bém notória a revolta contra um paradigm a precedente, que enfatizava o poder das elites (de um lado, o m odelo hipodérm ico, do outro o m arxism o vulgar ou a teoria das e li tes). Tam bém aqui se encontra a negação tácita dos padrões do poder estrutu ralm ente estabelecido, ou aquilo a que m ais se tarde se cham aria «não-decisões» (Bachrach e Baratz, 1962 : 947 -952 ; 1970). E tam bém um a insistência em estu dar episódios discretos de exercício da influência, com o se o poder fosse um a esp écie de m ercado de livre fluxo num a situação de relativa igualdade; daí, com o verem os adiante, a descoberta de que a liderança de opinião, tal com o o con ceito pluralista de influência, depende dos tem as esp ecíficos e «não se estrutura em pirâm ide» (Katz e Lazarsfeld, 1955: 107-108 , 332-334). Os «líde res de opinião» reconhecidos num determ inado dom ínio não o eram noutros dom ínios, tal com o os influenciadores de New Haven, na pesquisa de Dahl, tam bém não processavam a sua in fluência «em pirâm ide». A hom ologia estru tural dos dois paradigm as - in flu ência pessoal e pluralism o - revela algo m ais significante do que um a m era co incidência na configuração dos resultados; 114 C om u n icação e S oc ied ad e revela a sim ilaridade de problem áticas e de m etodologias, as preocupações com uns aos dois cam pos. Pressuposto 3. Comensurabilidade entre o Consumo e a Política: a unidade de influência é uma «mudança de atitude» ou um comportamento discreto, a curto prazo; ou, de modo mais exacto, o relato realizado pelo inquirido de tal «mudança» ou comportamento, e que ele pode atribuir a uma determinada intervenção exterior. Katz e Lazarsfeld interessaram -se por «quatro áreas de decisões quotidianas: com ércio, moda, assuntos públicos e escolhas de cin e ma» [Ibid.: 138). Estas áreas eram assumidas como assimiláveis no âmbito de uma única teoria. O dom ínio do seu interesse será m elhor apreendido se considerarm os os tópicos relevantes do questionário (Ibid.: 341): Em relação ao com ércio: «Durante o mês passado ou aproxim adam ente, com prou algum produto novo ou alguma m arca que habitualm ente não com pra? (Não m e refiro a algum a coisa que tenha com prado porque era a única disponível.) S im ... Não... (Se não) De qual destes produtos experim entou uma m arca nova, recentem ente? a. cereais de pequeno alm oço... b. sabão em flocos ou em barra... c. café... d. nenhum destes». Em relação à moda: «Mudou recentem ente algo no seu penteado, form a de vestir, cosm éticos, m aquilhagem , ou fez alguma outra m udança para estar m ais na m oda? Sim ... N ão... (Se sim) Que tipo de m udança fez? Em relação ao cinem a, «com eçám os por perguntar à inquirida qual o nom e do últim o film e que tinha visto» (Todos os inquiridos eram m ulheres. Para entender a razão, ver m ais adiante, pp. 134-135). Sobre os assuntos públicos, os entrevistadores colocaram algumas ques tões que se encontravam na ordem do dia num a eleição recente, e pergunta ram em seguida se a inquirida havia mudado a sua opinião sobre alguma questão «sem elhante» àquelas. Assim , em duas das quatro áreas tem áticas, o interesse dirigiu-se exp licita m ente para as m udanças de com portam ento de consum o; na terceira, para um outro com portam ento discreto no cam po da escolha de consum o; e, na quarta, para um a m udança na opinião expressa. Estas áreas tem áticas foram consid e radas com paráveis, e a presum ida hipótese de com paração de ideias políticas com preferências sobre produtos distorceu alguns resultados. M ais: o pressu posto inconseqü ente da com ensurabilidade entre com ércio e política, nunca justificad o explicitam ente, nem abertam ente questionado, pairou sobre todo o argum ento de Personal Influence com o um nevoeiro ideológico. Pressuposto 4. «Mudança de Atitude» como a Variável Dependente: de for ma mais profunda notável, a atenção microscópica sobre a «mudança de atitu de» baseou-se numa abordagem restrita à natureza do poder. Em Personal Influence, o poder consistia em com pelir um determ inado com portam ento, nom eadam ente de com pra; ou, no caso dos «assuntos públicos», consistia em com pelir um a m udança na «atitude» em relação a algum assunto corrente. Se tais m udanças tivessem ocorrido, perguntava-se às inquiridas que indicassem C om u n icação e S o c ied ad e 115 quem as havia in fluenciado (Ibid.: 271, n2) Se não tivessem mudado as suas atitudes, assumia-se que não tinham sido influenciadas. Há dois aspectos em que este sentido de in fluência é inadequado. Prim eiro, é possível que um a inquirida tivesse com eçado por «mudar a sua opinião» sobre um determ inado assunto, apenas para ser persuadida a regressar à sua posição original, por in fluências pessoais ou, directam ente, pelos m eios de com u nicação. Os aspectos m ais im portantes, porém, dizem respeito aos casos em que as atitudes não m udaram absolutam ente nada. Se a ausência de varia ção de opiniões não for considerada garantida, mas algo que necessita de ser explicado, com o poderem os com preender as «não-decisões» daí decorrentes? Não existe qualquer constrangim ento para que a estabilidade de atitude, na era cap italista, se ja tom ada com o certa. Na verdade, aquilo que, na era m oder na, se cham a estabilidade de atitude, era considerado uma variabilidade, an ti gamente. A volubilidade da lealdade é um pré-requisito da sociedade capitalista, onde a propriedade privada se rende habitualm ente às exigências da riqueza e da acum ulação (Arendt, 1958). Especialm ente no período do capitalism o de alto consum o, quando o «novo» funciona com o um a afirm ação sim bólica de valor positivo e o «antiquado» é um sím bolo de atraso, «mudar de opinião» sobre produtos é um acontecim ento rotineiro. E no espaço da vida p ú blica em geral, o indivíduo é frequentem ente confrontado com novas agendas políticas (ecologia,por exem plo), além de invenções tecnológicas, «tendências» sociais, celebridades e artefactos culturais, e nestas circu nstâncias cada indivíduo é solicitado a ter, desde logo, um a opinião. Alterar políticas do Estado regular m ente apela à m obilização e a m udanças de opinião pública. N esta situação h istórica, considerar a estabilidade de atitude com o certa corresponde à opção, fundam ental, de ignorar a questão das origens das diver sas opiniões que se m antêm constantes, apesar das circu nstâncias que apelam à m udança. Ao lim itarem desta form a a sua investigação, Katz e Lazarsfeld não poderiam , de modo algum, explorar o poder institucional dos m eios de com u nicação de m assa: o grau do seu poder para m oldar as agendas públicas, para m obilizar redes de apoio às p olíticas de Estado e dos partidos, para cond icionar o apoio do público a estas m esm as organizações institucionais. Tal com o não poderiam tornar visíveis as questões das origens destes poderes. E esta au sência não é rectificada pela presença de um outro term o funda m ental no cânone de Lazarsfeld: reforço. Para Lazarsfeld e a sua escola, esp ecial m ente Joseph T. Klapper, reforço é o m eio pelo qual a in fluência dos m eios de com u nicação se faz sentir. Considera-se que os m eios de com u nicação apenas «reforçam opiniões existentes», em vez de alterarem as form as de pensar. O livro de síntese de Klapper, The Effects o f Mass Communication (1960), m an- tém -se com o o lócus classicus deste argumento, invalidando a crítica à ideia m ais geral sobre a ineficácia dos m eios de com unicação. Klapper e outros au tores referem -se ao reforço com o um a questão de ordem m enos im portante, quando com parado com a persuasão ou a m obilização. No entanto, o reforço de opinião é um vínculo indispensável entre as atitudes e as acções. Se os m eios de com u nicação «apenas» reforçam «opiniões existentes», podem estar a antever a acção ou a ancorar a opinião a um novo com portam ento de rotina. 116 C om u n icação e S o c ied a d e A lém disso, o «reforço» pode ser entendido com o a solid ificação essencial da atifude em ideologia, um a configuração relativam ente duradoura da co n sciên cia que determ ina, de modo im portante, com o as pessoas percepcionam ou respondem a novas situações. Mas «ideologia» e «consciência» são conceitos que escapam tanto ao com portam entalism o quanto à psicologia de estím ulo- resposta. Estas noções não têm qualquer posição ontológica no restritivo m un do conceptual da pesquisa predom inante dos m eios de com unicação de m assa7. A pesar de ter om itido estes aspectos no seu trabalho anterior, Klapper veio, m ais recentem ente, equilibrar a sua postura com um a proposição que deita por terra o antigo aparato teórico: «Reforço e conversão só podem ocorrer, ob viam ente, quando existe um a opinião para reforçar ou para objectar. Não po dem ocorrer na au sência de opinião. Apesar de existir relativamente pouca pesquisa sobre o assunto, os meios de com unicação parecem ser extremamente eficazes na criação de opiniões. Através de um exem plo de senso com um , al guns m eses antes de Fidel Castro ter chegado ao poder, provavelm ente m enos de 2% dos am ericanos conheciam o seu nom e, e m uito m enos as suas in clin a ções políticas. Um ano m ais tarde, no entanto, o pú blico am ericano sabia m ui to sobre ele e sobre o seu com portam ento político, e as opiniões eram bastante hom ogêneas. A origem dos seus conhecim entos e as bases das suas opiniões eram , obviam ente, restritas, por um a diversidade de razões práticas, aos m eios de com u nicação de m assa» (Klapper, 1968: 85)8. E claro que estas situações são rotineiras na vida política nacional e in ter nacional: as pessoas esperam constantem ente conhecer algo sobre situações que quase d esconheciam no dia anterior. Os tem as apresentados desta forma estão entre os m ais significativos: assuntos de guerra ou de paz, situação e alinham entos in ternacionais, política econôm ica. Um a sociologia dos m eios de com u nicação que não considere o sentido da im portância p olítica de tais assuntos falha sistem aticam ente o seu objectivo. Sem levantar estas questões, Klapper, o responsável de pesquisa da CBS Television e um dos m ais notáveis discípulos de Lazarsfeld, prossegue: «Não é d ifícil com preender porque é que os m eios de com u nicação de m assa são ex trem am ente eficazes na criação de opinião em novos tem as. N esta situação, as audiências não possuem opiniões que possam ser contem pladas por proces sos con scien tes ou su bconscientes da exposição, retenção ou percepção se lec tivas. Da m esm a form a, os seus grupos de referência não têm opiniões, e os líderes de opinião não estão ainda em condições de liderar. Em sum a, os facto res que geralm ente proporcionam aos m eios de com unicação um a oportuni dade de reforço são inoperantes, e estes m eios estão, então, em condições de poderem trabalhar d irectam ente sobre as suas audiências». É obvio que m esm o este caso não é satisfatório enquanto avaliação das condições de im pacto dos m eios de com unicação, um a vez que a argum enta ção não d iscute qual a origem de qualquer «opinião existente» que prevaleça «em geral». E tam bém não perm ite um a análise do substrato de crença que está na base de «opiniões» discretas. Klapper m antém -se preso ao paradigm a da in flu ên cia pessoal. Mas a sua observação m ostra que é im possível basear um a teoria do im pacto dos m eios de com unicação em dados recolh idos sobre as C om u n icação e S o c ied a d e 117 origens auto-atribuídas de mudança de opinião. E m ais: apesar de Lazarsfeld e os seus d iscípulos terem tentado dem onstrar que as atitudes podem ter origem na posição social (estatuto socioeconóm ico, etc.), o seu m étodo de considerar as atitudes com o unidades discretas e desconexas não presta ju stiça à sua lo calização na estrutura das ideias, ou seja, na ideologia. Pressuposto 5. Os Seguidores como «Líderes de Opinião»: Katz e Lazarsfeld tomaram a estrutura e o conteúdo dos meios de comunicação como adquiridos, definitivos e fundamentais. A atenção m ais próxim a que dedicaram aos «líde res de opinião» não só desviou a atenção da im portância central das redes de radiodifusão e dos serviços por cabo, com o tam bém definiu «liderança de opi nião» enquanto um acto de seguimento, sem a con sciên cia - de facto, com satisfação - da confusão que tal ideia iria causar. O bservaram o processo de m ovim ento de ideias através da sociedade pelo lado errado do telescópio. Especificam ente, foi pedido às m ulheres de D ecatur que designassem «lí deres de opinião», em relação às notícias definidas externamente. Para dizer quem era um «líder de opinião», Katz e Lazarsfeld perguntaram -lhes as «suas opiniões sobre um a série de problem as nacionais e in ternacionais então cor rentes nas notícias, nom eadam ente sobre a política externa de Trum an, a p o lí tica de desm obilização das forças arm adas, etc.». Então, perguntava-se às m ulheres se tinham «recentem ente m udado as suas opiniões» e se tinham pe dido algum conselho (Katz e Lazarsfeld, 1955: 271n )9. «Peritos» - aqueles que opinavam um pouco sobre tudo o que se relacionasse com assuntos públicos, entretanto, eram definidos com o aqueles que tinham sido nom eados nas res posta a esta questão: «C onhece alguém, das redondezas, que se m antém a par das notícias e em quem possa confiar para lhe dizer o que se est: realm ente a passar?» [Ibid.: 276n)- Em que sentido, então, um «líder de opinião» liderava realm ente? O que era um «perito», e quem definia o critério de especialização certificada? O problem a, para u tilizar a linguagem oficial da sociologia, é que a m enta lidade administrativa exagera a im portância das «variáveis independentes» que estão localizadas de form a m ais próxim a, no tem po e no espaço, em rela ção às «variáveis dependentes» objecto de investigação10. Som ente a sua pers pectiva adm inistrativa im pediu Katz e Lazarsfeld de considerarem aquilo que era óbvio: que os seus «peritos» eram dependentes para a sua especialização de um a «variável» explicitam ente excluída do cam po de análise. Pedia-se às inquiridas que nom eassem com o influenciadores aqueles indivíduos que elas acreditavam estar m ais em sintonia com os m eios de com unicação de m assa. Katz e Lazarsfeld estavam a tom ar com o certo o poder dos m eios de com u nica ção de m assa para definir as notícias; e não estavam , assim , a descobrir «o papel desem penhado pelas pessoas no fluxo das com u nicações de m assa», mas sim a natureza dos canais desse flu xo11. Um a linguagem vaga (e, tam bém , um conceito vago de poder, com o verem os) encobria um a distinção crucial. E com o se alguém estudasse a in flu ência das ruas nas taxas de m ortalidade - durante um a enorm e cheia. Um a rua é um canal, não um a causa de afogam en- tos. M as a distinção perde-se num a linguagem im precisa. Quando trataram 118 C om u n icação e S oc ied ad e este problem a, Katz e Lazarsfeld lim itaram o assunto das notícias institu ciona lizadas desta form a: «Comparado com o dom ínio da moda a todos os níveis, som os levados a suspeitar que a cadeia de in fluência interpessoal é m ais longa no dom ínio dos assuntos públicos e que as “inform ações confid enciais in ter nas”, bem com o a in flu ência em episódios específicos de influência, são m uito m ais um a questão de relação face-a-face» [Ibid.: 319). A suspeita de um a «cadeia m ais longa de influência» é um subterfúgio para a questão das relações institucionalizadas entre em issores e audiências. M as um a perspectiva adm inistrativa irá, provavelm ente, confundir, desde o in ício , um determ inado tipo de in flu ência com o poder que lhe deu origem, já que a fonte institucional, por ser m ais distante, quer em term os conceptuais quer quanto ao tem po e ao espaço, irá, inevitavelm ente, «escapar» na trans m issão. Ao inquirir sobre como as decisões são form adas ao nível da base da estrutura de in fluência , não há condições para averiguar, em prim eiro lugar, porque é que a ocasião para decidir existe, em prim eiro lugar. Por outras pala vras, as questões colocadas são as m esm as que um adm inistrador colocaria ou, neste caso, as m esm as que um com erciante colocaria. (Foi, de facto, um a entidade com ercial a Macfadden Publications, que prim eiro encom endou o estudo de Decatur. Sobre o trabalho de Lazarsfeld no dom ínio da pesquisa com ercial, ver m ais adiante, pp. 132-138). Falhas e Discrepâncias Empíricas M esm o que aceitássem os as prem issas com portam entalistas assum idas no projecto de Personal Influence, ainda teríam os de considerar os m odos esp ecí ficos em que a teoria falha nos objectivos propostos. Devido ao facto de recla m arem ter descoberto um princípio geral de interacção social, Katz e Lazarsfeld obscureceram algumas das d iscrepâncias interessantes com que se depararam nos seus resultados. Ou seja, relataram as d iscrepâncias, m as não as interpre taram, de form a a perm itir um a avaliação adequada da sua im portância na teorização. A d iscrep ância m ais surpreendente entre os resultados e a teoria surge no m om ento em que Katz e Lazarsfeld revelaram os resultados do seu estudo das fontes de toda e qualquer «m udança de atitude» relativam ente aos assuntos públicos, entre os dois períodos de entrevistas, Junho e Agosto. M esm o que aceitem os o pressuposto questionável de que as pessoas podem comprovar, com segurança, as fontes da sua «m udança de atitude», persiste um a anom alia peculiar: Como se poderá entender o sentido do seguinte resultado? «Nem todas as opiniões [relativas aos assuntos públicos] que mudaram [entre Junho e Agosto] envolveram um contacto pessoal. 58% (das mudanças, não dos indivíduos que m udaram de opinião) aconteceram , aparentem ente, sem o envolvimento de qualquer contacto pessoal que as inquiridas recordassem e eram, frequentemente, dependentes dos meios de com unicação de massa» [Ibid.: 142). Este extraordinário resultado desacredita a teoria do fluxo de com u nicação em dois níveis, sendo, de facto, consistente com a antiga noção «hipodérm ica». C om u n icação e S o c ied ad e 119 Na verdade, «nem todas as opiniões m udaram »12! A conclusão teórica geral de que «as ideias frequentem ente fluem a partir da rádio e im prensa para os líde res de opinião e destes para as secções da população m enos activas» [Ibid.: 309; citando Lazarsfeld, Berelson e Gaudet, 1 9 4 8 :1 5 1 ) surge, agora, com o m ais errada do que certa. Como é que esta infirm ação não entrou na conclusão teórica de Katz e Lazarsfeld? A penas posso con jectu rar que a om issão da infirm ação em pírica da teoria - ou seja, em bora exposta, a d iscrepância não foi considerada na concepção da teoria - resulta da elaboração de um a falsa com ensurabilidade entre as quatro áreas: moda, com ércio, cinem a e assuntos públicos. Se estas áreas forem consideradas com o igualm ente significantes e com paráveis, e se a teoria for construída de modo a ser aplicada a todas elas indiscrim inadam ente, então a infirm ação em apenas um a das áreas não é re le vante. Se, por outro lado, o estudo incid ir sobre o im pacto das com u nicações de m assa sobre as atitudes políticas, a infirm ação é decisiva. Assim , a escolha ex trín seca à própria investigação das quatro áreas tem áticas (ver adiante, p. 135) acabou por perm itir aos autores ignorar um a d iscrepância im portante. Existe um a outra ocasião em que os dados do estudo de D ecatur se afasta ram da teoria do fluxo de com u n icação em dois n íveis, e em que Katz e Lazarsfeld não tiveram em consideração o lapso em pírico na form ulação da teoria. As pessoas nom eadas com o influenciadoras ou influenciadas na área dos assuntos públicos confirm aram com m aior dificuldade esse estatuto - por outras palavras, as pessoas eram m ais renitentes em reconhecer que haviam feito um a tentativa, de facto, de influenciar, ou que haviam sido, de facto, in fluenciadas - do que as pessoas nom eadas nas áreas de com ércio ou de moda (Katz e Lazarsfeld, 1955: 159). 57% dos influenciados na área com ercial reco nheceram o seu papel; o m esm o ocorreu com 56% quanto à moda; mas apenas 38 % dos in flu e n c ia d o s re la tiv am e n te a assu n to s p ú b lico s . Q uanto aos in fluenciadores designados, as confirm ações foram de 71% na área com ercial, 61% na m oda e apenas 37% nos assuntos públicos. Por outras palavras, quan to a esta d iscrep ância [Ibid.: 160), Katz e Lazarsfeld m encionaram a p ossib i lidade de que os hom ens, que foram num a grande desproporção os m ais in fluenciadores na área de assuntos públicos, tivessem tido inform antes po bres nestas m atérias; mas não m encionaram a possibilidade de a in flu ência esp ecífica sobre a «m udança de atitude [de um indivíduo] em relação a assu n tos públicos» ser tão d ifícil de determ inar quanto de lançar o descrédito sobre a ideia do fluxo de com unicação em dois níveis, operando generalizadam ente, ou de qualquer outro processo decisivo de influência interpessoal. Dados com o estes são totalm ente consistentes com a teoria «hipodérm ica»: com a hipótese de que, na área dos assuntos públicos, os m eios de com unicação trabalham directam ente sobre a con sciên cia pública. Apesar desta m arcante falta de con firm ação arruinar a variante dos assuntos públicos da teoria - não obstante esta m esm a variante ter proporcionado, certamente, nos anos m ais recentes, um a das m ais im portantes extrapolações do seu trabalho - , Katz e Lazarsfeld contornaram essas im plicações, com apelos à necessidade de realizar «muito m ais estudo» e com considerações sobre o carácter «exploratório» do seu tra balho. 120 C om u n icação e S oc ied ad e Os Limites Temporais da Teoria M esm o que aceitássem os os pressupostos com portam entalistas de Personal Influence, e lim itássem os as pretensões da teoria, de modo a fazer ju stiça às d iscrepâncias em píricas, teríam os ainda de ponderar sobre os seus lim ites h is tóricos, definidos de modo im preciso. Frequentem ente, as notas de rodapé constituem o terreno do criticism o an tecipado, sendo, tam bém , locais apropriados para in iciar explorações arqueo lógicas de uma investigação crítica. E isto m esmo o que se verifica, após centenas de páginas de generalizações sobre as com unicações de m assa, quando num a nota de rodapé Katz e Lazarsfeld recordaram ao leitor: «O estudo foi conclu ído antes da introdução generalizada da televisão» [Ibid.: 312, n4). E regressaram de seguida, rapidam ente, à sua argum entação, sem alterarem visivelm ente a generalidade das suas conclusões quanto «ao fluxo das com unicação de massa». É d ifícil saber com o tratar esta questão e os autores não nos prestaram qual quer ajuda. M as, para com eçar, saliente-se que não é óbvio, para dizer pouco, que aquilo que era aplicado à rádio e à im prensa em 1945, pudesse sê-lo, m ais tarde, tam bém ao m eio m ais intrusivo, m ais im ediato e m ais «credível»: a te le visão. Poderia parecer, a priori, que a televisão teria, ou pelo m enos, poderia ter, um im pacto m ais directo do que a rádio ou a im prensa. Por outras pala vras, m esm o que os resultados de Personal Influence fossem verdadeiram ente persuasivos (o que não são), e m esm o que a teoria a partir deles construída fosse m ais convincente do que é (e não é), não estaríam os em posição de dizer algo conclu sivo acerca do período após 1945, sobre a força da televisão no dom ínio da con sciên cia e da conduta políticas. M as um a questão m aior ergue-se aqui, relacionada com a confusão entre as dim ensões sincrón ica e diacrónica. Como a sua retórica torna claro, Katz e Lazarsfeld não pretendiam apenas produzir afirm ações sobre as relações que estabeleciam as m ulheres m ais e m enos expostas aos m eios de com u nicação social, em Decatur, Illinois, no Verão de 1945; eles pretendiam estabelecer afir m ações gerais, válidas para além de lim ites tem porais. Devido às dificuldades m etodológicas que estavam associadas ao estudo positivista dos efeitos a lo n go prazo, os autores e os seus seguidores construíram um paradigm a que seria tom ado com o válido durante m uito tempo. A partir do im ediato, propuseram inferências que só seriam possíveis de estabelecer em film e. Mas a transposi ção não foi justificada. C. Wright M ills, que supervisou o trabalho de cam po do estudo de D ecatur e que depois esboçou a análise original dos dados em 1946, apontou com m uita clareza um ponto crítico : «M uitos dos problem as com os quais os praticantes [do em piricism o abstracto] tentam lidar - os efeitos dos m eios de com u nicação de m assa, por exem plo - não podem ser expostos de modo adequado sem uma dada base estrutural. Poder-se-á desejar com preen der os efeitos destes m eios - e m ais, tam bém o seu significado para o desenvol vim ento da sociedade de m assa - estudando, com um determ inado grau de precisão, apenas um a população que tem sido «saturada» por estes m eios ao longo, pelo m enos, de um a geração? A tentativa de distinguir indivíduos «m e nos expostos» e «mais expostos» a um ou outro m eio de com u nicação pode ter C om u n icação e S o c ied ad e 121 grande im portância para os interesses dos publicitários, m as não é um a base adequada para o desenvolvim ento de um a teoria sobre o significado social dos m eios de com u nicação de m assa» (M ills, 1959: 52). Claro que foi precisam ente o que M ills considerou «uma teoria do signifi cado social dos m eios de com u nicação de massa», necessariam ente um a teoria situada na história, o que Katz e Lazarsfeld desprom overam , com o algo vago, n ão-cien tífico e im praticável. Na verdade, Lazarsfeld fê-lo, m uito objectiva- m ente, no seu ensaio m ais crítico (escrito em conjunto com Robert K. M erton): «Que papel pode ser atribuído aos m eios de com unicação de m assa, pelo facto de existirem ? Quais são as im plicações de Hollywood, da Radio City, ou da em presa Time-Life-Fortune sobre a nossa sociedade? Estas questões podem ser discutidas, obviam ente, apenas em term os totalm ente especulativos, já que nenhum a experim entação ou estudo com parativo rigoroso é possível. Com pa rações com outras sociedades que não possuem estes meios de com unicação de m assa seriam demasiado incipientes para perm itir resultados decisivos, e com parações com a sociedade am ericana de outrora im plicaria afirm ações grossei ras, não dem onstrações precisas. Assim, é aconselhável a concisão. E as opiniões devem ser explanadas cautelosam ente» (Lazarsfeld e M erton, 1957: 459). No entanto, a abordagem claram ente positivista de Lazarsfeld em Personal Influence é «totalm ente especulativa», à sua m aneira, ao elevar os resultados de um único estudo, ele próprio duvidoso, ao estatuto de um a teoria intemporal. Num livro de quatrocentas páginas foi considerado su ficiente um a nota de rodapé de um a linha para lem brar que as proposições gerais não tom avam em consideração um aspecto central da realidade que pretendiam estar a revelar; ou, para falar de form a técn ica, a «variável independente» central estava m ui to incom pleta. Tal im precisão era, perfeitam ente, indicadora de um a falta de prudência. E se se alegasse que as proposições positivistas de Personal Influence, expressas pela linguagem com um das verdades intem porais, poderiam , em princíp io, vir a ser desacreditadas por descobertas futuras, m antendo-se c ien tíficas, no sentido popperiano, teria de se garantir, em contrapartida, que as asserções h istóricas gerais seriam igualm ente refutáveis e, assim , igualm ente passíveis de validação pelo critério de Karl Popper. Ao recusar uma esp ecula ção histórica directa (e porque não poderia ser uma especulação bem elaborada?), re jeitando-a com o «uma afirm ação grosseira, ao contrário de um a dem onstra ção precisa», Lazarsfeld deixou a «afirm ação grosseira» entrar pela porta dos fundos. Se as alternativas são «afirm ação grosseira» e «dem onstração precisa», pa rece que regressam os às categorias altam ente elaboradas da técn ica m icroscó pica, ou àquilo a que A lfred North W hitehead cham ou um «concretism o m al colocado». M as um a m ultip licação de categorias não im plica necessariam ente um a clarificação da realidade. C onfundir estes dois aspectos é a fatalidade da tradição positivista. As gerações m ais recentes de estudiosos herdaram e per petuam os principais contornos do estudo pioneiro e enganador, de acordo com o seu estatuto de paradigm a fundador, e raram ente o subm etem a um a análise crítica . E extrem am ente fácil, especialm ente quando se está envolvido num projecto próprio, ignorar ou esquecer os percalços e contradições do tra 122 C om u n icação e S o c ied ad e balho fundador, em particular quando os m esm os se encontram de form a tão obscura no texto. O carácter da ciên cia social que daí resulta é captado de form a irônica por um antigo estudante da U niversidade de Colum bia, M aurice Stein: «Uma das m inhas fantasias favoritas é um diálogo entre M ills e Lazarsfeld, em que o prim eiro lê a este a frase in icia l de The Sociological Imagination: ‘A ctualm ente, os indivíduossentem com frequência que as suas vidas priva das consistem num a série de arm adilhas”. Lazarsfeld im ediatam ente respon de: “Q uantos indivíduos, que indivíduos, há quanto tem po se sentem assim , que aspectos das suas vidas privadas os incom odam , quando é que eles se sentem livres, e não aprisionados, que tipo de arm adilhas é que eles experien- ciam , etc., etc., e tc .”. Se M ills aquiescesse, os dois teriam de so licitar ao In sti tuto N acional de Saúde M ental um subsídio de um m ilhão de dólares para verificar e elaborar aquela prim eira frase. N ecessitariam de um a equipa de centenas de assistentes e, quando term inassem , teriam escrito Americans View Their Mental Health, em vez de The Sociological Imagination, partindo do prin cíp io que conseguiriam term inar, e que algum deles estaria ainda em con d i ções de escrever qualquer coisa» (Stein, 1964: 2 1 5 -2 1 6 )13. As u tilizações reais dos estudos de que Stein troça devem ser bem pondera das; o absurdo das suas pretensões e a trivialização da sua linguagem não lhes retira força. De facto, a rede de pressupostos em que se baseia Personal Influence persiste, apesar de ser agora contestada por críticas estruturais e radicais. Sem surpresa, o padrão de pressupostos teóricos revela um a forte sem elhança com os pressupostos das próprias em presas de radiodifusão. As duas actividades partilham o m esm o fetichism o dos factos, factos esses que, pela sua robustez, ind iscu tib ilidade, «dureza», tom aram conta da autoridade da teoria no seu conjunto. Nas ciên cias sociais, os factos tornam -se um a espécie de m ercado ria, m oeda corrente do discurso, que se destinam a ser com parados, trocados e suplantados por outros, tal com o a sua apresentação nos m eios de com u nica ção de m assa os torna um a autoridade em si m esm os, um a orientação para o m undo d esconcertante , à m argem dos indivíduos e fora do seu controlo. A sociedade das vozes incisivas e autoritárias da rádio e da televisão, do jo r nalism o objectivo e do em piricism o abstracto, é a sociedade da repetição in s tantânea, dos registos desportivos m icroscópicos, do Guiness Book o f World Records - e das contagens de corpos e dos cam biantes explosivos. Tanto o Sargento Friday de Dragnet com o a sociologia dom inante exigem «Apenas os factos, m inh ’senhora». T. W. Adorno traçou esta orientação sociológica a partir da «regra de D urkheim segundo a qual os factos sociais devem ser tratados com o objectos, renunciando-se desde o in ício e para sem pre a qualquer esfor ço para os “com preender”», algo que se aplica tam bém à realidade das «rela ções entre indivíduos, desenvolvidas de forma incrivelm ente independente deles, opacas, e que perm anecem agora afastadas dos seres hum anos com o se se tratassem de um a outra substância» (Adorno, 1 9 6 9 :1 4 7 ). A prática socio ló gica de tornar o facto com portam entalista «duro» um fetiche cresce em sim ul tâneo com a utilização de «notícias sérias», de factos difundidos pelos m eios de com u nicação com o «propaganda tecnológica», ou um a «propaganda dos factos», cu ja função é desencorajar a reflexividade. Estas frases provêm de C om u n icação e S o c ied ad e 123 um a excelente análise do assunto, publicada em 1943, por Robert K. M erton e Paul F. Lazarsfeld (M erton, 1968: 578-582). O fetichism o dos factos com o um a prática m ostra-se m ais forte do que a irônica com preensão teórica da sua as cen são14. RAÍZES DO PARADIGMA Porque é que o estudo de Personal Influence com eçou por assum ir que a in flu ên cia dos m eios de com unicação é com parável à in fluência interpessoal e que o poder se m anifesta com o ocorrências discretas de «m udanças de atitu de» ou de escolhas com portam entais a curto prazo? Como podem os com pre ender a lim itad a am ostragem da realidade que su sten ta a teoria, as suas d iscrepâncias e a ausência destas na súm ula da teoria? E porque é que o cam po de estudo, que cresceu a partir destas bases, preservou essas lim itações e d iscrepâncias, tanto ao nível da teoria, com o da m etodologia? Se nos afastar m os do estudo de D ecatur e dos que se lhe seguiram , e analisarm os o estilo geral de pensam ento que lhe dá forma, a sua orientação sociológica, encontra m os um con junto inter-relacionado de predisposições e orientações ideológi cas. Encontram os, em particular, um ponto de vista administrativo, enraizado na assim ilação ideológica da sociologia acadêm ica ao capitalism o m oderno e na sua aproxim ação institucional às grandes fundações e corporações, num a sociedade oligopolista de alto consum o; encontram os um a orientação comer cial concordante, na qual floresce a pesquisa de audiência com finalidades econôm icas; e encontram os, curiosam ente, um a ideologia social democrata justificativa. O ponto de vista administrativo, a orientação com ercial e a variante austro-m arxista da ideologia social dem ocrata com põem um a constelação cujas partes se desenvolveram sim ultaneam ente, mas que são (no m ínim o) analiti- cam ente independentes, e serão aqui tratadas separadam ente. Um a nota prelim inar: em toda a discussão que se segue, quero sublinhar que pretendo ir ao encontro das raízes do paradigma como um todo - a procura de «efeitos» específicos, mensuráveis, a curto prazo, individuais, e não para além deles - e não apenas das origens da teoria em particular do fluxo de com unicação em dois níveis. E o espectro geral do paradigma - o seu individua lism o m etodológico, os seus pressupostos com erciais, a sua ingenuidade es trutural - que está em análise. O «fluxo de com unicação em dois níveis» poderia até ser um a teoria fiável, e, m esm o assim , iriam subsistir questões quanto à validade das suas prem issas aplicadas a todo o cam po da C om unicação. E para que esta bu sca pelas origens gerais do paradigm a não possa ser con siderada sem ju stificação , contextual, reducionista, ou talvez ad hominem, parece apropriado citar um antecessor ilustre. O próprio Paul F. Lazarsfeld escreveu que «a com ponente ideológica», «o clim a intelectual» e «o equilíbrio pessoal» eram «raízes prováveis» do seu «novo estilo de investigação», e que as suas origens ideológicas, intelectuais e pessoais lhe perm itiram um a «adapta ção estrutural» ao cenário sociológico em ergente na A m érica (Lazarsfeld, 1969: 277, 299). 124 C om u n icação e S o c ied ad e O Ponto de Vista Administrativo Quando afirm o que o ponto de vista de Lazarsfeld é adm inistrativo, refiro- -me ao facto de, em geral, ele colocar questões vantajosas para aqueles que ocupam lugares de direcção em institu ições que procuram reforçar ou racio nalizar, em term os de funções sociais, o seu controlo sobre sectores sociais. O sociólogo, deste ponto de vista, é um esp ecialista que se ocupa de problem as que são form ulados, directa e indirectam ente, por essas pessoas em lugares de d irecção, que estão preocupados, em sum a, com a gestão da expansão, da esta bilidade e da legitim idade das suas em presas, e com o controlo de potenciais desafios que lhes possam surgir. No desenvolvim ento da pesquisa dos m eios de com u nicação, em particular, e com o em todo o m ovim ento positivista das c iên cias sociais do Pós-Guerra, a procura dirige-se para os m odelos dos efeitos dos m eios de com u nicação de m assa que sejam previsíveis, o que, no con tex to, significa apenas que os resultados podem ser antecipados pelos, e a favor dos, postos de com ando dos m eios de co m u n icação . As «variáveis» são estabelecidas por aqueles que têm por função a produção dos m eios de com u n icação de m assa, e apenas por eles; assim , a sua análise tende a ser de curto prazo, em term os tem porais, e com portam entalista, em vez de estrutural, em term osde perspectiva. A partir do ponto de vista dos adm inistradores, o siste ma dos m eios de com unicação de m assa e a sua organização estrutural não estão, obviam ente, em questão; são a própria prem issa da pesquisa. Assim , o teórico adm inistrativo (o term o é utilizado por Lazarsfeld com o autocaracte- rização (Lazarsfeld, 1941a: 2-16)) não se interessa, por exem plo, com a decisão em presarial de produzir aparelhos receptores de rádio ou de televisão com o m ercadorias dom ésticas, em vez de aparelhos de utilização pública, apesar de esta opção fundam ental ter im portantes conseqüências para as utilizações so ciais, poder e significado dos m eios de com unicação de m assa15. O teórico adm inistrativo não está interessado na estrutura corporativa de propriedade e controlo em geral, ou com o critério em presarial de definição do conteúdo dos m eios de com u nicação que daí advém: parte da ordem existente e considera os efeitos de um determ inado uso dessa ordem. O que C. Wright M ills designou em piricism o abstracto não é nada abstracto na perspectiva de um a ordem so cial concreta nem de um sistem a de poder concreto. E lógico que a perspectiva adm inistrativa seja m ais facilm ente adoptada por aqueles que desem penham funções adm inistrativas, ou que se encontram num cam inho seguro para essa posição, especialm ente no caso de em preendi m entos in telectu ais desenvolvidos sob os auspícios corporativos ou do Esta do, tendo por base o apoio financeiro destes em preendim entos e a sua im agem organizacional em condições de tirar proveito da sua legitim idade para abrir as portas da pesquisa e recrutar um corpo de funcionários experientes. Para o ponto de vista adm inistrativo há um ângulo da teoria intim am ente relaciona do com um a prática, e que m elhor se desenvolve dentro dela. O ponto de vista e o posicionam ento in stitu cional derivam um do outro. O próprio Lazarsfeld foi, certam ente, um dos pioneiros da abordagem burocrática na pesquisa socio lógica, pelas suas próprias características, um «hom em institucional» (La C om u n icaçao e S o c ied ad e 125 zarsfeld, 1969 : 302-303), um mago adm inistrativo e em presarial. Prim eiro de dicado ao Office o f Radio Research de Princeton, cu ja d irecção assum iu em 1937 e, depois, ao Bureau o f Applied Social Research da U niversidade de C olum bia - a reencarnação do anterior - «desenvolveu», segundo as suas pró prias palavras, «a im agem do acadêm ico gestor» (Ibid.: 310). Lazarsfeld presi diu, nestas organizações, a um sem -núm ero de projectos de pesquisa nos dom ínios das questões com erciais e dos m eios de com unicação, à form ação determ inante dos seus sucessores, e à reputação que tanto os projectos com o estes sucessores granjearam . A sua habilidade em reunir fundos para a pesqui sa era lendária; sabia com o transferir expeditam ente esses fundos de um pro jecto para outro, angariando, aqui, dinheiro de fundações e com panhias para propósitos restritos e esp ecíficos, para o usar m ais tarde, acolá, frequentem en te noutros projectos m ais abrangentes. (Tal foi o caso, efectivam ente, do estu do de D ecatur. Ver adiante, p. 134.) Como d irector adm inistrativo, podia «assum ir riscos consideráveis, experim entar inovações insólitas, sem entrar dem asiado em conflito com as norm as prevalecentes» [Ibid.: 303). O m om ento da sua ascensão na vida acadêm ica am ericana foi, com o ele próprio salientou, fortuito. Foi um m om ento em que as áreas adm inistradas da política, dos m ercados, da cultura, da educação estavam, um a por um a, a ad quirir um a autonom ia própria, conquistando legitim idade, num processo de desenvolvim ento de ligações estreitas entre si de todas estas áreas. As suas forças gravitacionais m útuas estavam a levá-las a formar, gradualm ente, uma constelação em ergente e estável, um m undo de vida reconhecido, com norm as e práticas próprias e dom inantes, mas flexíveis. U niversidades, corporações e fundações estabeleciam parcerias entre si, por vezes desconfortáveis, mas m utuam ente indispensáveis; o seu encontro decorria sob o signo do com por tam entalism o. Em 1929, o novo responsável pela área das C iências Sociais da Fundação Rockefeller, Edm und E. Day, com eçou o seu discurso de tom ada de posse com estas palavras: «Praticam ente todas as ciências em ergiram , in icialm ente, da filosofia. A introdução dos m étodos laboratoriais perm itiu às ciên cias naturais realizar um a separação total, e as ciên cias m édicas operaram a m esm a ruptura m ais tarde. As ciên cias sociais estão ainda no processo de estabelecim ento da su a in d e p e n d ê n c ia ... Temos, pois, virtualmente, de quebrar um padrão acadêmico. Temos de estabelecer um novo modelo acadêmico»16. Nos quinze anos que se seguiram , e com o forte im pulso da Fundação Rockefeller, este novo m odelo acadêm ico estava em form ação. Um hom em com o Paul Lazarsfeld, um teórico sério e com petente, com facilidade em se m ovim entar tanto no m eio das teorias com o ao n ível das relações hum anas, tão adepto do positivism o quanto «hom em institucional», pôde assum ir um papel central em todo o processo de desenvolvim ento neste dom ínio, quer em term os in telectu ais quer organizacionais. Mas não faz sentido perguntar quais foram as institu ições em concreto que lideraram , e quais as que seguiram , a profunda transform ação social e cultural no sentido do capitalism o oligopolista. H om ens com o Lazarsfeld, atingindo a m aturidade in telectu al sob a estrela p olítica da social dem ocracia europeia, inventivos nos instrum entos m atem á 126 C om u n icação e S oc ied ad e ticos utilizados, capazes de colocar os m étodos sociológicos ao serviço de um capitalism o consum ista, im petuoso e em expansão, procuravam institu ições que abraçassem a sua abordagem do m undo. As fundações e corporações, que tinham aprendido a utilidade da quantificação com a expansão da engenharia (especialm ente durante a produção taylorista) e das políticas de m ercado, dos m odelos de m udança e dos aum entos de preços, sob a liderança de Alfred E. Sloan da General Motors, pretendiam racionalizar as ciências sociais e torná- las práticas. O Estado estava interessado em conhecer as condições para um a propaganda efectiva. As universidades queriam estabelecer novas bases fin an ceiras para poderem participar no processo de crescim ento do Pós-Guerra e na nova cultura hegem ônica, em bora quisessem garantir tam bém a legitim idade do novo estilo de pesquisa, e que o m esm o não iria am eaçar a posição dos m andarins acadêm icos estabelecidos. Todos estes interesses e estratégias esta vam a convergir, e um pensador perspicaz, aVentureiro e habilidoso com o Paul Lazarsfeld porfiava no interesse comum, com grande sucesso. Na cristalização da nova força intelectual, a Fundação R ockefeller desem penhou, de facto, um papel fundam ental, p rincip alm ente ao co locar Paul F. Lazarsfeld no m apa am ericano. Lazarsfeld recordou m uito m ais tarde que o estudo pioneiro que organizou, em 1930, sobre o desem prego na aldeia de M arienthal, lh e foi originalm ente sugerido por Otto Bauer, o líder do Partido So cia lista da Á ustria (Lazarsfeld, 1969: 2 7 5 -2 7 6 )17. Esse estudo, um trabalho estatístico de valor, prefigurou o seu trabalho futuro - «fez com que eu caísse na atenção do representante da Fundação R ockefeller em Paris e, em 1932, obtive um a bolsa de estudos para os Estados Unidos, onde cheguei em Setem bro de 1933». Numa nota de rodapé das suas m em órias, Lazarsfeld acrescentou: «A forma com o recebi a m inha bolsa tem algum interesse. O representante da Fundação R ockefeller deu-m e um im presso de candidatura. A viver no clim a pessim ista de V iena daquela altura, eutinha a certeza de que não iria obter a bolsa e, por isso, não me candidatei. Em Novembro de 1932, receb i um a m ensagem do gabinete da Fundação, de Paris, inform ando-m e que a m inha candidatura ti nha sido m al preenchida, e que queriam um a outra cópia. O bviam ente, eles tinham decidido conceder-m e a bolsa, por recom endação do seu representan te, e nunca lhes ocorreu que eu não me tinha candidatado. Enviei um “dupli cado” e a bolsa foi-m e concedida» (Ibid.: 276, nlO). A Fundação continuou a preocupar-se assiduam ente com o «estabelecim ento da independência» das ciên cias sociais relativam ente à filosofia prim ordial, não-instrum ental. Quando, em 1937, a Fundação concedeu a Hadley Cantril, de Princeton, e a Frank Stanton, da C BS, o financiam ento para o Office o f Radio Research, Robert Lynd, em Colum bia, convenceu C antril a contratar Lazarsfeld com o Director. Poucos anos depois, o departam ento «tinha adquirido um a vida institu cion al própria» e estava apto a procurar financiam entos de outras fon tes (Ibid.: 305, 309). Mas a Fundação perm aneceu com o o seu principal apoio (Ibid.: 329). A Fundação encontrou em Lazarsfeld um hom em de organização insuperável, capaz de im plantar o «novo estilo de pesquisa», m esm o nas u n i versidades relutantes, e fazer prevalecer o espírito positivista, em detrim ento C om u n icação e S oc ied ad e 127 do carácter retrógrado da filosofia. A segunda edição de The People’s Choice refere: «Este estudo foi tornado viável, em term os financeiros, graças a um subsídio geral da Fundação Rockefeller, a um contributo financeiro da Divisão de C onsultoria do Office o f Radio Research da U niversidade de C olum bia e a contribu ições esp eciais da revista Life e de Elm o Roper» (Lazarsfeld, Berelson e G audet, 1 9 4 8 : x x ix ). Seg u e-se o que o então P resid en te da Fundação R ockefeller escreveu sobre os apoios da Fundação: «Um incentivo m aior foi o apoio dado à Escola de Relações Públicas e Internacionais da U niversidade de Princeton para a realização de um estudo sobre o papel da rádio na vida dos ouvintes. Organizado pelo Dr. Paul F. Lazarsfeld, esse estudo pretendia respon der a questões com o estas: Que indivíduos e grupos sociais são ouvintes de rádio? Q uanto tem po dedicam à sua audição e porquê? De que m odos são afectados pelo facto de serem ouvintes radiofônicos? A indústria da rádio esta va, com certeza, interessada em determ inar a dim ensão e a distribuição da sua au diência para avaliar a sua condição de potenciais consum idores dos produ tos que publicitava. Ao procurar conhecer m elhor o ouvinte, com o indivíduo e com o m em bro da sociedade, o estudo de Princeton, quase literalm ente, com e çou no ponto onde a indústria tinha parado. Este m esm o tipo de estudo foi, m ais tarde, apoiado tam bém pela U niversidade de Colum bia, tam bém com o Dr. Lazarsfeld. A pesquisa realizada pelas duas institu ições não só proporcio nou um retrato porm enorizado e preciso do público ouvinte am ericano, mas desenvolveu tam bém novos m étodos de inquérito com possibilidades de ap li cação à previsão e teste das reacções a programas originais; e, um a vez que os relatórios produzidos no âmbito dos estudos foram largamente utilizados pela indústria da rádio, o departam ento de Dr. Lazarsfeld foi cada vez m ais con su l tado com o um a fonte de aconselham ento especializada e im parcial» (Fosdick, 1952 : 2 4 6 -2 4 7 )18. Lazarsfeld, por seu lado, não estava preocupado com a sua dependência da Fundação. «A form ulação liberal do programa da Fundação Rockefeller», es creveu m ais tarde, «perm itiu-m e fazer qualquer tipo de estudo esp ecífico , des de que garantisse algum a ligação nom inal com os problem as da rádio...» (Lazarsfeld, 1969 : 308). Mas não só. O programa da Fundação insistia em subs crever apenas estudos que eram consonantes com os princíp ios em piricistas e pelo m enos num a ocasião Lazarsfeld reconheceu que quem pagava o m úsico, na verdade, esco lh ia directam ente a m úsica, apesar de um a certa hesitação do próprio Lazarsfeld. Em 1938, Lazarsfeld, em conjunto com M ax Horkheimer, na altura em Colum bia, convidaram T. W. Adorno para ir para os Estados U ni dos, dirigir a secção de m úsica do Office o f Radio Research de Lazarsfeld. Terá de se especular sobre os com plexos m otivos que levaram Lazarsfeld a tal atitu de: o desejo hum anitário de auxiliar um com panheiro refugiado; a sua afinida de com alguns dos estudos em píricos recentes do Instituto de Frankfurt; o seu d ese jo , talvez, de dar um a expressão m ais activa a um a vertente cr ítica secundarizada. Por sua conta e risco, Lazarsfeld queria «ver se podia induzir Adorno a tentar relacionar as suas ideias com a pesquisa em pírica». A sua m aneira, caprichosam ente, relutante e crítico, Adorno tentou: durante o tem po que esteve com Lazarsfeld, escreveu um a série de estudos concretos sobre 128 C om u n icação e S o c ied a d e aquilo a que m ais tarde cham aria «a indústria da cultura» (Jay, 1 9 7 3 :1 9 1 -1 9 3 ). Escrevendo sobre este período, Adorno não criticou Lazarsfeld directam ente; ao invés, escreveu as seguintes palavras: «Naturalm ente, parecia haver pouco espaço para... a pesquisa social crítica no quadro de trabalho do Projecto de P rinceton . O seu plano, definido pela Fundação Rockefeller, estipulava ex pressam ente que as investigações deviam ser realizadas dentro dos limites do sistema de rádio com ercial prevalecente nos Estados Unidos. Estava assim im plicado que o próprio sistem a, as suas conseqü ências cu lturais e so cio ló gicas e pressupostos socia is e econôm icos não eram para ser analisados» (Adorno, 196 9 : 3 5 3 )19. Adorno acrescen tou secam ente: «Não posso afirm ar que obedeci estrita m ente ao plano». Após um ano de tensão quanto à d efin ição do dom ínio próprio da pesquisa cu ltural, Lazarsfeld, honra lhe seja feita, tentou, num a longa carta, con v en cer Adorno a abandonar a sua linguagem fetich ista e a «falta de respeito» pelos procedim entos em píricos, m as sem qualquer su ces so20. De novo segundo o próprio Lazarsfeld (1969 : 322, 324), Joh n M arshall da Fundação R ockefeller «sentiu provavelm ente que os m eus esforços para trazer o tipo de pesquisa cr ítica de Adorno para o cam po das com u n icações tinham falhado» e, no O utono de 1939 , a Fundação recu sou a renovação do p ro jecto da área m u sical. Lazarsfeld iria argum entar na própria revista do Instituto de Frankfurt que a pesquisa «crítica» e a pesquisa «adm inistrativa» eram, de facto, com patíveis (Lazarsfeld, 1941); ele pretendia que a pesquisa em pírica respondesse às ques tões colocadas pela teoria crítica. O próprio Adorno esclareceu que a sua ob- jecção não era quanto à pesquisa em pírica com o tal, m as à sua prim azia sobre - e finalm ente em vez da - teoria21. Mas independentem ente dos conflitos in e rentes à posição de Lazarsfeld quanto à teoria crítica, e independentem ente tam bém das suas dificuldades pessoais de relacionam ento com Adorno, a Fun dação, evidentem ente, não pretendia estar tão próxim a desta «filosofia» retró grad a e p e rig o sa . « C o n h e c im e n to s e s p e c ia liz a d o s e im p a rc ia lid a d e » , significavam por fim atenção aos problem as práticos da indústria da cultura; e requeria um a adesão estrita a um ponto de vista adm inistrativo22. A teoria adm inistrativa de Lazarsfeld e as suas relações próxim as com a indústria cultural, na pessoa de Frank Stanton, prosseguiam lado a lado. Foi em 1935 que Lazarsfeld estabeleceu aquilo que seria um a longa parceria de trabalho - cham ou-lhe «relações amigáveis» - com Stanton, «então um jovem m em bro da equipa da Columbia Broadcasting System» (Lazarsfeld, 1969: 304). Claroque a posição corporativa de Stanton não significa que Lazarsfeld fosse m ais partidário dos interesses corporativos específicos da C BS, do que, por exem plo da NBC ou do The New York Times. Na verdade, a sua afinidade m ú tua era consideravelm ente m ais profunda do que qualquer in teresse im ediato. As relações entre Stanton e Lazarsfeld, e a carreira bem sucedida de Stanton constitu íam um sím bolo da expansão da ciên cia social adm inistrativa, antes, durante e após a Segunda Guerra M undial, e das suas ligações estreitas ao aparato das corporações e do Estado. Os dois hom ens partilhavam o interesse com um pela pesquisa positivista, especialm ente na m edição das audiências e C om u n icação e S o c ied ad e 129 dos «efeitos» de determ inadas m ensagens dos meios de com unicação, que iriam perm itir às institu ições centralizadas (em issores, publicitários, o Estado) pre ver as reacções do público às escolhas institucionais. O próprio Stanton foi contratado pela C BS em 1935, porque a estação ficou im pressionada com a sua dissertação de doutoram ento em Psicologia sobre a pesquisa das au d iên ci as. Stanton inventou «o prim eiro dispositivo autom ático de registo, destinado a ser colocado em casa dos receptores»23, antecipando assim os lucrativos pe quenos audím etros de A. C. N ielsen. Em 1938, Stanton era sim ultaneam ente director de pesquisas da CBS e D irector-A ssistente do projecto de Princeton. Estava m uita coisa em jogo para Lazarsfeld, nesta relação. Ele pôde legitim ar- -se aos olhos do sistem a dos m eios de com unicação, ao m esm o tem po que pôde tam bém em penhar-se em atingir um a legitim idade intelectual, ao associ- ar-se com sociólogos com o Robert Lynd e Hadley Cantril. Como «marginal», a form a com o se via a si próprio e, além disso, com o um refugiado judeu na academ ia anti-sem ita, Lazarsfeld tinha que proteger am bos os flan cos24. Com ligações directas às corporações, conseguiu acesso não só aos financiam entos de pesquisa, mas tam bém aos dados, sem os quais a pesquisa adm inistrativa seria inim aginável. Stanton, entretanto, tornou-se Presidente da C BS Inc. em 1946, lugar em que perm aneceu até 1971, liderando assim a estação durante os prim eiros anos decisivos da televisão. A convergência dos in teresses de pesquisa entre Lazarsfeld e Stanton, a sua colaboração prolongada na direcção do Office o f Radio Research, prim eiro, e do Bureau o f Applied Social Research , depois, e ainda na edição das séries irregulares da Radio Research, a partir de 1940, escreveram um a história em blem ática de sucesso: as duas carreiras tri unfaram em con junto ; graças às ciên cias sociais conseguiram quer utilidade com ercial quer legitim idade acadêm ica. Foi a situação ideal para se encontrar no lugar certo no m om ento certo, ou o que Lazarsfeld definiu m ais tarde com o «adaptação estrutural»: a convergência da perspectiva de um sociólogo refugi ado com «algu m as te n d ên cia s em erg entes na co m u n id ad e am erican a» . (Lazarsfeld, 1969 : 299). Um dos seus com panheiros im igrantes disse, recen te m ente, sobre Paul Lazarsfeld: «Ele era m uito am ericano - o m ais bem -sucedido de todos nós»25. Na p o sição de um a certa m arginalidade p o lítica , é tn ica e id eológica, Lazarsfeld acabou por se tornar, com o ele dizia, um «hom em institucional», p recisam ente o que a pesquisa social em piricista nos Estados Unidos p recisa va para personificar o novo estilo acadêm ico, num a base autônom a m as no âm bito da academ ia (Lazarsfeld, 1969 : 302). A sua experiência tanto nas c iên cias socia is com o nos m étodos m atem áticos, e a sua in clin ação filosó fica v ienense tornaram -no valioso para os novos sistem as com ercial e sociocien- tífico . «Parece plausível», escreveu Lazarsfeld, com o seu discernim ento e as pereza característicos, «que tal configuração levasse a um a carreira centrada num a inovação institucional, em vez de traçada directam ente a partir da m o bilidade individual» [Ibid.: 303). O construtor da institu ição, um hom em que se definia com o m arginal, necessitava das m ais firm es filiações com as in sti tu ições determ inantes, associado e indispensável para todas elas, mas ind e pendente de qualquer interesse particular. 130 C om u n icação e S o c ied a d e Não existe aqui qualquer conspiração, mas um a poderosa convergência de com prom issos. O ponto crucial é que a m entalidade adm inistrativa que carac terizava Lazarsfeld e Stanton estava em harm onia com o interesse corporativo da C BS e com o programa prático da Fundação R ockefeller e com o m odelo positivista em expansão das ciên cias sociais am ericanas. Quando ocorria al gum a fricção, com o com Adorno, Lazarsfeld estava disposto a sacrificar o su posto lado crítico do seu pensam ento. Para entender a orientação de Paul Lazarsfeld, a força e o a lcance da teoria e do m étodo de Personal Influence, não é tão im portante conhecer a identidade exacta da assinatura de cada cheque de pagam ento (em bora e isso tam bém seja im portante), mas sim com preender a unidade tem ática do ponto de vista adm inistrativo, qualquer que fosse a institu ição em que surgisse. Com todas as pressões a seu favor, com tanta u tili dade para tantos interesses coordenados, certam ente algum cheque assinado, m ais cedo ou m ais tarde, acabaria por aparecer. O ponto de vista adm inistrati vo e os seus m étodos de pesquisa procuraram patrocinadores, de modo talvez m ais sistem ático do que os patrocinadores procuraram as técn icas de pesqui sa. E desta form a que a ideologia, perspicaz e flexível, procura com frequência o apoio dos interesses que defende. Na sua fascinante - e fascinante tam bém porque incom pleta - m em ória biográfica, Lazarsfeld discorreu sobre algumas das dificuldades que enfrentou na negociação das persistentes divergências entre os interesses institucionais dos m eios de com u nicação de m assa e os requisitos m etodológicos de pesqui sa com p ortam entalista. E o que não disse d irectam ente, deixou im p lícito : «A pesquisa das com u nicações era, no m om ento», escreveu, «um novo em pre endim ento, e eu tom ei a palavra em seu favor perante audiências altam ente qualificadas, com o a National Association o f Broadcasters e a Association o f American Newspaper Editors. N essas ocasiões, enfrentei um problem a m uito d ifícil: a relação com a indústria». Continua: «Num destes discursos, m ais tar de publicado em The Journalism Quarterly (Lazarsfeld, 1941b), form ulei a ques tão da seguinte form a: “Nós, os cientistas sociais que estam os especialm ente interessados na pesquisa das com unicações, dependem os da indústria para a obtenção de m uitos dados. Na verdade, m uitos dos editores e operadores de radiodifusão têm sido bastante generosos e cooperantes nos últim os tem pos, em que a pesquisa das comunicações se desenvolveu como uma espécie de empresa conjunta de indústrias e universidades. Mas nós, os acadêm icos, te m os sem pre a sensação de andar na corda bam ba: quando é que os parceiros com erciais irão encontrar algum resultado útil, que é sem pre tão d ifícil de conseguir, e quando é que nos irão afastar das indispensáveis fontes de fin an ciam entos e de dados?”» (Lazarsfeld, 1969 : 314 -315 )26. E interessante que, neste discurso, Lazarsfeld não se tenha preocupado com a sua relação com as universidades; a sua audiência com ercial deveria ser esclarecid a de que a corda bam ba tinha m ais que um lado. M as, de qualquer form a, Lazarsfeld continuou: «Finalm ente pensei num a form a de com prom is so. Num discurso sobre “O Papel do C riticism o na Gestão dos M eios de Com u nicação de M assa”, com ecei por dizer que os m eios de com u nicação de m assa eram dem asiado sensíveis à críticados in telectu ais, enquanto estes eram de C om u n icação e S o c ied ad e 131 m asiado intransigentes nas suas acusações; deveria existir uma forma de tor nar a crítica mais útil e aplicável para os que a exercem e para os que a rece bem» (Ibid.: 3 1 5 )27. E prosseguiu no seu discurso propondo que as escolas de jornalism o trei nassem os alunos na crítica - presum ivelm ente um a crítica «útil», «aplicável», e não do modo desregulado, contextual, estrutural e radical de Adorno. Trata-se, de facto, de um assunto delicado. Que tipo de «independência» se estabelece nos in terstícios de universidades, fundações, em presas de com u ni cação social e o Estado? O «hom em da instituição» pode negociar as diferenças entre estas várias instâncias, contribuir para a sua interpretação mútua, salientar e consolidar o interesse com um sob a forma de sím bolos ideológicos partilha dos. À m edida que «cam inha na corda bam ba», salvaguarda a estabilidade e as dependências m útuas, frequentem ente tão difíceis, da «em presa conjunta». Como um árbitro e interm ediário, o sociólogo-adm inistrador-perito evita tor nar-se devedor de qualquer interesse particular: m as, na verdade, trata-se de um a «independência» lim itada. Num período de reaproxim ação entre os sec tores político, econôm ico e cultural, nesta visão social de convergência de um capitalism o oligopolista racionalizado, Lazarsfeld iria procurar um dom ínio o m ais alargado possível para as relações institucionais am istosas. Ele teria al gum interesse, o que não surpreende, no sector do Estado que coordenava e regulava as operações corporativas. E foi assim que, im ediatam ente após ter term inado a apresentação do seu discurso para a elite dos m eios de com u nica ção, sem um sinal de conclusão ou transição, ou qualquer ju stificação gram a tical sobre o facto, continuou da seguinte forma: «Em todo o trabalho do Princeton Office tentei responder às controvérsias públicas, m as considerei em geral que o nosso departamento servia uma função mediadora. Assim , por exem plo, ser víam os com o um canal para o projecto do presidente progressista da Federal Communications Commission, C lifford Durr. E le tinha incum bido C harles Siepm ann de desenvolver ideias sobre com o a FCC poderia m elhorar o seu trabalho para conseguir m elhores padrões de radiodifusão. Esta m issão resul tou em dois docum entos: o “livro azul” da FCC, que prom ulgou critérios de licenciam ento m ais exigentes, e o trabalho Radio: Second Chance, de Siepm ann. A am bas as p u blicações, a indústria reagiu com violento antagonism o e eu convenci Joh n M arshall da Fundação Rockefeller a d isponibilizar um orça m ento esp ecial para que eu pudesse organizar um a conferência de dois dias, a fim de reunir a indústria, a FCC, e estudiosos proem inentes do cam po da pes quisa, para debater os assuntos» (Ibid.: 3 16)28. Como se pode constatar, isto não representa qualquer m udança de assunto. A m entalidade adm inistrativa é, em suma, um a m entalidade de negocia ção, que deseja estabelecer relações harm oniosas entre as institu ições de co m ando, dentro de um quadro ideológico com um e hegem ônico: neste caso, isto foi conseguido graças à legitim idade da indústria da cultura com ercial. Na academ ia traduz-se num a lógica «interdisciplinar», no governo em «interdepar- tam entalism o», no Pentágono é «interserviços», na econom ia é «gestão do tra balho». A m entalidade adm inistrativa está constantem ente a coordenar, mediar, estabilizar, harm onizar. No processo, gere a realidade exterior com o um con 132 C om u n icação e S oc ied ad e junto de dados, e prefere trabalhar no interior das institu ições principais e em parceria com as que têm a capacidade de fazer com que o m undo pare e se torne inform ação, ou de o im aginar dessa forma. O seu modus operandi é, acim a de tudo, o contacto e a conexão da «influência pessoal». A Orientação Comercial Um a m entalidade adm inistrativa é com patível com um a grande variedade de sociedades, desde as totalitárias às liberais; a cada um a destas corresponde um a orientação teórica das ciências sociais. Por si, a m entalidade adm inistra tiva não pode responder ao apelo de procura da «influência pessoal» ou à ênfa se pecu liar nos «efeitos» com portam entais ou relativos às atitudes, concebidos de form a restrita, da investigação social. Estam os m ais próxim os de com pre ender a sociologia am ericana dos m eios de com unicação social quando obser vam os a variante particular do pensam ento adm inistrativo que Paul Lazarsfeld trouxe para a academ ia deste país: a orientação com ercial. Só através da pro cura da história relevante - em particular, a história dos m eios de com u nica ção de m assa nos Estados U nidos - podem os com eçar a com p reend er o significado do trabalho de Lazarsfeld. Pois é um a oeuvre inim aginável à m ar gem da em ergência da prática e da teoria da sociedade de consum o de m assa do século XX. Não é segredo que a pesquisa das com unicações de m assa descende direc tam ente do desenvolvim ento de sofisticadas técnicas com ercia is. A teoria dos «efeitos» foi desenvolvida, em prim eiro lugar, para utilização explícita e d irec ta dos operadores de radiodifusão e publicitários, e continua a ser utilizada p rincipalm ente nestes círcu los, tendo-se tornado, nesse âm bito, m ais sofisti cada. De um a form a sintética adm irável, Robert K. M erton resum iu a lin h a de descendência lógica e h istórica: «Como Lazarsfeld e outros salientaram , a pes quisa das com u nicações de m assa desenvolveu-se largam ente em resposta às exigências com erciais. A com petição severa pela publicidade entre os diver sos m eios de com u nicação de m assa e entre as agências no interior da cada m eio provocou um a procura econôm ica de caracterização objectiva das au d iências (de jornais, revistas, rádio e televisão), em term os de tam anho, com posição e respostas. E na sua com petição pela m aior parcela possível de receitas p u blicitárias, cada m eio de m assa e cada agência fica m ais atenta a possíveis im perfeições nas m edidas de com paração das audiências utilizadas pelos con correntes, introduzindo assim um a pressão considerável para se desenvolve rem aferições rigorosas e objectivas, dificilm ente vulneráveis à crítica» (Merton, 1968 : 5 0 4 -5 0 5 )29. Quando Paul Lazarsfeld chegou aos Estados Unidos, o marketing e a pu bli cidade estavam a com eçar a conquistar o seu lugar próprio. Ao longo dos anos 20, com o Stuart Ew en evidenciou (1976) os oligopólios estavam a preparar a publicidade e as técn icas de vendas para a sociedade de consum o, que iria em ergir a partir de 1945 com grande pujança. Os m ercados de consum o de m assa estavam já a despontar; a publicidade estava a transpor a linha estreita C om u n icação e S o c ied a d e 133 m as notável que separa o sim ples fornecim ento de inform ação, dirigida à pro cura tradicional e já constituída, da glorificação dos bens de consum o e da produção da procura, e m ais im portante, da produção do próprio consum idor. (O M odelo T, totalm ente preto, m odelo único, sem opções, foi substitu ído por um a com plexa variedade de autom óveis, de preços cada vez m ais elevados, a partir dos anos 30) (Rothschild, 1973 : 37-40). As m arcas nacionais m u ltip lica v am -se e co n q u istav am p arce las cad a vez m ais largas dos m ercad os e, ind issociavelm ente, as corporações recorriam às cam panhas publicitárias a n ível nacional. Precisavam de um a «ciência» com ercial que lhes ensinasse o que dizer, com que frequência, através de que canais, a quem . Os m ercados reais contraíram -se durante a Depressão, mas a infra-estrutura técn ica de um a sociedade de consum o m adura estava a desenvolver-sesolidam ente sob a su perfície, aguardando a explosão da procura consum ista de 1945. A radiodifusão foi, de alguma forma, a força liderante da nova, em bora no m om ento protelada, sociedade de consum o, e os anos 30, época da fixação de Paul Lazarsfeld nos Estados Unidos, foram um m om ento essencial, não só para as ciên cias sociais am ericanas, com o para a história da radiodifusão neste país. A pesar da D epressão, ou em parte devido a ela (com a grande necessidade de entretenim ento barato), o m ercado de m assa na radiodifusão estava a formar- -se: era um dos poucos m ercados de m assa que poderia penetrar na população em pobrecida. A televisão não estava, ainda, nesse estádio, e o m ercado de receptores de rádio estava à beira da saturação. Os núm eros são sugestivos. Em 1925, existiam 4 000 000 de aparelhos nos Estados U nidos, ou 0 .15 por habitação; em 1930, 13 000 000 de aparelhos, ou 0.43 por habitação; em 1935, 30 500 000 aparelhos, ou 0 .96 por habitação; em 1940, 51 000 000 de apare lhos, ou 1.45 por habitação (DeFleur, 1970: 66). De acordo com estes dados, com o refere M erton, a com petição estava ao rubro. A partir daqui, iria tornar- -se im portante para as estações, e tam bém para as redes de radiodifusão, au m entar as suas quotas entre a audiência existente, e obter os seus lucros atra vés da venda de tem po publicitário, m ais do que com a produção de aparelhos receptores de rádio. (Quando David Sarnoff prim eiro im aginou a possibilida de da indústria radiodifusora de m assa, em 1915, previu vendas enorm es de «Radio Music Boxes», mas nem sonhava com a publicidade com ercial nas on das hertzianas) (Barnouw, 1966: 78-79). A NBC foi organizada no final de 1926, e a C BS tornou-se um a séria am eaça na concorrência em 1928 , com a ascensão de W illiam S. Paley à presidência. A com petição entre as rádios C BS e NBC in tensificou -se ao longo dos anos 30 (Ibid.\ 224, 272-273). Em 1940, a Federal Communications Commission determ inou que a NBC renunciasse a um a das suas duas redes radiofônicas, e, em 1943, a NBC consum ou a venda à recen te m ente form ada American Broadcasting Company (Barnouw, 1968: 170-171 , 190). Com a saturação do m ercado de aparelhos de rádio, e com o cada vez m aior crescim ento das redes de radiodifusão e da com petição pela pu blicida de, os desenvolvim entos corporativos com eçaram a exigir um a pesquisa de audiências precisa em grande escala. A C BS contratou Frank S tan ton - que estava para ser colaborad or de Lazarsfeld - da U niversidade de Ohio, em 1935, para garantir o rigor necessá 134 C om u n icação e S o c ied ad e rio ao seu novo aparato de pesquisa30. Daí em diante, a pesquisa de audiências (na área da comercialização de bens de consum o) tornou-se tão im portante quanto a pesquisa fundam ental (na área da produção de bens de consum o)31. Para poder aum entar o preço do tem po publicitário, as redes de radiodifusão iriam ter de desenvolver um conhecim ento fiável sobre a dim ensão e a com po sição («os aspectos demográficos») das audiências. O tipo de pesquisa que Stanton e Lazarsfeld estavam preparados e desejosos para realizar iria ser cada vez m ais requisitada ao longo dos anos - pelos grandes com erciantes, pelas redes de radiodifusão, pelos publicitários, pelos conglom erados que iam alar gando o seu controlo sobre os m eios de com unicações de m assa e, finalm ente, pelo m undo acadêm ico32. O Princeton Office o f Radio Research foi a prim eira institu ição de pesquisa sobre rádio na A m érica - um sintom a da nova im por tân cia deste m eio na vida cultural da sociedade e no pensam ento dos seus adm inistradores econôm icos e políticos. O anúncio estereotipado, «Amos ‘n’ Andy», o Fireside Chat e o Office o f Radio Research eram rebentos da m esm a planta. A rádio tinha chegado. Não era só necessária, m as legítim a. Não deve, pois, surpreender que, num dos «encaixes estratég icos» de Lazarsfeld, um a exigência esp ecífica de m ercado e um interesse acadêm ico se pudessem fundir, no in ício dos anos 40, para proporcionar o suporte do estu do de Decatur. Quando a prim eira edição de The People’s Choice surgiu em 1944, com a prim eira alusão às ideias de «fluxo de com u nicação em dois n í veis» e «líder de opinião», as Macfadden Publications interessaram -se pela teo ria dos líderes de opinião, desejando que a teoria do «fluxo de com unicação em dois níveis» pudesse ajudar a m elhorar a difusão, e consequentem ente as taxas publicitárias, da sua revista True Story (Katz e Lazarsfeld, 1955 : 3; Gillam , 1972: 300). Bernarr M acfadden, o fundador, publicava Physical Culture, Liberty, Graphic, True Story, True Confessions e True Detective Mysteries, e há m uito tem po que estava interessado em aum entar a sua difusão através das técnicas de radiodifusão. Em 1925 tornara-se o prim eiro patrocinador com ercial da es tação de rádio W OR em Newark, ao passar publicidade num programa m atinal de ginástica (Barnouw, 1966: 167-168). Em 1927 esteve perto de com prar a rede que viria a tornar-se a C BS, sob a direcção de Paley (Ibid.: 220). Agora, a sua com panhia estava ansiosa por u tilizar as técnicas de pesquisa de radiodi fusão para saber se os leitores da classe trabalhadora iriam chegar a True Story «horizontalm ente», pela passagem da palavra dos «líderes de opinião» da clas se trabalhadora, em vez de «verticalm ente», a partir dos leitores de classes m ais elevadas. Pela sua parte, Lazarsfeld há m uito que pretendia prosseguir o estudo de 1940, de Erie County, Ohio (redigido em The People’s Choice), de form a a dar continuidade à hipótese do fluxo de com unicação em dois níveis. Conseguiu o financiam ento da M acfadden, e o estudo de D ecatur estava pron to a avançar. Parece razoável supor que o patrocínio da M acfadden para o estudo influen ciou directam ente tanto a selecção dos inquiridos quanto as questões co loca das. Parece não existir qualquer outra explicação plausível para a lim itação do estudo ao sexo fem inino: as m ulheres eram, afinal, as leitoras de True Story. E parece tam bém m uito provável que o patrocínio da M acfadden tenha deter C om u n icação e S o c ied ad e 135 m inado a esco lh a das áreas tem áticas da aquisição de bens de consum o, moda e cinem a; a inform ação sobre o processo pelo qual os bens de consum o, a moda e o cinem a eram escolhidos pelas potenciais leitoras de True Story seriam úteis para os pu blicitários da M acfadden. (Presum ivelm ente, as questões so bre as atitudes políticas terão sido acrescentadas ao estudo por Lazarsfeld.) A ssim , o carácter ideológico pouco subtil e m esm o algo grosseiro de grande parte de Personal Influence (pois esforçava-se por considerar as atitudes p olíti cas com ensuráveis com as preferências quanto a café instantâneo) pode ser atribuído directam ente ao patrocínio concedido pela M acfadden, em bora exista tam bém , com o irem os ver m ais à frente (pp. 141-143), um significado m ais profundo para este questionário sim étrico: a convergência efectiva entre as preferências políticas e as preferências em term os de consum o, tanto enquan to facto social com o ao nível teórico. De novo, seria sim plista e enganador reduzir esta convergência à influência em particular da M acfadden. Muito antes de ter ouvido falar de Bernarr M acfadden, tam bém com o jovem socialista, Lazarsfeld tinha defendido a «equivalência m etodológica entre o voto socia lis ta e a aquisição de sabão» (Lazarsfeld, 1969: 279), e estava inclinado, em ter m os teóricos, com o irem os ver m ais à frente, a considerar as escolhas políticas e de consum o com o com ensuráveis em term os estruturalm ente sim ilares. O facto de Personal Influence e os estudos subsequentes estarem in flu en cia dos pelosvalores da sociedade de consum o - com as escolhas de consum o consideradas com o o ne plus ultra da liberdade - não pode ser atribuído à M acfadden. M as seria ingênuo afirm ar que o patrocínio deste estudo nada teve a ver com o seu m odelo teórico, e tam bém com as suas falhas. Q uer tenha sido su bscrita pela M acfadden ou pela M cC ann-Erikson, pela U niversidade de Colum bia ou pelo Columbia Broadcasting System, a orienta ção com ercial considera o quadro consum ista com o certo, as questões co loca das surgem nesse âm bito, sobre «como» se processam os fenôm enos nesse enquadram ento, deixando de lado, sistem aticam ente, outras questões. A orien tação com ercial está interessada em questionar com o os m eios de com u nica ção de m assa podem aum entar o seu alcance, e com o a vida social quotidiana levanta obstáculos à extensão do poder dos m eios de com unicação. Não está interessada de modo nenhum em saber se a extensão dos m eios de com u nica ção de m assa é um bem social, e em que circunstâncias. Não está interessada nas conseqü ências estruturais e culturais dos diferentes m odelos de proprie dade dos m eios de com unicação. Não está interessada na construção de um a visão global das técn icas dos m eios de com unicação, nem nos precursores históricos destes m esm os m eios (à excepção apenas dos casos polêm icos). E não avalia com o problem ática a própria cultura de consum o. A orientação com ercial não concebe um discurso político vivido que pode ser afectado, para m elhor ou para pior, pelas representações da política produzidas pelos m eios de com u nicação. Q uestões deste tipo não são «práticas» para as institu ições que definem o que é prático, e assim , com o M erton conclu iu , «as categorias de pesquisa [das com u nicações de m assa] têm sido moldadas, até há pouco tem po, não tanto pelas necessidades da teoria social ou da psicologia, mas pelas necessidades práticas dos grupos e agências que criaram a procura da pesqui 136 C om u n icação e S o c ied ad e sa de audiências. Sob pressão directa do m ercado e das necessidades m ilita res, técn icas de pesquisa precisas são desenvolvidas, com portando desde o in ício as m arcas da sua origem ; fortem ente condicionadas pelos usos práticos a que desde o princíp io são subm etidas» (Merton, 1968: 505-506). M as, então, qual a alternativa para a pesquisa dos m eios de com u nicação socia l? Será a cr ítica algo necessariam ente abstracto, um desejo retrosp ec tivo em nom e de um ideal inconcretizável, p latônico , da pesquisa social? A cr ítica enfrenta sem pre esta questão, quando é incapaz de apontar um a alternativa efectiva, e quando os principais in terven ientes preferem um a de term inada via em detrim ento de outras. N este caso, no entanto , um a a ltern a tiva con cep tu al fo i de facto avançada. A sua sorte e os seus lim ites dizem -nos algo sobre a força da orientação com ercial. Como um a esp écie de luz lateral na h istória recen te da pesquisa social, lan ça sobre a m esm a um a som bra distin ta. Como Katz e Lazarsfeld referem nos seus Agradecim entos, o cam po de pes quisa em Decatur, Illinois, foi organizado, nada m ais, nada m enos, que por C. W right M ills, então ligado ao Bureau o f Applied Social Research da U niver sidade de Colum bia. F icarem os a saber m ais sobre o modo com o M ills encetou um a ruptura rad ical com a ortodoxia m etodológica, quando o historiador R ichard G illam publicar a biografia que tem em preparação sobre este autor; por agora, será su ficien te referir que foi o jovem e am bicioso M ills quem se deslocou para D ecatur para coordenar as duas vagas de entrevistas, em Junho e Agosto de 1945. Em m eados de 1946, M ills tinha delineado, para debate, um a análise dos dados. Neste longo docum ento inédito, de acordo com Richard G illam , que procedeu ao seu estudo nos arquivos da U niversidade de Texas, M ills escreveu «não só acerca da “in flu ência” e da “opinião”, m as tam bém , de form a arro jad a , a ce rca da “id e o lo g ia ”... e re la c io n a -a com a estru tu ra in stitu cion al e de classes. M ills encontra algumas com provações da in flu ência horizontal, de acordo com a teoria do fluxo de com unicação em dois níveis, m as d iscute tam bém a im portância da in fluência vertical ou “piram idal”, es pecialm ente no dom ínio da política». M ills especulou quanto à posição dos Estados U nidos, a m eio cam inho entre os m odelos extrem os de um a «pura sociedade dem ocrática» e um a «sociedade autoritária de m assa» (Gillam, 1972: 302-303). Segundo Gillam , este docum ento de M ills é, de facto, não só um docum ento vago, mas tam bém profundam ente m arcado por um a divisão de fidelidades; M ills estava mergulhado nos particularism os da análise positivista, ao m esm o tem po que pretendia continuar a dem onstrar algum a devoção a um a esp écie de radicalism o populista33. Mas a sua proposta para o tratam ento dos dados do estudo de D ecatur estabelecia um enquadram ento m uito d ife rente. Propôs um a releitura dos dados sociom étricos sobre as atitudes p o líti cas com o ob jectivo de inferir a estrutura do processo de decisão neste cam po; e propôs a constitu ição de um a teoria da com unicação política com o base para um a teoria da ideologia social am ericana. Como M ills cuidadosam ente expri m iu no artigo que apresentou ao encontro da American Association for the Advancement o f Science, em 29 de D ezem bro de 1946, em Boston, a «cadeia de liderança p olítica é definitivam ente um processo vertical»34. C om u n icação e S o c ied ad e 137 Lazarsfeld, apesar de não ter desafiado o trabalho de M ills, quanto à reco lha e apresentação de dados, ficou obviam ente preocupado com o a lcance e o tom populista da sua retórica, no «tratam ento e interpretação da inform ação já reunida»; e, consequentem ente, decidiu retirar a M ills a análise dos dados de D ecatur (Gillam , 1972 : 304). Mas estranham ente, em 1950, M ills ainda a li m entava esperanças de ser incluído com o co-autor do estudo de D ecatur [Ibid.: 307n). N esse m esm o ano escreveu um artigo em que apoiava a perspectiva de Lazarsfeld (M ills, 1963 : 577-598). N esse trabalho, publicado num a edição do D epartam ento de Estado dirigida a um a audiência russa, defendeu, com vee m ência, a perspectiva pluralista que viria depois a repudiar, frontalm ente, em The Power Elite, publicado em 1956. Mas a alternativa apresentada por M ills em 1946 não com preendia ainda, ou fingia não ter com preendido, que a A m érica do pós-guerra estava já a des locar-se na direcção de um a nova form a de capitalism o corporativista de alta tecnologia, com um a cultura política baseada no consum o, em que o consenso do bipartidarism o iria prevalecer e a oposição de classes seria destroçada e desviada, para - durante algum tem po - se extinguir. Talvez o fracasso de M ills se tenha ficado a dever à sua filiação no Bureau o f Applied Social Research de Lazarsfeld, ou às suas ilusões hesitantes com o m ovim ento dos trabalhadores am ericano; talvez tenham existido tam bém outras razões. De qualquer forma, a em ergência da sociedade de alto consum o não tinha ainda sido com preendi da com o nova condição - o que só viria a acontecer com M ills em The Power Elite. O que é um a outra form a de dizer que, só com raras excepções nas m ar gens da sociologia am ericana35, a orientação com ercial de Lazarsfeld era, no m om ento, incontestada e hegem ônica. O m om ento acabou por se prolongar a um a era da sociologia; a orientação e os paradigm as correspondentes estabele ceram -se então com o opinião sociológica comum. U m a alternativa m ais radical, em term os teóricos e práticos, poderia ter com eçado, e prosseguido, destacando os benefíciosde produtividade que o capital podia obter com a organização «científica» do trabalho, benefícios que tornaram possível, em prim eiro lugar, um a sociedade de consum o. Esta abor dagem perm itiria dar conta e analisar qualquer cultura política relativam ente autônom a, detectada sob a superfície gélida da cultura de consum o. Poderia abordar a cultura de consum o com o um a deslocação no sentido da esfera pri vada e individual, dos im pulsos no sentido da liberdade e da felicidade in atin gíveis na vida quotidiana, com o condição e com o conseqüência do fracasso de um a p olítica rad ical alternativa capaz de se dirigir à infelicidade predom inan te36. Um contra-paradigm a poderia escrutinar a «indústria da cultura» com o forma de controlo social e com o um a revolta falhada, confusa e privatista contra as condições de exploração do trabalho e da fam ília no m undo do capitalism o organizado. Em piricam ente, poderia então prestar atenção à degenerescência da vida p olítica autêntica, vibrante, no século XX, e ao destino dos contra- -m ovim entos; poderia dar conta da m u ltip licação dos m eios de m anipulação do consentim ento público, especialm ente no que se refere às políticas da Guerra Fria. Poderia estudar os processos de decisão dos produtores de bens de con su mo, dos seus anunciantes e dos produtores de telenovelas, bem com o os dos 138 C om u n icação e S o c ied ad e seus consum idores. Poderia observar quer as origens dos tem as políticos, quer as origens das «atitudes políticas». Poderia atentar nas conseqüências da radio difusão, não apenas no que concerne os indivíduos mas tam bém as form ações colectivas com o os m ovim entos socia is37. Ao nível da teoria, poderia apreender a com patibilidade entre estruturas elitistas e procedim entos pluralistas num a «totalidade» de dom inação. Com um a m etodologia com plexa, inclu indo histórias de vida e observação p artic i pante, poderia indagar o grau de convergência real, na vida dos cidadãos, en tre escolhas de consum o e conhecim ento político, entre o voto e a aquisição de bens de consum o, e indagar as origens de tal convergência, em vez de a tomar com o certa, em term os m etodológicos. Partindo de um sentido de estrutura política, a sociologia dos m eios de com unicação poderia contribu ir para aqui lo que Dave M orley designou «etnografia das audiências» (1974), m ostrando com o diferentes classes, etnias, idades ou outras audiências «descodificam » (ignoram, assim ilam ) d istintam ente os padrões das m ensagens dos m eios de com u nicação ao longo do tempo. (Assim, alguns dos resultados esp ecíficos de Lazarsfeld poderiam ser integrados num a análise social m ais am pla.) Por ou tras palavras, tal alternativa poderia contribuir para revelar um processo dos m eios de com u nicação dinâm ico mas decidido, em articulação com a totalida de da cultura política. Talvez M ills tivesse em m ente, em bora de form a enviesada, algumas destas in tenções, em 1946. De qualquer forma, as m esm as continuaram por realizar. M uitas continuam ainda hoje por concretizar, e era para serem concretizadas. No entanto, o que se verificou foi que a orientação com ercial se tornou a pró pria sociologia dos m eios de com unicação. O Campo Ideológico: Social Democracia Os teóricos não vivem só da teoria. E o em piricism o abstracto não é excep- ção. Tal com o os factos não se sustentam a si próprios, tam bém os teóricos do em piricism o abstracto não são m otivados por puro prazer de acum ular eterna m ente pequenos factos, ou pela vantagem decorrente de os possuir e poder trocar. O em pirism o abstracto não é só fundado concretam ente na cultura po lítica e com ercial prevalecente, é tam bém , em grande parte, justificado por um a posição ideológica. Tal posição pode ser m ais ou m enos consciente, m ais ou m enos pública. E geralm ente considerado de mau gosto declarar que a ideo logia é algo de relevante neste cenário, a não ser que seja radical; a falácia genética é aduzida com o um bilhete grátis para o dom ínio suave, desinteressa do e im perial da ciência , onde todas as ideias nascem iguais e com as m esm as oportunidades para provar o seu m érito, através dos bons trabalhos (em píricos). Na prática, a falácia genética é m enos com um do que a falácia da concepção im aculada. Já afirm ei, anteriorm ente, que a social dem ocracia era o enquadram ento ideológico que delim itava e servia para ju stificar a totalidade do paradigma dom inante da sociologia dos m eios de com unicação social. Pretendo aqui abrir C om u n icação e S o c ied ad e 139 um certo espaço para esta «hipótese ultrajante», desejando que algumas das afirm ações que se seguem possam ser tidas em consideração pelos acadêm icos de tem peram ento crítico e espírito aberto, tanto quanto largueza de vistas e um a infinita p aciência . O m eu exercício versa dois tipos de ligação da social dem ocracia com o trabalho de Paul Lazarsfeld: biográfica e teórica. A avalia ção da prim eira irá conduzir na direcção da segunda, a interligação da ideolo gia social dem ocrata com a teoria da sociedade de grande consum o, onde alguns aspectos biográficos serão significativos. Os factos biográficos que relacionam Paul Lazarsfeld e a social dem ocracia austro-m arxista são perfeitam ente claros38. Na sua própria m em ória biográfi ca, Lazarsfeld, de modo inquietante - e auto-inquietante - identificou as liga ções que são, no m ínim o, m etodológicas. M ais ainda, na sua própria opinião, a social dem ocracia fazia parte do am biente ideológico que deu origem, por vezes indirectam ente, aos seus interesses. Lazarsfeld não desenvolveu as suas teorias na V iena pós-Habsburgo, nem foi lá que chegou às suas conclu sões, mas definiu aí a grande problem ática que viria a desenvolver ao longo da vida e as raízes da abordagem da mesma. Os factos exigem um breve com entário histó rico - suficiente, espero, para sublinhar um contexto e um estado de espírito. Na sua juventude, Lazarsfeld foi líder da A ssociação dos Estudantes So cia listas do Ensino Secundário da Á ustria (Buttinger, 1953: 83). Em 1916 encon- trav a-se , por razõ es d e sco n h e cid a s , «a v iver sob a cu stó d ia de R u d o lf Hilferding», um dos grandes teóricos do m arxism o austríaco (Lazarsfeld, 1969: 285n). Segundo Lazarsfeld, terá sido o líder social dem ocrata Otto Bauer que lhe deu a ideia de estudar o desemprego, o objecto da sua prim eira grande pesquisa social (Ibid.: 275n). Considerou que o interesse geral na academ ia v ienense pelo estudo dos processos de decisão se tinha ficado a dever à ênfase do m arxism o austríaco sobre as estratégias eleitorais, e relacionou este «clim a político» com os seus próprios interesses acadêm icos [Ibid.: 279). Enquanto preparava a sua prim eira pesquisa (sobre as preferências ocupacionaís da ju ventude austríaca), Lazarsfeld teve de ultrapassar algumas dificuldades de análise, em colaboração com um a estudante, cu jo nom e se desconhece, que possuía já algum conhecim ento das prim eiras técn icas de pesquisa de m erca do am ericanas. Ela tornou-se a sua «principal colaboradora» no trabalho de cam po do estudo, m ais am bicioso, sobre o desemprego na aldeia de M arienthal e a inspiradora das pesquisa de m ercado que Lazarsfeld realizou em V iena. Ao escrever sobre esta colaboração feliz, Lazarsfeld salientou, com o já tivém os ocasião de referir, a «equivalência m etodológica entre o voto socialista e a com pra de sabão» [Ibidem). Presumo que com esta im passível declaração, Lazarsfeld pretendia neutralizar a retórica dos seus críticos, precisam ente entregando-se a ela para m ostrar com o era inofensiva. Sim , claro, parecia estar a dizer que são equivalentes, metodologicamente equivalentes; não afirm o m uitomais, em bora esta seja já um a afirm ação de peso; e então? Pacata e ironicam ente, Lazarsfeld desarm ava o tipo de crítica que avança apenas para encontrar o seu território já ocupado. Um a franqueza mordaz. M as outros tipos de com entários m ordazes recaíram sobre a So cia l D em o cracia austríaca, e nem sem pre de form a tão suave. Leon Trotsky, que viveu 140 C om u n icação e S o c ied a d e sete anos em Viena, antes da Guerra, observou os proem inentes m arxistas aus tríacos e encontrou, na sua m arginalidade política, algo de arrogante: «Na ve lha Viena im perial, vã e fútil, os acadêm icos m arxistas referiam -se uns aos outros, com um a espécie de deleite sensual, com o “Herr Doktor”» (Trotsky, 1970 : 209). Trotsky referiu que os m arxistas austríacos eram incapazes de falar à-von- tade com trabalhadores social dem ocratas: eles eram instruídos, m as provincia nos, filisteus, chauvinistas. «Estas pessoas orgulhavam -se de serem realistas e de estarem relacionadas com o m undo dos negócios», escreveu Trotsky sobre eles desdenhosam ente; m as, apesar da sua am bição, eles eram possuídos por um a «atitude rid ícu la de m andarins» [Ibid.: 210, 212 )39. Que um a perspectiva adm inistrativa viesse a em ergir deste cadinho, com o um a form a de m anter o estatuto de elite e um sentido de orgulho num a situação desfavorável, não deveria ser surpreendente. O que Trotsky não apreciava, no entanto, eram al gumas das razões que estavam na raiz da marginalidade do m arxism o austríaco: socialm ente, o isolam ento da classe trabalhadora v ienense na Áustria-H ungria (e m ais tarde, Áustria) e o isolam ento dos judeus num a cultura anti-sem ita40; politicam ente, o fracasso da revolução de 1918 na A lem anha, associado ao isolam ento do m arxism o austríaco. Trotsky resum ia a posição do m arxism o austríaco anterior à Guerra com o de «auto-satisfação». No final da Prim eira Guerra M undial, no entanto, Paul Lazarsfeld, bastante activo no M ovim ento Estudantil Socialista , não dem ons trava auto-satisfação, m as aquilo que se segue ao seu falhanço: um a atitude defensiva. A ideologia social dem ocrata, que «acabou por ser decisiva» para a vida in telectu al de Lazarsfeld, encontrava-se «na defensiva, antes da onda de nacionalism o crescente» (Lazarsfeld, 1969: 272). E com o colapso da Segunda In ternacional em 1914, e o sucesso do Leninism o na Rússia em 1917, a social dem ocracia tinha, agora, um a Esquerda para com bater internacionalm ente, assim com o um a Direita nacionalista e vingativa. Em Viena, apesar do leninism o n u nca ter tido tanto significado com o na A lem anha, a social dem ocracia con siderou ainda necessário prestar hom enagem ao ideal revolucionário m arxista e diferenciar-se do leninism o; perm aneceu, então, duplam ente defensiva. No entanto, este m arxism o austríaco cercado era tam bém um a grande força in te lectual. M onopolizou a sociologia na U niversidade, e podia reivindicar só li das cred enciais no dom ínio da psicologia no m eio socialista antifreudiano de A lfred A dler41. O círcu lo de Adler era, de facto, o «grupo social de referência» de Lazarsfeld, e a ênfase de Adler na educação socialista para os trabalhadores in fluenciou -o de form a m arcante (Lazarsfeld, 1969: 272). Apesar de tudo isto, o prestígio in telectu al da social dem ocracia não ultrapassou a insegurança que Trotsky reconheceu tão astutam ente. Lazarsfeld resum iu esta questão da seguinte form a: «Estávam os interessados em saber porque é que a nossa pro paganda não tinha sucesso, e queríam os desenvolver estudos psicológicos para explicar esta situação. Recordo-m e de um a fórm ula que criei nessa altura: uma revolução com bativa necessita de m eios financeiros (M arx); um a revolução v itoriosa n ecessita de engenheiros (Rússia); um a revolução derrotada n ecessi ta da psicologia (Viena)» [Ibidem). C om u n icação e S o c ied ad e 141 E a q u i re s id e u m a lig a ç ã o , a p e n a s u m a d e la s , e n tre a id e o lo g ia socialdem ocrata austríaca e a ciên cia social positivista42. Mas enquanto a soci al dem ocracia estava a fracassar catastroficam ente na Europa, um capitalism o sem contestação na A m érica estava a necessitar dos seus engenheiros: esta foi tam bém um a revolução de um certo tipo, contra as relações sociais tradicio nais. O encontro entre engenheiros e psicólogos fazia nascer a nova sociologia da adm inistração e do marketing. M as é óbvio que a afinidade entre o voto socialista e a aquisição de sabão não é apenas m etodológica. E construída no interior da sociedade capitalista corporativa, tal com o nas form ulações teóricas m ais tardias de Lazarsfeld, e em toda a estrutura de pensam ento da pesquisa am ericana sobre a com u nica ção social. A ideologia dos m eios de com unicação tam bém é im plicitam ente social dem ocrata, e essa é um a razão, não referida, pela qual os socialistas são alternadam ente repelidos pela cultura de m assa, e defensivos em relação a ela. A orientação com ercial e pelo m enos um a im portante variante da social dem ocracia europeia partilham um a concepção com um de «povo», que é, à prim eira im pressão, paradoxal: é ao m esm o tem po soberano e passivo. De fac to, o cap italism o de alto consum o justifica-se a si próprio em term os de satis fação da m assa, e assum e que o m ercado é um a m edida real da expressão dem ocrática. O povo é, num a palavra, consum idores. Escolhe entre as possibi lidades d isponíveis, sejam m arcas de produtos, profissões ou partidos políti cos. Q uando o consum idor escolhe, confirm a a legitim idade dos fornecedores. A parentem ente, a orientação com ercial de Paul Lazarsfeld coincid iu com o seu interesse na legitim idade m ais am pla que pode ser encontrada num futuro socia l dem ocrático. Dito de outra form a, a social dem ocracia iria exigir um a orientação com ercial, enquanto procedim ento rigoroso para «dar às pessoas aquilo que elas querem ». Isto seria verdade para o actual m ercado de bens, e seria tam bém verdade para todos os dom ínios da liberdade, inclu indo a ques tão da esco lh a ocupacional, tem a sobre o qual Lazarsfeld realizou o seu p ri m eiro trabalho. A social dem ocracia iria exigir não só um a orientação com ercial m as tam bém um ponto de vista adm inistrativo, para que as escolhas pudessem ser preparadas a partir de cim a. Faz parte da responsabilidade do fornecedor cen tralizado, hierarquizado, saber o que os consum idores querem ; esta é a d ife rença, afinal, entre tirania e dem ocracia. Lazarsfeld referiu-se desta form a às « im plicações de um a sociedade planificada», no seu estudo de Jugend und Beruf: «M uitos jovens não definiram planos ocupacionais e, assim , não se im portam de ser orientados - de facto, é provável que gostem m esm o de ser orien tados - para um a escolha ocupacional; deveria, consequentem ente, ser fácil preencher as quotas ocupacionais estabelecidas com base num plano econ ô m ico central» (Lazarsfeld, 1969: 280). N esta lógica, quando as pessoas não sabem o que querem , «não se im por tam de ser orientadas - de facto, é provável que gostem m esm o de ser orienta das». A p rem issa é que, quando as pessoas não sabem , não se opõem à dom inação: esta é um a das prem issas ideológicas om nipresentes ao longo do século xx . C om eça por se assum ir que as pessoas poderiam ser ovelhas, e aca 142 C om u n icação e S oc ied ad e ba-se a trabalhar para a indústria da lã. Do Estado social dem ocrata h ipotético, que pretendia saber o que os jovens desejam fazer das suas vidas, à gigantesca rede de radiodifusão, que insiste estar a dar às pessoas o que elas querem , não vai um a grande d istância43. A ligação entre as duas ideias é especialm ente fácilpara um a ciên cia social patrocinada por fundações e corporações. O m es m o m odelo de pesquisa adequa-se a am bos os casos. M as no final dos anos 20, à época de Jugend und Beruf, o que provavelm en te não foi antecipado por Paul Lazarsfeld, nem pela teoria m arxista, foi que um a nova form a de sociedade capitalista viria a emergir, prom etendo oferecer - e, até certo ponto, oferecendo m esm o - um sim ulacro de prazer e de ócio, algo que todas as form as de ideologia socialista tinham prom etido: um a versão privatizada, com fronteiras de classes, m utilada, mas, de qualquer forma, uma versão. Os Estados U nidos eram, e ainda são, a principal pátria desta socieda de de consum o. «A cultura com ercial dos anos 20», com o refere Stuart Ewen, «encobriu-se com os ideais “socialdem ocratas”, e estava programada para a m anutenção do poder capitalista. A cultura com ercial esforçou-se para deixar a dom inação corporativa do processo produtivo in tacta e, ao m esm o tempo, continu ou a falar da procura de um a vida social m ais rica» (Ewen, 1 9 7 6 :1 9 7 ). A ssim , a transição de Paul Lazarsfeld para as ciên cias sociais am ericanas não foi tão d ifícil com o para outros refugiados, especialm ente os do Instituto de Frankfurt. O consum ism o am ericano era apenas a transposição do tem a essen cia l da social dem ocracia para um novo cam po. O invariável Leitmotif era a lim itação das alternativas face à grande quantidade fornecida pelas autorida des. N ovam ente Ew en: «Dentro da ideologia política do consum o, a dem ocra cia surgiu com o um a expressão natural da produção industrial am ericana - se não m esm o um subproduto do sistem a com ercial. A equação do consum o de bens com a liberdade p olítica tornaram tal configuração possível» [Ibid.: 89). Um teórico da actividade com ercial da época fala da «cidadania de massa», baseada no «processo da “descoberta de factos” - dando a conhecer a cada indi víduo a variedade de bens». Outro teórico pronunciou-se sobre o com ércio, como aquilo que determ ina «o que as pessoas consideram que vale a pena consumir». «No entanto, dentro de cada um a destas noções de dem ocracia política [pros segue Ewen], existia um a aceitação im plícita da centralização do processo político . A dem ocracia nunca foi tratada com o algo que flu ía dos desejos e necessidades das pessoas, mas era antes um a expressão da aptidão das pessoas para participar e a lcançar o “pluralism o de valores” [a expressão pertence a M ax H orkheim er], que era exibido perante as pessoas e filtrado em sentido descendente, a partir dos directores de em presas» [Ibidem). E, à m edida que a soberania política efectiva decaía, a soberania do con su m idor crescia , de facto e na teoria. O Partido Socia lista am ericano de Eugene Debs, que tinha obtido cerca de 6% dos votos nas eleições presidenciais de 1912, afundou-se num sectarism o fútil, no final da década, e, na m esm a altura, um a com binação de repressão com alguma fraqueza interna liquidou o sind i cato dos Industrial Workers o f The World. O populism o já estava m orto. S im u l taneam ente, os Estados Unidos saíam da Prim eira Guerra M undial dom inando a econom ia m undial, particularm ente nas indústrias de consum o autom óvel e C om u n icação e S o c ied ad e 143 de bens electrónicos (rádio e cinem a)44. A m ultiplicação destes bens de consu mo espectaculares, juntam ente com o aparato publicitário que a tornou possí vel, fizeram aparecer o que M arcus Raskin cham ou a «colônia de sonho», uma nova orientação na direcção da liberdade (Raskin, 1971). De novo Ew en sugere, lucidam ente, o processo pelo qual a nova concepção se pôde desenvolver: «A cultura de consum o cresceu em resposta à crise [social, nos anos 20] e ao extraordinário crescim ento da capacidade produtiva, com a qual estava interli gada. A m edida que a produção se alterou e o carácter social do trabalho se tornou ainda m ais rotineiro e m onótono, a cultura de consum o surgiu com o o domínio em que era possível obter gratificação e excitação - uma alternativa às exigências mais radicais e anti-autoritárias... O objectivo era a consolidação de um novo “carácter nacional”, ligado às exigências do capitalismo em expansão... O desenvolvimento da publicidade e do consum ism o na década de 20 faz parte de um a m udança m ais alargada no carácter da sociedade capitalista. A propaganda com ercial não actuou como determinante da mudança, mas foi, de d iv ersas form as, tanto um re flex o com o um agen te da tra n sfo rm a çã o . A publicidade ergueu o estandarte da social democracia consumível num mundo onde o grande desenvolvimento corporativo estava a eclipsar e a redefinir o espa ço em que as alternativas críticas poderiam efectivam ente desenvolver-se...»45. Ao longo do século XX, utilizando estratégias que Ew en desm ontou esque- m aticam ente, o cap italism o iria esforçar-se por apresentar a soberania do con sum idor com o o equivalente da liberdade, na visão com um e na linguagem coloquial. («Se não gosta da televisão, desligue-a.» «Se não gosta de carros, não os conduza.» «Se não gosta de estar aqui, volte para a Rússia.» «Se não gosta de Crest, com pre Gleem .» «Se não gosta dos Republicanos, vote nos D em ocra tas.») O pressuposto de que a escolha eqüivale à liberdade torna-se a base da lógica racional, em todo o mundo das corporações globais, aquilo a que Richard Barnet e Ronald M üller cham aram a visão do «centro com ercial global» (Barnet e Müller, 1974). A ssim se desenvolve um a sociedade, em que o voto e a compra de sabão, a escolha de um film e e a opinião política se tornam mais que equiva lentes m etodológicos, em termos de objectos de estudo; tornam -se actos igual m ente m anipuláveis e marginais que m uito prometem, mas que apenas oferecem «bens» em balados em conservantes que não se podem saborear. Ao ignorar a natureza sistêm ica e institucionalizada destes processos, e ao fundir os seus im pulsos adm inistrativos, com erciais e social democratas, a sociologia am erica na dom inante dos m eios de com unicação cum priu a sua parte na consolidação e legitim ação do regime cornucópico capitalista de meados do século. O facto de o paradigma dom inante estar, agora, a mostrar-se vulnerável à crítica em dife rentes níveis é um indício do declínio da legitimidade capitalista, dos valores com erciais e da autoconfiança política dos dirigentes. Mas essa é outra história. Agradecimento Agradeço a disponibilidade para o diálogo e os conselhos, tanto su bstanti vos com o bibliográficos (embora não necessariam ente acatados), de Richard 144 C om u n icaçao e S oc ied ad e Gillam, David Horowitz, Leo Lowenthal, David M atza e Jam es M ulherin. A pren di esp ecialm ente com o criticism o interessado e a elaboração de um prim eiro esboço, de A rlie H ochschild , M ichael Paul Rogin, A lan Wolfe, M artin Jay e Tim Haight. A cim a de tudo, não poderia im aginar a tentativa de realizar este trabalho sem o encorajam ento e a orientação instigadora de W illiam Kornhauser. TODD GITLIN 1978, «Media Sociology: the Dominant Paradigm», Theory an d Society, n.° 6. N o t a s 1 Sobre alguns afastamentos recentes de teóricos americanos relativamente ao paradigma dominan te, ver os ensaios (Chaffee, ed., 1975); e, de forma mais básica (Gandy, 1976). Contra a ênfase lazarsfeldiana sobre a influência limitada e mediada dos meios de comunicação de massa, o interesse geral nas funções de agendamento (McCombs e Shaw, 1972: 176-187) é prometedor, mas ainda demasiado elementar e ahistórico; analiticamente, abstrai tanto os meios de comunicação como as audiências da sua matriz social e histórica. Em Inglaterra, a abordagem alternativa dos estudos culturais, influenciada pela teoria cultural marxista e por «leituras»