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Módulo 1

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FILOSOFIA DO DIREITO
Aula 1
A reflexão filosófica tem início na Grécia Clássica no exato instante em que o ser humano passa a observar criticamente o mundo. Isso significa afirmar que a Filosofia é uma atividade crítica em contínuo e perene processo de desenvolvimento, que investiga a vida e as coisas da vida a partir do exercício incansável de indagações e explicações sobre a realidade. 
Ao buscar compreender o que acontece à sua volta, o homem se depara com inúmeras indagações:
O que é o mundo?
Qual o sentido da existência humana?
Por que as coisas são deste ou daquele modo?
No aprofundamento de tais questões, surge a necessidade de refletir coerentemente a respeito do cosmos, a fim de obter respostas acima de tudo racionais. Assim, a Filosofia nasce da não aceitação de normas preestabelecidas e das desconfianças com relação a regras sociais.
No início das civilizações, as sociedades arcaicas concebiam a ordem geral do universo como algo decorrente de poderes transcendentais e sagrados baseado no poder dos deuses, de cuja vontade emanavam os fenômenos da natureza e a própria existência humana, numa concepção cosmogônica fundada nas três gerações dos deuses – Urano e Gaia; Cronos e Reia; Zeus e Hera. Essas narrativas mantinham vivas as tradições e eram aceitas sem questionamento ou crítica, pois derivavam, afinal, da vontade soberana das divindades. De acordo com Danilo Marcondes (1997, p. 20):
“Por ser parte de uma tradição cultural, o mito configura assim a própria visão de mundo dos indivíduos, a sua maneira mesmo de vivenciar esta realidade. Nesse sentido, o pensamento mítico pressupõe a adesão, a aceitação dos indivíduos, na medida em que constitui as formas de sua experiência real. O mito não se justifica, não se fundamenta, portanto, nem se presta ao questionamento, à crítica ou à correção. Não há discussão do mito porque ele constitui a própria visão de mundo dos indivíduos pertencentes a uma determinada sociedade, tendo, portanto, um caráter global que exclui outras perspectivas a partir das quais ele poderia ser discutido.”
Esse período arcaico, anterior ao pensar filosófico, corresponde à época dos aristoi (nobres), que ditavam as regras de conduta sociais e morais a serem obedecidas. Considerados descendentes ou protegidos das divindades, os aristoi detentores de um poder incontestável emanado da afinidade direta ou indireta com os habitantes do Olimpo eram os responsáveis, naquelas sociedades ainda ágrafas, pela perpetuação das tradições divulgadas oralmente pelos aedos ou rapsodos desde os primórdios.
Era em meio a esse clima de aceitação passiva que a comunidade convivia com seu grupo e com a própria natureza, acreditando incondicionalmente nos relatos míticos a respeito dos heróis e dos deuses. Assim, a fim de encontrar certa tranquilidade em sua relação com a natureza, os homens aceitavam a explicação dos fenômenos como ocorrências transcendentais, intangíveis, diretamente ordenadas por entidades como, por exemplo, Zeus, o todo-poderoso, que se manifestava pelo raio e pelo trovão.
Posteriormente, no entanto, as histórias míticas tornam-se insuficientes para descrever o universo e o ser humano, sendo então necessário o desenvolvimento de explicações lógicas e racionais, num estudo cosmológico, capaz de descrever e fundamentar de modo objetivo o princípio do cosmos. Ou seja, pode-se dizer que o pensar filosófico se manifesta quando as explicações míticas, relativas à cosmogonia, passam a ser insatisfatórias para a compreensão coerente do mundo e, consequentemente, será necessário recorrer à cosmologia.
Em sua origem etimológica, a palavra filosofia vem diretamente do grego e significa amizade ao saber: philos — philia, amigo — amizade; esophia — sophos, sabedoria — sábio. A Filosofia nasce no século VI a. C. e pode ser entendida, de modo amplo, como o despertar da consciência crítica do ser humano quando, em vez de aceitar passivamente conhecimentos arraigados e cristalizados, incentiva o questionamento racional sobre a realidade.
A originalidade dos gregos em contribuir para o despertar do pensamento racional está justamente vinculada à separação realizada entre razão e mito. Isso quer dizer que, diferentemente dos conhecimentos milenares de outras civilizações que mesclavam o desenvolvimento dos saberes com a ascese humana, os primeiros filósofos gregos optaram por desmembrar os dois modelos, priorizando a laicização do conhecimento.
Vale destacar, ainda, que pensar filosoficamente não é privilégio de especialistas, mas um esforço e uma possibilidade intrínsecos ao ser humano para melhor compreender o que acontece à sua volta: assim, no campo do conhecimento teórico ou da realidade prática — com todas as suas complexidades —, cada indivíduo pode observar e apreender seu espaço.
Para a Filosofia, existem duas etapas básicas do exercício do raciocínio:
	Pensamento pré-reflexivo
	Pensamento reflexivo
Existem também diferentes modos de conhecer a realidade que, invariavelmente, depende da relação estabelecida entre o sujeito e seu objeto de conhecimento. Portanto, é possível considerar que o ato de conhecer perpassa várias etapas do entendimento, começando do modo mais simples até o mais complexo.
Na fase do conhecimento vulgar, do senso comum ou conhecimento empírico, as opiniões sem reflexão predominam, pois o que vigora são as normas e presunções aceitas a priori. Esse modelo agrega também as crenças e superstições. Sobre esse tema, Paulo Nader (2017, p. 2) acrescenta:
“É um saber não reflexivo, que alcança exclusivamente a noção de um fenômeno isolado, sem mostrar a sua relação com outra série de fatos e fenômenos. No âmbito do Direito corresponde ao saber do rábula, que conhece apenas pela experiência, despercebendo a harmonia do sistema e dos princípios que lhe informam e dão consistência.”
Já o conhecimento científico é um saber mais elaborado, que busca descrever e comprovar os fenômenos objetivamente, a partir da observação minuciosa de sua matéria de pesquisa. A metodologia científica pauta-se pela organização inicial dos fatos para chegar à generalização satisfatória.
Por fim, o modo de conhecer pela Filosofia, que, como foi enfatizado, tem por base o conhecimento geral e mais amplo, como forma de investigar a realidade sem fazer nenhum recorte do tema a ser pesquisado, procurando entender e explicar os princípios e causas dos fenômeno.
Portanto, o questionamento filosófico busca desenvolver a capacidade de pensar criticamente as teorias estabelecidas e, também, os problemas cotidianos, a fim de desmascarar interesses espúrios, ocultos sob o manto de ideologias supostamente igualitárias, as quais, na verdade, não cessam de disseminar e estratificar conveniências e conivências nos poderes constituídos.
Aula 2
A fundamentação do pensamento filosófico depende essencialmente da organização dos argumentos apresentados. Para isso, é preciso que as ideias sejam organizadas de forma a produzir um discurso lógico e coerente, apreensível ao ouvinte, isto é, ao auditório. Tal fato confirma a importância dos estudos lógicos na construção discursiva das teses filosóficas.
Não é sem razão, portanto, que Aristóteles (384-322 a. C.) afirma que a Lógica deve ser considerada como a propedêutica da Filosofia, entendendo-se o conceito de propedêutica como um estudo introdutório e preliminar a todo tipo de conhecimento.
Por isso, as investigações lógicas são parte integrante e essencial para a Filosofia, quando a exposição de ideias não é antecipadamente garantida – como no caso das ciências exatas. Ou seja, no exame de uma tese, torna-se necessária a compreensão adequada dos conceitos e proposições ou juízos escolhidos, a fim de que o raciocínio elaborado siga uma linha de coerência lógica na exposição dos argumentos.
Tendo em vista a importância da ordenação correta dos argumentos na sustentação das teses apresentadas, acrescente-se que o próprio Aristóteles elaborou uma espécie de roteiro para uma investigação minuciosa, que possibilitasse a
formulação correta dos raciocínios a serem apresentados.
Neste roteiro — um tanto exaustivo, mas imprescindível para uma análise aprofundada —, convém destacar os dois principais tipos de raciocínio identificados pela lógica aristotélica como adequados à percepção da veracidade das ideias em estudo: o raciocínio indutivo e o raciocínio dedutivo.
Raciocínio indutivo
O raciocínio indutivo é aquele que, partindo da enumeração de casos particulares, pode concluir por uma ideia universal. Por exemplo: da observação de que vários tipos de aves têm penas (a coruja, a águia, o pardal, a andorinha etc.) conclui-se que todas as aves (universalmente) têm penas. Ou seja, depois de verificar e enumerar todos os casos particulares, será possível estabelecer um juízo geral sobre a observação inicial.
Na Lógica Clássica, o raciocínio indutivo deveria fazer a enumeração completa dos casos, para que a conclusão pudesse ser ‘’perfeita’’. Posteriormente, na Modernidade, os procedimentos indutivos passam a se tornar uma probabilidade — ligados, portanto, à estatística.
Raciocínio dedutivo
Já o raciocínio dedutivo, como o próprio nome indica, deduz uma conclusão particular ou singular que se baseou em uma proposição universal. Isto é, partindo do fato de que todos os homens são mortais, conclui-se necessariamente que Paulo é mortal. Esse tipo de raciocínio é mais preciso, pois de um todo verdadeiro foi retirada uma parte.
O exemplo que melhor ilustra o método dedutivo é o silogismo, pelo qual o raciocínio é elaborado a partir de uma construção lógica perfeita: de um juízo universal (premissa maior) pode-se inferir outro juízo que seja singular (premissa menor).
No entanto, não se pode deixar de considerar que, às vezes, tais modelos são construídos erroneamente, quer por ignorância, quer por má intenção. É o caso das falácias, que aparentam uma construção lógica, mas que são desmascaradas quando melhor se examina o discurso. A exposição de uma falácia decorre de falha na construção dos argumentos. Isso acontece quando o discurso argumentativo deixa de seguir uma lógica adequada na escolha dos termos utilizados.
Todo político é ladrão. / Pedro é político. / Logo, Pedro é ladrão. A falácia decorre de uma generalização, que necessariamente não corresponde à realidade, pois há políticos honestos.
Na formulação das proposições ou juízos, é possível verificar dois tipos que denotam situações diferentes e, por vezes, complexas: os juízos de realidade e os juízos de valor.
Juízos de realidade
Os juízos de realidade, ou juízos de fato, são aqueles que delimitam o seu plano de ação, pois descrevem e buscam a comprovação evidente de um determinado fato ou fenômeno, numa observação objetiva e quantitativa do que está em julgamento; isto é, os juízos de realidade vinculam-se, portanto, à metodologia científica, pois as pesquisas das ciências seguem sistematicamente todas as etapas previstas para chegar a uma generalização.
Juízos de valor
Os juízos de valor, ao contrário, não se limitam simplesmente à observação quantitativa dos dados em questão; vão além do fenômeno, para buscar interpretar qualitativamente o fato e melhor compreender as causas que possibilitaram os fenômenos. Esse modelo de juízo é próprio da Filosofia, que não se limita à simples aparência do objeto, pois realiza um mergulho profundo para um entendimento mais amplo, embora não tenha a garantia antecipada da demonstração, própria das ciências exatas. Conforme ressalta Norberto Bobbio (2006, p. 135):
Ora, característica fundamental da ciência consiste em sua avaloratividade, isto é, na distinção entre juízos de fato e juízos de valor e na rigorosa exclusão destes últimos do campo científico: a ciência consiste somente em juízos de fato. O motivo dessa distinção e dessa exclusão reside na natureza diversa desses dois tipos de juízos: o juízo de fato representa uma tomada de conhecimento da realidade, visto que a formulação de tal juízo tem apenas a finalidade de informar, de comunicar a um outro a minha contestação; o juízo de valor representa, ao contrário, uma tomada de posição frente à realidade, visto que sua formulação possui a finalidade não de informar, mas de influir sobre o outro [...].
Ainda no campo dos discursos, é necessário destacar também a argumentação retórica, cujo apelo ultrapassa a simples organização formal dos discursos, pois é elaborada de forma a persuadir e convencer o interlocutor (o auditório), sobre as ideias apresentadas, num processo que envolve o aspecto psicológico dos indivíduos. Ou seja, a partir de ethos, pathos e logos, (do grego: costume, paixão e razão), o discurso retórico pode ser capaz de persuadir o ouvinte, por intermédio de técnicas próprias de convencimento. Aristóteles apresenta uma interessante contribuição explicativa sobre a discursividade retórica (s.d., p. 33):
Assentemos que a Retórica é a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar a persuasão. Nenhuma outra arte possui esta função, porque as demais artes têm, sobre o objeto que lhes é próprio, a possibilidade de instruir e persuadir [...] mas a Retórica parece ser capaz de, por assim dizer, no concernente a uma dada questão, descobrir o que é próprio para persuadir.
A retórica, porém, não deve ser considerada como uma forma de iludir, pois a formulação de tais discursos vai depender, e muito, do caráter do orador. Como instrumento político primordial do cidadão grego na Grécia Clássica, a retórica possibilitou, e mesmo fortaleceu os embates políticos da ágora — da assembleia em que se discutia democraticamente o rumo e o destino da pólis (cidade). 
Aula 3
Os conceitos de interdisciplinaridade e transdisciplinaridade passam a ter grande importância na segunda metade do século XX, quando pesquisadores e estudiosos observam os modelos de conhecimento da época, ainda atrelados aos procedimentos cientificistas de isolamento dos objetos a serem investigados.
Interdisciplinaridade
Etimologicamente, interdisciplinaridade significa a interação entre disciplinas. Ou seja, o elemento inter denota um processo de reciprocidade epistemológica que deve existir entre os vários campos do saber, formando uma teia relacional capaz de amalgamar várias teorias, por meio de um estudo simultâneo de conteúdos diversos, que possibilite uma compreensão mais ampla e geral do conhecimento.
Convém destacar que o termo interdisciplinar difere de multidisciplinar, de pluridisciplinar e de polidisciplinar, cujos elementos iniciais da composição (multi, pluri e poli) indicam o acúmulo ou a pluralidade de disciplinas, mas não necessariamente a interação dialógica entre elas. Isto é, uma pesquisa pluri, poli ou multidisciplinar possibilita o estudo simultâneo das disciplinas, mas isso não implica a existência de uma cooperação integrada dos saberes.
Transdisciplinaridade
O processo transdisciplinar segue a linha descrita pelo conceito acima mencionado, mas com uma particularidade: o prefixo trans (latino, análogo ao grego meta) se refere a “além”, “acima de”, “através de”, o que aponta para uma pesquisa considerada de maneira ampla, pois, além de vincular os conhecimentos, procura estabelecer um nexo com a realidade, na busca de uma integração profunda que envolve um campo mais completo dos saberes com o mundo real.
Note-se que, já no século VI a. C., a Filosofia investigava o conhecimento de modo interdisciplinar, tendo em vista que todas as áreas do saber faziam parte da reflexão filosófica: a matemática, a astronomia, a física, a gramática, a biologia, a retórica e a medicina seguiam conjuntamente as linhas de pesquisa dos pensadores cujo intuito era relacionar e ampliar os diferentes campos de atuação. Daí se depreende que não havia recortes ou fragmentações na busca do conhecimento, pois os saberes se interligavam naturalmente, ocasionando, assim, a compreensão simultânea dos temas. Para Jayme Paviani (2008, p. 18):
A organização das ciências e das disciplinas pressupõe distintas racionalidades científico-pedagógicas. Há nelas uma
transversalidade entre o epistemológico e o pedagógico que se entrecruzam e definem horizontes e fronteiras entre as disciplinas. Daí o trabalho de mediação da interdisciplinaridade para encurtar o distanciamento entre os conhecimentos nos processos de pesquisa e ensino.
A Filosofia Clássica dos gregos valorizava a dialetização do conhecimento, porém é preciso destacar que esses saberes se fundamentavam especialmente em teorias, sem vínculo direto com a experiência prática. Desse modo, a ciência, como parte da investigação filosófica, era considerada uma ciência contemplativa, que teorizava a respeito de vários temas, contudo de modo desinteressado, sem interferir na realidade cotidiana.
Essa característica da ciência antiga permaneceu atuante até a Idade Média, quando o poder da Igreja na Europa Ocidental concentrava também o domínio do conhecimento. Porém, as significativas mudanças que passam a se manifestar na época moderna vão modificar sensivelmente as concepções científicas, abalando o domínio da Igreja.
O início da Modernidade marca uma série de transformações sociais, históricas e econômicas. Invenções como a bússola e o navio a vapor possibilitam viagens mais seguras, que partem da Europa para encontrar novas terras e, consequentemente, mais riquezas para uma nova classe em ascensão: a burguesia.
No campo religioso, temos, por exemplo, a Reforma de Martinho Lutero, que rompe com a Igreja de Roma e se dedica a uma nova religião: o Protestantismo. Sobre essa crença, pode-se ressaltar o modo herético — do ponto de vista católico — de aproximar-se de Deus. Lutero afirmava que cada indivíduo deveria ler e interpretar a Bíblia por conta própria. Ora, num tempo em que a população europeia era quase totalmente analfabeta, seria preciso superar essa deficiência. E foi o que fez Lutero, ao incentivar a criação de escolas públicas gratuitas.
De fato, os acontecimentos transformadores que marcam a Idade Moderna, iriam contribuir decisivamente para intensas modificações no campo científico: a teoria heliocêntrica de Nicolau Copérnico, o método científico de Galileu, a invenção da imprensa por Gutenberg. Tais eventos assinalam a nova concepção de ciência, considerada a partir de então como ciência ativa, aquela que se desenvolve no âmbito da realidade prática, interferindo e transformando a natureza.
À ciência contemplativa da Antiguidade contrapõe-se a essa nova concepção científica, baseada no método investigativo, pelo qual empreende-se a modificação e o aperfeiçoamento do mundo. Ou seja, a ciência ativa vai pesquisar o seu objeto de estudo realizando um recorte do conhecimento, isolando esse objeto sem relacioná-lo ao seu entorno.
Pode-se, então, enfatizar que a Filosofia, diferentemente da ciência moderna, segue uma visão simultaneamente inter e transdisciplinar do campo do conhecimento, agregando várias áreas de estudo a fim de possibilitar um saber mais completo.

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