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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA A REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST MORTEM E O STATUS DO CONCEPTURO NO DIREITO SUCESSÓRIO Por: Deborah Farah Sobrinho Orientador Prof. Francis Rajman Rio de Janeiro 2011 2 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA A REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST MORTEM E O STATUS DO CONCEPTURO NO DIREITO SUCESSÓRIO Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Direito Privado. Por: Deborah Farah Sobrinho. 3 AGRADECIMENTOS ....aos amigos e parentes pelo apoio e pelas opiniões/sugestões e ao professor orientador pela atenção e respeito ao trabalho ora apresentado...... 4 DEDICATÓRIA .....dedico a minha mãe pelo apoio, tolerância e por acreditar em mim incondicionalmente...... 5 RESUMO O presente trabalho monográfico tem como escopo proceder a uma análise preliminar dos conceitos inerentes ao Direito Sucessório e de seus institutos peculiares. Visa, ainda, clarificar em que consiste a reprodução assistida, suas espécies, técnicas utilizadas e como é tratada pela legislação nacional. Salientam-se, também, aspectos relacionados às concepções éticas no que diz respeito ao tema e a necessidade da observação dos direitos fundamentais, os quais não podem e nem devem ser afastados seja qual for a circunstância. Entretanto, a questão central objeto da presente monografia são os casos de reprodução assistida após a morte de seu genitor, como se deslindaria esse eventual direito sucessório do concebido. Ambiciona-se, aqui, traçar um panorama de como a doutrina e a jurisprudência vem se manifestando, posicionando acerca do tema, bem como as concepções do direito estrangeiro, do direito comparado nas situações de inseminação post mortem e a aplicação dos direitos sucessórios. Palavras-chave: Direito Sucessório; Reprodução Assistida; Inseminação Post Mortem. 6 METODOLOGIA As questões relacionadas à reprodução assistida, seus aspectos médicos, éticos e jurídicos são analisadas na sua ampla acepção. Busca-se para o deslinde das controvérsias, trazer os posicionamentos tanto da doutrina quanto da jurisprudência acerca do tem em comento. Para cumprir tal objetivo, utilizou-se o método indutivo de abordagem e o método monográfico de procedimento, procurando utilizar –se essencialmente da documentação indireta, através de pesquisa bibliográfica. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO..............................................................................................................01 CAPÍTULO I DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA.......................................................03 1.1 – Da inseminação artificial.......................................................................................03 1.2 – Da fecundação “in vitro”.......................................................................................04 1.3 – Da doação e criopreservação dos gametas e embriões......................................05 CAPÍTULO II DIREITOS FUNDAMENTAIS, REPRODUÇÃO ASSISTIDA E SEUS ASPECTOS ÉTICOS.........................................................................................................................08 CAPÍTULO III O DIREITO DE HERANÇA E A PROLE EVENTUAL....................................................12 1.1 – Direito de herança e suas características...... ......................................................12 1.2 – Princípios norteadores..........................................................................................15 1.3 – Prole Eventual......................................................................................................17 CAPÍTULO IV A REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST MORTEM E O DIREITO SUCESSÓRIO .......................................................................................................................................19 8 1.1 – As posições civilista e constitucional acerca da controvérsia..............................19 CAPÍTULO V A SUCESSÃO NOS CASOS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST MORTEM E O DIREITO COMPARADO...............................................................................................24 CAPÍTULO VI SUGESTÕES E PROJETOS ACERCA DOS CASOS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST MORTEM NO DIREITO SUCESSÓRIO.............................................................25 CONCLUSÃO................................................................................................................27 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA....................................................................................28 ANEXOS........................................................................................................................30 1 INTRODUÇÃO Há muito tempo vem se discutindo os problemas relacionados a infertilidade, sua repercussão na vida pessoal, social, o medo da insatisfação no âmbito familiar, e juntamente com a narrativa desses problemas vem se formulando possíveis soluções, procurando-se cada vez mais a melhor alternativa para reverter tal impossibilidade. Este estudo vem trazer à baila as técnicas de reprodução assistida que vem sendo utilizadas e suas respectivas indicações médicas, abordando, ainda, aspectos éticos concernentes a esta e a devida e necessária proteção aos direitos fundamentais de todos os envolvidos, dos genitores e do concepturo. Mas diante de casos novos de sucesso da técnica e de sua aplicação, surgiu outra situação que merecia especial atenção do direito na tentativa de dar resposta as pessoas que estavam subsumidas naquelas ocorrências, que seria o caso da reprodução assistida realizada após a morte do cônjuge ou companheiro da receptora do sêmen, e suas conseqüências jurídicas no âmbito do Direito das Sucessões. Importante a discussão das implicações jurídicas dessa celeuma no caso concreto e se o concepturo seria ou não nesta circunstância considerado herdeiro. Optou-se por tal discussão devido a necessidade de regulação de tais situações que vem ocorrendo de forma cada vez mais freqüente, e os grandes e rápidos avanços da medicina que visam a 2 busca na melhoria da qualidade de vida das pessoas, não pode ser dificultado ou prejudicado por questões de ordem jurídica, afinal qualquer um quando deparado com situação de fato alegaria que o concepturo seria e deveria se habilitar como herdeiro. No que tange ao tema, os doutrinadores e a legislação se dividem, o Código Civil dispõe no art. 1798 que o concebido post mortem tem direito ao recebimento de herança apenas nos casos em que o genitor deixa tal vontade expressa em testamento. Já a Constituição Federal, no art. 227, §6º, veda qualquer distinção relativa à filiação, pelo principio da igualdade entre os filhos. 3 CAPÍTULO I DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA A Reprodução Assistida consiste numa expressão utilizada para definirum conjunto de técnicas cientificas que visam solucionar problemas relacionados a infertilidade seja esta masculina ou feminina, por meio da manipulação em laboratório de gametas que podem ser os espermatozóides ou os óvulos. Cabe ressaltar que a utilização de técnicas de procriação medicamente assistida só pode verificar-se perante uma situação de diagnóstico de infertilidade ou ainda, para tratamento de doenças graves ou caso exista risco de transmissão de doenças de origem genética, infecciosa ou outras. E no que tange a infertilidade pode constituir-se em uma incapacidade temporária ou permanente em conceber um filho ou em levar a termo uma gravidez até ao momento do parto. Nos procedimentos de fertilização podem ser usados tanto os gametas do casal ou espermatozóides ou óvulos doados. Todo esse procedimento científico possui regulação e legislação própria que é inerente a cada nação. Em realidade reprodução assistida é como se fosse o gênero circundado de inúmeras espécies, dentre elas a inseminação artificial, a fecundação in vitro e a doação e criopreservação dos gametas e embriões. 4 1.1 DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL A inseminação artificial é uma técnica antiga que remonta a longo tempo, sendo utilizada pela primeira vez na reprodução de eqüinos. Como toda técnica cientifica teve seu auge antes da década de 80, pois a partir daí surgiu a fertilização “in vitro”, passando aquele ser considerada de menor valia para os problemas de infertilidade. Há de se convir que cada técnica possui sua precisa indicação médica, o que significa que muitas delas ainda se socorrem da técnica ora mencionada, principalmente devido aos requisitos necessários para a utilização desta que seria a cavidade uterina e trompas normais, o que difere da técnica da fertilização “in vitro” que são os casos daquelas mulheres que não possuem normalidade em seus órgãos reprodutores. Consiste, assim, a Inseminação Artificial, na alocação de espermatozóides, previamente selecionados, no interior do útero e esta pode ser de duas modalidades, a Inseminação Artificial Intra-Cervical (IC) e a Inseminação Artificial Intra-Uterina (IU). A Inseminação Artificial Intra-Cervical é utilizada nas situações em que há impossibilidade ou dificuldade do ato sexual normal e/ou ejaculação; já no caso da Intra-Uterina que consiste em depositar espermatozóides móveis capacitados aptos a fertilizar, dizem se esta a mais vantajosa. Nesse processo de procriação medicamente assistida pode, ainda, ser utilizados sémen de um terceiro dador, no caso daquelas mtlheres que não possam obter-se gravidez através de inseminação com sémen do marido ou daquele que viva em união de facto com a mulher a inseminar. Importa explicitar que em cada 100 ciclos de inseminação, 5 13 resultam em gestação e em cada 100 casais que completam 4 ciclos de inseminação, 60 conseguem atingir gestação. 1.2 DA FECUNDAÇÃO IN VITRO A fertilização in vitro possui indicação médica nos casos em que a mulher tem ciclos normais e útero com cavidade íntegra e receptiva, porém com doença tubária, decorrentes de DST, endometriose, ou infertilidade sem causa aparente. A Fecundação Artificial é todo processo em que o gameta masculino encontra e perfura o gameta feminino por meios não naturais. Se apresenta tal técnica de duas formas principais de Fecundação Artificial, que são a Inseminação Artificial (IA) e a Fecundação In Vitro com Embrio-Transfer (FIVET). Tal técnica consiste numa fecundação extracorpórea na qual o óvulo e o espermatozóide são previamente retirados de seus doadores e são unidos em um meio de cultura artificial localizado em vidro especial. Existem dois tipos de Fecundação In Vitro a homóloga, que é aquela feita com o óvulo e o esperma provenientes do próprio casal de quem o embrião vai ser filho, e a do tipo heteróloga, que é aquela em que pelo menos um dos gametas utilizados na criação do embrião provém de um doador externo ao casal. Antes de iniciar qualquer tratamento para fertilidade propriamente dito, o médico passa procede a uma análise se o casal tem condições biológicas, reprodutivas e psicológicas. O primeiro grande questionamento ético desse procedimento 6 médico seria o fato da fecundação ocorrer fora do corpo da mãe, o que, para alguns, contraria a lei natural da reprodução. E é por entender todo o processo desta forma que a Igreja Católica é ardoroso opositora das referidas técnicas de reprodução assistida. Para a Igreja, o ato conjugal é formado por dois momentos o da união e da procriação, e por isso repudia toda e quaisquer formad e reprodução assistida, inclusive a Fecundação In Vitro homologa católica, quebra a intimidade inviolável do casal. 1.3 DA DOAÇÃO E CRIOPRESERVAÇÃO DOS GAMETAS E EMBRIÕES A Criopreservação de embriões se dá quando há produção de mais embriões do que o necessário para a transferência, com oportunidade de sobrevivência que são colocados numa substância que evita que eles sejam danificados, permanecendo por tempo indeterminado até eventual utilização. Outra técnica utilizada há algumas décadas é a criopreservação do esperma em que existe tal indicação quando para a preservação da capacidade reprodutiva nos pacientes com neoplastias que são submetidos a radioquimioterapias, ou para preservação do material genético (casos de vasectomia). Utiliza-se, também, na atualidade, técnicas para a criopreservação de oócitos, os quais poderão ser armazenados e usados no futuro, especialmente nos casos com indicação médica em que as mulheres que não possuem ovários ou que apresentaram menopausa 7 precoce. No Brasil, o Conselho Federal de Medicina autoriza, após três anos de congelamento, que os embriões sejam doados com autorização dos donos, não podendo a referida doação ter caráter lucrativo ou comercial e os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e vice-versa. Segundo disposição do Conselho Federal de Medicina “as técnicas de reprodução assistida têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de reprodução humana, facilitando o processo de procriação quando outras terapêuticas tenham se revelado ineficazes ou consideradas inapropriadas.” Entretanto, é sabido que muitas irão optar pelas técnicas de reprodução assistida em detrimento a adoção de crianças e adolescentes, o que poderá aumentar sensivelmente o número de crianças abandonadas nos abrigos, diminuindo suas chances de serem adotadas. CAPITULO II DIREITOS FUNDAMENTAIS, REPRODUÇÃO ASSISTIDA E SEUS ASPECTOS ÉTICOS. O nascituro não tem personalidade jurídica e também falta- lhe capacidade de direito, sendo que a lei apenas protegerá os direitos que possivelmente ele terá, em caso de nascer com vida. Entretanto, os direitos da personalidade do nascituro já 8 existem antes mesmo do nascimento e consubstanciam-se no direito à vida, à honra, à integridade física, à saúde, aos alimentos, ao reconhecimento da filiação, à curatela, à adoção. Primeiramente, cabe aqui explicitar que as técnicas de reprodução assistida sempre vislumbram, além da precisa indicação médica, a necessidade, oportunidade e conveniência da medida, só realmente usada nos casos em que não se obteve êxito no tratamento convencional. Então, cabe salientar que as técnicas médicas que trazem soluções, alternativas a problemas de não fácil tratamento, ou seja, que visam a melhoria da qualidade de vida como as dereprodução assistida não violam em nada os princípios éticos, salvo nos casos de utilização fora dos preceitos legais previamente estabelecidos. Estas técnicas de reprodução assistidas não podem ser utilizadas sobre qualquer pretexto ou circunstância, nesse sentido estabeleceu o próprio Conselho Federal de Medicina na Resolução nº 1.358/92 que proíbe a utilização da reprodução assistida com o intuito de seleção de características genéticas, salvo se para a prevenção de doenças genéticas. Além disso, estas só devem ser utilizadas quando existir possibilidade de êxito no procedimento, não prosseguindo esta em caso de comprometimento. No que se refere à postura religiosa acerca do tema, considera-se que o embrião já seria um ser humano, mesmo ainda no processo de concepção. Condena, assim, a igreja os métodos artificiais de concepção, por entender que esta alteraria o ritmo da vida, o 9 predestinado por Deus, entendem a fecundação feita pelos cientistas como moralmente ilícitas. Entende a igreja só pela possibilidade da fecundação “natural” inerente das relações normais, não existindo outra forma moralmente aceita, não podendo haver intromissão externa. Respeitado o posicionamento da igreja católica, importa assentar que todo cidadão tem direito a fazer seu próprio planejamento familiar, tendo este base constitucional e regulamentado pela Lei nº. 9.263, de 12.01.96. Tal direito ao planejamento familiar, a reprodução é tão importante que vem a cada dia ganhando maior proteção e medidas para o seu desenvolvimento, como a introdução das tecnologias de reprodução assistida no Sistema Único de Saúde. E diante dessas situações surgidas no caso concreto o direito tem a obrigação de regulá-las de preferência na mesma velocidade de seu aparecimento no mundo jurídico, desta forma acaba se socorrendo dos princípios constitucionais. Importante explicitar que os Direitos Reprodutivos não se restringem somente ao direito de ter ou não ter filhos, mas controlando seu momento, número e ocorrência do nascimento, dentre outros aspectos como acesso aos métodos contraceptivos e questões de política populacional. Interessante notar que o tratamento da infertilidade é um importante ponto a ser explicitado dos Direitos Reprodutivos, pois dados da Organização Mundial de Saúde – OMS – para que as pessoas possam fruir de seus direitos reprodutivos. 10 Grande inovação e avanço no aspecto jurídico diz respeito à inserção dos direitos reprodutivos no elenco de direitos fundamentais, o tratamento para os casos de infertilidade passou a ser também esta uma obrigação do Estado de proporcionar a aplicação deste direito concedido, como dispõe parágrafo sétimo do art. 226 da Carta Magna, in verbis: Art. 226.[...] §7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. Com tal dispositivo supra narrado, o Estado se incumbiu de auxiliar aqueles que possuíam dificuldades em exercitar seus direitos reprodutivos, através de técnicas cientificas. Dentro deste contexto, surgiram os conceitos e os institutos dos chamados biodireito e a bioética. Tal esfera do direito teve seu auge de discussão nos casos de reprodução medicamente assistida heteróloga, tendo em vista que na outra forma de reprodução tal questionamento não prospera, já que há vinculo parental. 11 CAPITULO III O DIREITO DE HERANÇA E A PROLE EVENTUAL 3.1 Direito de Herança e suas características A sucessão hereditária só se abre no momento da morte do de cujus, devidamente comprovada; com a abertura da sucessão os herdeiros, legítimos ou testamentários, adquirem, de imediato, a propriedade e a posse dos bens que compõe o acervo hereditário, sem necessidade de praticar qualquer ato; só se abre a sucessão se o 12 herdeiro sobrevive ao de cujus; requer apuração da capacidade sucessória. O conceito do Direito de Herança encontra-se irrito dentro do conceito de Direito de Sucessão em sentido estrito, é a transferência, total ou parcial, de herança, por morte de alguém, a um ou mais herdeiros. O direito sucessório pode ser adquirido de duas maneiras descritas abaixo: Herança e Legado. Faz-se mister expor que a herança é composta por vários direitos. E tal universalidade será aferida no processo cível de arrolamento dos bens deixados, e com o processo de inventário se determinará a partilha desses bens arrolados entre os herdeiros. Os titulares do direito da herança são chamados de herdeiros e quando há uma multiplicidade de herdeiros fala-se em coerdeiros da herança. O herdeiro dispõe de alguns direitos ou prerrogativas como ceder uma parte alíquota do seu quinhão mas nunca um bem do acervo sem o consentimento dos demais, pois o conjunto de todos os bens deixados pelo de cujus é considerado na sua totalidade como bem imóvel para os efeitos legais até que seja feita a partilha, assim, mesmo que o acervo patrimonial transmitido pelo de cujus se componha totalmente de bens móveis, para a alienação, torna-se necessária a outorga marital ou uxória. Dispõe o STJ em voto vencido: Por tratar-se de obrigação personalíssima, inadmite- se a transferência da responsabilidade por alimentos do falecido pai para o espólio, pois o art. 23 da Lei 13 6.515/77 quis permitir, ao remeter a questão ao art. 1.796 do CC, que a responsabilidade dos herdeiros pela dívida do de cujus refere-se apenas aos alimentos preexistentes e não a obrigação de prestar alimentos futuros, notadamente porque, nos termos do art. 396 et seq. do CC, podem os parentes exigir uns dos outros os alimentos de que necessitem para subsistir, inclusive para irmãos, sejam unilaterais ou germanos" (in RT 788/196). Então, cabe esclarecer que o patrimônio integrante da herança é uma universalidade juris, indivisível até a partilha; permanecendo indivisível até que se ultime a partilha, havendo um regime de condomínio forçado. Preleciona o Código Civil acerca da matéria: Artigo 1791 - A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros. Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co- herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio. Artigo 1792 - O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demonstrando o valor dos bens herdados. Artigo 1793 - O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser 14 objeto de cessão por escritura pública. § 1º Os direitos, conferidos ao herdeiro em conseqüência de substituição ou de direito de acrescer, presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente. § 2º É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente. § 3º Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade. Artigo 1794 - O co-herdeiro não poderá ceder a suaquota hereditária a pessoa estranha à sucessão, se outro co-herdeiro a quiser, tanto por tanto. Artigo 1795 - O co-herdeiro, a quem não se der conhecimento da cessão, poderá, depositado o preço, haver para si a quota cedida a estranho, se o requerer até cento e oitenta dias após a transmissão. Parágrafo único. Sendo vários os co-herdeiros a exercer a preferência, entre eles se distribuirá o quinhão cedido, na proporção das respectivas quotas hereditárias. Artigo 1796 - No prazo de trinta dias, a contar da abertura da sucessão, instaurar-se-á inventário do patrimônio hereditário, perante o juízo competente no 15 lugar da sucessão, para fins de liquidação e, quando for o caso, de partilha da herança. Artigo 1797 - Até o compromisso do inventariante, a administração da herança caberá, sucessivamente: I - ao cônjuge ou companheiro, se com o outro convivia ao tempo da abertura da sucessão; II - ao herdeiro que estiver na posse e administração dos bens, e, se houver mais de um nessas condições, ao mais velho; III - ao testamenteiro; IV - a pessoa de confiança do juiz, na falta ou escusa das indicadas nos incisos antecedentes, ou quando tiverem de ser afastadas por motivo grave levado ao conhecimento do juiz. No legado há presença necessária de um testamento, já que deve existir a manifestação da vontade. 3.2 Princípios Norteadores - Princípio da dignidade da pessoa humana A dignidade da pessoa humana é principio mor, fundamento da República Federativa do Brasil, conforme versa a Constituição Federal em seu art. 1º. É um direito assegurado a todos, tendo como escopo a garantia às pessoas do bem estar e do necessário para uma qualidade de vida decente. Os embriões gozam dessa mesma proteção ainda que não nascido, mas que goza da mesma proteção dos que 16 nasceram. - Princípio do melhor interesse da criança Sempre que estiverem presentes menores em quaisquer situações, deve-se observar o interesse de crianças por meio de preceitos constitucionais constantes nos arts. 5º e 227 da Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). - Princípio da isonomia e a igualdade entre filhos A igualdade é um princípio fundamental constitucional, norteador de todas as relações interpessoais, busca-se sempre a isonomia, ou seja, igualar as pessoas na medida de suas desigualdades. Um dos principios mais importantes que surgiram com a legislação civil em vigor concerne ao tratamento igualitário dispensado aos filhos no âmbito do Direito Sucessório. “Os filhos havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Ou seja, hoje predomina a plena igualdade de direitos entre filhos legítimos ou ilegítimos, sendo tal feita mesma esta equiparação pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, § 6º. Apesar de todo este avanço no sentido da igualdade entre os filhos, observa-se que permanece a desigualdade na divisão da herança entre irmãos germanos e irmãos unilaterais. 3.3 Prole Eventual 17 No direito brasileiro coexistem dois tipos de sucessão, e uma não exclui a outra não excluindo o outro. A sucessão testamentária é limitada pela legítima no caso do autor da herança ter entre os seus herdeiros necessários. Nestes casos, poderá dispor em testamento de apenas cinqüenta por cento do seu patrimônio, sendo os outros destinados à legítima O instituto da prole eventual, de acordo com o que dispõe o artigo 1799 do CC, caracteriza-se pela possibilidade de ter capacidade testamentária passiva: “os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão”. Essa é uma exceção no direito sucessório brasileiro, no âmbito da sucessão testamentária, ou seja, que só tem capacidade para herdar os nascidos ou concebidos à época da abertura da sucessão Entretanto, tal instituto possui prazo para sua concretização, sendo este prazo de dois anos e decadencial, não permitindo dilação. E hoje uma discussão que vem predominando acerca da prole eventual circunda acerca da abrangência do conceito de filiação neste aspecto, se esta concepção seria obrigatoriamente a que dá origem à filiação natural ou se a palavra concepção poderia ser analisada de forma mais abrangente, sendo considerado o momento do estabelecimento da parentalidade, por adoção no caso, como o momento de concretização da condição suspensiva necessária a efetivar o direito resguardado. 18 CAPITULO IV A REPRODUÇÃO ASSISTIDA POS MORTEM E O DIREITO SUCESSÓRIO 4.1 As posições civilista e constitucional acerca da controvérsia A questão aqui gira em torno da possibilidade do concebido post mortem habilitar-se como sucessor do falecido doador. E diante desta nova situação, verifica-se que a legislação 19 nacional diverge em seus dispositivos. Com o entendimento trazido pelo Código Civil, em seu art. 1798, se permitiria o recebimento de herança pelo concebido post mortem apenas nos casos em que o genitor deixa tal vontade expressa em testamento, mas a Constituição Federal de 1988 veda qualquer distinção relativa à filiação. De acordo com o princípio constitucional da igualdade entre os filhos (art. 227, §6º, CF) não pode haver discriminação quanto à origem da filiação. Nesse caminhar, o Código Civil de 2002 ressalta: Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: (...)III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido Um relevante receio é do uso indevido do sêmen do falecido pela viúva, o problema que se constata é que nosso ordenamento não autoriza nem regulamenta a reprodução assistida de forma completa, mas a situação de fato existe e permanece a omissão. O Conselho de Justiça Federal utiliza como requisito para o 20 prosseguimento de tal situação que a mulher que se utilizará do referido material genético esteja na condição de viúva, e exige-se, ainda, a autorização escrita do marido para uso de seu material após a morte. A Constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país e é quem confere validade, não podendo as normas constitucionais ser contrariadas, sob pena de serem consideradas inconstitucionais e, por isso, inválidas. Além do respeito às normas constitucionais, para a defesa do chamamento do concepturo a sucessão, baseiam-se ainda no princípio do melhor interesse da criança, através do qual se estabelece que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. De acordo com o principio da igualdade, deve-se sempre reger situações iguais de forma semelhante e proporcional e para grande parte dos autores, o princípio da igualdadeestende-se a todos os seres humanos, aos já nascidos, ou aos apenas concebidos, não se distinguindo os seres já nascidos e os não nascidos. A Constituição brasileira, ao consagrar o princípio da igualdade dos filhos, através da proibição de designações discriminatórias, vem reafirmando de forma tangente que o concepturo possui direito de ser chamado a suceder mesmo que seu genitor já se encontre falecido. 21 Tais princípios e a referida visão constitucional não prosperam quando se observa o que dispõe o Código Civil. Segundo tal legislação são legítimos a suceder apenas as pessoas já nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão (art. 1798). Então, aprofundando-se na legislação civil a criança concebida após a morte de seu pai não tem direto a receber parte da legítima que teria direto se tivesse sido concebida em momento anterior à morte do autor da herança. Preleciona o art. 1.799 do Código Civil: Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão; II - as pessoas jurídicas; III - as pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de fundação. (grifou-se) Para nossa legislação civil, o filho concebido post mortem somente poderá herdar caso seja contemplado em testamento, podendo ser apenas herdeiro testamentário, não se encaixando dentre os herdeiros legítimos. 22 Parte relevante dos doutrinadores, manifestam-se no sentido de que os concepturos são legitimados a suceder sim, tendo em vista que já são concebidos no momento da abertura da sucessão. Cabe ratificar ainda que o Código Civil dispõe que os filhos havidos mediante inseminação artificial são considerados concebidos na constância do casamento, mesmo após a morte do marido, ou decorrente de implantação de embrião excedentário a qualquer tempo. Então, teriam todos os filhos o mesmo tratamento possuindo a criança concebida post mortem os mesmos direitos de seus irmãos, inclusive aqueles concernentes aos direitos sucessórios. Nos casos de inseminação artificial homóloga não deveria haver quaisquer questionamento acerca do direito de suceder, já que nesta situação a paternidade mostra-se certa, isenta de dúvidas, possuindo o filho concebido após a morte os mesmos direitos dos já nascidos. E, negar isso seria violar os direitos destes, contrariando princípios constitucionais da igualdade e dignidade da pessoa humana, o objetivo da segurança jurídica não deve servir como pretexto para desrespeito aos direitos inerentes a pessoa. 23 CAPITULO V A SUCESSÃO NOS CASOS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST MORTEM E O DIREITO COMPARADO Mesmo no âmbito internacional, do Direito Comparado, a questão da inseminação post mortem e suas conseqüências jurídicas não possuem ainda larga regulamentação. A fertilização artificial post mortem para grande parte dos países é vedada, segue neste sentido o direito sueco, alemão bem como o direito francês, entendendo estes que o consentimento externado para 24 os métodos de reprodução assistida quando em vida, é ineficaz em sua morte. Ainda bebendo nas águas do direito comparado, em face da nossa lacuna legislativa nacional cabe ressaltar os seguintes peculiaridades do direito estrangeiro, por exemplo, no Canadá, para haver a fertilização heteróloga é necessário, antes, o consentimento do marido, que não poderá impugnar a filiação. No que tange a Espanha, esta garante direitos ao nascituro, apesar de vedar a inseminação artificial após a morte porém somente se houver a manifestação de vontade expressa em escritura pública ou testamento. Um pais que adotou uma posição diversa acerca da fecundação post mortem foi a Inglaterra que a consentiu, mas sem efeito sucessório, salvo manifestação expressa. No que tange a questão da filiação, a tendência atual é não só levar em consideração a filiação biológica, mas dá-se importância inclusive a filiação afetiva. Faz-se de suma importância para o Brasil que este se sirva do direito comparado para desenvolver a legislação brasileira acerca não só do tema da reprodução medicamente assistida, como em relação aos direitos sucessórios de concepturo gerado com o sêmen de genitor falecido. Entretanto, ao exercer a atividade comparatista na seara da reprodução humana assistida, deve-se atentar ao caráter pátrio do Direito de Família, tendo-se em vista que cada país possui uma história e uma identidade própria. 25 CAPÍTULO VI SUGESTÕES E PROJETOS ACERCA DOS CASOS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST MORTEM NO DIREITO SUCESSÓRIO No que tange a situação da inseminação post mortem, cabe ressaltar a existência do Projeto de Lei nº 2.855/97, de autoria do Deputado Confúcio Moura, no qual só haveria o reconhecimento da paternidade, nos casos em que houver prévia e expressa manifestação do casal, sendo esta negada nos demais casos. 26 Cabe relembrar, ainda, que há o Projeto de Lei nº 90/99, de autoria do Senador Lúcio Alcântara, dispõe que, em caso de inseminação post mortem, não será reconhecida a paternidade. O referido Projeto traz basicamente os mesmos enunciados constantes na Resolução do CFM, com algumas restrições, tratando apenas sobre a fertilização in vitro, não regulando a fertilização in vivo. Já o projeto do Senador Roberto Requião prevê o reconhecimento da filiação, somente se o depositário do sêmen tivesse autorizado em testamento a utilização pela esposa ou companheira. No Brasil, além da omissão legislativa para o assunto, as opiniões doutrinárias ainda estão conflitando. Uma parte entendendo que não estaria o concepturo inserido no rol da vocação hereditária já que não se encontrava sequer concebido à época do óbito. Outros já possuem uma visão mais mitigada que reafirma a não inserção naquele rol, porém se indicado como sucessor testamentário é incluído na sucessão, mas de forma excepcional. A posição mais radical nega a sucessão do filho concebido post mortem a partir do sêmen preservado do falecido. 27 CONCLUSÃO É evidente que com os avanços da biotecnologia e implementação das técnicas de reprodução medicamente assistidas, surgem novas situações de fato, concretas que o direito tem que acompanhar, regulando-as. E é certo que isso gera inúmeras conseqüências nos mais diversos setores de ordem social, ética e jurídica. Inicialmente, nos casos da inseminação homologa, não 28 haveria problemas concernentes a questão da paternidade, a controvérsia se instalaria em relação aos direitos hereditários. Deveria ser chamado a suceder ou não o filho concebido post mortem? A doutrina diverge e a jurisprudência também não auxilia muito neste sentido. Há posicionamento que pende para a existência do direito sucessório, da legitimidade para herdar, e já ara outra corrente, não há possibilidade de inseminação post mortem. A legislação brasileira não traz uma soluçãoclara, para isso faz-se mister a análise global do ordenamento jurídico, o Código Civil deve ser interpretado civil conjuntamente com a Constituição Federal. E deve-se primar sempre pelo respeito e obrigatória observação de princípios constitucionais, como a igualdade plena entre os filhos, a proibição de qualquer forma discriminatória e o melhor interesse da criança. E verifica-se que a legislação civil condiciona a sucessão, ao direito de suceder a situação de “filho já concebido", o que se demonstra injusto. Alguns doutrinadores entendem que a falta de razoabilidade encontrada no Código Civil no que concerne aos direitos sucessórios do concepturo, poderia ser suprido por meio da disposição testamentária entretanto, sabe-se que no nosso pais não há a habitualidade na realização de testamentos, devido até mesmo a sua não obrigatoriedade. Entao, se não houvesse testamento, a um filho legitimo seria-lhe tolhido 29 o direito sucessório? Todos esses questionamentos e eventuais incoerências somente poderão ser dirimidos por meio da hermenêutica e discussões e elaborações interdisciplinares. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS • MONTENEGRO S. FARAH, Leila; SANCHES CORTEZZI, Sylvia; BORGES Jr., Edson Reprodução Humana Assistida - Associação Instituto Sapientiae. Ed. ATHENEU. • FERNANDES, Silvia da Cunha. As Técnicas de Reprodução Humana Assistida e a Necessidade de Sua Regulamentação 30 Jurídica. Ed. RENOVAR. • MOURA, Marisa Decat de; SOUZA, Maria do Carmo Borges de / Vivências em Tempo de Reprodução Assistida - O Dito e o Não- dito. Ed. REVINTER. • OLIVEIRA, Euclides Direito de Herança - A Nova Ordem da Sucessão - 2ª Ed. SARAIVA. • DIAS, Rodrigo Bernardes. Privacidade Genética. Ed.SRS. • PÁDUA, Amélia do Rosário Motta de. Responsabilidade Civil na Reprodução Assistida. Ed Lúmen Juris. ANEXO 1 Reportagens Novela das seis levanta polêmica sobre reprodução após a morte Em Escrito nas Estrelas, da TV Globo, personagem vivido pela atriz Nathália Dill vai engravidar com sêmen de jovem que já morreu. Esse procedimento pode não ser tão comum nas clínicas brasileiras, mas levanta uma discussão ética: afinal, deve-se encorajar a concepção de 31 crianças depois da morte de um dos pais? Simone Tinti Nathalia Dill e Jayme Matarazzo, que interpreta o jovem que morre e deixa o sêmen congelado Escrito nas Estrelas, novela das seis da TV Globo, mal estreou e já levanta uma polêmica: a reprodução após a morte. Daniel (personagem de Jayme Matarazzo) morre no primeiro capítulo em um acidente de carro. Logo, seu pai, o médico Ricardo (interpretado por Humberto Martins), especialista em reprodução assistida, descobre que o jovem deixou o sêmen congelado antes de morrer e, numa tentativa de “eternizar a vida do filho”, como mostra o segundo capítulo, implanta esse sêmen em Viviane (vivida pela atriz Nathália Dill). A situação, que vai ser retratada nos próximos capítulos da novela, está longe de ser algo corriqueiro nas clínicas brasileiras. Mas deve levantar uma discussão ética: afinal, deve-se encorajar a concepção de crianças depois da morte de um dos pais? Como garantir o bem-estar de crianças concebidas dessa forma? O congelamento do sêmen – apenas uma das maneiras de reprodução assistida – é geralmente procurado por homens que passam por tratamento contra o câncer. No caso das mulheres, o procedimento é realizado com o congelamento dos óvulos (ou de fragmentos do ovário). O objetivo é que, depois de terminarem as sessões de quimioterapia (tratamento que impede o funcionamento adequado dos testículos e ovários), esses pacientes possam ter filhos. “Quem opta pelo congelamento sempre pensa na cura da doença. Tanto que muitos 32 assinam um contrato para que o sêmen ou óvulo seja descartado em caso de morte”, diz Mariângela Badalotti, ginecologista e professora da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio Grande do Sul. Legislação No Brasil, não há uma lei específica para tratamentos de reprodução assistida. Então, cada caso precisa ser avaliado separadamente. Já nos Estados Unidos e Inglaterra, é possível realizar esse tratamento, como o que vai ser mostrado na novela, desde que exista um consentimento prévio do doador. Na Bélgica e na Grécia, basta ter o sêmen ou o ovário congelado para que a fertilização seja aprovada, enquanto em países europeus como França, Itália e na Escandinávia, o procedimento é proibido. Reprodução pós - morte é pouco comum no país Claudia COLLUCCi DE SÃO PAULO A reprodução póstuma, ainda pouco comum no Brasil, suscita vários debates éticos e jurídicos. Afinal, é ético usar o sêmen de um homem que já morreu e não deixou autorização para isso? Quais direitos sucessórios terá essa criança? No país, não há lei que proíba ou permita a reprodução após a morte do cônjuge. Na Inglaterra, Austrália e alguns Estados dos EUA permitem a reprodução com o uso do sêmen de homem que já morreu quando há uma autorização prévia. Na Alemanha, Suécia, França, Itália e Canadá, o procedimento é vetado. Já a Bélgica e a Grécia, por exemplo, liberam a reprodução póstuma mesmo sem o consentimento anterior. Advogados ouvidos pela Folha dizem desconhecer jurisprudência sobre assunto no Brasil e afirmam que será importante a Justiça decidir se uma prova testemunhal da família, atestando que a paternidade era desejo do morto, poderá substituir uma autorização formal. Segundo o advogado José Carlos Teixeira Giorgis, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no caso de Elisete, por exemplo, o Código Civil vigente entende que, mesmo após a 33 morte do marido, há uma presunção de paternidade. "A fertilização se deu a partir dos gametas do marido. Ele é o pai e a criança pode ser registrada em seu, será seu herdeiro. No caso dos embriões congelados, a presunção é mais forte e tem apoio na lei." Do ponto de vista bioético, as opiniões divergem. Para a médica Mariangela Badalotti, chefe do departamento de ginecologia e obstetrícia da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio Grande do Sul, é fundamental que o homem ou o casal manifeste em vida o que deseja fazer com o esperma ou com o embrião que por ventura permaneçam congelados. "Sem isso, a questão dificilmente vai em frente. Ninguém deixa de reconhecer a dor de quem fica, mas é preciso avaliar o que é melhor para a criança, qual o impacto emocional de já ser gerado órfão." Susan Dorr Goold, diretora do programa de bioética da Universidade de Michigan (EUA), questiona o uso do sêmen à revelia do "dono". "A menos que o homem soubesse que ia morrer e tenha dado permissão a alguém para usar o esperma de qualquer maneira, não vejo como reprodução póstuma possa prosperar." Na opinião do ginecologista Jonathas Borges Soares, responsável pelo tratamento de Elisete, o desejo de Cláudio em ter um filho era claro. "Mesmo após descobrir o câncer, ele quis continuar o tratamento", explica. A questão, segundo ele, é que como não existe uma autorização para o uso do material genético dele após a morte, a clínica precisa de um respaldo legal. "Seria até complicado exigir isso em um momento em que a pessoa está lutando para continuar viva", diz ele, referindo-se ao período em que Cláudio fazia quimioterapia, quando os embriões e o sêmen foram congelado. A motivação que leva uma mulher a querer engravidar do marido morto também é uma questão."Até que ponto essa vinculação é sadia?", questiona Badalotti. Para a ginecologista Maria Cecília Erthal, da clínica de reprodução Rede D'Or, é preciso avaliar caso-a-caso os motivos que levam uma mulher a querer um filho do companheiro morto. Erthal acompanha um caso no Rio de Janeiro, em que a família de um jovem de 28 anos, vítima de um aneurisma cerebral, conseguiu autorização judicial para retirar o sêmen quando ele já estava em coma. A noiva do rapaz aguarda uma outra permissão da Justiça, agora para usar o sêmen em uma fertilização in 34 vitro. "A motivação não pode ser o desejo de substituir o ente querido que morreu ou qualquer outro interesse obscuro." No caso de Bruno, a família conseguiu uma autorização judicial para retirar e congelar o sêmen antes da morte. Agora, tenta outra permissão da Justiça para usar o esperma em inseminação artificial que Nara deseja fazer. "O casal estava junto e desejava ter filhos. Mas Bruno não teve tempo de deixar o consentimento por escrito", explica a médica. EUA A Justiça norte-americana tem negado vários pedidos de autorização de reprodução póstuma. A corte da Califórnia, por exemplo, negou que a viúva do xerife Joseph Kievernagel, 36, morto em acidente de helicóptero durante perseguição a um assaltante, usasse seu sêmen armazenado em uma clínica de reprodução assistida. O casal estava junto havia dez anos e tentava ter um filho por meio de fertilização in vitro. Mas, ao congelar o sêmen, Joseph assinou um contrato (consentimento informado) na clínica optando por descartar o material genético após sua morte --em vez de assinar a alternativa que permitia sua mulher usar o material genético. A mulher argumentou que o marido não havia lido o contrato antes de assinar. Na briga judicial, os pais do xerife se opuseram ao uso póstumo do sêmen do filho. O tribunal do Texas concedeu uma liminar permitindo que a mãe de um jovem de 20 anos, morto em assalto, coletasse seu esperma. A mulher, de 42 anos, argumentou que o filho sonhava em três filhos (Hunter, Tod e Van) e que seus planos seria contratar uma barriga de aluguel para gerar os netos. Os avós do homem se opuseram aos planos da mãe, argumentando que ela intencionava a herança da família. A Suprema Corte de New Hampshire decidiu recentemente que as crianças concebidas, por meio de reprodução assistida, após a morte do pai, não têm direito à herança, contrariando uma decisão anterior do tribunal de Massachusetts. Na Inglaterra, após o caso da viúva Diane Blood (tem foto bacana dessa mulher no Google), e de outras mulheres que se tornaram mães usando o esperma congelado de seus maridos mortos, a lei mudou e agora permite que nomes de homens que morreram antes do filho ser concebido apareçam na certidão de nascimento da criança. 35 AGRADECIMENTOS SUMÁRIO MONTENEGRO S. FARAH, Leila; SANCHES CORTEZZI, Sylvia; BORGES Jr., Edson Reprodução Humana Assistida - Associação Instituto Sap MOURA, Marisa Decat de; SOUZA, Maria do Carmo Borges de / Vivências em Tempo de Reprodução Assistida - O Dito e o Não-dito. Ed OLIVEIRA, Euclides Direito de Herança - A Nova Ordem da Sucessão - 2ª Ed. SARAIVA. Reportagens
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