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editorial Comportamento alimentar e seus transtornos Gláucia Viola, editora “O maior pensar da criatura humana é comer; desde que o homem nasce até que morre anda a procurar o pão para a boca.” António Vieira A alimentação moderna é a principal razão pela qual as pessoas de todo o mundo estão cada vez mais doentes. Recente matéria publicada na revista Super Interessante mostrou que 80% das doenças de co-ração, 90% dos casos de diabetes e 70% dos casos de alguns tipos de câncer podem ter uma ligação estreita com hábitos de vida e alimentares. Pesquisas mundiais atestam que o comer inadequada- mente é uma das maiores causas de morte, junto com o tabaco. 0ARA�A�0SICOLOGIA��A�ALIMENTA¥ÎO�SE�DElNE�COMO�RESPOSTA�COMPORTAMENTAL�INmUENCIADA�POR�CONDI¥ÜES�SOCIAIS� e culturais. Sendo assim, o impacto sociocultural no padrão alimentar e no desenvolvimento de transtornos alimentares tem sido estudado mais frequentemente, avaliando-se os costumes e re- LA¥ÜES�FAMILIARES�E�AS�INFORMA¥ÜES�VEICULADAS�PELOS�MEIOS�DE�COMUNICA¥ÎO�EM�MASSA��� Nota-se, portanto, que o “comer desordenado” tem afetado crianças e adolescen- TES�EM�MAIOR�NÞMERO�E�INTENSIDADE�E�GANHA�ATEN¥ÎO�DE�PESQUISADORES�E�PROlSSIONAIS� da clínica. Tanto que na versão corrente do DSM-5, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, editado no Brasil em 2014, os transtornos da alimentação (in- fância) passaram a ser descritos como parte dos transtornos alimentares – anterior- mente essa nomenclatura era exclusiva para adultos. Antes disso os transtornos da ALIMENTA¥ÎO�EM�CRIAN¥AS�ERAM�CONSIDERADOS�UM�TIPO�NÎO�ESPECIlCADO�DE�TRANSTORNO�� em separado ao dos adultos. Esta edição da Psique se debruça sobre os problemas alimentares no artigo de capa produzido pela psicóloga Flávia Machado Seidinger Leibovitz. Segundo ela escreve no texto, apesar da complexidade em aferir o aumento da incidência desses transtornos na infância, é certo que há uma procura maior por tratamento do transtorno de alimentação em CRIAN¥AS�E�ADOLESCENTES��E�Ï�BEM�POSSÓVEL�QUE�HAJA�SIM�UM�AUMENTO�EM�CURSO��E�QUE�IRÉ�SE�COMPLEXIlCAR�EN- QUANTO�PERDURAREM�AS�DIlCULDADES�COM�A�OBESIDADE�EM�NOSSA�CULTURA� Flávia ainda explica que há que se ter cuidado ao falar sobre transtornos alimentares, pois “paradoxal- mente, quem recusa o alimento o mantém no comando de sua vida, habitando seu pensamento 24 horas por dia – inclusive como principal motivo de abandono do tratamento”, principalmente em crianças, para quem a chancela de um diagnóstico psiquiátrico pode gerar consequências psicossociais, muitas vezes negativas. Por ESSA�RAZÎO��ALERTA�QUE�CABE�AOS�PROlSSIONAIS�DA�CLÓNICA�CUIDAR�DOS�EQUÓVOCOS�GERADOS�ACERCA�DO�ASSUNTO�E�SEUS� efeitos muitas vezes danosos, zelando por não replicá-los e perpetuá-los. �/�FATO�Ï�QUE�AINDA�HÉ�MUITOS�IMPASSES�E�DESAlOS�PARA�TRATAR�TRANSTORNOS�ALIMENTARES�E�DE�ALIMENTA¥ÎO��PRIN- cipalmente no universo infantil, e esperamos que este artigo traga luz a esse debate. Boa leitura! Gláucia Viola psique@escala.com.br www.facebook.com/RevistaPsiqueCienciaeVida SH UT TE RS TO CK CAPA sumário 56 21/12/2016 01:15:5 0 MATÉRIAS ENTREVISTA Especialista em Psicologia Financeira, Patrícia Rezende Chedid Simão alerta para a necessidade de um consumo mais consciente SEÇÕES 05 EM CAMPO 14 IN FOCO 16 SUPERVISÃO 18 PSICOPOSITIVA 20 PSICOPEDAGOGIA 22 SEXUALIDADE 32 COACHING 34 LIVROS 50 CIBERPSICOLOGIA 52 NEUROCIÊNCIA 54 RECURSOS HUMANOS 64 DIVà LITERÁRIO 66 CINEMA 74 PERFIL 80 EM CONTATO 82 PSIQUIATRIA FORENSE O analista desceu do salto Nova realidade social exige que a razão na prática clínica seja exercida COM�MAIS�mEXIBILIDADE� 70 08 Doença não é mania !mI¥ÎO�COM�SIMETRIA�OU� simplesmente refazer várias vezes a MESMA�A¥ÎO�PODEM�SER�A�PRESEN¥A�DO� 4/#��QUE�ATINGE�TAMBÏM�AS�CRIAN¥AS� 24 Volta por cima #ASO�REAL�CONlRMA�QUE�UMA�DAS� formas de enfrentar adversidades Ï�A�RESILIÐNCIA��RESSIGNIlCANDO� um momento difícil 76 IM AG EM D A CA PA : S HU TT ER ST OC K Transtornos que preocupam Bulimia, anorexia nervosa, transtornos alimentares e DA�ALIMENTA¥ÎO�GANHAM� CADA�VEZ�MAIS�ESPA¥O�EM� PESQUISAS�CIENTÓlCAS DOSSIÊ: Distúrbios genéticos Algumas síndromes raras apresentam características SEMELHANTES��MAS�AINDA� DESPERTAM�ESTRANHAMENTO� E�DESCONHECIMENTO�EM� PROlSSIONAIS�DE�SAÞDE�E�EDUCA¥ÎO www.portalciencia evida.com.br psique ciência&vid a 35 S ín d ro m e s e d is t ú rb io s g e n é t ic o s O debate sobre as sí ndromes presentes no ambien te social e escolar, em pleno s éculo XXI, causam dif iculdades de diagnós ticos e ent endimento de sintomas e comporta mentos d o s s i ê S ín d ro m e s e d is t ú rb io s g e n é t ic o s Para o AVA NÇO e a COMPR EENSÃO SH UT TE RS TO CK 21/12/2016 01:17:41 35 www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 5 em campo BIOFEEDBACK CARDÍACO O treino da coerência cardíaca, estado que demonstra o equilíbrio do sistema nervoso autônomo, é uma das ferramentas cada vez mais usadas no tratamento coadjuvante de quadros de ansiedade e depressão. Por meio de um sensor corporal ligado a um computador, o indivíduo pode saber, em tempo real, como está a sua coerência, monitorando seu comportamento para alcançá-la – o chamado biofeedback cardíaco. “Por meio de exercícios de concentração mental, respiração controlada e uso de imaginação positiva, podemos atingir esse estado de equilíbrio, que tem repercussões imediatas em nossa saúde”, explica Marco Fabio Coghi, responsável por tecnologia brasileira de biofeedback. (Fonte: www.makeitpositivemag.com) GAMES PARA PERFORMANCE O mercado mundial de serious games deve ultrapassar os US$ 5 bilhões até 2020, segundo a consultoria norte-americana Markets and Markets. Trata-se dos JOGOS�ELETRÙNICOS�UTILIZADOS�PARA�lNS� educacionais ou para treinamentos corporativos, favorecendo entre seus USUÉRIOS�A�lXA¥ÎO��DE�CONTEÞDOS�E� a aquisição de habilidades técnicas e comportamentais. Hora vilões, hora mocinhos, os videogames já se encontram sob o guarda-chuva das chamadas “tecnologia positivas”, apresentando muito mais benefícios do que prejuízos em seu uso, tais como o favorecimento de maior conexão social entre os jogadores e ganhos cognitivos e motores, em detrimento de potencial adiccção, estímulo à violência e ao isolamento social entre jogadores. (Fonte: www.makeitpositivemag.com) por Jussara Goyano IM AG EN S: 1 23 RF MEMÓRIA E FUTURO HIPOCAMPO TAMBÉM NOS AJUDA A FAZER PLANOS E MENTALIZAR RESULTADOS Estudo publicado na revista Cerebral Cortex lança luz sobre como o nosso cérebro IMAGINA�O�FUTURO��IDENTIlCANDO�AS�REGIÜES�CEREBRAIS�RELACIONADAS�COM�ESSA�ATIVIDADE�� Pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade de Boston descobriram que o hipocampo, estrutura fortemente associada a memória e orientação espacial, é também uma área-chave nesse processo. Ainda não se sabe de que maneira ele participa nessa imaginação. Por meio de ressonância magnética funcional, os pesquisadores compararam a atividade ce- rebral no hipocampo entre participantes do estudo enquanto estes respondiam a perguntas relacionadas ao presente ou ao futuro. Depois disso, eles compararam sua atividade cerebral enquanto respondiam a perguntas incluindo ou não a projeção de CENAS�DE�FUTURO��#OMO�RESULTADO��VERIlCARAM�INTENSA�ATIVIDADE�NESSA�ÉREA�DO�CÏREBRO� quando as projeções eram necessárias. O hipocampo é afetado por muitas condições neurológicas e doenças e também pode ser comprometidodurante o envelhecimento. Por outro lado, sabe-se que exer- cícios físicos aumentam o nosso hipocampo, ao mesmo tempo que têm implicações sobre quadros de depressão e ansiedade. Sabe-se, ainda, que pessoas deprimidas têm DIlCULDADE�DE�IMAGINAR�O�FUTURO��!�NOVA�DESCOBERTA�PODE�DIRECIONAR�ESTUDOS�RELACIO- nando exercícios, capacidade projetiva e transtornos de humor, colocando, talvez, o hipocampo no centro de novas terapêuticas no tratamento da depressão. PARA SABER MAIS: D. J. Palombo, S. M. Hayes, K. M. Peterson, M. M. Keane, and M. Verfaellie. Medial temporal lobe contributions to episodic future thinking: scene construction or futu- re projection? Cerebral Cortex, December 2016. 6 psique ciência&vida www.portalcienciaevida.com.br FUNÇÃO SOCIAL ESTUDO RELACIONA OCITOCINA E CAPACIDADE HUMANA DE SINCRONIA RÍTMICA E INTEGRAÇÃO COM O OUTRO Durante um concerto, ao bater palmas junto com a me- lodia, as pessoas com níveis mais elevados de ocitocina po- dem aparentar maior sincronia umas com as outras do que aquelas com níveis mais baixos do hormônio. A descoberta foi publicada no periódico 3CIENTIlC�2EPORTS��após a observa- ção do comportamento de voluntários sob uma relação líder- -seguidor e o comando de batidas ao som de alguma música. Sabe-se que a capacidade de sincronizar movimentos e sons corporais com uma batida musical é uma habilidade humana. Sabe-se, ainda, que quando as pessoas sincronizam seus movimentos, caminhando, batendo palmas ou fazendo música, elas relatam gostar mais umas das outras. Outra in- formação é que a ocitocina tem demonstrado promover in- TERA¥ÎO�SOCIAL��COMO�COOPERA¥ÎO�E�AlLIA¥ÎO��.ESSE�SENTIDO��A� pesquisa realizada contribui para a compreensão de como o comportamento de sincronia musical humana é afetado por fatores sociobiológicos, como a ocitocina e as relações líder- -seguidor. Ele também destaca como a música cria e mantém a coesão social numa perspectiva evolutiva. .O�ENTANTO��NESSE�ESTUDO��NÎO�lCOU�CLARO�SE�O�EFEITO�SOCIAL� da ocitocina é direto, ou se ela afeta a sincronização ou ape- nas comportamentos sociais secundários. PARA SABER MAIS: L. Gebauer, M. A. G. Witek, N. C. Hansen, J. Thomas, I. Konvalinka, P. Vuust. Oxytocin improves synchronisation in leader- follower interaction. 3CIENTIlC� 2EPORTS�� N�� ��� ART�� ������� ����� AR Q UI VO P ES SO AL Jussara Goyano é jornalista. Estuda Medicina Comportamental com foco em resiliência, bem-estar e performance. É coach certificada pelo Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento. CORPO E MENTE CORRER MELHORA A CONECTIVIDADE CEREBRAL A conexão entre regiões cerebrais distintas é importante para funções cognitivas como planejamento, tomada de decisão e capacidade de mudar o foco de atenção entre tarefas. Achados CIENTÓlCOS�PUBLICADOS�NA�REVISTA�Frontiers in Human Neuroscience demonstram que essa conectividade é maior no cérebro de cor- redores em comparação à de indivíduos mais sedentários. Para chegar a essa conclusão, pesquisadores da Universi- dade do Arizona compararam exames cerebrais de corredores adultos jovens com os de adultos jovens que não praticavam ati- vidade física regular. Os participantes do estudo tinham apro- ximadamente a mesma idade – de 18 a 25 anos – com índice de massa corporal e níveis educacionais comparáveis. Os exames mediram a conectividade funcional do estado de repouso des- ses jovens, ou o que se passava no cérebro enquanto os partici- pantes estão acordados. Embora pesquisas adicionais sejam necessárias para deter- minar se essas diferenças físicas na conectividade cerebral re- sultam em diferenças no funcionamento cognitivo, os achados atuais ajudam a estabelecer as bases para que os pesquisadores possam entender melhor como o exercício afeta o cérebro, par- ticularmente em adultos jovens. PARA SABER MAIS: David A. Raichlen, Pradyumna K. Bharadwaj, Megan C. Fitzhugh, Kari A. Haws, Gabrielle-Ann Torre, Theodore P. Trouard, Gene E. Alexander. Differences in resting state functional connectivity between young adult endurance athletes and healthy controls. &RONTIERS�IN�(UMAN�.EUROSCIENCE, n. 10, 2016. em campo IM AG EN S: 1 23 RF www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 7www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 7 A QUESTÃO DO DISCURSO REVISTA FILOSOFIA - EDIÇÃO 123 giro escala PENSAMENTO SISTÊMICO uma nova forma de entender o mundo FORMAÇÃO DA RALÉ O crescimento dos discursos de ódio, em HANNAH ARENDT ANO IX No 123 – www.portalcienciaevida.com.br E D IÇ ÃO 1 23 - P RE ÇO R $ 12 ,9 0 RENATO JANINE RIBEIRO Se o Brasil está no fundo do poço, como tirá-lo de lá? ENTREVISTA Sidnei de Oliveira fala sobre a simbiose entre Filosofi a e Música em sua pesquisa ENCAR TE DO PR OFESS ORReflex ão e práti ca 112 Com c urador ia de C arolin a Deso ti Fern andes e Tiago Brent am Pe rencin i Carol ina De soti Fe rnand es�Ï��GRAD UADA�EM �&ILOSOl A� PELA�05# #AMPIN AS��0ESQU ISA�A�INm UÐNCIA�A FRICANA�N A� FORMA¥Î O�DA�IDE NTIDADE� CULTURAL� BRASILEIR A��¡�EDIT ORA�� REDATORA �E�PRODU TORA�CULT URAL�� Tiago Brent am Pe rencin i Ï�LICEN CIADO�E� BACHARE L�EM� &ILOSOlA ��-ESTRE �EM�%NS INO�DE�& ILOSOlA� PELA�5N ESP�E� PROFESSO R�DE�&ILO SOlA�#O NTEMPOR ÊNEA�NA� &ACULDA DE� *OÎO�0AU LO�))�DE�- ARÓLIA� Como can alizar paix ões Cinema e educação: a experiên cia de um regime ditatorial e m sala de aula Imagens n o texto filosófico Mitologia grega, Pla tão e a ver dade como não esquec imento REFLEXÃO E PRÁTICA: Imagens como mediadoras do discurso Como o papel das mulheres é subjugado na construção do conhecimento OPRESSÃO PELO MASCULINO ROSANE BORGES ANALISA TRAJETÓRIA DE ANGELA DAVIS NA LUTA CONTRA O RACISMO Em Sala de Aula: Qualidade da educação rural na pauta do MST www.portalcienciaevida.com.br O OUTRO COMO INIMIGO Qual a sua desculpa? O ato de desculpar-se na mira de estudos sociológicos Primavera das Mulheres Temas como assédio e aborto reacendem o ativismo feminino Os contornos da direita Como PFL e DEM delinearam o atual cenário da política conservadora brasileira A verdadeira identidade da “piriguete” Feminilidade e comportamento sexual exagerados reforçam hegemonia masculina O medo transformou as relações sociais e as confi gurações urbanas, confi nando a população entre muros O medo transformou as relações sociais e as confi gurações urbanas, confi nando a população entre muros A proposta do trabalho publicada na edição 123 da revista Filosof ia , pautada em três etapas distintas, é a de apresentar ao leitor algumas no- ções básicas e conceitos da Filosof ia. Apesar de abordar no ensaio assun- tos e contextos tão diversos entre si – a poesia na Antiguidade, o empi- rismo moderno e a discussão sobre política nos dias de hoje –, o autor buscou uma consonância entre es- sas três abordagens no que se refere principalmente à questão do discurso e da defesa de argumentos. Na etapa I, há a retomada dos gregos antigos no que se refere à noção de Alétheia e a credibilidade do discurso poético – palavra sagrada e acreditada. Na- quela sociedade, fundamentalmente oral, os discursos e as técnicas de de- clamação poética constituíam formas de exercício de po- der, sendo essa uma de suas principais características. Na etapa II, veri- f ica-se facilmente o conceito de ideia em John Locke (1632- 1704) – enquanto objetoda mente, originado a partir da experiência sensível. A palavra é um componente fundamental para a manifestação das ideias – simples e complexas. Na etapa III, a propos- ta do texto é de uma apreciação do f ilme alemão A Onda (Die Welle), lançado no Brasil em 2009, com di- reção de Den- nis Gansel. A produção atua como recurso artístico para problemat izar os conceitos de autocracia e retórica. Nesse f ilme, o discurso retó- rico é tomado como um veículo para difundir e defender ideias e posições políticas (no caso, a autocracia) e, da mesma forma que o exemplo grego, também promove um encantamento. UMA PERSONALIDADE LIBERTÁRIA REVISTA SOCIOLOGIA - EDIÇÃO 67 A norte-americana Angela Davis é considerada uma das perso- nalidades mais libertárias do século XX, também com atuação marcan- te neste século. Pós-doutoranda em Ciências da Comunicação pela ECA-USP, professora do Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação da USP, in- tegrante da Cojira-SP (Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial), autora e organizadora de diversos livros, entre eles Espelho Infiel: o Negro no Jornalismo Brasileiro, Mídia e Racismo, Rosane Borges escreveu a orelha do livro Mulheres, Raça e Classe, da ativista norte-americana, lançado no Brasil. Angela Davis é mulher, negra, comunista e feminista, um conjun- to de características que sinaliza para um ativismo considerado pe- rigoso para o establishment . Rosane ressalta que Angela Davis pertence a uma geração em que a luta políti- ca foi uma arena fundamental para a mudança do mundo. E isso nos anos 60, um cenário que se consti- tuiu numa década importante para a transformação social. Rosane re- lembra que a carreira política de Angela ganha visibilidade mun- dial na década de 1970, quando ela foi presa pela acusação grave de conspiração, sequestro e homicí- dio. Tornou-se, por isso, a terceira mulher a integrar a Lista dos Dez Fugitivos Mais Procurados do FBI. Uma personagem fascinante que a faz absolutamente comprometida com a mudança social, a partir de ref lexão e da prática. A entrevis- ta completa concedida por Rosane Borges pode ser conferida na edi- ção 67 da revista Sociologia . 8 psique ciência&vida www.portalcienciaevida.com.br Lucas Vasques é jornalista e escreve nesta publicação. Segundo Patrícia Simão, o comprador compulsivo se classifica dentro do quadro de transtornos do impulso e adota um comportamento repetitivo, no caso o ato de comprar; sempre levado por um impulso, decidido pela emoção E quilibrar o orçamento e manter uma VIDA� lNANCEIRA� CONTROLADA� SÎO� DESAlOS� difíceis de enfrentar, principalmente em momentos de crise econômica, como a atual fase do Brasil. Há indivíduos perdulários, mas que conseguem, aos poucos, alterar seus hábitos e adequar seu padrão de vida à própria realidade. Entretanto, existem situações em que a pessoa é tomada por um sentimento incontrolável de gastar mais do que o bolso comporta. Nesses casos, a Psi- cologia Financeira pode ser uma importante aliada para auxiliar quem sofre de alguns transtornos re- lacionados ao problema. Especialista na área, a psicóloga Patrícia de Re- zende Chedid Simão destaca que, apesar de ser um campo de estudo relativamente novo, vem ganhan- do espaço e importância no amplo espectro da Psi- COLOGIA�� %LA� RESSALTA� QUE� O� DESCONTROLE� lNANCEIRO� pode ser originário de um problema emocional, que deve ser tratado. Mas faz uma ressalva: “Para ser considerado um problema de ordem emocional é necessário que seja tomado por um impulso, tenha certa frequência na vida do indivíduo e causado PREJUÓZOS�NÎO�APENAS�DE�ORDEM�lNANCEIRA��-AS�SE�Ï� UM�FATO�ISOLADO��UMA�ESCOLHA��Ï�DELICADO�AlRMAR�SER� um problema emocional”. Patrícia é graduada em Psicologia, pós-graduada em Psicopedagogia, tem formação em Terapia Com- portamental e Cognitiva, com extensão em Psico- logia Econômica, Educação Financeira, Mercado Financeiro e Mercado de Ações, além de ser capa- citada como mediadora e conciliadora judicial. Atua na área clínica desde 1996 como psicóloga e profes- sora em Orientação do Comportamento Financeiro. NEM TODOS TÊM FACILIDADE DE AUTOCONTROLE FINANCEIRO PATRÍCIA DE REZENDE CHEDID SIMÃO Por Lucas Vasques www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 9 E N T R E V I S T A Para Patrícia Simão, o papel da Psicologia é importante, pois � �IG���G�I���G������ é uma aprendizagem, como qualquer outra, e envolve aspectos objetivos e subjetivos CR ÉD IT O DA F OT O: D IV UL GA Çà O 10 psique ciência&vida www.portalcienciaevida.com.br ordem emocional é necessário que seja tomado por um impulso, tenha certa frequência na vida dele e tenha causado PREJUÓZOS�NÎO�APENAS�DE�ORDEM�lNANCEI- ra. Mas se é um fato isolado, uma esco- LHA��Ï�DELICADO�AlRMAR�SER�UM�PROBLEMA� emocional. Pelo contrário, às vezes se faz até necessário. Por exemplo: quando A�DOR�OU�O� CONmITO� SÎO�MUITO� GRANDES�� necessitamos da famosa “válvula de escape”. Melhor que seja no cartão de CRÏDITO�DO�QUE�lCAR�DOENTE��BATER�O�CAR- ro, fumar ou beber. Foi um descontrole, sem dúvida, mas é importante entender todo o contexto da história que levou o indivíduo a esse comportamento. Nesse caso isolado entendo mais como uma forma de compensação. COMO A PSICOLOGIA FINANCEIRA IDENTI- FICA UMA PESSOA QUE TEM DIFICULDADES NO ORÇAMENTO DAQUELA QUE POSSUI UM TRANSTORNO? PATRÍCIA: !�DIlCULDADE�Ï�ESPERADA�QUAN- do não se tem conhecimento do assun- to, familiaridade, falta experiência. O transtorno tem dois aspectos: já se tem conhecimento. Em alguns casos se inicia a prática, mas não existe sustentação da mesma; e quase sempre vem associado a algum tipo de prejuízo. QUANDO E POR QUE A PESSOA PRECISA DE UM TRATAMENTO PSICOLÓGICO? PATRÍCIA: E importante avaliar o contexto em que a queixa se apresenta. Alguns pon- tos devem ser observados: a queixa trazida é uma constante na vida do indivíduo; já fez tentativas de mudar e não conseguiu; as pessoas o alertam para isso; sempre BUSCA�JUSTIlCATIVAS�OU�EVITA�FALAR�SOBRE�SUAS� CONDUTAS� lNANCEIRAS�� O� COMPORTAMENTO� em questão já lhe causou problemas, não APENAS� NO� CAMPO� lNANCEIRO� COMO� TAM- BÏM�PESSOAL��PROlSSIONAL�E�AFETIVO�SEXUAL�� avaliar a saúde. Em determinadas situ- A¥ÜES� ESSAS� CONDUTAS� lNANCEIRAS� GERAM� problemas de saúde física e emocional. IM AG EM : 1 23 RF EXISTEM DIFERENÇAS ENTRE PSICOLOGIA FINANCEIRA E PSICOLOGIA ECONÔMICA? QUAIS SÃO? PATRÍCIA: Se formos fazer essa compa- ração levando em conta a nomenclatu- RA��EM�UM�PRIMEIRO�MOMENTO�lCA�CLARA� uma diferença. Enquanto a Psicologia Financeira diz respeito à administração de recursos, desde individuais a peque- nos grupos e de uma sociedade como um todo, já a Econômica, por sua vez, é a ciência que estuda a atividade econômi- ca no âmbito social. O comum entre elas é que as duas se utilizam da Psicologia, que, por sua vez, é a ciência que estuda o comportamento. Já em termos de como CADA� UMA� TRABALHA�� NÎO� TERIA� DElNI¥ÎO�� até porque Psicologia Financeira é um termo que vem sendo utilizado pela mí- dia e a cada dia surgem novos nomes e trabalhos propostos por diferentes linhas da Psicologia. Como disse, isso é um pro- cesso que vem crescendo. Já a Psicologia Econômica tem na Vera Rita de Melo Ferreira, psicanalista de formação, seu maior nome para essa proposta. Fui alu- na de sua primeira turma e, sem sombra de dúvida, muitosestudos e informações que temos hoje no Brasil, nesse campo, devemos a ela. Psicologia Econômica é um estudo que surgiu na Europa. Tam- bém se falou muito de economistas com- portamentais e sua proposta está em trazer a Psicanálise como contribuição à %CONOMIA�� *É�OUTROS�PROlSSIONAIS� SEGUI- ram a linha da terapia comportamental cognitiva, na qual eu me enquadro, ape- sar de nunca descartar ideias de autores DAS�DEMAIS� LINHAS��!lNAL�� Ï� TUDO�MUITO� novo e acredito que qualquer informação que possa ajudar deve ser compartilhada. Devemos ter o cuidado em não dividir a 0SICOLOGIA� COMO� lZERAM� NA� POLÓTICA�� /� que está em jogo aqui é a salubridade de uma nação. DESCONTROLE FINANCEIRO É UM PROBLE- MA EMOCIONAL? PATRÍCIA: Depende. Precisamos entender o que levou o indivíduo a esse descontro- le. Para ser considerado um problema de A Psicologia Financeira diz respeito à administração de recursos, desde individuais a pequenos grupos e de uma sociedade como um todo, já a Econômica, por sua vez, é a ciência que estuda a atividade econômica no âmbito social A matemática da educação �G�I���G�\��`��IGd��G��G�� e gastar menos do que ����G��G:�$�������I���G��G� ����Ï��������� ��� desprendidos de emoções www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 11 sensação de inutilidade; perda do prazer SEXUAL��DIlCULDADE�EM�EXECUTAR�ATÏ�MES- mo tarefas cotidianas. A apresentação de três ou mais desses sintomas merece tratamento em psicoterapia, associado ou não de medicação, dependendo do grau. EM TEMPOS DE CRISE, COMO A QUE O PAÍS ESTÁ VIVENDO, É CORRETO AFIRMAR QUE HÁ UM AUMENTO CONSIDERÁVEL NOS CASOS DE DEPRESSÃO E ESTRESSE RELACIONADOS AO ASSUNTO DINHEIRO? PATRÍCIA: Foram desenvolvidos vários tra- balhos e pesquisas sobre isso. O Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), em 2015, publicou um artigo sobre essa ques- tão, apontando, inclusive, a porcentagem para cada alteração de humor observa- da. Recomendo a leitura, disponível em https://www.spcbrasil.org.br/uploads/st_im- prensa/release_sentimentos.pdf PODEMOS CLASSIFICAR A CORRUPÇÃO COMO UMA ESPÉCIE DE TRANSTORNO, JÁ QUE ELA SE CARACTERIZA PELA BUSCA EXACERBADA DE PODER E DINHEIRO? PATRÍCIA: Primeiro é importante enten- der o que é corrupção, ou seja, o ato de subornar alguém, dando dinheiro ou até mesmo presentes, na tentativa de atingir benefícios por interesse próprio, desrespei- tando regras e leis. Nesse sentido, a prática desse ato é até comum. Agora, indivíduos que usam desse método como um meio de vida, compulsivamente, pode sugerir que estamos diante de algum tipo de trans- torno de personalidade. Alguns autores DEFENDEM�QUE� O� CORRUPTO� ESTARIA� CLASSIl- cado em alguns deles. Fácil entender essa conclusão se você ler um pouco sobre as características deles. Vou apresentar a des- crição de dois tipos de transtorno, que, de- vido às suas características, levariam a essa conduta mais facilmente, sem nenhuma culpa. Para isso, cito Bernard Rangé, da terapia comportamental cognitiva. Um é o transtorno narcísico, cuja crença principal é o indivíduo acreditar que está acima das regras e merece atenção especial, e, assim, ele transcende regras, é extremamen- te competitivo, usando dos outros para EXISTE UM PERFIL PSICOLÓGICO PADRÃO EN- TRE OS COMPRADORES COMPULSIVOS? PATRÍCIA: Segundo alguns estudos den- tro da terapia comportamental cognitiva, citando Range (1995), o comprador com- PULSIVO� SE� CLASSIlCA�DENTRO�DO�QUADRO�DE� transtornos do impulso, e isso nos leva à observação de algumas condutas comuns, entre elas comportamento repetitivo, nesse caso o ato de comprar; sempre levado por um impulso, sem planejamento; a compra é decidida pela emoção, ausência da razão. COMO DEFINE O COMPORTAMENTO ECONÔ- MICO DO BRASILEIRO? PATRÍCIA: Sendo bem objetiva, vejo que estamos caminhando para uma socieda- de neurótica. Falo mais precisamente da neurose do fracasso, pois foi engolida por um poder representado, em sua maior par- te, por indivíduos perversos. Citando La Planche e Pontails, entende-se neurose do fracasso, segundo estudos de René Laufor- gue, como sendo “um grupo de todas as ESPÏCIES�DE�SÓNDROMES�DO�FRACASSO�IDENTIl- cáveis na vida afetiva e social, no indivíduo ou num grupo social....”. Já Freud refere-se a certos tipos de fracasso neurótico à com- pulsão, à repetição, o que ele chama de compulsões de destino (1920). Já o conceito de perversão, trago não apenas no concei- to da Psicanálise, mas, sim, mais amplo. É perverso o indivíduo que trapaceia, rouba, manipula, visando usar o dinheiro de ter- ceiros para seu próprio benefício. Desres- peita regras e leis sem o menor sentimento de culpa. Enriquecimentos nesses casos são ilícitos. Suas relações são basicamente sadomasoquistas, em que atingem o pra- zer com o sofrimento de outros. Necessita- mos urgentemente tratar dessas neuroses, porque somente uma sociedade sã é capaz de controlar a perversão. EM MOMENTOS DE CRISE NO PAÍS, COMO ADOTAR UM COMPORTAMENTO ECONÔ- MICO ADEQUADO PRA EVITAR PROBLEMAS FUTUROS? PATRÍCIA: Nesse caso a lição de casa é bem objetiva, concreta, direto no orçamento. Rever o orçamento, os gastos possíveis de serem cortados, diminuídos. Não há mui- to como fugir dessa regra. Isso, no entan- to, se torna difícil para muitos, porque o simples fato de olhar o orçamento nos faz deparar com uma realidade de momento angustiante, no que se diz respeito à ques- TÎO� lNANCEIRA ECONÙMICA�� $E� REPENTE�� O� dinheiro acabou, e agora? Minha resposta para isso é: ótimo! Quem sabe não seja o momento de pensar em outras condutas, valores, para que se tome conhecimento de nossas aptidões, trabalhar internamente. QUAIS OS IMPACTOS EMOCIONAIS PROVOCA- DOS PELA CRISE FINANCEIRA? PATRÍCIA: Certa preocupação e medo DIANTE�DE�UMA�CRISE�lNANCEIRA�SÎO�ATITU- des normais e esperadas. O contrário não SERIA��AlNAL�O�CENÉRIO�ECONÙMICO�MUDOU� e existe a necessidade de readequar o or- çamento e, em determinadas situações, até mesmo buscar uma terceira fonte de renda para cobrir os gastos. No entanto, Ï� PRECISO� lCAR� ATENTO�� POIS� DEPRESSÎO� E� transtornos de ansiedade podem apare- cer, no caso de indivíduos que já possuam essa predisposição. Alguns sintomas da depressão: tristeza, acompanhada de sen- timentos de culpa e vergonha; crises de CHORO��SENSA¥ÎO�DE�FRACASSO��DIlCULDADES� de concentração; irritabilidade; insônia; 0ARA�MELHOR�ElCÉCIA�� a Psicologia Financeira tem muitas maneiras de comparecer, desde palestras informativas, grupos de apoio emocional e orientação lNANCEIRA�E��EM�ALGUNS� casos, os tratamentos em consultório com as sessões de psicoterapia 12 psique ciência&vida www.portalcienciaevida.com.br benefício próprio e se autoengrandecer. A visão que faz dos outros é que são infe- riores e devem ser seus admiradores, e ele, sim, é especial, único e superior. O segun- do é o transtorno antissocial, cuja crença principal é a de que regras não são para ele e o negócio é levar vantagem em tudo e, assim, ele engana, manipula, ataca e rouba, enxergando os outros como otários, vul- neráveis e exploráveis. Ele é forte, esperto, autônomo, não precisa de ninguém. Den- TRO�DESSE�QUADRO�lCA�FÉCIL�ENTENDER�POR�QUE� alguns autores de saúde levam a esse diag- nóstico. No entanto, eu já iria por outro viés. Vejo a corrupção, antes de mais nada, como uma falha de educação, e o indiví- duo corrupto é resultado de um somatório de atos que poderiam ter sido corrigidos e não foram, levando-o, digamosassim, ao vício da corrupção. Uma vez instalado só existe uma maneira de controlar: a reedu- cação. E, aí, nós temos de recorrer a uma linha da Psicologia que, a meu ver, nesse caso a mais recomendada seria a Experi- mental, que propõe a extinção de compor- tamentos prejudiciais por meio da punição e a aprendizagem de novas condutas, atra- VÏS�DE�ESTÓMULOS�E�REFOR¥OS�POSITIVOS��%��l- nalizando no caso da corrupção sistêmica, eu entendo que a prisão, por si só, não leva- rá a resultado nenhum. E esses indivíduos, mais cedo ou mais tarde, vão comprar a sua liberdade. A punição deve ser feita no ponto mais vulnerável, nesse caso o bolso. Corrupto tem que pagar com dinheiro e com trabalho que exija muita disciplina. Como eu disse, esses indivíduos devem ser reeducados. E é claro que uma avaliação de ordem neurológica também, no caso de transtornos mais severos. NAS DATAS COMEMORATIVAS, COMO NATAL, DIA DAS CRIANÇAS E DAS MÃES, HÁ CER- TA EUFORIA EM RELAÇÃO ÀS COMPRAS DE PRESENTES. QUAIS OS PRINCIPAIS CUIDADOS PRECONIZADOS PELA PSICOLOGIA FINANCEI- RA QUE O CONSUMIDOR DEVE TER PARA NÃO DAR O PASSO MAIOR QUE A PERNA? PATRÍCIA: Você usou o termo correto: eu- FORIA��6OU�DElNIR�TRAZENDO�O�MAIS�ANTIGO� dos livros, o dicionário: “A euforia é um estado patológico, uma vez que ele se ca- racteriza pelo aparecimento de alegria, otimismo e ânimo, mas que não corres- ponde à realidade da vida da pessoa que diz experimentá-los”. Portanto, voltamos aí outra vez à questão do princípio do prazer como fuga da realidade. A lição de casa nessas situações é muito simples. Primeiro, quando estiver eufórico evi- te as compras. Fale, converse, caminhe, movimente-se, como uma forma de ca- nalizar essa energia por outro caminho QUE�NÎO�VÉ�LESÉ LO�lNANCEIRAMENTE�� DENTRO DESSE CENÁRIO, O BRASILEIRO NÃO TEM O HÁBITO DO PLANEJAMENTO. QUAIS ELEMENTOS A PSICOLOGIA FINAN- CEIRA TRAZ PARA PROPORCIONAR UMA POS- SÍVEL MUDANÇA DESSE HÁBITO? PATRÍCIA: Então, vamos entender essa mudança de hábitos como uma aprendi- zagem, e nesse caso é mais fácil adqui- rir novos hábitos que tenham reforços POSITIVOS��!� PRIMEIRA� COISA� A� IDENTIlCAR� é se ocorre motivação interna para essa mudança e quais seriam elas. Depois, re- gistrar os ganhos que a pessoa possa ter COM�NOVOS�HÉBITOS��%��lNALMENTE��TRA¥AR� estratégias e caminhos que levem a isso. .ESSE� CASO� SØ� SABEREMOS� COMO� DElNI- -las com o paciente em sessão. Mesmo porque temos de observar as respostas e irmos adaptando às ferramentas. AS CRIANÇAS SÃO BEM VULNERÁVEIS ÀS OFERTAS DO CONSUMO. COMO OS PAIS PO- DEM CONDUZIR UMA EDUCAÇÃO FINANCEI- RA SAUDÁVEL PARA SEUS FILHOS? PATRÍCIA: Com crianças, o trabalho é pre- ventivo, uma vez que, segundo alguns au- tores, a personalidade já está formada aos 4-5 anos, e, de fato, nessa fase você conse- gue observar comportamentos no brincar da criança, que sugerem suas tendências lNANCEIRAS��%U�COSTUMO�DIZER�QUE�O�BRIN- quedo é o dinheiro da criança, enquanto que para o adulto, dinheiro é brinquedo. Os pais precisam se dar conta do quanto é poderosa essa ferramenta na educação. Cabe aqui uma citação de Winnicott: “A criança joga (brinca) para expressar agressão, adquirir experiência, controlar ansiedades, estabelecer contatos sociais como integração da personalidade e por prazer”. O que eu teria a dizer para os pais Ï�� BRINQUEM� COM� SEUS� lLHOS�� ENQUANTO� ainda é tempo. Se ele for um pré-adoles- cente, jogue, não espere o dinheiro entrar no mundo dele, o que hoje acontece cedo, a partir do momento que ele já entende a existência do mesmo e sabe fazer contas. Mas não abandonem a brincadeira, que é, no meu ponto de vista, a melhor maneira de ensinar e educar. O jogo permite ensi- nar a criança que regras existem e devem ser respeitadas, saber ganhar e perder e ter a merecida punição se houver tenta- tiva de trapaça. No jogo, na brincadeira, VOCÐ�EDUCA�SEU�lLHO�A�SER�UM�HOMEM�ME- lhor. Por isso, se ele ganhar vibre com ele, mas se ele perder deixe que chore, deixe que sofra, não lhe tire essa oportunidade de aprender com a dor, porque a vida é assim e dessa forma você estará preparan- DO�SEU�lLHO�PARA�UM�MUNDO�DE�VERDADE�� onde temos de ganhar, sem dúvida, mas não vamos morrer se perdermos. POR QUE AS PESSOAS SE DEIXAM LEVAR PE- LAS EMOÇÕES NA HORA DE COMPRAR OU INVESTIR SEU DINHEIRO? PATRÍCIA: Importante essa sua pergunta. E eu, entendendo isso e vendo o quan- to o trabalho em clínica pode ser longo e para algumas situações não podemos Primeiro é importante entender o que é corrupção. Indivíduos que usam desse método como um meio de vida, compulsivamente, pode sugerir que estamos diante de algum tipo de transtorno de personalidade www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 13 esperar tanto tempo, fui buscar ferra- mentas para ajudar nessa questão. Isso foi em 2009, quando outro campo do saber também vinha ganhando terre- no, a Educação Financeira. Observei, então, dois pontos nesses cursos: a pre- ocupação com questões relacionadas a endividamento, consumismo, e o sonho da aposentadoria, passíveis de serem entendidos em nível racional, uma vez que são objetivos, e não estão errados. Já para o entendimento da Psicologia, isso é somente a ponta do iceberg, o sintoma. /�CONmITO� Ï�QUE�NOS� INTERESSA��1UANDO� FALAMOS�EM�lNAN¥AS��A�QUESTÎO�EM�JOGO� é mais subjetiva do que parece. Para isso, busquei também a psicopedagogia, dis- ciplina que visa justamente trabalhar as DIlCULDADES�DE�APRENDIZAGEM��!�MELHOR� resposta que encontrei para isso está em Alicia Fernandez, 1991, em seu livro Inteligência Aprisionada�� %LA� AlRMA� QUE� aprendizagem é sempre singular, especí- lCA��$IZ�O�QUANTO�Ï�IMPORTANTE�ENTENDER� a forma que cada um tem e ainda reforça que a modalidade de aprendizagem asse- melha-se à modalidade sexual, e até com a forma de relação que o sujeito estabe- lece com o dinheiro. Esse meu estudo foi o trabalho de conclusão de curso, publi- cado com o tema “A aprendizagem em Educação Financeira: diagnóstico, pre- venção e intervenção psicopedagógica”. Quem se interessar, encontra-se disponí- vel no endereço HTTP���WWW�PSICOLOGIAl- NANCEIRA�COM�BR�PSI�DOWNLOADS�MONOGRAlA? APRENDIZAGEM?EM?EDUCACAO?lNANCEIRA�PDF QUAIS OS PRINCIPAIS ERROS QUE OS INVES- TIDORES COMETEM EM RELAÇÃO ÀS QUES- TÕES EMOCIONAIS? PATRÍCIA: São as famosas atitudes im- pulsivas. Investidores que cometem esse tipo de erro se enquadram no mesmo PERlL�QUE�COMPRADORES�COMPULSIVOS��SØ� que nesse caso o objeto dele é o merca- DO� lNANCEIRO��/S� ESQUEMAS� COGNITIVOS� são os mesmos. A decisão pelos investi- mentos, às vezes, é tomada pela oferta, pelo modismo e é imediata, sem plane- jamento algum. Vejo que estamos caminhando para uma sociedade neurótica. Falo mais precisamente da neurose do fracasso, pois foi engolida por um poder representado, em sua maior parte, por indivíduos perversos UM TRATAMENTO COM BASE NA PSICOLO- GIA FINANCEIRA PODE SER UMA ALTERNA- TIVA PARA CASAIS EM CRISE NO RELACIO- NAMENTO POR RAZÕES FINANCEIRAS? DE QUE MANEIRA? PATRÍCIA: Sim, mas temos de levar em conta os valores, conceitos e pré-concei- tos de cada um dos parceiros. Ainda vive- mos numa cultura em que a cobrança de papéis é muito grande, principalmente no QUE�DIZ� RESPEITO� Ì�lGURA�MASCULINA�� QUE� tem de ser o provedor. Além disso, ainda pecamos muito em cima de uma ideia er- rônea que associa dinheiro ao sucesso, le- vando um dos parceiros, ou até mesmo os dois, à sensação de fracasso no casamento QUANDO�HÉ�UMA�CRISE�lNANCEIRA��.O�EN-tanto, pelo contrário, muito dinheiro tam- BÏM�PODE� SER� UMA� FORMA�DE� CAMUmAR� A� falência do casal. Nesse momento, os dois devem sentar e conversar muito. A con- versa sempre foi e será o melhor caminho, ajudar um ao outro, dividir suas ideias, MEDOS�E�CONmITOS��/�SEU�PARCEIRO�A �TEM� que saber o que se passa na sua cabeça para ambos poderem juntos desvendar o que, de fato, é real, o que é fantasia e que medidas devem ser tomadas. QUAIS SERIAM OS CONSELHOS QUE DARIA AO LEITOR EM RELAÇÃO A COMO LIDAR COM O DINHEIRO? PATRÍCIA: %STÉ�EM�CRISE�lNANCEIRA��%N- tão, primeiro, comece revendo seus valores. Segundo, veja suas aptidões e o que, de fato, o faz feliz, e, terceiro, levante seus recursos internos e trans- forme o que você tem de melhor em algum produto ou serviço que possa vir, de alguma maneira, a ser compar- TILHADO��%��lNALIZANDO��DESENVOLVA�SUA� capacidade de amar. As crianças são mais vulneráveis aos apelos do consumismo e, por isso, os pais devem ter uma ����I��GhÔ��������G���H���� �IGhÔ���G�I���G IM AG EM : S HU TT ER ST OC K 14 psique ciência&vida www.portalcienciaevida.com.br in foco por Michele Müller MENTE presente ESTAR NO MOMENTO DE AGORA PERMITE DESLIGAR A CAPACIDADE CEREBRAL DE ALERTAR PARA AS POSSIBILIDADES QUE PODEM ESTAR NOS AGUARDANDO QUEBRAR A MOLDURA DO ABSOLUTISMO E ACEITAR O INCERTO REQUEREM RECONHECER O QUE DE FATO ESTÁ SOB NOSSO CONTROLE E DEIXAR FLUIR SEM RESISTÊNCIA AQUILO QUE NÃO ESTÁ “A iluminação parte de processos mui- TOS�SIMPLESv��ENSINA�O�lLØSOFO�AUSTRÓACO� Rudolf Steiner em A Iniciação, em que apresenta formas de desenvolver a ha- bilidade de se conectar ao que chama de “mistérios superiores da existência” n�O�QUE� SØ� Ï� POSSÓVEL� POR�MEIO�DE� UM� processo meditativo, um conceito que na época ainda era considerado parte de um campo do ocultismo, restrito a poucos. Steiner derruba essa ideia, mostrando que o treino da atenção ple- na – ou “iluminação”, como aborda – é ACESSÓVEL�A�TODOS�E�hPROCEDE�DA�MESMA� forma que com todo o restante saber ou capacidade do ser humano”: basta estar disposto e ter a paciência para desenvolver e despertar sentimentos E� PENSAMENTOS� LATENTES�� h/� INÓCIO� SE� fará com a contemplação, de uma de- terminada maneira, de diversos seres da Natureza – por exemplo, uma trans- parente e bem-formada pedra (cristal), uma planta e um animal. Procure-se inicialmente dirigir toda a atenção à comparação da pedra com o animal, da seguinte forma: os pensamentos que PARA�AÓ�SÎO�DIRIGIDOS�TERÎO�DE�ATRAVESSAR� a alma acompanhados de sentimentos vivos. E nenhum outro pensamento, ne- nhum outro sentimento poderão intro- meter-se e perturbar a contemplação intensiva e compenetrada”, instrui. Essa contemplação profunda pode ser dire- cionada a outros sentidos: para alguns, forma. Persegui-lo é como perseguir um fantasma, um que constantemente nos escapa e quanto mais corremos para alcançá-lo, mais rapidamente ele foge. É por isso que a civilização corre apressa- da, raramente valoriza aquilo que tem e está sempre querendo mais e mais. A felicidade, então, consiste não em rea- LIDADES�SØLIDAS��MAS�EM�ALGO�ABSTRATO�E� SUPERlCIAL��COMO�PROMESSAS�E�EXPECTA- tivas”, conclui Watts. Sem conseguirmos nos livrar, ao menos de vez em quando, da angústia DE� SERMOS� COMANDADOS� PELO� RELØGIO� E� da pressão que representam os ideais QUE� NOSSA� CULTURA� CONSTRØI� �E� PROPA- GA� TÎO�BEM ��ACABAMOS�lCANDO�EM�UM� constante estado de alerta. Percebemos sinais de que atrás de alguma árvore pode haver um predador: o coração ACELERA��APETITE��SONO�E�RESPIRA¥ÎO�lCAM� alterados, causando uma sensação para- lisadora de ameaça. Muito antes do termo mindfulness ga- nhar popularidade no Ocidente, a psi- CØLOGA�E�PESQUISADORA�%LLEN�,ANGER��DO� Departamento de Psicologia da Univer- sidade de Harvard, estudava o fenôme- no da atenção plena. Quando a mente está presente, ela defende, nos tornamos SENSÓVEIS�AO�CONTEXTO��-AS�NÎO�BASTA�DE- CIDIR�ESTAR�PRESENTE��O�DOMÓNIO�DA�ATEN- ção é uma habilidade que, como qual- quer outra, precisa ser exercitada. Começa com a prática de perceber. A observação atenta pode ser entendida como a capaci- dade de estar presente. A presença, em sua aparente simplicidade, guarda algo impalpável e abstrato que perseguimos com fre- quência nos lugares errados: “felicida- DE� Ï� ESTAR� NO� PRESENTEv�� COMO� DElNIU� O�lLØSOFO�!LAN�7ATTS��UM�DOS�GRANDES� difusores do pensamento asiático no mundo ocidental. Estar presente é o requisito para perceber a vida de forma plena e deixar-se maravilhar por ela. “Como o que sabemos do futuro é FEITO�APENAS�DE�ELEMENTOS�ABSTRATOS�E�LØ- gicos – inferências, palpites e deduções – ele não pode ser degustado, sentido, visto, ouvido ou desfrutado de alguma www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 15 12 3R F E AR QU IV O PE SS OA L dirigir a atenção às informações sono- RAS�DO�AMBIENTE�Ï�O�MEIO�MAIS�ElCAZ�DE� alcançar o estado meditativo. Trazer a mente para o presente en- VOLVE�TAMBÏM�O�EXERCÓCIO�DA�ACEITA¥ÎO�� OUTRO� CONCEITO� ENRAIZADO� NA� lLOSOlA� oriental. Deixar de se apavorar com as possibilidades imaginárias depende de aceitarmos – e até apreciarmos – o incerto. “Tudo muda e tudo se torna diferente a partir de outra perspectiva. Portanto, o estado inteligente de cons- ciência seria de incerteza. Mas somos ensinados a procurar pelo absoluto. Te- mos a noção equivocada de que abso- lutos existem e que devemos conhecê- -los. Mas o que acontece é que, uma vez que você tem certeza de alguma coisa, você não presta atenção nela, não está presente para perceber as mudanças e perde oportunidades – seja no trabalho ou nos relacionamentos”, disse em en- trevista ao programa OnBeing (http:// bit.ly/TZAnRs). Devemos lembrar que qualquer per- gunta que nos fazemos mentalmente vem com todos os tipos de possibili- dades – tanto negativas quanto positi- vas. Criadas e alimentadas pela mente ausente, essas presunções estão quase sempre erradas. Errar nas positivas pode trazer uma enorme frustração. Errar nas negativas – sempre as mais comuns e acompanhadas de evidências que construimos com maestria – nos coloca em constante estado de preo- cupação. Coisas ruins acontecem, mas é bom trazer à consciência que nossas TEMÓVEIS� PREVISÜES� MUITO� RARAMENTE� correspondem à realidade e que, mes- MO� EM� MOMENTOS� DIFÓCEIS�� O� CENÉRIO� imaginado pode ser muito pior que o evento real. Quebrar a moldura do absolutismo e aceitar o incerto, tanto no campo in- dividual como universal, requerem re- conhecer o que de fato está sob nosso CONTROLE� E� DEIXAR� mUIR� SEM� RESISTÐNCIA� AQUILO� QUE� NÎO� ESTÉ�� %SSE� EXERCÓCIO� DE� CONlAN¥A� NA� VIDA� NOS�MANTÏM� ATENTOS� às necessidades de mudanças e evolu- ção, nos ensina que diferentes pontos de vista são enriquecedores e nos permite UM� CONTATO� MAIS� ÓNTIMO� E� REALIZADOR� com as belezas que a ansiedade geral- mente oculta. Michele Müller é especialista em Neurociências e Neuropsicologia da Educação. Pesquisa e cria ferramentas para o desenvolvimento da linguagem. É autora do blog www.leituraesentido.blogspot.com 16 psique ciência&vida www.portalcienciaevida.com.br DIREITOS do terapeuta supervisão Por Ricardo Wainer É FATO QUE O PSICOTERAPEUTA SE DEFRONTA COM O SOFRIMENTO E AS FORMAS DE RELACIONAMENTO DESADAPTATIVAS DE SEUS PACIENTES, MAS DEVE RESPEITAR SEUS LIMITES NO ATENDIMENTO CLÍNICO D esde o século XIX, não fo- ram poucos os teóricos que debateram sobre as habilida- des, competências pessoais e técnicas requeridasdos psicólogos e psiquiatras para que viessem a oferecer UMA�AJUDA�QUALIlCADA�E�COM�POUCO�RIS- co de iatrogenias a seus clientes. Pas- sando pelas ideias de autoconsciência pela autoanálise em Freud até a neces- sidade de medidas objetivas de evolu- ção do tratamento em Hans Eysenck, o fantasma do erro e da imperícia sempre assombrou o setting terapêutico. Mas o que dizer aos clínicos quando a refratariedade, a desmotivação e a resis- tência são intrínsecas à vida e ao contex- to pessoal do paciente? É exatamente so- bre essas situações que muito do trabalho da supervisão em psicoterapia mira sua prática e esforços. /S� DESAlOS� PARA� QUE� SE� CONCRETIZE� uma relação terapêutica sólida e, então, aconteçam as mudanças comportamen- tais, emocionais e cognitivas propostas no início do tratamento dependem de fato- RES��$ESDE�O�TIPO�DE�DIlCULDADE��TRANSTOR- no mental) apresentado pelo paciente e o grau de motivação para o processo psico- terápico até a capacidade de engajamento numa relação colaborativa minimamente empática com o terapeuta, tudo compac- tua para uma grande complexidade e di- lCULDADE�PARA�O�ALCANCE�DE�ÐXITOS�TOTAIS� Não é raro que supervisores tenham que tranquilizar seus supervisionandos PARA� QUE� ESTES� NÎO� lQUEM� SOFRENDO� OU� se acusando por fracassos que, na verda- de, nada mais são do que trechos de uma história maior ainda a ocorrer. O que pa- RECE�O�lM�DE�UMA�HISTØRIA�TERAPÐUTICA�DO� indivíduo, na grande maioria das vezes, é só um capítulo desse paciente no seu pro- cesso de mudança. Os problemas que uma díade paciente-terapeuta teve no passado podem representar material extremamen- TE�RICO�PARA�O�TRABALHO�DE�OUTRO�PROlSSIO- nal com aquele mesmo paciente. www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 17 SH UT TE RS TO CK / AC ER VO P ES SO AL Ricardo Wainer é doutor em Psicologia, especialista em Terapia do Esquema, com treinamento avançado pelo New York Schema Institute, e supervisor credenciado pela International Society of Schema Therapy. Pesquisador em Psicoterapia Cognitivo-Comportamental e em Ciências Cognitivas. Professor titular da Faculdade de Psicologia da PUC–RS. Diretor da Wainer Psicologia Cognitiva. tico na unicidade da relação terapêutica. Mas o terapeuta, como ser humano que é e que tem de expressar seus direitos a TODOS� �INCLUSIVE� SEUS� PACIENTES �� PRECISA� ter claros os limites entre ser um instru- mento de ajuda e entre se subjugar e ter seus direitos desrespeitados pelo cliente. Quando o respeito mútuo não se consolida entre paciente-terapeuta nos primeiros meses de relacionamento, a in- terrupção do tratamento se faz premente. 3ITUA¥ÜES� TÓPICAS� QUE� EXEMPLIlCAM� ISTO� são: casos onde não há a diminuição ou cessação de comportamentos que interfe- REM�NA�TERAPIA��FALTAS�CONSTANTES��ATRASOS� sistemáticos, vir alcoolizado ou drogado para as sessões, não cumprir acordos em relação a comportamentos suicidas ou parassuicidas, etc.). Aqui é função tera- pêutica do clínico mostrar que a dupla não está tendo os progressos básicos ne- cessários rumo às metas terapêuticas e ENCAMINHAR�O�PACIENTE�A�OUTRO�PROlSSIO- nal que pode ter mais sucesso. Não é fácil nem agradável tomar tais medidas, mas elas representam mais um aprendizado importante, através do exem- plo, de que todos precisamos conhecer e estabelecer nossos limites pessoais. É trabalho da supervisão e da forma- ¥ÎO�EM�PSICOTERAPIA�LEVAR�OS�PROlSSIONAIS� A� �� � BUSCAREM� A� NEUTRALIDADE� CIENTÓlCA�� Esta entendida como a capacidade de olhar o outro através da lente do entendi- mento teórico-clínico dos constituintes da vida que levaram o indivíduo a ter aque- la identidade e conduta. Somente assim conseguirão ter a empatia necessária para com o sofrimento do cliente e não reagir GUIADO�POR�SUAS�CREN¥AS�PESSOAIS���� �IDEN- TIlCAREM� AS� ATIVA¥ÜES� EMOCIONAIS� QUE� O� paciente lhe causa. Sabe-se que as ativa- ções e reações afetivo-emocionais que o cliente desperta no paciente são ferramen- tas ricas, tanto para a compreensão do que o paciente gera no seu entorno quanto para explicitar esse funcionamento auto- mático que, na maioria das vezes, está fora DA�CONSCIÐNCIA�DO� SUJEITO�� �� � ESTABELECER� objetivos e limites realistas ao tratamento. Sendo o autossacrifício um componente quase que universal da personalidade de PROlSSIONAIS�DA�ÉREA�DA�SAÞDE��ELE�TEM�DE� ser olhado com muita atenção. Por um lado gera a motivação e persistência para o trabalho de catalisar as mudanças nas dinâmicas do paciente, enfrentando todos OS�TIPOS�DE�RESISTÐNCIA��NORMAIS�E�ESPERA- das em todos os casos). Por outro lado, entretanto, o autossacrifício pode apare- cer numa postura onipotente e, de certo modo, arrogante, de não saber a hora de lNALIZAR� UM� ATENDIMENTO� QUE� NÎO� ESTÉ� chegando a bom termo. É justamente neste último item que ESTE�TEXTO�PROPÜE�UMA�REmEXÎO��3E�O�PSI- coterapeuta tem que se defrontar com o sofrimento e as formas de relacionamen- to desadaptativas de seus pacientes, isto NÎO� SIGNIlCA� QUE� ELE� DEVA� SER�MALTRATA- do ou agredido por aqueles. Vivenciar e validar emoções e desestabilizações do paciente, em alguns momentos, são dife- renciais esperados e de impacto terapêu- VALIDAR EMOÇÕES E DESESTABILIZAÇÕES DO PACIENTE, EM ALGUNS MOMENTOS, SÃO DIFERENCIAIS ESPERADOS E DE IMPACTO TERAPÊUTICO NA UNICIDADE DA RELAÇÃO TERAPÊUTICA NAS BANCAS! www.escala.com.br 18 psique ciência&vida www.portalcienciaevida.com.br psicopositiva por Lilian Graziano Finalmente o retorno que eu esperava. Volto ao texto com a urgência de uma colunista que está com seu prazo de en- trega estourando. Releio as linhas até então produzidas e sou assaltada por um pensamento que diz: “Não posso me esquecer de dar um retorno àquela paciente nova!”. É quando a conclusão SURREAL� SE� FAZ� ØBVIA�� .ÎO�� DElNITIVA- MENTE� NÎO� ESTOU� AQUI��/� QUE� SIGNIlCA� que estou escrevendo este texto como ELA� PORQUE� AGUARDO� UMA� CONlRMA¥ÎO� de outro paciente sem a qual não consi- go saber ao certo quais horários dispo- níveis terei para marcar a nova consul- ta. Volto a este texto. Releio a primeira frase. “Caramba, aquele paciente já de- via ter me retornado!” Pego o celular, entro no WhatsApp�A�lM�DE�CHECAR�AS� mensagens. Não. Ele ainda não respon- deu. Volto ao texto. Escrevo mais uma frase. O celular treme. Mensagem nova. A pergunta pode parecer estra- nha. Mas eu mesma tenho que me concentrar para ter a certeza de estar aqui, es- crevendo esta coluna. Pior, me lembro de uma tarefa importante, paro e vou até ela. No caminho encontro aque- le papelzinho com o telefone de uma paciente nova que aguarda um retor- no meu para marcarmos uma consulta para amanhã. Não consigo retornar a VOCÊ está AQUI? TRAGADOS PELA VELOCIDADE DO MUNDO ATUAL, ENCONTRAMOS CADA VEZ MAIS DIFICULDADE DE NOS FOCARMOS NO MOMENTO PRESENTE. A SAÍDA PODE ESTAR EM TAREFAS SIMPLES, TAIS COMO ESCOVAR OS DENTES www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 19 Lilian Graziano é psicóloga e doutora em Psicologia pela USP, com curso de extensão em Virtudes e Forças Pessoais pelo VIA Institute on Character, EUA. É professora universitária e diretora do Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento, onde oferece atendimento clínico, consultoria empresarial e cursos na área. graziano@psicologiapositiva.com.br SH UT TE RS TO CK / AC ER VO P ES SO AL se estivesse em outra dimensão. Ou em várias delas, pra ser mais precisa. É por isso que a pergunta expressano título desta coluna se faz tão pertinente. Principalmente porque você, caro leitor, muito provavelmente ao longo deste pa- rágrafo esteve tão ausente quanto eu. O que torna nosso encontro quase que um verdadeiro milagre! Não me lembro de, nas deliciosas aulas de Teoria Literária, ter lido algum artigo que falasse sobre a qualidade do texto que consegue resga- tar o leitor de outras dimensões. Talvez porque, naquela época, tudo se resumis- se à qualidade de um texto capaz de, SIMPLESMENTE�� PRENDER� A� ATEN¥ÎO� DESSE� leitor que estava ali, no presente à espera DE�SER�TOCADO��lSGADO�OU�PURAMENTE�EN- tretido pelas palavras do autor. É certo que vivemos em um ritmo diferente – discos de vinil que saltaram DA�ROTA¥ÎO����PARA�A����n��MAS�TAL�VELO- CIDADE�TEM�NOS�IMPOSTO�UM�PRE¥O��QUE�Ï� NOSSA�DIlCULDADE�EM�PARAR��3IM��PORQUE� a vivência do presente depende da cap- tura do instante. E na captura do instan- te velocidade é igual a zero (V = 0). A ciência já reconhece a importância DE�FOCARMOS�NOSSA�ATEN¥ÎO�NO�PRESENTE�� Trata-se do conceito de mindfulness, que muitos, erroneamente, acreditam ter nascido a partir da Psicologia Positiva. Na verdade, embora amplamente discu- tido por pesquisadores desse movimen- TO� CIENTÓlCO�� O� CONCEITO� DE�mindfulness parece ter sido introduzido na língua inglesa já em 1881. Uma outra confu- A CIÊNCIA JÁ RECONHECE A IMPORTÂNCIA DE FOCARMOS NOSSA ATENÇÃO NO PRESENTE. TRATA-SE DO CONCEITO DE MINDFULNESS, QUE MUITOS, ERRONEAMENTE, ACREDITAM TER NASCIDO A PARTIR DA PSICOLOGIA POSITIVA SÎO�RECORRENTE�Ï�A�CREN¥A�DE�QUE�A�ÞNICA� maneira de atingirmos o estado mindful �PRESEN¥A�NO�AQUI�E�AGORA �SEJA�POR�MEIO� DA�MEDITA¥ÎO�mindfulness. De fato, esse TIPO� DE� MEDITA¥ÎO� Ï� MUITO� ÞTIL� E� TEM� sido objeto de diversas pesquisas que a RELACIONAM� COMO� ElCAZ� NA� REDU¥ÎO� DE� estresse, ansiedade, dores crônicas etc. Contudo, infelizmente, as evidências CIENTÓlCAS� NESSE� CASO� PARECEM� NÎO� SER� SUlCIENTES�PARA�INCUTIR�NA�SOCIEDADE�OCI- dental, ou pelo menos na maioria dela, a disciplina necessária para uma prática diária meditativa. Eu mesma confesso, um tanto en- vergonhada, ser uma aprendiz rebel- de e indisciplinada. Talvez por isso me COMPADE¥A� DAQUELES� QUE�� A� DESPEITO� DE� reconhecerem a importância do estado mindful, não conseguem aderir à medita- ¥ÎO�mindfulness. Para esses vale salientar, entretanto, que existem outras práticas de mindfulness que simplesmente não in- CLUEM� A�MEDITA¥ÎO�� &AZER� UMA� REFEI¥ÎO� COM� ATEN¥ÎO� FOCADA� EXCLUSIVAMENTE� NA� experiência presente, obrigar-nos a esco- var os dentes com a mão não dominante A�lM�DE�TIRAR NOS�DO�hPILOTO�AUTOMÉTICOv� são pequenas iniciativas que podem nos levar ao estado mindful, talvez preparan- do nosso cérebro para uma futura prática MAIS�ESTRUTURADA�TAL�COMO�A�MEDITA¥ÎO�� Mas enquanto isso não ocorre, a “briga” para executarmos tarefas sim- ples, tais como escrever (ou ler) um TEXTO�� CONTINUARÉ� n� AINDA� QUE�� AO� lNAL�� consigamos sair vencedores. Ou acesse www.escala.com.br COMPARTILHE A VIDA COM MAIS EQUILÍBRIO E AMOR ENTENDER A QUÍMICA DOS RELACIONAMENTOS É A CHAVE PARA CONSTRUIR LAÇOS VERDADEIROS. NAS BANCAS E LIVRARIAS! 20 psique ciência&vida www.portalcienciaevida.com.br psicopedagogia por Maria Irene Maluf A experiência de VIAJAR SOZINHO INSEGURANÇAS E ANSIEDADES EXAGERADAS DE CRIANÇAS (E DOS PAIS) ULTRADEPENDENTES PODEM SER VENCIDAS NOS ACAMPAMENTOS RECREATIVOS QUE ESTIMULAM O DESENVOLVIMENTO DE NOVAS HABILIDADES E O AMADURECIMENTO SOCIAL ção infantil ou juvenil seja clara em meio às atividades recreativas. Em tal sentido, além das referências de amigos, da fa- mília ou da escola, é importante os pais VERIlCAREM�A�ATUALIDADE�DAS�INFORMA¥ÜES� recebidas. Sites e revistas são bons meios de pesquisa, mas a experiência e o relato DE�QUEM�JÉ�FOI�OU�LEVOU�OS�lLHOS�SÎO�MAIS� CONlÉVEIS�� !LÏM� ISSO�� VALE� LEMBRAR� AS� experiências similares anteriormente vi- venciadas, que envolveram separação da FAMÓLIA�E�DIlCULDADES�DE�RELACIONAMENTO� QUE�AS�CRIAN¥AS�TENHAM�ENFRENTADO�COM� seus iguais e outros adultos, inclusive se passaram por exemplo por experiências de bullying, ou se sofreram a separação de modo muito acentuado. Esses fatores devem ser levados em consideração antes DE�OPTAR�POR�MANDAR�O�lLHO�OU�NÎO� O cuidado deve ser maior ainda QUANDO�� ALÏM� DO� PERlL� DE� INSEGURAN- ¥A��DIlCULDADE�DE�AJUSTE� SOCIAL�� TIMIDEZ� ou mesmo uma introspecção maior, a criança estiver em meio a um tratamen- TO�ESPECIlCO��SEJA�FÓSICO��PSICOLØGICO��FO- NOAUDIØLOGO��PSICOPEDAGØGICO��/S�PRO- lSSIONAIS�ENVOLVIDOS�SABERÎO�ORIENTAR�OS� PAIS�ESPECIlCAMENTE�SOBRE�AS�VANTAGENS� e desvantagens de tal empreitada nesse momento da vida dessa criança. S EMPRE�QUE�CHEGAM�AS� FÏRIAS�OU� feriados prolongados vemos a euforia das crianças pela busca por diversão. Uma opção que virou moda no país foram os acampa- mentos recreativos. Apesar dos pedidos INSISTENTES�DE�ALGUNS�lLHOS�MAIS�AVENTU- REIROS��MUITOS�PAIS�HESITAM�EM�DEIXÉ LOS� VIAJAR� SOZINHOS� PARA� UM� ACAMPAMENTO� desses. Mas essa pode ser uma ocasião DE� APRENDIZADO� PARA� PAIS� E� lLHOS�� PO- rém, claro, deve ser bem pensada. -ANDAR� O� lLHO� PARA� UM� ACAMPA- MENTO�Ï�ØTIMO�PARA�AMPLIAR�SEU�CONTA- to e relacionamento social, incentivar a PARTICIPA¥ÎO�EM�NOVOS�GRUPOS��TRABALHAR� AS�QUESTÜES�DE�ACEITA¥ÎO�DAS�DIFEREN¥AS� pessoais, desenvolver sua independência e autonomia, ajudar a vencer inseguran- ças e ansiedades exageradas de crianças (e também dos pais) ultradependentes, ENSINAR� A� RESOLVER� SOZINHAS� PROBLEMAS� do dia a dia, a seguir regras, adaptar-se a SITUA¥ÜES�DIFERENTES��ENTRE�TANTOS�OUTROS� fatores. Essa espécie de atividade é mui- TO�INDICADA�DEVIDO�ÌS�VANTAJOSAS�HABILI- dades que desenvolve. Para que nada dê errado, é decisivo es- COLHER�UM�ACAMPAMENTO�BEM�ESTRUTURA- DO��ONDE�A�PROPOSTA�DE�APOIO�Ì�SOCIALIZA- 3ALVO� EXCE¥ÜES�� SE� SUlCIENTEMEN- te amadurecidas e preparadas pela família, a partir dos seis ou sete anos as crianças poderão aproveitar e mui- to a experiência de viajar sem os pais ATÏ�PARA�DESENVOLVER�NOVAS�HABILIDADES� sociais, de autoestima e de autonomia, POIS��SOZINHAS��TERÎO�DE�RESOLVER�PEQUE- nos problemas de cuidados pessoais, de relacionamento, que via de regra a MÎE�DECIDE�PELO�lLHO�� TERÎO�DE�APREN- der e aceitar viver sob novas regras e LIDAR�COM�SITUA¥ÜES�DE�MEDO�DE�DORMIR�� por exemplo, em conjunto com outras crianças que estão passando pela mes- ma situação. O amadurecimento social é visível, HÉ�MELHORIA�NA�AUTONOMIA�E�SENTIDO�DE� segurança pessoal na maioria dos ca- sos. Além disso, uma nova rotina gera NOVOS� INTERESSES�� APRENDIZAGENS� DIVER- SIlCADAS��INTERIORIZA�A�DISCIPLINA��MUDA� o comportamento. Mais importantes que a idade cro- NOLØGICA� PARA� ENVIAR� A� CRIAN¥A� SÎO� A� maturidade emocional e a autonomia já adquiridas, tanto por meio da educação familiar quanto pelas experiências ante- riores, como dormir em casa de amigos, sair de férias com parentes etc. www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 21 Maria Irene Maluf é especialista em Psicopedagogia, Educação Especial e Neuroaprendizagem. Foi presidente nacional da Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp (gestão 2005/07). É editora da revista Psicopedagogia da ABPp e autora de artigos em publicações nacionais e internacionais. Coordena curso de especialização em Neuroaprendizagem. irenemaluf@uol.com.br SH UT TE RS TO CK / A RQ UI VO P ES SO AL Outro ponto importante é a postura dos pais frente ao afastamento da criança e A�MANEIRA�COMO�ELA�Ï�CONDUZIDA�AO�ACAM- pamento. Esses são diferenciais fundamen- TAIS�PRINCIPALMENTE�PARA�OS�MAIS�NOVINHOS��que precisam sentir que seus pais estão tranquilos e seguros para também se senti- rem assim em um novo ambiente. Sempre existem maneiras de ajudar OS�lLHOS�A�ADQUIRIREM�ânimo para novas EMPREITADAS� COMO� ESSA�� CASO� NA� HORA� “H” falte coragem: no caso de crianças tímidas ou inseguras, o ideal é que uma outra criança conhecida vá junto com ela, ao menos na primeira experiência FORA�DE�CASA��QUE�AMBAS�TENHAM�A�MES- MA�FAIXA�ETÉRIA�E�POSSAM�lCAR�NO�MES- mo grupo. A mais segura e extrovertida serve de modelo e de apoio enquanto a MAIS�TÓMIDA�FAZ�NOVOS�AMIGOS�� Crianças menores de seis ou sete anos não têm ainda tantas defesas emo- cionais, a não ser que os pais acreditem QUE�O�lLHO�Ï�BEM�AMADURECIDO�PARA�A� idade e possa experimentar esse tipo de PASSEIO�SEM�NENHUM�TRAUMA�� !CHO� IMPORTANTE�REmETIR� TAMBÏM�SO- bre as mudanças vantajosas que podem ser geradas na família a partir da ausência TEMPORÉRIA� DO� lLHO��MÎES� E� PAIS� PODEM� perceber que apesar da idade, compara- tivamente a outras crianças, ainda não o PREPARARAM�O�SUlCIENTE�OU�DE�MODO�ADE- A POSTURA DOS PAIS FRENTE AO AFASTAMENTO DO FILHO É MUITO IMPORTANTE, POIS A CRIANÇA PRECISA SENTIR QUE ELES ESTÃO TRANQUILOS PARA QUE TAMBÉM POSSA TER SEGURANÇA EM UM NOVO AMBIENTE quado para a independência e autonomia. Podem assim sentir também os efeitos do EXCESSO�DE�SUA�PROTE¥ÎO�PELAS�REA¥ÜES�DOS� lLHOS�E�DEPENDÐNCIA�EXCESSIVA�A�ELES�E�DE- les com as crianças, coisa que não é pro- dutiva nem saudável. E ainda tirar outro APRENDIZADO�DISSO�TUDO��OS�lLHOS�UM�DIA� VÎO�TER�MESMO�A�PRØPRIA�VIDA�E�A�FAMÓLIA� existe para prepará-los para isso... 22 psique ciência&vida www.portalcienciaevida.com.br sexualidade Por Giancarlo Spizzirri IM AG EN S: 1 23 RF E A RQ UI VO P ES SO AL PESQUISAS MOSTRAM QUE AS PESSOAS TRANSEXUAIS COM DISFORIA DE GÊNERO APRESENTAM MAIORES CHANCES DE EXIBIR TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS AO LONGO DE SUAS VIDAS O desenvolvimento da IDENTIDADE TIlCAM�COM�O� SEU� SEXO�E�OU�GÐNERO�DE� NASCIMENTO�� �D � TRANSEXUAL� Ï�QUEM�NÎO� SE�IDENTIlCA�COM�SEU�SEXO�DE�NASCIMENTO� E� PROCURA� ADEQUAR�� OU� PASSOU� POR� ADE- QUA¥ÎO�� PARA� O� GÐNERO� COM� O� QUAL� SE� IDENTIlCA��O�QUE��EM�VÉRIOS��MAS�NÎO�EM� TODOS�OS�CASOS��ENVOLVE�TRANSI¥ÎO�SOMÉ- TICA�POR�TRATAMENTO�HORMONAL�E�CIRURGIA� de redesignação sexual��ADEQUA¥ÎO�DO�SEXO� DE�NASCIMENTO�PARA�O�GÐNERO�COM�O�QUAL� O� INDIVÓDUO�SE� IDENTIlCA �� �E �DISFORIA�DE� GÐNERO� REFERE SE� Ì� INCONGRUÐNCIA� ACEN- TUADA�ENTRE�O�SEXO�DE�NASCIMENTO�E COMO� ELE� Ï� PERCEBIDO� E�MANIFESTADO�NO� COM- PORTAMENTO� DO� INDIVÓDUO�� COM�DURA¥ÎO� DE�PELO�MENOS�SEIS�MESES��ALÏM�DO�MAIS�� ESSA� CONDI¥ÎO� DEVERÉ� ESTAR� ASSOCIADA� A� SOFRIMENTO�CLINICAMENTE�SIGNIlCATIVO�OU� PREJUÓZO�NO�FUNCIONAMENTO�SOCIAL��PROlS- SIONAL�OU�EM�OUTRAS�ÉREAS�IMPORTANTES�DA� VIDA�DO�INDIVÓDUO��%MBORA�NEM�TODOS�OS� INDIVÓDUOS�VENHAM�A� SENTIR�DESCONFORTO� COM�O�RESULTADO�DE�TAL�DESARMONIA��MUI- TOS�SENTIRÎO��SE�AS�INTERVEN¥ÜES�DESEJADAS� SOBRE�O�FÓSICO��POR�MEIO�DE�HORMÙNIOS�E� OU�CIRURGIAS��NÎO�ESTIVEREM�DISPONÓVEIS� 0ESSOAS� QUE� SE� IDENTIlCAM� COMO� TRANSEXUAIS� REPORTAM� NA� SUA� HISTØRIA� DESCONFORTO�PERSISTENTE�COM�O�SEXO�QUE� LHE�FOI�DESIGNADO�NO�NASCIMENTO�E�APRE- SENTAM�FORTE�IDENTIlCA¥ÎO�COM�O�GÐNERO� OPOSTO�AO�SEU�SEXO�DE�NASCIMENTO��-UI- A PUBLICA¥ÎO� DA� �a� EDI¥ÎO� DO� -ANUAL� $IAGNØSTICO� E� %STA- TÓSTICO� DOS� 4RANSTORNOS� -EN- TAIS� �$3- � �� DA� !SSOCIA¥ÎO� 0SIQUIÉTRICA�!MERICANA��!0! ��EXPANDIU� A�VISÎO�SOBRE�SEXO�E�GÐNERO��SEXO�REFERE- SE� TANTO� A�MASCULINO� QUANTO� A� FEMINI- NO�� RELACIONADO� AOS� ASPECTOS� BIOLØGICOS� COMO�� CROMOSSOMOS� SEXUAIS�� GÙNADAS�� HORMÙNIOS� SEXUAIS� E� GENITÉLIA� INTERNA� E� EXTERNA�NÎO�AMBÓGUAS�� E�GÐNERO�Ï�UTILI- ZADO�PARA�DESIGNAR�O�PAPEL�SOCIAL�n�ME- NINO�OU�MENINA��HOMEM�OU�MULHER��QUE�� NA�MAIORIA�DAS�PESSOAS��ESTÉ�RELACIONADO� AO� SEXO� DE� NASCIMENTO�� %NTRETANTO�� O� DESENVOLVIMENTO� INDIVIDUAL� DO� GÐNERO� SOFRE� INmUÐNCIAS� BIOPSICOSSOCIAIS� E� NEM� TODOS� OS� INDIVÓDUOS� SE� PERCEBEM� COMO� HOMENS�OU�MULHERES��$AÓ��VÉRIAS�CLASSIl- CA¥ÜES���A �DESIGNA¥ÎO�DE�GÐNERO��REFERE- SE� Ì� DESIGNA¥ÎO� INICIAL� COMO� HOMEM� OU�MULHER��E�GERALMENTE� ISSO�OCORRE�NO� NASCIMENTO� E�� POR� CONSEGUINTE�� CRIA SE� O� hGÐNERO� DE� NASCIMENTOv�� �B � IDENTIDA- DE�DE�GÐNERO� Ï�UMA�CATEGORIA�DA� IDEN- TIDADE� SOCIAL� E� REFERE SE� Ì� IDENTIlCA¥ÎO� DO� INDIVÓDUO� COMO� HOMEM� OU�MULHER�� OU�� OCASIONALMENTE�� COM� ALGUMA� CATE- GORIA� DIFERENTE� DE� HOMEM� OU� MULHER�� �C � TRANSGÐNERO�S � REFERE SE� AO� AMPLO� CONJUNTO� DE� INDIVÓDUOS� QUE� TRANSITORIA- MENTE�OU�PERSISTENTEMENTE�NÎO�SE� IDEN- TOS� RELATAM� SINTOMAS� SIGNIlCATIVOS� DE� ESTRESSE�PSICOLØGICO� E�PROCURAM� TOMAR� MEDIDAS� PARA� ALTERAR� AS� CARACTERÓSTICAS� DE�SEUS�CORPOS��POR�EXEMPLO��POR�MEIO� DO�USO�DE�HORMÙNIOS�SEXUAIS�E�CIRURGIA� PLÉSTICA �� DE� FORMA� A� SE� ADEQUAREM�� O� MAIS� PRØXIMO�POSSÓVEL�� AO� GÐNERO� COM� O�QUAL�SE�IDENTIlCAM��6ALE�LEMBRAR�QUE� OS�INDIVÓDUOS�TRANSEXUAIS�PODEM�OU�NÎO� APRESENTAR� DISFORIA� DE� GÐNERO�� SEGUNDO� O�$3- �� 0ESQUISAS� MOSTRAM� QUE� AS� PESSOAS� TRANSEXUAIS� COM� DISFORIA� DE� GÐNERO� TÐM� MAIORES� CHANCES� DE� EXIBIR� TRANSTORNOS� PSIQUIÉTRICOS�AO�LONGO�DE�SUAS�VIDAS��ENTRE� ELES�� EPISØDIOS� DEPRESSIVOS�� TENTATIVAS� DE� E�OU�SUICÓDIO�E�HISTØRIA�DE�TRAUMA��FÓSICO� E�OU�EMOCIONAL �DURANTE�A�INFÊNCIA��-AIS� ESPECIlCAMENTE��PESSOAS�QUE�APRESENTAM� TRANSTORNO�ANSIOSO�ASSOCIADO�Ì�TRANSEXU- ALIDADE�COM�DISFORIA�DE�GÐNERO�TENDEM�A� www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 23 Giancarlo Spizzirri é psiquiatra doutorando pelo Instituto de Psiquiatria (IPq) da Faculdade de Medicina da USP, médico do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do IPq e professor do curso de especialização em Sexualidade Humana da USP. Referências: SPIZZIRRI, Giancarlo. Morfometria cerebral e imagens de tensores de difusão da microestrutura de substância branca em homens para mulheres transexuais antes e durante o processo transexualizador (Tese). Faculdade de Medicina da USP, São Paulo, 2016. MUITOS TRANSGÊNEROS RELATAM SINTOMAS SIGNIFICATIVOS DE ESTRESSE PSICOLÓGICO E PROCURAM TOMAR MEDIDAS PARA ALTERAR AS CARACTERÍSTICAS $%�3%53�#/20/3�$%�&/2-!�!�3%�!$%15!2%-�� /�-!)3�028)-/�0/33°6%,��!/�'º.%2/� COM O QUAL SE IDENTIFICAM EVIDÐNCIA�DE�QUE�O�AMBIENTE�SOCIAL�APØS�O� NASCIMENTO�DESEMPENHE�PAPEL�CRUCIAL�NA� DETERMINA¥ÎO� DA� IDENTIDADE� DE� GÐNERO�� ENTRETANTO�AS�RELA¥ÜES�ENTRE�AS�DIFEREN¥AS� SEXUAIS�ESTRUTURAIS�E�FUNCIONAIS�DE�VÉRIAS� ÉREAS�DO�CÏREBRO�EM�RELA¥ÎO�ÌS�VARIA¥ÜES� HORMONAIS�DURANTE�O�PERÓODO�GESTACIONAL� TÐM�SIDO�VERIlCADAS��� !PESAR�DE� A� CONSCIENTIZA¥ÎO�PÞBLICA� SOBRE� O� AMPLO� ESPECTRO� DE� INDIVÓDUOS� TRANSGÐNEROS� ESTAR� SE� DESENVOLVENDO�� A� COMPREENSÎO�CIENTÓlCA�SOBRE�O�FENÙMENO� DO�DESENVOLVIMENTO�DA�IDENTIDADE�DE�GÐ- NERO�AINDA�Ï� LIMITADA��.ÎO�HÉ�NENHUMA� APRESENTAR� MAIS� PROBLEMAS� PSIQUIÉTRICOS� QUE�A�POPULA¥ÎO�EM�GERAL��ALÏM�DE�SEREM�� JUNTO�COM�OS�TRANSTORNOS�AFETIVOS��COMO� A� DEPRESSÎO�� POR� EXEMPLO �� OS� DISTÞRBIOS� MAIS� FREQUENTES� NESSA� POPULA¥ÎO��/�USO� ABUSIVO�DE�SUBSTÊNCIAS�PSICOATIVAS�ILÓCITAS� OU�SEM�PRESCRI¥ÎO�MÏDICA�Ï�OUTRO�ASPECTO� RELEVANTE�� ����DOS� TRANSGÐNEROS� COMEN- TAM�QUE�PROCURARAM�TRATAMENTO�PARA�USO� ABUSIVO�DE�SUBSTÊNCIAS�EM�PESQUISA�REALI- ZADA�NA�POPULA¥ÎO�AMERICANA�� 24 psique ciência&vida www.portalcienciaevida.com.br PSICANÁLISE SH UT TE RS TO CK TOC em crianças Comportamentos repetitivos fazem parte também do universo infantil e adolescente, trazendo limitações que prejudicam as relações sociais desde muito cedo Por Cristiane Flôres Bortoncello e Juliana Braga Gomes ������G���!�Ï����������I�����\����I`���G�/�H�G9����G����G�I���I����IGhÔ�����G�!�.�9����H������ G ��G�������� ����� G�����I�GhÔ�� ��.��G��G�� ��������G�� �� ���"�G� �� ��-����.�¢ -�����Ô��=;<A¢=;<D9����������� Psiquiatria (UFRGS) e especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental $��G�G:�.�������GhÔ�����.��G��G� ���G�G��$�.��9����.��G��G� �� �����G� (WP), treinamento intensivo em Terapia Comportamental Dialética. É membro do tecDbt – time de estudos e consultoria em DBT, professora do curso ������I�G���GhÔ�����.��G��G����������¢�������G����G���G�$��Ë�I�G��� Adolescência (InTCC). Psicóloga dos grupos de tratamento para o TOC do #�����G�� ����^��IG�� ��+������������ ��=;;B�G�=;<?:� Juliana Braga Gomes é psicóloga e pedagoga formada pela PUCRS, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (Infapa), mestre em Ciências Médicas, Psiquiatria, doutora em Psiquiatria e Ciências do Comportamento-UFRGS; pesquisadora do Transtorno *H�������¢�������������.�G�������� ��+Ë��I�������I`���G� ���������� �� ��G�G�������G�G���.*�� ��#�����G�� ����^��IG�� ��+������������ ��=;;B� G�=;<?:�-`I�G���� G ��G�����I�¢����� ����� G�����I�GhÔ�� ��.��G��G�� Cognitivas do Rio Grande do Sul (ATC-RS). PSICANÁLISE CCCCCCCCoooooooommmmmmmmmmmpppppppppppoooooooooorrrrrrrrrrrtttttttttttaaaaaaaaaammmmmmmmmmmeeeeeeeeeeennnnnnnnnnttttttttttttooooooooosssssssss rrrrrrrrrreeeeeeeeeeeppppppppppeeeeeeeeeeetttttttttttiiiiiiittttttttttttiiiiiiiivvvvvvvvvvvooooooooosssssssss ffffffffffffaaaaaaaaaazzzzzzzzzzzeeeeeeeeeeemmmmmmmmmmm ppppppppppaaaaaaaaaarrrrrrrrrrttttttttttteeeeeeeeeee ttttttttttttaaaaaaaaaaammmmmmmmmmmbbbbbbbbbbééééééééééémmmmmmmmmm ddddddddddooooooooo uuuuuuuuuunnnnnnnnnniiiiiiiivvvvvvvvvvveeeeeeeeeeerrrrrrrrrrrsssssssssoooooooooo iiiiiinnnnnnnnnnfffffffffffaaaaaaaaaaannnnnnnnnntttttttttttiiiiiiillllllll eeeeeeeeeee aaaaaaaaaaaddddddddddoooooooooollllllllleeeeeeeeeeeessssssssscccccccccceeeeeeeeeeennnnnnnnnnttttttttttteeeeeeeeeee,,,,,, tttttttttttrrrrrrrrrrraaaaaaaaaazzzzzzzzzzeeeeeeeeeeennnnnnnnnnnddddddddddoooooooooo lllllliiiiiiiimmmmmmmmmmmiiiiiiiittttttttttttaaaaaaaaaaçççççççççççõõõõõõõõõõeeeeeeeeeeeesssssssss qqqqqqqqqquuuuuuuuuueeeeeeeeeee ppppppppppprrrrrrrrrrreeeeeeeeeeejjjjjjjjjjuuuuuuuuuuddddddddddiiiiiiiiicccccccccaaaaaaaaaammmmmmmmmmm aaaaaaaaaasssssssss rrrrrrrrrrreeeeeeeeeeelllllllllaaaaaaaaaaçççççççççççõõõõõõõõõõõeeeeeeeeeeeesssssssss sssssssssoooooooooccccccccccciiiiiiiaaaaaaaaaaiiiiiiiiisssssssss ddddddddddeeeeeeeeeeessssssssssddddddddddeeeeeeeeeee mmmmmmmmmmuuuuuuuuuuiiiiiiiittttttttttttoooooooooo cccccccceeeeeeeeeeeddddddddddoooooooooo Comportamentos repetitivos fazem parte também do universo infantil e adolescente, trazendo limitações que prejudicam as relações sociais desde muito cedo PPPPPPPPPPPPPPooooooooooooorrrrrrrrrrrrrrr CCCCCCCCCCCCCrrrrrrrrrrrrrrriiiiiiiiiiisssssssssssstttttttttttttttiiiiiiiiiiiaaaaaaaaaaaaannnnnnnnnnnnnnneeeeeeeeeeeeee FFFFFFFFFFFFFFlllllllllôôôôôôôôôôôôôôrrrrrrrrrrrrrrreeeeeeeeeeeeeessssssssssss BBBBBBBBBBBBBBoooooooooooorrrrrrrrrrrrrrrtttttttttttttttoooooooooooonnnnnnnnnnnnnnncccccccccccceeeeeeeeeeeeeelllllllllllllllloooooooooooo eeeeeeeeeeeeee JJJJJJJJJJJJJuuuuuuuuuuuuuuulllllllllliiiiiiiiiiiaaaaaaaaaaaaannnnnnnnnnnnnnaaaaaaaaaaaaa BBBBBBBBBBBBBBBrrrrrrrrrrrrrrraaaaaaaaaaaaaggggggggggggggaaaaaaaaaaaaa GGGGGGGGGGGGGoooooooooooommmmmmmmmmmmmmeeeeeeeeeeeeeesssssssssssss Por Cristiane Flôres Bortoncello e Juliana Braga Gomes www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 25 26 psique ciência&vida www.portalcienciaevida.com.br PSICANÁLISE São comuns preocupações com simetria, alinhamento ou exatidão (precisar organizar os brinquedos por tamanho ou categoria, sensação de que as coisas não estão no devido lugar) ou simplesmente refazer várias vezes para que fique perfeito fazer lavagens excessivas e rituali- zadas das mãos para ter certeza de que estão limpas); dúvidas seguidas de verificações ou de perguntas re- petidas, ou necessidade de confir- mações (checagens para confirmar se os materiais estão na mochila, li- gar seguidas vezes para se certificar de que nada de horrível aconteceu com um familiar; verificar a porta da casa ou do carro para garantir que esteja trancada), sendo segui- dos, muitas vezes, por evitações (não usar o banheiro da escola ou não chegar perto dos colegas). Tam- bém são comuns preocupações com simetria, alinhamento ou exatidão (precisar organizar por tamanho ou categoria os brinquedos, sensação de que as coisas não estão no devido lugar/ordem) ou simplesmente refa- zer várias vezes para que fique per- feito ou completo (refazer os temas de casa, passar a limpo várias vezes as anotações de aula ou os cadernos, reler inúmeras vezes uma página ou um parágrafo para ter certeza de que entendeu tudo ou de que a letra está perfeita) (Bortoncello et al., 2014). Podem estar presentes pensamentos de conteúdo indesejado e repugnan- te (medo de xingar outras pessoas ou de dizer involuntariamente algo obsceno, medo de ser responsável por desgraças, como provocar um desastre de carro ou queda de avião por ter pensado ou sonhado). Ou- tro sintoma com comorbidade com o TOC é a acumulação compulsiva (grande dificuldade em descartar brinquedos quebrados ou estraga- Medos e fobias eventuais são normais, fazem parte da evolução de crianças e adolescentes e não devem ser confundidos com os sintomas Em crianças e adolescen-tes, rituais, medos, com-portamentos repetitivos e eventuais fobias fazem parte do desenvolvi- mento normal e devem ser diferen- ciados dos sintomas do TOC, como é o caso das crianças pequenas, que apresentam rituais nos horários de dormir (uma determinada maneira para adormecer), comer (dificuldade em misturar as comidas) e demorar no banho. Esses comportamentos tendem a ser mais frequentes entre os 2 e 4 anos de idade (Evans et al., 1997). As crianças de 3 a 5 anos cos- tumam brincar de imitar comporta- mentos de outras pessoas (mímica), repetir as mesmas brincadeiras, mú- sicas e até assistir aos mesmos filmes diversas vezes. Na idade escolar, os jogos passam a ter regras rígidas, que são discutidas e negociadas entre os participantes, e há muito interesse por coleções (figurinhas, modelos de carros, aviões, bonecos, filmes, etc.). Na adolescência, é muito co- mum ter grande interesse por artis- tas, celebridades, estilos musicais/ banda de música, bem como cole- ção de objetos e lembranças de um ídolo. Todos estes comportamentos permanecem durante uma determi- nada fase do desenvolvimento e não interferem nas atividades diárias nem prejudicam o de- sempenho escolar. Já o transtorno obsessivo- -compulsivo (TOC) é uma doença mental grave, que aco- mete principalmente indiví- duos jovens no final da adoles- cência, embora muitas vezes os primeiros sintomas se ma- nifestem na infância. Seu curso geralmente é crônico e, caso não seja tratado, se mantém por toda a vida, raramente desaparecendo por completo (American Psychiatric As- sociation, 2014). Caracteriza-se pela presença de pensamentos, impulsos ou imagens recorrentes e persisten- tes (obsessões) e comportamentos ou atos mentais repetitivos (compulsões) realizados, na maior parte das vezes, com o intuito de diminuir o descon- forto que acompanha as obsessões. Nas crianças e adolescentes, os sintomas mais comuns são: medo de contaminação seguido de com- pulsão por limpeza e lavagem (evi- tar utilizar o banheiro da escola ou da casa de um amigo, não dividir o lanche por considerar nojento/sujo, www.portalcienciaevida.com.br psique ciência&vida 27 dos, objetos sem valor como eti- quetas, roupas que não servem, ca- dernos e folhas velhas, assim como embalagens vazias). Também são comuns nas crian- ças e adolescentes as compulsões mentais: “atos” mentais como
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