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1 - Crimes contra a vida

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CRIMES CONTRA A PESSOA
INTRODUÇÃO
A pessoa é o primeiro bem jurídico tutelado pelo direito penal, já que os crimes contra a pessoa estão previstos no título inaugural da Parte Especial do CP (arts. 121 a 154), divididos em 06 (seis) capítulos:
Capítulo I - crimes contra a vida (arts. 121 a 128).
Capítulo II - crime de lesão corporal (art. 129).
Capítulo III - crimes de periclitação da vida e da saúde (arts. 130 a 136).
Capítulo IV - crime de rixa (art. 137).
Capítulo V - crimes contra a honra (arts. 138 a 145).
Capítulo VI - crimes contra a liberdade individual (arts. 146 a 154).
A divisão entre títulos e capítulos na Parte Especial tem como finalidade, em regra�, identificar, respectivamente, o objeto jurídico genérico e específico do delito. 
No título I em comento, o legislador tutela, genericamente, a pessoa humana, e, especificamente, sua vida, saúde, honra e liberdade individual.
A pessoa jurídica, contudo, também goza de proteção no rol dos crimes contra a pessoa em relação à calúnia (que envolva crime ambiental - art. 138), difamação (art. 139), violação de domicílio (art. 151) e violação de correspondência (art. 154).
1. CRIMES CONTRA A VIDA
Rol dos crimes contra a vida
A vida é o direito fundamental por excelência da pessoa humana (art. 5º, caput, da CF/88).
Nesse prisma, o CP elenca como crimes contra a vida o homicídio (art. 121), participação em suicídio (art. 122), infanticídio (art. 123), e o aborto (arts. 124 a 128).
O crime de genocídio (Lei nº 2.889/56) não integra o rol dos crimes contra a vida. É crime contra a humanidade e hediondo (art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 8.072/90).
A principal distinção entre os crimes de genocídio e homicídio consiste na existência naquele do elemento subjetivo do tipo específico consistente na finalidade de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, por meio da conduta de matar; causar lesão corporal grave; submeter o grupo a condições que lhe causem a destruição; impedir o nascimento (aborto); ou efetuar a transferência forçada de crianças de um grupo para outro grupo.
Competência para julgamento
 A competência para processar e julgar os crimes dolosos contra a vida é do Tribunal do Júri (art. 5º, XXXVIII, da CF, c/c art. 74, § 1º, do CPP), inclusive os conexos e continentes a estes.
Desde a entrada em vigor da Lei nº 9.299/96, os crimes dolosos contra a vida cometidos por militar contra civil, policial da reserva ou policial reformado são julgados pelo Tribunal do Júri da Justiça Comum, nos moldes do art. 9º, parágrafo único, do CPM c/c art. 82, § 2º, do CPPM.
Dessa forma, a competência da Justiça Castrense subsiste somente quando a vítima é militar da ativa. 
No caso de funcionário público federal morto no exercício da função ou em razão dela o Tribunal do Júri instaura-se o perante a Justiça Federal.
Os crimes de homicídio culposo, genocídio, latrocínio (Súmula 603 do STF)�, extorsão com resultado morte, epidemia com resultado morte ou qualquer outro crime qualificado pela morte não são julgados pelo júri popular, mas pelo juízo singular, por não se tratarem de crime doloso contra a vida.
Pena de morte
A pena de morte, via de regra, não é admitida no direito penal pátrio, salvo no caso de guerra externa declarada, por força do princípio da humanidade das penas (art. 5º, XLVII, da CF�).
O único diploma legal no direito pátrio que contempla a pena de morte é o Código Penal Militar, por meio do fuzilamento (art. 56). É o que ocorre, por exemplo, no crime de traição (art. 355).
Infere-se, assim, que nenhum direito fundamental é absoluto, nem mesmo o direito à vida, que é pressuposto para o exercício dos demais direitos, haja vista a pena de morte�. 
2. HOMICÍDIO (ART. 121)
2.1. Conceito
	
Nélson Hungria assinala que o homicídio é o crime por excelência ou o crime culminante em razão de sua importância.
Define-se o homicídio como a supressão ou ocisão da vida humana praticada por uma pessoa contra outra a partir do início do parto�. É o hominis excidium.
A violência, a injustiça e a viabilidade da vida humana não integram o conceito do crime descrito no art. 121 do CP.
Assim, é perfeitamente possível matar outrem sem emprego de violência (por exemplo, venefício), reagindo a uma agressão injusta (legítima defesa) ou mesmo ceifar uma vida humana extrauterina inviável.	
A ofensa à vida intra-uterina enseja o crime de abortamento (arts. 124 a 126 do CP). 
O marco divisório para a definição do crime contra a vida é o início do parto. Antes do seu início ocorre o crime de abortamento (arts. 124 a 126 do CP); após o seu começo existe o crime de homicídio (art. 121 do CP) ou infanticídio (art. 123 do CP). 
2.2. Objeto jurídico 
Protege-se a vida humana extra-uterina, ou seja, aquela que existe desde o início do parto que se dá com o rompimento do saco amninótico�.
A vida é um bem jurídico indisponível, portanto, o consentimento da vítima para que alguém elimine sua vida é irrelevante para fins penais.
 Nesse sentido, a eutanásia, também conhecida como homicídio piedoso, configura crime de homicídio privilegiado (motivo de relevante valor moral).
2.3. Objeto material
	
O objeto material ou de ação é a pessoa humana.
Configura crime impossível por absoluta impropriedade do objeto material (art. 17 do CP) se a suposta vítima já estiver morta no momento da execução do delito.
2.4. Sujeito ativo 
		
O homicídio é crime comum, pois pode ser praticado por qualquer pessoa.
É crime monossubjetivo, unissubjetivo ou de concurso eventual, já que basta a existência de uma única pessoa para o seu cometimento. Assim, nada impede concurso de pessoas na forma de coautoria ou participação (induzimento, instigação e auxílio).
Importante mencionar no contexto do homicídio os institutos da autoria colateral e autoria incerta.
A autoria colateral é o instituto jurídico em que dois ou mais agentes, um desconhecendo a conduta do outro, executam ao mesmo tempo o delito e a perícia consegue identificar quem causou a morte da vítima. Cada agente responde apenas pelo que causou. 
Imagine-se que “A” e “B”, sem se conhecerem, atiram contra “C”, vindo este a óbito, constatando o exame necroscópico que foi o projétil de “A” que causou a morte de “C”. “A” responde por homicídio consumado e “B” por homicídio tentado.
Na autoria incerta, o exame pericial não consegue identificar quem foi o causador da morte da vítima, respondendo os agentes por crime de homicídio tentado, embora a vítima tenha morrido, tendo em vista o princípio do in dubio pro reu.
Anote-se que tanto na autoria colateral como na incerta, não há concurso de pessoas, em razão da ausência do requisito do vínculo subjetivo entre os agentes.
Questão interessante é a dos gêmeos xifópagos ou siameses quando apenas um gêmeo pretender matar outrem contra a vontade do outro gêmeo. Manzini sustenta que o gêmeo homicida deva ser absolvido em respeito ao direito de liberdade do gêmeo inocente. Melhor entendimento é o de Flávio Augusto Monteiro de Barros no qual o gêmeo homicida deve ser condenado, mas não cumprir a pena em respeito ao outro, e caso sobrevenha alguma condenação ao gêmeo inocente, ambos poderão cumprir a pena.
2.5. Sujeito passivo
	
A vítima do crime é qualquer pessoa humana. 
No homicídio doloso a pena é aumentada em 1/3 (art. 121, § 4º, parte final), quando a vítima for:
I) menor de 14 anos
Abrange a pessoa desde o seu nascimento até os 13 anos, 11 meses e 29 dias.
Diante disso, se a vítima é assassinada no dia em que completa 14 anos não se aplica a majorante.
II) maior de 60 anos 
É a pessoa que tem a partir de 60 anos e 01 dia.
Portanto, se a vítima é executada no dia em que completa 60 anos não incide a causa de aumento da pena.
III) índio não integrado 
Está previsto no art. 59 da Lei 6.001/73�.
Qual diploma legal incide se a vítima for o Presidente da República, Presidente da Câmara dos Deputados, Presidente do Senado Federalou Presidente do STF?
O amoldamento da conduta do agente depende da existência, ou não, de motivação política. Caracterizada o motivo político aplica-se o art. 29 da Lei 7.170/83� - Lei de Segurança Nacional, por força do princípio da especialidade. Do contrário, incide o CP.
Por qual crime responde o agente que desfecha projéteis de arma de fogo causando a morte dos gêmeos xifópagos?
Na hipótese de pretender matar um ou ambos os gêmeos responderá por dois homicídios dolosos em concurso formal impróprio (art. 121 c/c art. 70, 2ª parte), ou seja, as penas serão somadas.
No primeiro caso querendo matar apenas um gêmeo, o outro necessariamente morrerá, haja vista a inviabilidade da separação dos corpos. Age o agente, portanto, com dolo direito de 2º grau ou de conseqüências necessárias (visa um resultado, ciente de que outros necessariamente ocorrerão) em relação ao gêmeo que não queria matar. 
A conduta de matar animal da fauna silvestre dolosamente caracteriza o crime do art. 29 da Lei 9.605/98� - Lei dos Crimes Ambientais.
2.6. Núcleo do tipo
A ação incriminada é matar, que tem o significado de tirar, eliminar ou suprimir a vida de outrem.
O crime é comissivo (o tipo penal descreve um fazer), e, excepcionalmente, comissivo por omissão ou omissivo impróprio, quando o agente tem o dever jurídico de impedir o resultado e não o faz (art. 13, § 2, do CP), como, por exemplo, a mãe que deixa de alimentar filho recém-nascido com o intuito de matá-lo.
2.7. Meios de execução
	
É crime de forma livre, pois admite quaisquer meios idôneos de execução. Assim, o agente que pretende matar outrem atirando guardanapo não responde por homicídio em face do crime impossível por ineficácia absoluta do meio de execução.
2.8. Elemento subjetivo 	
O elemento subjetivo é o dolo, direto ou eventual, ou a culpa. 
O dolo é conhecido pela expressão latina “animus necandi” ou “occidendi”.
2.9. Consumação
O homicídio consuma-se com a morte cerebral do tipo encefálica� (art. 3º da Lei 9.434/97)�. É crime material que exige a ocorrência do resultado naturalístico morte.
É crime não transeunte, logo, imprescindível o exame de corpo de delito direto ou indireto (art. 158 do CPP), não podendo supri-lo a confissão do acusado�. 
O crime é instantâneo de efeitos permanentes, eis que o crime se consuma em momento determinado, mas com efeitos irreversíveis.
	
2.10. Tentativa
É possível a tentativa, seja branca ou incruenta (sem atingir o objeto material), ou vermelha ou cruenta (com lesão ao objeto material), quando o agente não consuma o crime por circunstâncias alheias à sua vontade.
2.11. Espécies ou formas de homicídio
O homicídio classifica-se em doloso ou culposo. O primeiro subdivide-se em simples (art. 121, caput), privilegiado (art. 121, § 1º), ou qualificado (art. 121, § 2º).
2.12. Homicídio Simples
O tipo penal simples é o tipo básico, essencial ou fundamental do crime. É composto por elementares e, em regra, vem descrito no caput do artigo. É obtido por meio da exclusão dos tipos penais qualificados ou privilegiados. 
O homicídio simples está previsto no art. 121, caput, do CP (pena de reclusão de 06 a 20 anos), e, como regra, não é crime hediondo, salvo quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que por um só agente (art. 1º, I, da Lei 8.072/90). 
Damásio denomina o homicídio simples hediondo de homicídio condicionado, tendo em vista a existência de uma condição para integrar o rol dos crimes hediondos.
2.13. Homicídio Privilegiado
O privilégio tem natureza jurídica de causa obrigatória de diminuição de pena no percentual variável de 1/6 a 1/3 (art. 121, § 1º, do CP).
Incide, em regra, o redutor sobre o homicídio simples (reclusão de 06 a 20 anos), e, excepcionalmente, sobre o homicídio qualificado (reclusão de 12 a 30 anos).
O homicídio qualificado-privilegiado ou híbrido somente é possível quando as qualificadoras apresentarem natureza objetiva (somente no caso dos incisos III – meios de execução -, e IV – formas de execução -, do § 2º, do art. 121), pois todas as causas do privilégio tem natureza subjetiva.
Na hipótese de qualificadora subjetiva não há compatibilidade lógica com o privilégio, pois não é possível alguém matar outrem por motivo fútil concomitantemente com motivo de relevante valor moral.
O homicídio privilegiado e o homicídio qualificado-privilegiado (quando possível) não são considerados crimes hediondos, ante a incompatibilidade com a hediondez.
As causas do homicídio privilegiado guardam sintonia com as circunstâncias atenuantes (art. 65 do CP), devendo o juiz na dosimetria da pena aplicar somente a causa de diminuição de pena, para evitar a dupla valoração pelo mesmo fato. 
O homicídio privilegiado é compatível com o erro na execução (art. 73 do CP), ou seja, quando o agente pretendendo matar determinada pessoa, erra o alvo, atingindo terceiro inocente, faz jus ao privilégio.
São causas do homicídio privilegiado:
I) Motivo� de relevante valor moral
Constitui relevante valor moral o interesse particular nobre que prepondera sobre o interesse coletivo.
Como exemplo, o pai que mata o estuprador da filha; a eutanásia (conduta comissiva) ou ortotanásia (conduta omissiva), também conhecida como homicídio piedoso, compassivo ou médico, quando o médico desliga os aparelhos do paciente em estado terminal para abreviar o sofrimento ou deixa de praticar os procedimentos médicos necessários.
A eutanásia não se confunde com a distanásia que ocorre quando o agente tem o prazer de ver a vítima sofrer, configurando a qualificadora do meio cruel. 
II) Motivo de relevante valor social
Caracteriza-se no caso de interesse coletivo ou social predominar sobre o interesse particular. Exempli gratia, o agente que mata o traidor da pátria ou o estuprador de um bairro.
III) Domínio de violenta emoção logo em seguida a injusta provocação da vítima
É também denominado de homicídio emocional. Apesar da emoção e a paixão não excluírem a imputabilidade penal (art. 28, I, do CP), o domínio de violenta emoção provoca a diminuição da pena se presentes os seguintes requisitos:
1) Provocação injusta da vítima
É qualquer conduta que contraria a lei, a moral e os costumes, não precisando ser necessariamente criminosa. O exemplo típico é o marido que mata a esposa ao flagrá-la em conjunção carnal com o amante.
2) Domínio de violenta emoção. 
A mera influência faz incidir apenas a circunstância atenuante (art. 65,III, “c”, do CP).
3) Reação logo após a provocação
A reação deve ocorrer imediatamente ou no calor dos acontecimentos. Ausente este requisito se aplica a circunstância atenuante mencionada no item anterior.
2.14. Homicídio Qualificado
A qualificadora em sentido estrito é um tipo penal derivado com pena própria, cujos limites mínimo e máximo são aumentados em relação ao tipo penal simples. No homicídio a pena passa a ser de 12 a 30 anos de reclusão.
Todas as qualificadoras do homicídio são circunstâncias agravantes descritas no art. 61 do CP. Por conseguinte, no momento da aplicação da pena a dupla valoração pelo mesmo fato (bis in idem) deve ser evitado, considerando o fato apenas como qualificadora.
Nota-se que a premeditação e a relação de parentesco (matricídio, parricídio, gnaticídio, fraticídio, uxoricídio) não configuram qualificadoras do homicídio. A primeira é analisada dentro das circunstâncias judiciais (art. 59 do CP) e a segunda pode ingressar como circunstância agravante (art. 61 do CP).
O homicídio qualificado é crime hediondo (art. 1º, I, da Lei 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 8.930/94).
As qualificadoras do homicídio agrupam-se em relação:
i) aos motivos (incisos I, II e V);
ii) meios de execução (inciso III);
iii) formas de execução (inciso IV); e
Os motivos qualificadores do homicídio restringem-se a torpeza, futilidade e conexão (teleológica, consequencial e ocasional) com outros crimes.
Os meios de execução são os instrumentos dosquais se serve o agente para a prática do crime. Merecem maior reprimenda o meio insidioso, cruel e o que possa resultar perigo comum.
A forma de execução que qualifica o homicídio é o recurso que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima.
I) Motivo Torpe (art. 121, § 2º, I)
Torpeza é o motivo sórdido, vil, abjeto, asqueroso, repugnante, que causa repulsa social e que, em regra, está relacionado à ganância, cobiça ou inveja.
O CP, valendo-se da técnica da interpretação analógica ou intra legem, perfeitamente admitida no direito penal, após elencar dois exemplos de motivo torpe (paga e a promessa de recompensa), utiliza-se, logo em seguida, da fórmula genérica referente a qualquer outro motivo torpe.
Na paga, o recebimento da vantagem é prévio ao cometimento do crime, enquanto que na promessa de recompensa o recebimento da vantagem vem depois. 
Prevalece o entendimento de que a vantagem não precisa ser necessariamente econômica, podendo apresentar cunho moral ou sexual�. 
O agente (partícipe) que paga para outrem (autor) matar não responde por homicídio qualificado, haja vista a incomunicabilidade da circunstância subjetiva, ex vi do art. 30 do CP. Assim, o autor, isto é, quem recebe ou aceita a promessa responde por homicídio qualificado pelo torpeza e o partícipe, ou seja, quem paga ou promete a recompensa por homicídio simples�.
A vingança nem sempre é motivo torpe, pois pode configurar motivo de relevante valor moral, como o pai que mata o estuprador da filha para vingar-se.
 
II) Motivo Fútil (art. 121, § 2º, II)
Aqui o legislador apenas menciona motivo fútil sem empregar a interpretação analógica, diferentemente do que ocorre com o motivo torpe.
A futilidade é o motivo banal, irrisório, insignificante, desproporcional ou pequeno. Imagine-se o agente que mata o garçom apenas porque a sopa foi servida gelada ou o dono do bar que resolve não vender fiado.
A doutrina é divergente quanto à ausência de motivo para a configuração do motivo fútil. Para alguns, se o motivo irrisório qualifica o homicídio, com muito mais razão a ausência de motivo deverá qualificar o crime. Para outros, haja vista a omissão legal e a vedação da analogia in malam partem o agente responde por homicídio simples.
III) Meio Insidioso (art. 121, § 2º, III)
O art. 121, § 2º, III, do CP, emprega mais uma vez a interpretação analógica, apresentando como fórmulas genéricas o meio insidioso, cruel ou que possa resultar perigo comum e cita como fórmulas exemplificativas de tais meios, como regra, para o meio insidioso o veneno, para o meio cruel a tortura e a asfixia e para o meio que possa resultar perigo comum o fogo e o explosivo.
Meio insidioso é o meio traiçoeiro ou pérfido aplicado pelo agente sem que a vítima perceba. 
Consoante a Exposição de Motivos do Código Penal, item 38, é “o dissimulado em sua eficiência maléfica”. Em regra, é exemplo de meio insidioso o emprego de veneno, desde que aplicado subrepticiamente (sem conhecimento da vítima); o agente que sabota os freios do carro; ministrar açúcar para diabético; colocar pó de vidro na comida de alguém etc.
IV) Meio cruel (art. 121, § 2º, III)
É o que causa um sofrimento desnecessário e fora do comum à vítima. 
São exemplos a tortura, que é a inflição de mal desnecessário a alguém e a asfixia, que pode ser tóxica ou mecânica.
A asfixia tóxica é o confinamento e a mecânica consiste no enforcamento, estrangulamento, esganadura, afogamento, sufocação e soterramento.
O homicídio qualificado pela tortura não se confunde com a tortura qualificada pela morte descrita no art. 1º, § 3º, da Lei nº 9.455/97. No primeiro o agente age com dolo de matar e elege como meio de execução a tortura, enquanto que no segundo o agente pretende apenar torturar, mas por culpa acaba provocando a morte da vítima, consistindo numa figura preterdolosa. O critério diferenciador, portanto, é o elemento subjetivo do tipo.
V) Meio de que possa resultar perigo comum (art. 121, § 2º, III)
É o perigo coletivo a um número indeterminado de pessoas. O CP cita, como regra, o explosivo e o fogo, como espécies desse meio, ainda que não resultem em perigo comum.
Ensina Damásio que “se diante do caso concreto, ficar caracterizado crime de perigo comum, o sujeito responderá por dois delitos em concurso formal: homicídio qualificado e crime de perigo comum (CP, arts. 250 e segs.).”�
VI) Recurso que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima (art. 121, § 2º, IV)
Nesse dispositivo o legislador utilizando-se da interpretação analógica traz como gênero o recurso que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima, e como exemplos a traição, emboscada e dissimulação.
O STF perfilha o entendimento de que são incompatíveis o dolo eventual e a qualificadora mencionada no inciso IV do § 2º do art. 121 do CP, que exige dolo específico, (HC 86163/SP (DJU de 3.2.2006); HC 95136/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 1º.3.2011. (HC-95136) – Informativo 618).
VI.1) Traição
A traição consiste na perfídia ou infidelidade. Caracteriza-se pela existência de uma relação de confiança entre o agente e a vítima, não percebendo esta o ataque. É que ocorre quando a mulher mata o marido dormindo. 
VI.2) Emboscada
Significa esperar escondido para atacar a vítima desprevenidamente. É também conhecida como tocaia. Imagine-se o algoz que aguarda a vítima em cima da árvore, pulando em cima dela quando se aproxima com a intenção de matá-la.
VI.3) Dissimulação
Dissimular é esconder o propósito criminoso, inexistindo relação de confiança entre o agente e a vítima. Cite-se como exemplo o empregado de TV a cabo que se dirige a casa de vítima para matá-la alegando que vai consertar a televisão.
VII) Conexão com outros crimes (art. 121, § 2º, V)
A última qualificadora se refere à conexão com outros crimes. Divide-se em conexão teleológica ou finalística e conexão consequencial, causal ou lógica.
 
VII.1) Conexão teleológica ou finalística 
O homicídio é praticado para assegurar a execução de outro crime. É meio, mesmo que o crime fim não ocorra. A exceção é o crime de latrocínio (art. 157, § 3º, in fine), isto é, roubo seguido de morte, em razão do princípio da especialidade. Portanto, se a pessoa mata para roubar responde por latrocínio e não homicídio qualificado pela conexão teleológica.
VII.2) Conexão consequencial, ou lógica
O homicídio é praticado para assegurar a ocultação de outro crime, como o agente que pretende esconder o fato criminoso quando falsifica um documento e mata a única testemunha.
Também pode ser praticado para assegurar a impunidade quando o agente quer esconder a autoria do crime. Imagine-se o agente que destrói o orelhão e mata a única testemunha. Difere da ocultação no tendo em vista que o fato criminoso não pode ser escondido. 
Por fim, o homicídio pode ser praticado para assegurar a vantagem, que abrange o produto, preço ou proveito, de outro crime. Ocorre quando duas pessoas praticam em concurso de pessoas um roubo e um agente mata o outro para ficar com a vantagem do crime.
2.15. Homicídio Culposo (art. 121, § 3º)
O crime culposo ocorre quando o agente dá causa ao resultado involuntário por imprudência, negligência ou imperícia (art. 18, II, do CP).
É indispensável previsão legal expressa da culpa em razão de sua excepcionalidade (art. 18, parágrafo único, do CP). 
O homicídio culposo está previsto no CP (art. 121, § 3º - pena de detenção de 01 a 03 anos) e no CTB (art. 302 - pena detenção de 02 a 04 anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor), neste caso cometido na direção de veículo automotor em trânsito terrestre – princípio da especialidade.
2.15.1. Causas de aumento de pena (art. 121, § 4º)
O art. 121, § 4º, primeira parte, elenca quatro majorantes do homicídio culposo no percentual fixo de 1/3: 
I) Inobservância de regra técnica de arte, ofício e profissão
Referida majorante assemelha-se ao conceito de imperícia, contudo, distinguem-seem relação ao conhecimento ou não da regra técnica.
Na simples imperícia o agente não tem conhecimento da regra técnica (médico que não sabe como deve proceder ao realizar uma cirurgia cardíaca), enquanto que na causa de aumento de pena o agente tem ciência da regra, mas age com negligência ou imprudência (médico que esquece o bisturi dentro do organismo da vítima).
II) Omissão de socorro
Como a omissão de socorro já constitui majorante do homicídio culposo não pode responder também pelo crime de omissão de socorro (art. 135 do CP), de acordo com o princípio da subsidiariedade tácita. 
A causa de aumento não pode ser aplicada quando houver morte instantânea da vítima ou terceiro prestar socorro a esta, contudo, neste último caso, pode incidir a majorante a seguir exposta.
III) Agente não procura diminuir as consequências do seu ato
Ocorre, por exemplo, quando a vítima foi socorrida por terceiro.
IV) Agente foge para evitar prisão em flagrante
O dispositivo demonstra que nada impede prisão em flagrante em crime culposo.
2.15.2. Perdão judicial (art. 121, § 5)
O perdão judicial aplica-se, exclusivamente, ao homicídio culposo quando as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.
Justifica-se pelo fato de que o agente já foi punido naturalmente pela prática do crime, como, por exemplo, a morte de um ente querido ou o agente ficar paraplégico. Perde o Estado, assim, o interesse de impor a sanção penal.
Nada impede que o agente seja beneficiado quando matar culposamente o filho e o amigo do filho no mesmo acidente automobilístico, o que faz com que o perdão judicial tenha efeito extensivo.
O CP menciona que o juiz pode aplicar o perdão judicial, contudo, trata-se de um direito público subjetivo do réu. 
Tem natureza jurídica de causa extintiva a punibilidade (art. 107, IX, CP), restando intacto a existência do crime.
É cabível a incidência do perdão judicial no CTB, apesar do veto presidencial. Aplica-se a norma geral do art. 121, § 5º, do CP, por força do art. 12 do CP.
Conforme Súmula 18 do STJ “a sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório.”, inclusive, para fins de reincidência (art. 120 do CP).
2.16. Ação penal
A ação penal sempre é pública incondicionada, independentemente da modalidade de homicídio.
3. PARTICIPAÇÃO EM SUICÍDIO (ART. 122)
3.1. Introdução
	
O suicídio ou autoquiria é a eliminação direta, voluntária e consciente da própria vida.	
O suicídio em si não é crime, mas configura ato ilícito, conforme se depreende da interpretação contrario sensu do art. 146, § 3º, II, do CP, eis que não comete crime de constrangimento ilegal a pessoa que emprega coação para impedir o suicídio.
Pune-se, assim, no crime em questão não a pessoa que põe termo a sua vida, mas a pessoa que induz, instiga ou auxilia outrem a se suicidar. 
3.2. Objeto jurídico 
	
Tutela-se a vida humana extra-uterina. 
3.3. Objeto material
	
A conduta do criminoso recai sobre a pessoa humana com discernimento. 
3.4. Sujeito ativo
	
O crime pode ser cometido por qualquer pessoa (crime comum). É admissível o concurso de pessoas, na modalidade de participação e coautoria (crime unissubjetivo, monossubjetivo ou de concurso eventual). 
Imagine-se que “A” induz “B” a induzir “C” a praticar o suicídio, vindo este a ocorrer. “A” é partícipe do crime do art. 122 e “B” é autor deste crime.
3.5. Sujeito passivo
	
Somente pode ser vítima a pessoa(s) determinada(s) e com capacidade de discernimento.
Induzir pessoas indeterminadas ao suicídio não perfaz o crime, como por exemplo, escrever um livro intitulado “Como se matar em dez passos”, nem mesmo configura o crime contra a paz pública de Incitação ao Crime (art. 286 do CP), pois o suicídio em si não é crime.
Contudo, o pastor de uma seita religiosa que induz na igreja durante o culto 909 (novecentos e nove) pessoas a se suicidarem mediante a ingestão de veneno de refresco de cianeto responde pelo crime do art. 122 do CP, haja vista que as pessoas são determináveis, como ocorreu na Guiana em 1978 com o pastor Jim Jones.
Os loucos e os menores de 14 anos não possuem capacidade de discernimento, assim, quem os induz ao suicídio responde pelo crime de homicídio.
 
3.6. Núcleos do tipo
	
Trata-se de tipo penal misto alternativo, composto ou plurinuclear, que incrimina as condutas de induzir (dar a ideia), instigar (reforçar a ideia já existente) ou prestar auxílio (fornecer ajuda secundária) para que outrem cometa o suicídio. 
O agente que, dentro do mesmo contexto fático, induz, instiga e auxilia a mesma vítima ao suicídio, responde por crime único do art. 122 do CP, por força do princípio da alternatividade.
O auxílio deve ser sempre secundário e acessório. Caso configure ato executório do homicídio o agente responde por este crime.
Ensina Nélson Hungria que se alguém pretender se suicidar e pedir para que um amigo apenas segure a espada, ocasião em que correrá em direção a espada e houver o evento morte, o amigo responde por homicídio, eis que praticou ato executório do homicídio.
É perfeitamente admissível, ainda, a participação em suicídio por omissão quando o agente tem o dever jurídico de impedir o resultado e nada faz, como o diretor do estabelecimento prisional que não impede a greve de fome do preso que visava o suicídio.
3.7. Elemento subjetivo
	
É o dolo direto (vontade livre e consciente de realizar os elementos do tipo penal) ou eventual (não quer o resultado, mas assume o risco, por exemplo, quando a esposa diz que vai se suicidar se o marido a surrar e o marido, imediatamente, dá-lhe uma cintada, vindo a ocorrer o suicídio em seguida).
A forma culposa não é admitida, ante a ausência de previsão legal.
3.8. Consumação
	
O crime se consuma apenas com a ocorrência do suicídio ou da lesão corporal grave ou gravíssima.
Insista-se que o crime reputa-se consumado, e não tentado, com a mera ocorrência da lesão corporal grave ou gravíssima,
Isso porque o preceito secundário do tipo penal condiciona sua existência ao resultado suicídio ou lesão corporal grave ou gravíssima. Trata-se, portanto, de crime material e condicionado.
3.9. Tentativa
	
A tentativa não é admitida no crime sub examine. Trata-se de crime condicionado ao resultado lesão corporal grave ou suicídio, ocasião em que haverá a consumação.
Assim, a participação em suicídio é crime material e plurissubistente (conduta composta por vários atos), que não comporta a tentativa.
3.10. Causas de aumento de pena 
	
A pena do crime é duplicada nas situações de (art. 122, parágrafo único):
I) Motivo egoístico
O agente comete o crime para satisfazer interesses pessoais, como induz alguém a suicidar-se para ficar com a sua herança.
 II) Vítima que tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência
É o caso da vítima que se encontra em estado de embriaguez moderado ou enferma. A falta da capacidade de resistência configura o crime de homicídio.
III) Vítima menor 
O CP não define a faixa etária da vítima menor. 
Flávio Augusto Monteiro de Barros entende, com fulcro em interpretação sistemática do CP baseado nos arts. 126, parágrafo único - presunção de dissentimento da vítima no crime de aborto, e art. 217-A - estupro de vulnerável, que vítima menor é que possui entre 14 a 18 anos.
3.11. Ação penal
A ação penal é pública incondicionada. 
4. INFANTÍCIDIO (ART. 123)
4.1. Conceito
	
O infanticídio é o homicídio privilegiado cometido pela mãe, sob a influência do estado puerperal, contra o próprio filho, durante o parto ou logo após.
É exemplo típico da incidência do princípio da especialidade (relação de gênero e espécie), em que a norma especial do infanticídio afasta a aplicação da norma geral do homicídio.
No Brasil o infanticídio é caracterizadopela existência do estado puerperal�. Adota, assim, o CP o critério fisiológico, fisiopsicológico, fisiopsíquico, psicofisiológico ou biopsicológico para sua definição. 
4.2. Objeto jurídico
O objeto de proteção é a vida humana.
	
4.3. Objeto material
	
A conduta deve recair sobre a pessoa humana que existe durante o parto ou logo após.
4.4. Sujeito ativo 
	
É crime próprio, ou seja, somente a parturiente, sob a influência do estado puerperal, pode cometer o crime em questão.
O concurso de pessoas é perfeitamente admissível no crime próprio, seja na modalidade de participação ou coautoria, desde que as condições especiais descritas no tipo penal ingressem na esfera de conhecimento do terceiro. 
Deveras, nada impede que um terceiro responda conjuntamente com a mãe pelo crime de infanticídio. O art. 30 do CP determina a comunicabilidade das elementares do tipo penal sejam elas subjetivas ou objetivas. 
Demais disso, o CP adotou como regra a teoria monista ou unitária em relação ao concurso de pessoas, ou seja, todos que concorrem para prática do crime incidem nas penas a este cominada.
4.5. Sujeito passivo
A vítima é o nascente (existe entre o início do parto até o seu fim) ou o neonato/recém-nascido (existe logo após o parto).
Nota-se que no crime de infanticídio existe coincidência entre o objeto material e o sujeito passivo, o que não ocorre, por exemplo, no crime de furto em que o objeto material é a coisa alheia móvel e o sujeito passivo é o proprietário.
 A circunstância agravante descrita no art. 61, II, “e” e “h”, (crime cometido contra descendente e criança), não incide, haja vista o princípio do no bis in idem.
As modalidades de erro de tipo acidentes referentes ao erro sobre a pessoa (art. 20, § 3º, do CP), e erro na execução (art. 73 do CP) tem perfeita aplicação no crime de infanticídio. 
Recorde-se que no error in persona a vítima virtual não corre perigo, existindo confusão mental quanto à identidade da vítima, e na aberratio ictus, a vítima virtual corre perigo, ocorrendo desvio na pontaria. Em ambos, leva-se em conta as qualidades da vítima que o agente pretendia atingir. 
4.6. Núcleo do tipo
A conduta incriminada é matar, que tem o mesmo significado do crime de homicídio. 
Como o tipo penal descreve um comportamento positivo o crime é comissivo e, excepcionalmente, comissivo por omissão ou omissivo impróprio (art. 13, § 2º, do CP), ou seja, quando a mãe provoca o resultado morte mediante um não fazer, quando tinha o dever de impedir este resultado.
4.7. Elemento subjetivo
	
O elemento subjetivo é o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de concretizar os elementos do tipo penal
A doutrina é divergente quanto a conduta da mãe que provoca a morte da vítima culposamente. Prevalece que há homicídio culposo� (art. 121, § 3º, do CP), podendo incidir redução da pena (art. 26, parágrafo único, do CP - semimputabilidade), ou até mesmo o instituto do perdão judicial (art. 121, § 5º, do CP), dependendo do caso. Já para outros o fato é atípico�, em razão da ausência do infanticídio culposo no CP.
4.8. Elemento normativo
O elemento normativo do tipo é o termo ou expressão que exige um juízo de valor ou cultural do intérprete para se chegar a sua compreensão exata.
No infanticídio são elementos normativos do tipo as expressões “estado puerperal” e “logo após”. 
O estado puerperal é o conjunto de perturbações psicofísicas que a mulher pode sofrer em decorrência do parto (perda de sangue, mudança no corpo, angústia, inquietação). Tal estado perdura até que a mãe readquira o instinto materno. Em regra, é comprovado por meio de prova pericial.
Na hipótese da mãe estar acometida de psicose puerperal ou depressão pós-parto (doença mental), a culpabilidade resta excluída em razão da inimputabilidade penal (art. 26, caput, do CP), portanto, estado puerperal não se confunde com psicose puerperal.
A expressão durante o parto vai do início do parto até o seu término. Já logo após, segundo ensinamento de Heleno Fragoso “(...) significa logo em seguida, imediatamente após, prontamente, sem intervalo”.
Predomina, assim, o entendimento de que “logo após” coincide com o período do estado puerperal�. 
4.9. Consumação
	
O crime se consuma com a morte do nascente ou neonato (crime material). 
É delito não transeunte, portanto, é indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto (art. 158 do CPP). 
4.10. Tentativa
	
O crime é plurissubsistente (conduta comporta por vários atos), logo, a tentativa é admitida.
4.11. Ação penal
A ação penal é pública incondicionada. 
Tendo em vista que a pena é de detenção (02 a 06 anos), o crime está sujeito a fiança, podendo, inclusive, ser fixada pela autoridade policial (arts. 322 e 323 do CPP). 
5. ABORTO (ARTS. 124 A 128)
5.1. Conceito
O abortamento é a interrupção do curso normal da gravidez com a consequente morte do produto da concepção.
Há quem diferencie abortamento de aborto. Abortamento significa a conduta de interromper a gravidez, e aborto o seu resultado, isto é, a destruição do feto. O CP, contudo, confere o mesmo significado a tais vocábulos.
O aborto é classificado em natural, acidental, criminoso (social, honoris causa e eugênico) e legal. 
O aborto natural é a interrupção espontânea da gravidez. É fato atípico.
O aborto acidental é a interrupção da gravidez por razões de quedas, traumatismos e acidentes em geral. É indiferente penal.
O aborto social, econômico ou miserável ocorre quando a gestante não tem condições financeiras de sustentar seu filho. É crime perante o direito brasileiro.
O aborto honoris causa é praticado quando a gestante interrompe a gravidez para ocultar desonra própria, como filho concebido fora do casamento.
Finalmente, o aborto eugênico ou eugenésico é praticado em razão de graves anomalias psíquicas ou físicas do feto. É considerado crime, salvo na hipótese de aborto de feto anencefálico, conforme exposto adiante.
Cumpre, agora, estudar as características gerais do crime de aborto, as modalidades de aborto criminoso e aborto legal disciplinados nos arts. 124 a 128 do CP.
 
5.2. Objeto jurídico 
A norma penal protege a vida humana intra-uterina a partir da implantação do óvulo no útero (nidação)� e termina com o início do parto (rompimento do saco amniótico).
No aborto dissentido (art. 125 do CP) tutela-se a vida humana intra-uterina e a integridade física da gestante, logo, crime pluriofensivo.
5.2. Objeto material
A conduta do criminoso recai sobre o óvulo, embrião ou feto. No aborto dissentido (art. 125 do CP), a gestante também é objeto material do crime.
Na hipótese da mulher supor erroneamente que está grávida e tomar remédio para provocar o aborto não responde pelo crime ante a presença do crime impossível por absoluta impropriedade do objeto material (art. 17 do CP).
5.3. Sujeito passivo 
A vítima do aborto é o feto, todavia, no aborto dissentido (art. 125 do CP), são sujeitos passivos o feto e a gestante que tem a sua integridade física atingida. 
No caso de gestação de gêmeos, ciente o agente da existência de mais de um feto, deverá responder pelos crimes de aborto em concurso formal impróprio (art. 70, 2ª parte, do CP). Mediante uma única ação provoca dois ou mais crimes de aborto. As penas devem ser somadas, ante os desígnios autônomos que orientam sua conduta.
5.4. Elemento Subjetivo
	
O elemento subjetivo do aborto é o dolo direto ou eventual (gestante que resolve lutar boxe no derradeiro mês de gravidez). 
O aborto culposo é fato atípico por falta de previsão legal, contudo, subsiste o crime de lesão corporal culposa.
Já se a intenção do agente é lesionar alguém e, por culpa, acaba provocando aborto responde por lesão corporal gravíssima qualificada pelo aborto (art. 129, § 2º, V, CP). Aqui, o aborto é um resultado qualificador culposo. Assim, é uma figura preterdolosa.
5.5. ConsumaçãoConsuma-se com a morte do feto (crime material), pouco importando se ocorre dentro ou fora do ventre materno.
A expulsão de óvulo, embrião ou feto pode não ocorrer como nos casos de mumificação ou calcificação destes.
É delito não transeunte (deixa vestígios), que exige o exame de corpo de delito, direto ou indireto (art. 158 do CPP). 
5.6. Tentativa
	
A tentativa ou conatus é admitida em todas as modalidades criminosas de aborto. A gestante que tenta o suicídio, não obtendo êxito, responde por auto-aborto tentado (art. 124 c/c art. 14, II, do CP).
5.7. Ação penal
A ação penal é pública incondicionada, haja vista a ausência de disposição legal em sentido contrário (art. 100 do CP). 
5.8. Estrutura do aborto no CP
O CP incrimina o auto-aborto e aborto consentido pela gestante (art. 124), o aborto dissentido (art. 125), e o aborto consensual praticado por terceiro (art. 126). 
No art. 127 estabelece causas de aumento de pena apenas para o aborto dissentido e o aborto consensual quando a gestante sofrer culposamente lesão corporal grave ou morte em razão do aborto ou dos meios empregados.
Finalmente, prevê no art. 128 as hipóteses de aborto legal ou permitido quando a gestante sofre risco de vida (aborto terapêutico) ou quando a gravidez resulta de estupro e existe o consentimento da gestante ou de seu representante legal (aborto humanitário).
5.8.1) Auto-aborto e aborto consentido (art. 124)
O art. 124 do CP deve ser dividido em duas partes para uma melhor compreensão. A primeira parte incrimina o auto-aborto e a segunda o aborto consentido pela gestante.
O auto-aborto pune a conduta da gestante que provoca em si mesmo o aborto.
O sujeito ativo é a gestante. O crime é de mão própria ou de conduta infungível, isto é, deve ser executado integralmente pela gestante. A coautoria não é admitida, contudo, a participação é possível.
A vítima do crime e o objeto material, conforme já dito, é o óvulo, embrião ou feto.
O aborto consentindo tipifica a conduta da gestante que consente que outrem lhe provoque o aborto.
O sujeito ativo é a gestante e o crime também é de mão própria (só cabe participação).
A conduta do terceiro que provoca o aborto na gestante com o seu consentimento, entretanto, se amolda no crime de aborto consensual (art. 126 do CP). Cria o CP, assim, a primeira exceção pluralista à teoria monista ou unitária do concurso de pessoas adotada pelo art. 29, pois a gestante responde pelo art. 124, in fine, do CP, e o extranei (terceiro) que provoca o aborto pelo art. 126 do CP.
5.8.2) Aborto consensual (art. 126)
O aborto consensual tipifica a conduta de quem provoca com o consentimento da gestante o aborto.
O crime é comum, isto é, pode ser praticado por qualquer pessoa, admitindo tanto a coautoria quanto a participação. O sujeito passivo é o feto.
Constituem os arts. 124 e 126 do CP, como afirmado alhures, uma exceção pluralista à teoria monista do concurso de pessoas, ou seja, nem todos que concorrem para a prática do crime incidem nas mesmas penas a este cominada.
5.8.3) Aborto dissentido (art. 125)
O aborto dissentido pune a conduta de quem provoca aborto na gestante sem seu consentimento.
O sujeito ativo do crime é qualquer pessoa (crime comum). Comporta, portanto, coautoria e participação.
O crime é de dupla subjetividade passiva, já que as vítimas são a gestante e o feto 
O dissentimento, elementar do crime, divide-se em real e presumido (art. 126, parágrafo único, do CP). 
No real a ausência de consentimento da gestante é evidente. Ocorre nos casos do emprego de violência, grave ameaça ou fraude por parte do agente.
No presumido há consentimento, porém, é inválido em razão da idade da gestante (menor de 14 anos) ou da sua condição psicológica (alienada ou débil mental).
5.8.4) Causas de aumento de pena para os crimes de aborto dissentido (art. 125) e aborto consensual (art. 126)
O art. 127 do CP elenca duas causas de aumento de pena para os crimes de aborto dissentindo (art. 125 do CP) e aborto consensual (art. 126).
O auto-aborto e o aborto consentido (art. 124 do CP) não sofrem acréscimo da pena, haja vista que a auto lesão não é punida, por força do princípio da alteridade.
A pena é aumentada de 1/3 quando a gestante sofre lesão corporal grave e duplicada quando ocorre sua morte em razão do aborto ou dos meios empregados.
Trata-se de figura preterdolosa, ou seja, o agente age com dolo na conduta de provocar o aborto consentido ou não, e, por culpa, acaba causa lesão corporal grave/gravíssima ou morte da gestante. A lesão corporal leve resta é absorvida se a vontade do agente era apenas a prática do aborto.
É imprescindível verificar a finalidade do agente, pois se o agente agir com dolo de praticar o aborto e a lesão corporal ou homicídio comete dois crimes: aborto dissentido (art. 125 do CP) e lesão corporal (art. 129 do CP)/ homicídio (art. 121 do CP), em concurso formal impróprio (art. 70, in fine, do CP).
5.8.5) Aborto legal (art. 128) 
O aborto legal ou permitido, causa especial de exclusão da ilicitude, ocorre nos casos de aborto necessário e aborto humanitário. 
5.8.5.1) Aborto necessário 
O aborto necessário, terapêutico ou profilático (art. 128, I, CP), é o praticado pelo médico quando não existe outro meio para salvar a vida da gestante.
No conflito entre o direito à vida da gestante e do feto predomina o primeiro que já está em desenvolvimento.
O aborto somente é praticado pelo médico, salvo no caso de estado de necessidade (art. 25 do CP), em que terceiro pode realizá-lo..
O consentimento da gestante e a autorização judicial são dispensáveis.. 
O médico pode, inclusive, realizar aborto contra a vontade da gestante, haja vista não configurar crime de constrangimento ilegal a intervenção médico-cirúrgica justificada pelo perigo iminente de vida (art. 146, § 3º, I, do CP).
5.8.5.2) Aborto humanitário 
O aborto humanitário, sentimental ou ético (art. 128, II, CP) é praticado pelo médico quando a gravidez resulta de estupro e existe consentimento da gestante, ou se incapaz, do seu representante legal.
Tem como fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88)
Os requisitos do aborto humanitário são:
Gravidez resultante de estupro 
O crime de estupro está previsto nos arts. 213 e 217-A do CP. 
É dispensável a instauração de inquérito policial, ação penal, ou mesmo condenação judicial, ou sentença condenatória transitada em julgado contra o autor do estupro. O alvará judicial também não é requisito do aborto humanitário.
Para que o médico se resguarde basta uma prova meramente idônea da prática do estupro, como boletim de ocorrência, laudo médico em que se constante sinais de violência, declaração da vítima ou de duas testemunhas que presenciaram os fatos etc.
No caso da gestante mentir acerca do estupro, sobrevindo aborto praticado pelo médico, responde a ex-gestante como autora do crime de aborto consentido (art. 124, 2ª parte). O médico não responde pelo crime, em razão do erro de tipo. 
II) Consentimento da gestante ou, se incapaz, do seu representante legal
É incapaz a gestante que tem idade menor de 18 anos. 
III) Aborto realizado pelo médico
Diferentemente do que ocorre com o aborto necessário, tão somente o médico pode praticar o aborto humanitário.
5.8.5.3) Aborto anencefálico
O aborto de feto anencéfalo não foi disciplinado pelo CP. De lege data é crime, de lege ferenda deixa de ser crime�.
O feto anencefálico é o que por má formação congênita não possui parte do sistema nervoso central, ou seja, falta-lhe o hemisfério cerebral apesar de possuir uma parcela do tronco encefálico.
É imprescindível autorização judicial para sua realização ante a falta de norma autorizativa. 
São argumentos a favor dessa modalidade de aborto:
I) princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88);
II) causa supralegal de excludente da culpabilidadereferente a inexigibilidade de conduta diversa; 
III) como o homicídio consuma-se com a morte encefálica e o anencéfalo é um ser caracterizado pela deformidade cerebral significa que juridicamente é um ser natimorto.
Na arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 54 ajuizada pela Confederação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores na Saúde o STF declarou constitucional a legalização do aborto de feto anencefálico.
6. QUESTÕES
III CONCURSO TRF 3
33. Uma mulher, logo após dar à luz e sob influência do estado puerperal, invade o berçário da maternidade e mata uma criança, pensando tratar-se de seu filho.
a) a ré deve ser condenada e apenada por crime de homicídio;
b) a ré deve ser condenada e apenada por crime de infanticídio;
c) a ré deve ser condenada por crime de homicídio e isentada de pena, com imposição
de medida de segurança por ter ficado provada sua inimputabilidade penal;
d) a ré deve ser condenada por crime de homicídio e ter sua pena diminuída por ter
ficado provada sua semi-imputabilidade
Comentário:
A alternativa correta é a “b”, haja vista a incidência do erro sobre a pessoa ou error in persona previsto no art. 73 do CP, espécie de erro de tipo acidental, em que há confusão quanto à identidade física da vítima.
Nesse instituto, para a fixação do crime, leva-se em consideração as qualidades da vítima que o agente pretendia atingir, e não da vítima que efetivamente atingiu. Assim, como a mulher, sob a influência do estado puerperal, visava matar seu próprio filho, responde por infanticídio.
� Nem sempre é possível extrair a proteção genérica e específica do delito na análise dos títulos e capítulos da Parte Especial do CP. É o que se verifica, por exemplo, no Título II – crimes contra o patrimônio, em que os oito capítulos apenas mencionam os crimes em espécie. No mesmo sentido, o Título IX – crimes contra a paz pública, que não possui subdivisão em capítulos.
� “A competência para o processo e julgamento de latrocínio é do juiz singular e não do Tribunal do Júri.”
� “ Não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;”
� Também não pode se olvidar dos casos de abortamento legal (art. 128 do CP) e de legítima defesa.
� Para Cezar Roberto Bitencourt e Rogério Greco já é possível falar em homicídio a partir do início do parto, mesmo havendo vida humana intra uterina.
� É a membrana que protege o feto, que quando se rompe libera o líquido amniótico.
� “Art. 59. No caso de crime contra a pessoa, o patrimônio ou os costumes, em que o ofendido seja índio não integrado ou comunidade indígena, a pena será agravada de um terço.”
� “Art. 29 - Matar qualquer das autoridades referidas no art. 26. Pena: reclusão, de 15 a 30 anos.”
� Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida: Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa.
� Assim, a morte cardíaca e pulmonar deve ser afastada para fins de consumação do delito de homicídio.
� “A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.” (n. g.)
� “Quando a infração penal deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
� Motivo é o antecedente psíquico da ação. É o que faz o agente adotar determinada conduta.
� Damásio, 
� Mirabete em sentido contrário
� JESUS, Damásio. 30° Ed. 2010. p. 101
� O critério psicológico, isto é, quando o crime é cometido para ocultar a desonra da mãe não foi adotado.
� Fernando Capez, Mirabete, Bitencourt.
� Damásio.
� Consoante lições de Bitencourt, Flávio Monteiro, Noronha, dentre outros.
� Há quem entenda que a vida humana intra-uterina é protegida a partir da fecundação, ou seja, com o encontro do gameta masculino com o feminino. Nada obstante, como o ordenamento jurídico brasileiro admite a pílula do dia seguinte e o dispositivo intra-uterino, predomina o entendimento de que a proteção penal da vida humana começa com a nidação. Demais disso, o STF, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, admitiu a possibilidade de pesquisa científica em embriões humanos fertilizados in vitro, o que reforça que a vida humana inicia-se com a nidação.
� Haja vista que o projeto do CP inclui dentre as causas de aborto legal o aborto de feto anencefálico.

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