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Crítica à Visão Positivista das Ciências

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Obra que nasceu de uma palestra de Boaventura nos anos 80, que irá abordar a crítica da visão positivista das ciências que encontram-se em declínio e sua contínua substituição por novos paradigmas científicos originados nas ciências sociais. A obra traça uma narrativa em que a impressão final é a ocorrência de uma inversão da inicial mediação das humanidades pelos saberes naturais, para uma autonomia de ação daquele, que culminaria com a quebra do objetivismo dos cientistas naturais pelos sociais. Além disso, oferece a visão panorâmica conceitual e histórica dos valores constituintes da ciência, apresentando diversos autores que debatem sobre o tema.
Margarido 05/06/2012
Trata-se de texto exploratório. A sociologia na segunda metade do século passado perdeu seus referenciais paradigmáticos. Boaventura pretende com esse texto formular algumas possibilidades metodológicas e, com isso, possibilitar novas abordagens propriamente metodológicas. Muito se questiona sobre a aproximação de formulações das ciências físicas com as das chamadas ciências humanas. Essa aproximação no passado não era muito questionada, haja vista a importância das concepções de Isaac Newton para a filosofia de Kant, por exemplo. A demarcação de campos epistemológicos ficou mais nítida na primeira metade do século passado, a partir de abordagens mais positivistas quando, então, a própria filosofia passou a ser entendida, por alguns, como apêndice das ciências ditas físicas. 
Os paradigmas sociológicos na segunda metade do século passado ocorreram especialmente pelo esgotamento do funcionalismo e de abordagens marcadas pela influência marxista. Em algum momento os autores passaram a perguntar-se o que fazer, dado que ficava problemático o "como fazer". 
O texto de Boaventura de Sousa Santos é uma proposta de reflexão para enfrentamento desses desafios. Não se trata de uma nova teoria social. Mas tão somente de colocar em discussão novos parâmetros que poderiam levar à emergência de novo paradigma. Isso, no entanto, no meu entendimento até o momento ainda não ocorreu. Mas valeu o esforço do sociólgo português.
Boaventura de Sousa Santos é talvez um dos mais influentes sociólogos europeus dos tempos atuais. Ele nasceu em 1940 em Coimbra, Portugal, e com seus estudos conquistou méritos internacionais ao divulgar suas preocupações com as experiências da vida humana. No Brasil, Boaventura ganhou especial popularidade ao participar das ultimas edições do Fórum Social Mundial. Tradicionalmente, a Europa tem sido berço de grandes pensadores da condição humana. Dentre eles destacam-se nomes como Kant, Rousseau, Norberto Bóbbio, Max Weber e muitos outros. Boaventura é conhecedor da maioria das obras destes e outros pensadores.
Nesta resenha, resumiremos e refletiremos um pouco acerca das três discussões propostas pelo autor: o paradigma dominante, a crise do paradigma dominante e o paradigma emergente. O autor trabalha a idéia de uma evidente crise nas ciências nos tempos atuais, e gradativamente ele expõe como a ciência falirá e como um novo espírito científico deverá substituí-la.
Boaventura neste discurso tem o objetivo de refletir acerca das ciências no seu conjunto, observando toda a sua trajetória ao longo dos séculos, bem como reflete a idéia de progresso científico, concluindo que ainda vivemos baseados numa ciência que tem muito a amadurecer.
Em seu discurso, Boaventura se dá conta eu em meio a um aparato científico tão abrangente, as perguntas e questionamentos tão complexas já não são capazes de interrogar tamanho processo de desenvolvimento da sociedade. Ele acredita, assim como Einstein, que os questionamentos simples como os feitos por uma criança são capazes de nos fornecer esclarecimentos tão próximos da realidade que nos forneceria mais segurança à tantas perplexidades do mundo moderno. Essas crianças devem estar presentes em cada um de nós.
O primeiro exemplo retratado pelo autor em seu discurso remete-se ao espírito infantil de Jean Jacques Rousseau. Destaca ele: “O progresso das ciências e das artes contribuirá para purificar ou para corromper os nossos costumes?” Tratou-se de um questionamento simples, mas de grande profundidade. Rousseau respondeu rapidamente com uma negativa.
É neste sentido que Boaventura sustenta seu olhar firme sobre a ordem científica hegemônica, uma ciência que insiste em manter-se inflexível às reais necessidades humanas, analisa sob um olhar sociológico a crise dessa ciência e propõe um perfil de uma ordem científica emergente.
Quanto à ordem científica dominante, ele questiona a estrutura deste modelo científico desenvolvido a partir do século XVI e que ao longo dos anos foi fortalecendo-se. Esta estrutura científica compromete-se unicamente com uma forma singular de se buscar o conhecimento verdadeiro, baseando-se em seus princípios epistemológicos e em metodologias restritas. Caracterizando-se como um modelo autoritário e que não corresponde às necessidades humanas, opondo-se duramente ao senso comum e afastado da natureza e das carências humanas.
A sua maior crítica remete-se à estrutura em que esta ciência constituiu-se ao longo dos tempos. Baseou-se em um mundo totalmente cognoscível e organizada a partir de uma ordem cronológica, espacial que a tornou verticalizada, fundada numa dinâmica que ele chama de “determinismo mecanicista” e que tem permeado diretamente no comportamento e imaginário da sociedade.
A segunda reflexão levantada na obra revela uma forte crise neste paradigma dominante. O autor levanta quatro justificativas para evidenciar tal crise: a teoria da relatividade, a mecânica quântica, os questionamentos da matemática e os avanços tecnológicos da microfísica, química e biologia.
A primeira condição que evidencia a crise deste paradigma dominante  diz respeito à teoria da relatividade de Albert Einstein. A sua idéia principal seria a divisão feita pela ciência entre simultaneidade dos acontecimentos, frisando que os eventos humanos não acontecem paralelamente em tempos simultâneos e representam medições e eventos próprios de cada local em que ocorrem.
A segunda condição que expõe a crise deste paradigma científico remete-se à mecânica quântica que evidencia a impossibilidade de se observar um objeto sem que haja interferência nele, resultando que “o objeto que sai de um processo de medição não é o mesmo que lá entrou” (pág. 25).
A terceira condição da evidente crise é o rigor matemático para explicar os eventos analisados. Tal rigor impõe situações tão restritas de compreensão que as transformam em condições indiscutíveis.
A quarta e ultima evidência da crise exprime-se sobre a teoria de Prigogine, que defende a quebra do modelo “mecanicista” e linear, propondo a transdisciplinaridade que uniu as ciências sócias e as naturais.
Finalizando seu discurso, Boaventura propõe um modelo a qual denomina “paradigma de um conhecimento prudente para uma vida decente” (pág. 37). Para justificá-lo ele traça quatro condições que norteiam e alimentam a ciência que deverá florescer: todo o conhecimento científico-natural é científico-social, todo conhecimento local é total, todo conhecimento é autoconhecimento e todo conhecimento científico visa constituir-se em senso comum.
Desta maneira, Boaventura busca fortalecer a idéia de que o conhecimento científico deva fundamentar-se na conciliação de diversas áreas das ciências existentes da atualidade, enfatizando a interdisciplinaridade e transdisciplinaridade para alcançar uma dimensão mais aproximada do real. As fronteiras entre as áreas de conhecimento devem limitar-se a pequenos detalhes, visto que todo e qualquer conhecimento desenvolvido pelo homem deve ser utilizado para promover-lhe uma vida decente.

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