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ALDEMIRO REZENDE DANTAS JÚNIOR 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A TEORIA DOS ATOS PRÓPRIOS 
Elementos de identificação e cotejo com institutos 
assemelhados 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
DOUTORADO EM DIREITO CIVIL 
 
 
 
 
 
 
 
 
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA 
SÃO PAULO – 2006 
 
ALDEMIRO REZENDE DANTAS JÚNIOR 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A TEORIA DOS ATOS PRÓPRIOS 
Elementos de identificação e cotejo com institutos 
assemelhados 
 
 
 
 
 
 
 
Tese apresentada à Banca 
Examinadora da Faculdade 
de Direito da Pontifícia 
Universidade Católica de 
São Paulo, como exigência 
parcial para obtenção do 
título de Doutor em Direito 
Civil, sob a orientação do 
Professor Doutor Sílvio 
Luís Ferreira da Rocha. 
 
 
 
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA 
SÃO PAULO - 2006 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Meus agradecimentos aos 
Excelentíssimos Senhores Doutores 
integrantes da Banca e a todos os 
que me ajudaram nessa árdua cami-
nhada, e que deixo de nominar para 
não cometer a injustiça de esquecer 
de alguém. 
 Minha especial homena-
gem, contudo, ao ilustre Professor 
Doutor Sílvio Luís Ferreira da 
Rocha, a quem tive a honra de ter 
como Orientador e o privilégio de 
ter como amigo. Meus mais 
sinceros agradecimentos a tão 
ilustre jurista, cujo apoio 
incondicional mostrou-se essencial 
à conclusão do presente trabalho. 
 
 
 
 
 
 
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA 
SÃO PAULO - 2006 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Banca Examinadora 
 
____________________________ 
 
____________________________ 
 
____________________________ 
 
____________________________ 
 
____________________________ 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Para Vera, Simone, Bruno e 
meus pais. Este trabalho é 
dedicado a vocês. 
 
 
 
 
 
Resumo 
 
 O objetivo principal do presente trabalho é realizar a abordagem sistematizada da 
boa-fé considerada como norma de conduta, de modo a suprir uma lacuna existente em 
nossa doutrina, e que pode ser constatada pela verificação de que embora a boa-fé objetiva 
seja mencionada com grande freqüência, geralmente o é apenas como um simples reforço 
lingüístico, sem qualquer precisão científica ou terminológica. Além disso, os poucos 
autores que se dedicaram ao exame da boa-fé centraram seus estudos nas relações 
contratuais, em inaceitável redução de assunto que se mostra extremamente amplo. Assim, 
buscou-se demonstrar e exemplificar a aplicação do princípio em outras áreas do Direito, 
como o Direito Administrativo e o Direito Processual. Buscou-se, ainda, a decomposição 
da boa-fé em seus principais elementos constitutivos, de modo a que também fosse possível 
identificar as diversas subespécies de institutos que derivam da boa- fé, cada um com suas 
características próprias e sendo distinto dos demais. A partir dessa decomposição, foi dada 
ênfase no estudo do venire contra factum proprium, cujos elementos constitutivos foram 
individual e minuciosamente abordados, o que permitiu não apenas a elaboração de uma 
definição para o instituto, mas também o cotejo mais preciso com institutos assemelhados, 
tais como o tu quoque, a exceptio doli, a suppressio, etc. Para o atingimento de tais 
objetivos, partiu-se do exame da fides dos romanos, passando pela sua recepção e 
atualização, levada a cabo pelo trabalho dos glosadores e dos pós-glosadores, e pela sua 
inclusão no Código Civil francês. Seguiu-se, ainda, o caminho trilhado pelos tribunais 
franceses, no exame dessa boa-fé agora codificada, com sua nítida influência no direito 
civil alemão, de onde saltou para o Código Civil grego, para o Código Civil português e, 
finalmente, para o atual Código Civil brasileiro. Neste último, buscou-se a identificação de 
várias disposições legais que, no fundo, nada mais são do que hipóteses de aplicação do 
venire, ainda que nosso Código Civil, em nenhum momento, faça referência a tal instituto 
e, a partir dessa identificação construiu-se a buscada definição da figura do venire contra 
factum proprium , composta dos seus elementos caracterizadores. 
 
 
Abstract 
 
 The main purpose of this paper is to realize the systematic approach regards good-
faith, considered a conduct norm in a way that supplies the existing lacuna in our doctrine, 
which can be ascertained by checking that although the objective good-faith is frequently 
mentioned, it is usually done as a simple linguistic reinforcement lacking any scientific or 
terminologic accuracy. Moreover, the few authors who dedicated themselves to the 
examine of good-faith focused primarily on contractual relations , showing this 
unacceptable tendency to decrease the discussion around this topic when there is so much 
to talk about it. Thus it was tried to demonstrate and to exemplify the principle application 
in other fields of the Law, such as the Administrative Law and Processual Law. It was also 
tried to decompose the good-faith into its principals constitutes elements, in a way that was 
possible to identify the several subspecies of institutes that are originated from good-faith, 
each one with its own characteristics, been really different from others. From this 
decomposition the studies about venire contra factum proprium were emphasized, of which 
the constitutes elements were individually and detailed described and commented, what 
allowed not only the elaboration of a definition for the institute but also a preciser collation 
for similars institutes, such as tu quoque, exceptio doli, suppressio, etc. To reach those 
purposes the romans fides were examined, going through its reception and modernization 
and its inclusio n on the french Civil Code. It can also be found in here the path chosen by 
the french court in the exam of this codified good-faith, with its clear influence in the 
german civil law, where it went toe the greek, portuguese and finally the brazillian civil 
code. In its last one it was identified several legal dispositions that, deep inside, are nothing 
more than application hypothesis of venire even though our Civil Code never mention such 
institute, and from this identification was built a definition for venire contra factum 
proprium with its characterizing elements. 
 
Resumé 
 
 L´objectif principal de ce travail est la réalisation d´un exposé systématique de la 
bonne foi, autant que règle de conduite, dans le but de remplir une lacune qui existe à la 
doctr ine e qui peut être verifiée par la constatation que malgré la bonne foi objective soit 
prononcée très fréquemment, dans la plupart des cas l´expression n´est utilisée que comme 
un simple élément linguistique, sans aucune précision cientifique ou terminolo gique. En 
outre, les auteurs qui ont dédié leurs études à la bonne foi, l´ont fait spécifiquement sur les 
rapports contractuels, ce qui signifie une réduction inacceptable d´un objet très vaste. Cela 
étant, on a essayé de démontrer et exemplifier l´application du principe de la bonne foi à 
d´autres parties du Droit, comme le Droit Administratif et le Droit Processuel. On a aussi 
essayé de décomposer la bonne foi en ses éléments constitutifs, de manière à identifier 
également les plusieurs subdivisions d´instituts qui s´originent de la bonne foi, chacun 
ayant ses caractéristiques individuelles, qui les font différents des autres. À partir de cette 
décomposition, on a relevé l´étude du venire contra factum proprium, dont les éléments 
constitutifs ont été traités individuellement et en detail, ce qui a permis pas seulement la 
construction d´une définition pour l´institut, mais aussi la comparaisonplus précise avec 
des institus similaires, comme le tu quoque, l´ exceptio doli, la suppressio etc. Pour atteindre 
ces objectifs, on a parti de l´étude de la fides des romains, en passant par sa récéption et son 
actualisation, concretisée par le travail des glossateurs et des post-glossateurs, et par son 
inclusion dans le Code Civil Français. Ensuite on a parcouri le chemin suivi par les cours 
françaises, en ce qui concerne l´examen de cette bonne foi, maintenat codifiée, avec sa 
nette influence sur le Droit Civil Allemand, d´où elle est partie por arriver au Code Civil 
Grec, au Code Civil Portugais et, finalement, à l´actuel Code Civil Brésilien. Sur ce dernier 
on a essayé d´identifier plusieurs règles qui, vraiment, signifient des hypothèses 
d´aplication du venire, malgré notre Code ne mentionne pas cet institut. A partir de cette 
identification, on a construit la definition visée du venire contra factum proprium , composé 
de ses éléments caractéristiques. 
 
 
 
Sumário 
 
Introdução. 10 
1. Desenvolvimento histórico da boa- fé. 24 
1.1. Considerações gerais. 24 
1.2. A boa-fé romana e sua recepção no direito europeu. 40 
1.3. O direito europeu pré-codificações. 47 
1.4. A boa-fé após o Código Civil francês. 60 
1.5. A boa-fé no Direito Civil Alemão. 75 
1.6. A boa-fé objetiva e seu aspecto normativo. Tendência expansionista. 99 
1.7. A boa-fé objetiva no Direito Público e no campo processual. 136 
1.8. A responsabilidade pré e pós-contratual e a complexidade das obrigações. 154 
1.9. As conseqüências jurídicas da proteção conforme o princípio da boa- fé. 230 
2. Violações típicas da boa- fé. 255 
2.1. Considerações gerais. 255 
2.2. O abuso do direito. 258 
2.3. O venire contra factum proprium. 294 
2.3.1. Considerações gerais. 294 
2.3.2. Elementos característicos. 301 
2.3.2.1. Os comportamentos contraditórios. 324 
2.3.2.2. A contradição. 365 
2.3.2.3. O dever acessório que está sendo violado. 380 
2.3.3.4. Um conceito para o venire contra factum proprium. 393 
2.3.3. Conseqüências jurídicas do venire contra factum proprium. 393 
2.4. Tu quoque. 409 
2.5. Suppressio e surrectio. 421 
Conclusão. 447 
Referências bibliográficas 456 
 10 
A teoria dos atos próprios: elementos para a sua identificação e para o seu 
cotejo com institutos assemelhados. 
 
Uma lei imutável não se pode 
conceber, senão numa sociedade 
imóvel. 
Jean Cruet 
 
Introdução. 
 
 O Código Civil de 1916, tomando por paradigma os Códigos 
francês e alemão (principalmente o primeiro), simplesmente não tratou da 
boa-fé, exceto em regra localizada e pontual, específica para o contrato de 
seguro (art. 1.443, do Código Civil de 1916). Apesar disso, no entanto, já era 
muito comum que a doutrina e a jurisprudência pátrias se referissem com 
freqüência ao tema, principalmente em virtude da grande influência por nós 
recebida, direta ou indiretamente, dos tribunais alemães. 
 Essa influência indireta, à qual nos referimos, é porque as 
decisões dos tribunais germânicos serviram de clara fonte de inspiração para 
alguns Códigos alienígenas, como o grego e o português, e estes, por sua vez, 
acabaram influenciando o texto do nosso Código Civil vigente, como 
abordaremos em detalhes, ao longo do presente estudo. Por outro lado, em 
virtude do grande lapso temporal decorrido entre a apresentação do projeto de 
lei e a sua efetiva transformação em um Código Civil, a doutrina e os tribunais 
não se quedaram inertes, e começaram a fazer referências e a elaborar textos 
que enfocam a boa-fé e suas conseqüências. 
 No entanto, não se pode deixar de notar que tais referências, de 
um modo geral, começaram a ser feitas de um modo pouco sistematizado, ou 
mesmo sem sistematização alguma, o que pode ser atribuído, conforme 
 11 
acreditamos, à inexistência quase que completa de obras doutrinárias que 
tivessem o assunto “boa-fé” como seu principal foco de estudo, uma vez que 
os textos que tratavam do assunto, de um modo geral, faziam-no apenas de 
modo passageiro, ao se referirem aos princípios contratuais, incluindo dentre 
eles o da boa-fé, e mesmo assim, no mais das vezes, apenas se limitando a 
comentar que os contratantes deveriam se comportar de boa-fé, sem maiores 
explicações sobre o que seria tal comportamento. 
 Essa falta de sistematização pode ser notada, inclusive, pelo fato 
de que em algumas situações, os tribunais pátrios se referiam à boa-fé apenas 
como um reforço lingüístico, pois na verdade a questão a ser decidida já 
encontrava tratamento legal específico, e a decisão já havia sido tomada com 
esteio nessa norma positivada, sem que houvesse qualquer real necessidade de 
que se fizesse menção à boa-fé. Em outras palavras, muitas vezes se tratava de 
uma ilegalidade pura e simples, e não de atuação do princípio da boa-fé, e essa 
distinção não costumava ser feita em várias situações concretas. Ou, ainda, 
pelo fato de serem usadas, para “explicar” o que seria a boa-fé, expressões 
vagas e imprecisas, cujo preenchimento variava ao sabor das convicções 
pessoais de cada intérprete. 
 Por outro lado, e principalmente pelo fato de que todo o estudo da 
boa-fé, desenvolvido no direito germânico, foi inicialmente ligado às relações 
contratuais, o que se podia notar era que as menções à boa-fé se limitavam 
precisamente ao campo dos contratos, como se o instituto não fosse de 
aplicação geral, vale dizer, como se não se tratasse de um regramento que se 
aplica não apenas a todos os campos do direito privado, mas também ao 
direito público, ou seja, para a regência das relações entre a administração 
pública e os administrados. Aliás, é até desnecessário que se ressalte a extrema 
importância que decorre do fato de que também a administração pública 
 12 
deverá seguir uma conduta balizada pela boa-fé, sendo que, precisamente em 
virtude de tal importância, dedicamos um item específico para o tratamento do 
mesmo (item 1.7). 
 Outra questão que se mostra significativa, para o estudo dos 
temas ligados à boa-fé, é a que diz respeito às dificuldades lingüísticas. Ao 
contrário da língua alemã, sempre muito precisa e específica, não temos 
expressões, no vernáculo, que por si só permitam identificar se se trata da boa-
fé como uma norma de conduta (objetiva) ou da que se liga aos aspectos 
psicológicos do sujeito (subjetiva), ou seja, ao conhecimento ou 
desconhecimento de um fato ou à intenção subjacente à prática de um ato. 
 Essa adoção de uma expressão única, para a indicação de dois 
aspectos da boa-fé que se mostram completamente distintos, serve como 
moldura a realçar a necessidade de estudos mais detalhados, acerca da boa-fé, 
pois faz com que tenham que ser redobrados os cuidados para a conceituação 
e a identificação dos elementos característicos de cada uma dessas duas 
hipóteses de boa-fé, sob pena de se ter dificuldade em identificar até mesmo o 
verdadeiro significado de um determinado texto legal que a ela se refira. E 
veja-se que não há qualquer exagero, quando nos referimos à dificuldade de 
captação do real sentido da expressão, pois essa interpretação errônea do 
sentido do texto legal, especificamente em relação à boa-fé, já ocorreu alhures. 
 Com efeito, desde o começo do século XIX que o Código Civilfrancês já apontava que as convenções que tenham sido validamente formadas 
devem ser executadas de boa-fé (art. 1.134). No entanto, precisamente em 
decorrência da absoluta falta de domínio doutrinário sobre o tema, tal norma 
foi interpretada nos mesmos moldes em que os glosadores e pós-glosadores 
haviam colhido a boa-fé dos textos romanos, ou seja, como se fosse apenas 
referente à ciência ou à ignorância de uma determinada circunstância ligada ao 
 13 
contrato. Em outras palavras, como se fosse a boa-fé subjetiva. Hoje, o mesmo 
texto legal é facilmente lido como sendo referente à boa-fé objetiva, ou seja, 
como imposição de uma norma de conduta a ser observada pelos contratantes. 
É esse tipo de equívoco, que certamente atrasou em várias décadas o 
desenvolvimento adequado do estudo da boa-fé, que só poderá ser evitado 
com o exame doutrinário sistemático do tema. 
 Nos últimos anos, felizmente, a situação começa a se alterar, e 
começam a surgir algumas poucas obras cujo enfoque principal está centrado 
na questão da boa-fé. Esse aumento na quantidade de trabalhos específicos 
sobre o tema, em grande parte, foi ainda impulsionado pela aprovação, depois 
de mais de duas décadas e meia, do Código Civil de 2002, que em seu artigo 
421, dentre outros, trouxe a explicitação do princípio da boa-fé. 
 Contudo, não se pode deixar de observar que o estudo doutrinário 
do tema ainda é muito incipiente entre nós. Além disso, a hipertrofia das 
relações contratuais se manteve, ou seja, a quase totalidade dos trabalhos 
recentes diz respeito ao estudo da boa-fé nas relações contratuais, embora 
apanhando, também, algumas variações “internas” do assunto, como o exame 
da mesma em relação aos momentos pré e pós-contratuais e a análise da boa-
fé aplicada às relações (contratuais) de consumo, mas deixando de lado outras 
áreas importantes das relações jurídicas, não apenas no direito privado, mas, 
principalmente, no direito público, onde são muito escassas as obras referentes 
ao tema. 
 Além disso – e, ainda mais, pior do que isso –, pode-se apontar 
que está ocorrendo, em relação às diversas facetas que podem ser apresentadas 
pela boa-fé, a repetição do mesmo problema que ocorreu quanto ao estudo da 
boa-fé em si mesma. Expliquemos melhor. 
 14 
 Como mencionamos acima, durante muito tempo nossos autores 
ou ignoravam a boa-fé ou apenas se referiam ao tema de modo breve, sem a 
preocupação de maiores detalhes ou esclarecimentos, incluindo-a sem muitas 
explicações entre os princípios contratuais. Pois bem, agora que a boa-fé 
começa a ser estudada mais amiúde, pelos nossos doutrinadores, o que se 
percebe é que apenas de modo passageiro são mencionadas as diversas 
hipóteses de concretização da mesma, e que embora tendo todas a mesma 
fonte, apresentam características que, pelo menos em tese, as diferenciam de 
modo nítido (na prática, como veremos, essa diferenciação nem sempre é 
assim tão clara). E foi essa falta de abordagem das “subespécies” da boa-fé, na 
verdade, que motivou o presente trabalho. 
 Com efeito, o que desde logo se adianta é que a expressão “boa-
fé”, na realidade, é bastante ampla, abrangendo um grande leque de situações 
que, sendo embora todas originárias da mesma fonte (essa mesma boa-fé), 
apresentam alguns traços peculiares, que permitem diferenciá-las umas das 
outras, e aí chegamos a figuras importantíssimas e de grande aplicação prática, 
como o venire contra factum proprium, o tu quoque, a suppressio e a 
surrectio, o abuso do direito, etc, e que de um modo geral ou são ignoradas 
pela doutrina ou apenas são mencionadas en passant, sem o cuidado de 
maiores esclarecimentos. Precisamente, como dissemos, como antes ocorria 
em relação à boa-fé em si mesma. 
 Uns poucos autores, quando muito, se referem com um pouco 
mais de vagar à figura do abuso do direito, que sem sombra de dúvida é a 
mais conhecida de todas essas variações da boa-fé, até mesmo pelo fato de se 
tratar de tema que foi há muito desenvolvido pela jurisprudência dos tribunais 
franceses, antes mesmo do surgimento do Código Civil alemão, e que por essa 
razão influenciou fortemente nossos autores. No entanto, não costumam 
 15 
nossos juristas observar que o abuso do direito, na realidade, também é figura 
que se mostra bastante ampla, abrangendo as outras situações mencionadas, 
como, por exemplo, o venire contra factum proprium. 
 Assim, se por um lado é verdade que uma situação que poderia 
ser enquadrada como um caso de venire também pode ser apresentada como 
hipótese de abuso do direito (pois aquela é uma hipótese deste), por outro, 
também é certo que tal situação poderia ter sido qualificada de modo mais 
preciso, uma vez que a figura do venire contra factum proprium apresenta 
características próprias, que permitem destacá-la dentre as figuras que se 
inserem no abuso do direito, para um exame mais detalhado e minucioso. O 
abuso do direito, portanto, também precisa ser examinado com maior riqueza 
de detalhes, para que melhor se possa compreender a figura do venire, uma 
vez que esta se insere no campo mais amplo daquele. 
 Da mesma forma, existem situações em que nossos tribunais 
abordam hipóteses que claramente poderiam ser enquadradas como casos de 
venire contra factum proprium, ou de suppressio, ou de tu quoque, etc, mas 
em geral o fazem sem qualquer preocupação com tais figuras decorrentes da 
boa-fé, apenas cuidando de realçar quais são as características do caso 
concreto, mas sem a preocupação de fazer o mais adequado enquadramento 
jurídico. Em outros casos, ainda, o enquadramento vem a ser feito, de modo 
incorreto, denominando-se de venire contra factum proprium, por exemplo, 
situação que na realidade seria mais bem enquadrada como sendo de tu 
quoque. Todas essas situações, naturalmente, serão abordadas no 
desenvolvimento do presente estudo, na busca de serem fornecidos elementos 
mais precisos para as distinções. 
 Nosso objetivo, na presente tese, está voltado precisamente para 
essas subespécies da boa-fé, em especial o venire contra factum proprium, 
 16 
possivelmente o que encontra maior aplicação concreta no quotidiano. Mas é 
evidente que não se buscou, tão-somente, a abordagem da figura do venire, 
isolada, fora de contexto, e considerada de modo integral, pois é certo que 
uma análise feita dessa forma teria o pecado mortal de tornar praticamente 
ininteligível o venire. 
 A estratégia adotada, portanto, foi a de fazer uma abordagem 
inicial macro, de modo a situar a figura do venire no plano mais amplo e 
genérico da boa-fé, para depois partir para um exame atomizado, buscando a 
decomposição do venire em seus menores elementos, os quais são em seguida 
examinados com uma lupa, de modo minucioso e detalhado, de modo a 
facilitar a identificação da figura e, mais do que isso, possibilitar o adequado 
cotejo entre as diversas hipóteses de concretização da boa-fé. Buscou-se, 
portanto, suprir uma lacuna existente em nossa doutrina, acerca do tema, tendo 
em vista que as poucas obras que o abordam, como dissemos linhas atrás, em 
geral o fazem de modo passageiro e superficial, sem se preocupar com o 
exame minucioso dos seus componentes. 
 Vejamos, em seguida, qual foi a estrutura que se deu ao presente 
estudo e os motivos de tê-la adotado. 
 Como as figuras a serem abordadas decorrem da boa-fé, logo de 
início buscou-se o resgate histórico da mesma, vale dizer, fizemos o estudo do 
desenvolvimento da mesma, a partir da fides dos romanos, passando pela sua 
qualificação como bona fides, abordando inclusive a sua transposição, ainda 
no direito romano, do campo dos direitos reais para o direito obrigacional,onde iria fincar suas mais sólidas raízes, e também pelo campo processual. 
Mas a visão que os romanos tinham sobre a boa-fé de nada nos serviria, se 
tivéssemos deixado de lado a aferição do modo pelo qual essa boa-fé foi 
absorvida pelo direito posterior e acabou chegando até nós. Passamos, então, 
 17 
por sobre a Idade das Trevas (Idade Média), e chegamos aos séculos XVII e 
XVIII, com o chamado fenômeno da recepção. 
 Uma parte significativa do direito romano, notadamente em 
relação ao direito das obrigações, foi primeiramente compilada pelo trabalho 
dos glosadores e, posteriormente, atualizada (para a época) pelo trabalho dos 
pós-glosadores, tudo isso na fase que antecedeu às grandes codificações 
européias, que tiveram início no começo do século XIX, com o Código Civil 
francês, mais precisamente em 1806. Ora, se o direito romano foi recebido 
pelos juristas europeus, é muito fácil de se concluir que o mesmo teve 
marcante influência nos Códigos Civis da Europa, e, por conseqüência, nos 
Códigos do mundo inteiro, pois é sabido que tais Códigos, notadamente o 
francês e, quase um século depois, o alemão, foram refletidos pelas legislações 
de todo o mundo civilizado, inclusive o Código Civil brasileiro de 1916. 
 Foi por essa razão, vale dizer, por ter sido tão ampla e tão 
importante a influência do direito romano nas legislações mais recentes do 
mundo inteiro, inclusive a nossa, que nos pareceu essencial, para uma melhor 
compreensão da visão atual que se tem sobre a boa-fé (e que, na realidade, 
segundo nos parece, ainda está em formação), que fizéssemos esse resgate 
histórico, esse exame da boa-fé desde a sua origem primeira, entre os 
romanos, e passando em seguida pelas principais etapas de sua evolução, 
dentre as quais se mostra de fundamental importância esse mencionado 
fenômeno da recepção, porta de entrada da fides romana no direito moderno. 
 Feito o exame sobre como se deu essa recepção do direito romano 
na Europa, em seguida passamos a analisar as principais características do 
direito europeu no período anterior ao começo das grandes codificações, com 
rápidas pinceladas sobre o racionalismo e o direito natural, que se mostraram 
de grande importância, por exemplo, para a visão do direito como um sistema, 
 18 
e não como um simples agrupamento de regras. Na fase das codificações, 
nosso exame mais detido, como não poderia deixar de ter sido, ocorreu em 
relação ao direito civil francês e ao alemão, esses que foram os grandes 
influenciadores do nosso próprio direito civil, mas não deixando de realçar as 
diferenças entre as visões francesa e alemã acerca do princípio da boa-fé. 
 Em relação ao direito civil germânico, inclusive, percorremos o 
interessante caminho da boa-fé, a partir dos tribunais tedescos, passando pelo 
Código Civil grego e, daí para o segundo Código Civil português, de 1966, de 
onde acabou migrando para o atual Código Civil brasileiro, em uma trilha que 
durou mais de um século. E com essa “viagem” foi concluída a abordagem da 
parte histórica da boa-fé, à qual dedicamos cerca de um sexto do 
desenvolvimento do trabalho. 
 Na seqüência, passamos a examinar algumas questões relevantes 
acerca da visão atual que se tem da boa-fé, com destaque para o seu caráter 
normativo (ou seja, a boa-fé enquanto norma de conduta) e a sua tendência 
expansionista, de modo que sua aplicação passa a se dar em todos os ramos do 
direito. É que essa boa-fé agora se apresenta como um princípio geral e 
fundamental, cujo assento pode ser encontrado diretamente no tecido 
constitucional, mais precisamente na solidariedade social, que se apresenta 
como um dos objetivos fundamentais da nossa República Federativa, 
conforme se encontra expresso no art. 3º, I, da Constituição Federal. 
 Ora, uma vez verificado que a boa-fé normativa tem fundamento 
constitucional e que se constitui em um princípio fundamental, fica fácil de ser 
explicado o seu caráter expansionista, ou seja, a sua extensão a todos os ramos 
do direito, ultrapassando não apenas as fronteiras do direito civil, mas, muito 
mais do que isso, indo além das fronteiras do direito privado, até se espraiar 
pelo direito público e pelo direito processual, campos onde um perfunctório 
 19 
exame poderia transmitir a errônea idéia de que o instituto da boa-fé não seria 
capaz de encontrar aplicação. Face à relevância do tema e por se tratar de 
assunto que, até o presente momento, foi tão pouco desenvolvido pela nossa 
doutrina, dedicamos um item específico (item 1.7) ao exame desse espraiar da 
boa-fé em geral – e do venire contra factum proprium em particular – pelos 
campos do direito processual e do direito público. 
 Em seguida, contudo, ou seja, especificamente no item 1.8, 
retornamos para a aplicação da boa-fé que se mostra como a mais comum no 
quotidiano, ou seja, em relação ao direito obrigacional, principalmente em 
relação aos contratos. Nessa parte do trabalho foi feita a abordagem acerca dos 
estudos de Rudolf von Jhering sobre a existência de uma responsabilidade pré 
e pós-contratual, vale dizer, que se forma antes mesmo do contrato chegar a 
ser celebrado e que persiste depois de sua extinção pelo cumprimento. Esses 
estudos de Jhering se mostraram cruciais para que se percebesse que uma 
obrigação, na realidade, não pode ser considerada como um todo unitário, 
sendo composta, isso sim, por um complexo que se apresenta formado, 
simultaneamente, por prestações principais e por prestações acessórias, sendo 
que a decomposição da boa-fé nestas últimas foi a grande mola propulsora de 
toda a evolução do exame da boa-fé enquanto norma de conduta. 
 Por último, no que se refere a essa abordagem dos aspectos gerais 
e atuais da matéria, passamos a examinar as conseqüências concretas da 
aplicação do princípio da boa-fé, ou seja, como se dá e qual o resultado da 
incidência do princípio da boa-fé em uma hipótese real. Na realidade, apenas 
se mostra possível que examinemos as situações mais comuns, pois a 
amplitude da boa-fé é tamanha que se torna simplesmente impossível o exame 
completo de todas as situações práticas (e, portanto, impossível também se 
 20 
mostra o exame de todas as conseqüências práticas) que podem surgir no 
quotidiano. 
 Assim, tais conseqüências podem ser de diversas espécies, tais 
como a intervenção judicial sobre o próprio conteúdo do contrato, de modo a 
invalidar ou a modificar, conforme o caso, uma determinada cláusula, ou a 
determinação para que um dos sujeitos contratuais adote um comportamento 
positivo ou negativo, ou a determinação judicial para que o contrato seja 
rescindido, ou, ao contrário, para que o mesmo seja mantido por mais algum 
tempo, ou, ainda, a condenação ao pagamento de uma indenização, etc. Enfim, 
são variados os resultados que decorrem da incidência do princípio da boa-fé, 
mudando de uma situação para a outra, mas sempre buscando, em cada caso 
concreto, qual é a solução que mais adequadamente protege a boa-fé do 
sujeito. 
 Um desses resultados que se mostra de acentuada importância 
prática é a possibilidade de que, em decorrência do princípio da boa-fé, um 
negócio jurídico cuja nulidade se encontra expressamente determinada pela lei 
venha a produzir todos os efeitos de um negócio válido. E, ao contrário do que 
geralmente se afirma, entendemos que esses efeitos poderão ser produzidos 
não apenas quando se trate da hipótese de nulidade decorrente de vício formal, 
mas também, em certas e especiais circunstâncias, até mesmo quando se tratar 
de nulidade que tenha a sua causa na incapacidade absoluta de um dos sujeitos 
envolvidos. 
 E com o exame dessas conseqüências da incidência concreta doprincípio da boa-fé, encerramos essa análise dos aspectos gerais do princípio 
da boa-fé, na visão da moderna ciência do direito, sendo que dedicamos a essa 
análise cerca de um terço de todo o trabalho. Passamos, em seguida, ao exame 
das situações que se constituem em violações típicas da boa-fé, objetivo maior 
 21 
do presente estudo e ao qual foi dedicada, aproximadamente, a metade de todo 
o desenvolvimento do mesmo. 
 No segundo capítulo do trabalho, o estudo das violações típicas 
da boa-fé (ou, mais adequadamente, dos casos típicos de proteção à boa-fé) se 
inicia pela figura do abuso do direito, por se tratar de figura bastante ampla e 
genérica, dentro da qual se enquadram várias outras. Além disso, foi com as 
decisões judiciais sobre o abuso do direito, que tiveram origem na França e 
depois foram assimiladas e desenvolvidas pelos tribunais alemães, que se 
iniciou o estudo moderno dessas figuras ligadas à boa-fé. A primeira 
abordagem que é feita, acerca do abuso do direito, é a que se refere à 
denominação do mesmo, colocando-se em destaque a erronia dos vários textos 
doutrinários e mesmo legais que se referem ao abuso de direito, quando o 
correto é falar-se em abuso do direito. Mostramos, em seguida, que a idéia 
central do tema é a de que todo direito, ao ser deferido pela sociedade ao seu 
titular, está vinculado a uma causa, uma finalidade que o justifica, e que ao 
mesmo tempo lhe serve de limite, e nos casos em que tal finalidade é 
desconsiderada é que se tem a hipótese do abuso. 
 Como um subitem do abuso do direito, em seguida o trabalho faz 
a análise da exceptio doli , figura que teve grande importância, e que inclusive 
foi desenvolvida para o esteio das decisões dos tribunais alemães, ao mesmo 
tempo em que os tribunais franceses apoiavam suas decisões na figura do 
abuso do direito. Mostramos, inclusive, que quando os tribuais germânicos 
começaram a também fazer referência à figura do abuso do direito, a exceptio 
acabou por ser praticamente abandonada, face à grande afinidade entre as duas 
figuras (afinidade essa que levou à inclusão da exceptio como um subitem do 
abuso). Hoje a exceptio quase que desapareceu por completo da jurisprudência 
e, por conseqüência, deixou de despertar o interesse da doutrina. 
 22 
 A partir daí, a abordagem passa a se concentrar especificamente 
na figura que se constitui no objeto central do presente estudo, o venire contra 
factum proprium. Após traçar uma breve visão panorâmica geral sobre o 
venire, começamos a buscar os sinais do venire no nosso Código Civil atual. É 
evidente que não se encontrará, no nosso Diploma Civil, disposição expressa 
que remeta ao venire. No entanto, realçamos diversas disposições legais que 
claramente se apresentam como sendo casos de aplicação concreta e específica 
do venire, e não apenas em relação ao direito contratual, pois tais disposições 
se encontram presentes, também, em outros livros do nosso Código Civil. 
Nesse realce de alguns dispositivos legais, mostramos inclusive que, em 
alguns casos, a contradição entre dois comportamentos, por ser justificada, é 
explicitamente admitida pela norma legal, conclusão essa que se mostra 
importante para que, mais à frente, possamos fazer o exame em separado de 
cada um dos elementos que compõem a figura do venire. 
 No exame desses elementos pontuais que compõem o venire, é 
feita a separação entre os dois comportamentos do sujeito e a contradição 
inaceitável que se verifica entre eles e, a partir desse ponto, cada um desses 
elementos é ainda decomposto em elementos menores, para que o exame 
possa ser feito do modo mais minucioso possível, dentro do nosso declarado 
objetivo de permitir a identificação mais segura do venire e de permitir a sua 
mais precisa comparação com outros institutos assemelhados, também 
derivados da boa-fé. 
 Finalmente, concluído o exame do venire contra factum 
proprium, passamos a examinar os principais traços de caracterização do tu 
quoque e da suppressio (e surrectio), figuras que com freqüência são 
confundidas com o venire. Esse exame, contudo, é feito de forma breve, pois 
não se constituem no objetivo do presente trabalho, e por isso nos limitamos à 
 23 
busca dos elementos que se mostrem suficientes para caracterizar as distinções 
e as semelhanças entre tais figuras e o venire. 
 Por último, convém ressaltar que, ao longo de todo o 
desenvolvimento do trabalho, buscamos a todo instante apresentar exemplos 
concretos, ou seja, situações que possam ser apresentadas como aplicações 
práticas do que estava sendo examinado em teoria. Isso foi feito não apenas 
pela farta indicação de decisões dos tribunais, tanto alienígenas quanto pátrios, 
mas também com o freqüente recurso à pura e simples construção de situações 
hipotéticas. Entendemos que esse recurso a situações concretas (ou, pelo 
menos, possíveis de concreção), ou seja, que aparecem com os contornos e 
com a moldura da vida quotidiana, facilita sobremaneira o acompanhamento 
do desenvolvimento puramente teórico do assunto. 
 Em apertadíssima síntese, eis aí todo o conteúdo deste trabalho. 
 
 
 24 
1. Desenvolvimento histórico da boa-fé. 
 
1.1. Considerações gerais. 
 
 A boa-fé encontra larga aplicação no Direito em geral, mas em 
particular se destaca a sua vasta utilização no direito privado. Se questionado 
sobre a mesma, qualquer profissional da área jurídica, com certeza, dirá que 
conhece o princípio da boa-fé. Instado a transformar esse conhecimento em 
um conceito, no entanto, poucos serão os que ousarão fazê-lo, e entre os que o 
fizerem, certamente não haverá dois conceitos idênticos. Trata-se, como se vê, 
de “algo que el jurista práctico entiende perfectamente sin llegar a 
formulárselo”1. 
 Na realidade, essa dificuldade conceitual tem razões históricas, 
estando intrinsecamente relacionada com a noção de boa-fé que veio dos 
romanos e a sua respectiva recepção no direito civil europeu, notadamente em 
França, com a primeira codificação (Código Civil de 1806), e na Alemanha, 
onde surgiu a segunda codificação civil (1900) que marcou fortemente o 
direito civil dos demais países (inclusive o Brasil). 
 Ao longo desses dois últimos séculos, desde o começo da 
vigência do Código Civil de Napoleão, os juristas vêm tentando completar 
adequadamente as normas legais que, de modo geral e aberto, se referem à 
boa-fé. E nessa busca, o que se tem visto é uma grande diversidade de 
definições, que em boa parte se apresenta como resultado de uma profunda 
vinculação que existe entre a boa-fé e os fatores ético e axiológico, pois como 
nessas matérias existe acentuada disparidade de critérios, a relatividade das 
 
1 José Luis de Los Mozos, El Principio de La Buena Fe, p. 34. 
 25 
soluções encontradas se traduz em matizes diversos a respeito de todos os 
conceitos que com elas se relacionam2. 
 Na verdade, como veremos em seguida, pode-se apontar que 
antes mesmo da vigência do Código Civil francês já se verificava a busca de 
um conceito científico para preencher a referida expressão, o que ora era feito 
com o apoio em noções metajurídicas, ora era buscado dentro do próprio 
direito. 
 Esse panorama, na realidade, não mudou muito até os dias de 
hoje. No entanto, é inegável que houve um grande avanço no tema, podendo-
se apontar, como o mais importante desses avanços, a diferenciação entre a 
boa-fé como regra objetiva de conduta e a boa-fé esteada na ignorância, ou 
seja, no desconhecimento de determinadas circunstâncias do caso concreto. 
 Essa distinção3, que hoje se nos apresenta como extremamente 
simples, nem sempre foitão clara, sendo renitente, por várias décadas, a 
 
2 Delia Matilde Ferreira Rubio, La Buena Fe: el principio general em el derecho civil, p. 77. Mas 
deve-se observar, como bem alerta a ilustre autora espanhola, que a vinculação com a ética e a axiologia não 
justifica uma relativização absoluta do conceito de boa-fé, sob pena de ser privada de seriedade qualquer 
intenção conceitual. Na realidade, continua a autora, se por um lado é certo que a validade das normas morais 
e a estimação dos valores dependem das condições particulares de cada pessoa, por outro, é inaceitável a idéia 
de que não se podem formular normas morais médias ou gerais, que possam servir para caracterizar uma 
época ou uma comunidade específica (Ob. Cit., p. 78). 
3 O presente trabalho está focado, primordialmente, no estudo da boa-fé normativa, ou seja, da boa-fé 
como norma objetiva de conduta. No entanto, logo de início deve-se alertar que se pode falar em distinção 
entre a boa-fé objetiva e a boa-fé subjetiva, mas não em independência daquela em relação a esta. Com efeito, 
a boa-fé objetiva, como veremos adiante (vejam-se os itens 1.6 e 1.8), diz respeito à proteção à confiança e à 
legítima expectativa do sujeito, enquanto a boa-fé subjetiva diz respeito ao desconhecimento de uma 
determinada circunstância. Logo, se o sujeito não desconhece a circunstância, nem ao menos chegou a criar a 
justa expectativa, não se formou em seu interior a confiança. Pode-se dizer, por isso, que a boa-fé objetiva 
pressupõe a boa-fé subjetiva, englobando-a. Vejamos um exemplo, que ajudará a clarear essa afirmação. 
Suponha-se que em um contrato de locação não residencial de um imóvel, com prazo indeterminado, e que 
por isso pode ser rescindido a qualquer tempo pelo locador, este é procurado pelo locatário, que requer a sua 
concordância para que seja realizada, nesse imóvel, obra de elevado valor, que permitirá significativo 
aumento de ganhos pelo locatário, em sua atividade empresarial. Concordando o locador, o locatário realiza a 
obra. Alguns poucos meses depois, no entanto, o locador denuncia o contrato, pedindo a devolução do imóvel, 
sendo que o tempo decorrido, claramente, não é suficiente para que o locatário tenha recuperado o seu alto 
investimento. Nesse caso, quando o locador concordou com a realização da obra, criou-se no locatário uma 
legítima expectativa, a confiança de que o locador não romperia o contrato antes de decorrido o tempo 
suficiente para a recuperação do investimento que fizera. Logo, a atuação do princípio da boa-fé levará a que 
seja protegida essa legítima expectativa criada pelo locatário, impedindo-se que a denúncia produza seus 
 26 
confusão que entre os dois conceitos se fazia, e que em última análise 
misturava em um mesmo caldeirão os conceitos de boa-fé subjetiva e boa-fé 
objetiva, impedindo o adequado desenvolvimento científico deste último. 
 O grande entrave que sempre se apresentou à abordagem 
adequada da questão, sem sombra de dúvida, foi o fato de que a boa-fé, na 
realidade, é uma criação do direito, mas tratando-se de uma criação que, na 
sua própria gênese, por definição, sempre terá que se mostrar inacabada, por 
isso que estará sempre a requer um complemento que depende dos valores 
vigentes em cada época4. 
 Dito em outras palavras, a boa-fé está sempre e indissoluvelmente 
ligada aos fatores sócio-culturais de um determinado lugar e momento. E 
 
efeitos de imediato, devendo-se aguardar, antes que isso ocorra, o tempo necessário à recuperação dos gastos, 
pelo locatário. No entanto, suponha-se que, nessa mesma situação narrada, o locador, ao concordar com a 
obra, tivesse informado ao locatário que, em uns poucos meses, precisaria retomar o imóvel, e mesmo assim o 
locatário resolveu levar a obra a cabo. Ora, nesse caso, o locatário sabia que o imóvel seria em breve 
retomado pelo locador, e por isso não se pode dizer que teria surgido no locatário a legítima expectativa de 
que o imóvel não seria pedido de volta tão cedo, pelo locador, pois ele sabia que esse pedido de devolução 
seria feito. Logo, se não havia o desconhecimento da circunstância (ou seja, se não havia a boa-fé subjetiva), 
parece evidente que não surgirá a legítima expectativa, a confiança a ser protegida, e por isso não se poderá 
falar em boa-fé objetiva do locatário. Como se disse, pois, para que haja a concretização da boa-fé objetiva, é 
necessária a presença da boa-fé subjetiva. Parece-nos que é nesse mesmo sentido a afirmação de Bruno 
Lewicki, quando diz que os dois aspectos da boa-fé, objetivo e subjetivo, “divergem entre si na mesma 
medida em que se complementam”. Cf. Bruno Lewicki, Panorama da boa-fé objetiva. In: Tepedino, Gustavo 
(Coord.). Problemas de Direito Civil-Constitucional, p. 57. 
4 Afirmando exatamente o contrário, ou seja, no sentido de que a boa-fé é um dado da realidade, e não 
uma criação arbitrária e técnica do Direito, veja-se a lição de Delia Matilde Ferreira Rubio, La Buena Fe: el 
principio general em el derecho civil , pp. 78-81. Curiosamente, no entanto, a oposição entre a afirmação que 
fizemos acima e a feita pela ilustre autora é apenas aparente. Com efeito, ao afirmar que a boa-fé não é criada 
pelo Direito, mas por ele apropriada a partir do recurso à realidade social, aponta a autora que tal recurso vem 
determinado pela necessidade de se vincular o ordenamento jurídico às considerações ético-axiológicas 
vigentes, e o legislador nada cria, mas apenas, partindo da realidade, atribui à boa-fé certos conteúdos e lhe 
impõe determinadas limitações, sendo que estas conferem, em cada ordenamento concreto, determinados 
traços que, sem afetar a essência do princípio da boa-fé, modificam sua aplicabilidade, seu alcance e seus 
efeitos. “El caso de la buena fe es el segundo, la ley parte de algo que está em la natureza, pero matiza su 
significado transformándolo em um concepto jurídico. Pero, rei teramos, el punto de partida es la realidad, 
no hay creación arbitraria de um concepto”. Mas, como se vê, apesar das afirmações iniciais diametralmente 
opostas, o que se tem, na essência, é a idéia de que a boa-fé será sempre um conceito intimamente ligado às 
condições sociais, às noções éticas e aos valores vigentes em cada época. Tal idéia tanto pode ser colhida no 
texto acima quando na lição da autora mencionada, ainda que acima se sustente que a boa-fé é uma criação do 
Direito, que não o fez de modo arbitrário, mas levou em consideração, previamente, a realidade social, 
enquanto na obra de Delia Rubio esteja a afirmação de que a boa-fé já existia nessa realidade social, apenas 
tendo sido apreendida pelo Direito. 
 27 
como tais fatores influem fortemente na própria definição dos contornos da 
ordem jurídica vigente, com extrema facilidade se pode perceber que a boa-fé 
sempre refletirá uma determinada cultura jurídico-social, vale dizer, sempre 
estará a espelhar uma ordem jurídica e social, o que a toda evidência impede 
que se possa obter um conceito definitivo e acabado para a mesma. A grande 
problemática com que se depara o cientista do direito, portanto, é avaliar como 
se dá esse processo e qual será o conteúdo refletido na ordem jurídica. 
 No dizer de Los Mozos5, o problema é que a aplicação do 
princípio da boa-fé faz penetrar no ordenamento jurídico um elemento natural, 
propriamente extrajurídico, mas que em virtude desse ingresso passa a formar 
a própria regra jurídica, o que provoca a necessidade de que os juristas 
busquem identificar como se dá esse ingresso e qual o conteúdo extrajurídico 
que passa a fazer parte da regra jurídica. 
 As observações acima servem para, desde logo, alertar o leitor no 
sentido de que neste trabalho não será encontradauma definição universal e 
completa para a boa-fé, pelo simples fato de que tal definição não existe. 
Como diz, sem meias palavras, Béatrice Jaluzot6, “a boa-fé é uma noção que 
não pode ser definida”. Aliás, o simples exame do nosso direito positivo já 
permite verificar que em um mesmo ordenamento, conforme a hipótese que 
esteja sendo tratada pelo legislador, são múltiplas e variadas as definições que 
podem ser obtidas para a boa-fé. 
 Com efeito, no artigo 1.201, do Código Civil, verifica-se que o 
conceito de boa-fé se refere ao possuidor que ignora o vício ou obstáculo que 
impede a aquisição da coisa, o que significa que a boa-fé é sinônimo de 
ignorância. No artigo 1.256, no entanto, o mesmo diploma material aponta que 
 
5 José Luis de Los Mozos, El Principio de La Buena Fe, p. 15. 
6 Béatrice Jaluzot, La bonne foi dans les contrats: Étude comparative de droit français, allemand et 
japonais, p. 79, n° 289. 
 28 
está de má-fé o proprietário que, estando presente, não impugnou o trabalho 
de construção ou lavoura feito por terceiro em seu terreno, o que leva a 
concluir que a boa-fé, neste caso, consistiria em um comportamento ativo do 
proprietário, que deveria se opor à atuação desse terceiro. 
 No artigo 1.561, ainda do Código Civil, verifica-se que produzirá 
os efeitos do casamento válido aquele no qual, embora anulável ou mesmo 
nulo, pelo menos um dos cônjuges estava de boa-fé, sendo considerado como 
tal o cônjuge que, no momento em que se realizou o casamento, não tinha 
conhecimento da causa que tornava o matrimônio anulável ou mesmo nulo, 
sendo, contudo, que mesmo a descoberta posterior do vício não impede que 
continue a ser tratado como sendo cônjuge de boa-fé, por isso que será 
favorecido com todos os efeitos benéficos do casamento, até o dia da sentença 
anulatória7. Novamente a ignorância, mas agora restrita a um único e exato 
momento: o da celebração do casamento. 
 No artigo 1.826, por sua vez (em regra que também se mostra 
aplicável aos efeitos da posse quanto aos frutos, benfeitorias e deteriorações, 
previstos nos artigos 1.214 a 1.222), verifica-se que aquele que, na qualidade 
de herdeiro (ou mesmo sem título), possui herança que, no todo ou em parte, 
pertence a terceiro, ainda que de nada soubesse quanto ao fato de não ser o 
verdadeiro herdeiro, caso venha a ser vencido na demanda, passará a ser 
considerado de má-fé a partir da citação. A boa-fé, aqui, não depende do 
desconhecimento em si mesmo, mas da combinação entre a citação e o 
resultado da demanda. 
 Como se percebe, a partir dessa breve amostragem, têm-se aí 
quatro conceitos nitidamente distintos. Na primeira situação (art. 1.201), com 
efeito, verifica-se que o conceito de boa-fé aborda aspecto puramente 
 
7 Sílvio Luís Ferreira da Rocha, Introdução ao Direito de Família, pp. 90-91. 
 29 
subjetivo, ou seja, decorre da ignorância de uma determinada circunstância de 
fato: se o possuidor tinha conhecimento dessa circunstância, estava de má-fé 
e, se não tinha tal conhecimento, é considerado possuidor de boa-fé. Na 
segunda hipótese (art. 1.256), contudo, o aspecto subjetivo já não se mostra 
suficiente, pois o conceito de boa-fé já passa a ser relacionado com um dever 
de agir do proprietário, que será considerado de má-fé se nada fizer para 
impedir o terceiro de construir ou plantar em seu imóvel. 
 Na terceira e na quarta situações enfocadas (arts. 1.561 e 1.826), 
no entanto, embora em ambas a questão da boa-fé volte a se relacionar com o 
aspecto subjetivo do conhecimento ou desconhecimento de determinada 
circunstância de fato, verifica-se significativa distinção entre as duas. De fato, 
na hipótese do casamento, ainda que tenha descoberto o vício que o torna 
nulo, o cônjuge continua a ser tratado de boa-fé, até o trânsito em julgado da 
sentença anulatória. Dessa forma, o desconhecimento no momento da 
celebração fez com que o cônjuge fosse considerado como sendo de boa-fé, 
mas o conhecimento posterior não afasta essa qualificação como cônjuge de 
boa-fé. 
 Na situação do que possui a herança, no entanto, se o mesmo não 
sabia dos motivos pelos quais não era o verdadeiro herdeiro (por exemplo, no 
caso do irmão do de cujus que recebeu a herança por ser desconhecida a 
existência de um filho do mesmo), será considerado como possuidor de boa-
fé. No entanto, vindo a ser citado, ainda que continue a acreditar que de fato é 
o herdeiro (ou seja, ainda que continue a desconhecer a circunstância que o 
impede de possuir, pois é certo que a citação não tem o condão de, por si só, 
fazer surgir o conhecimento da realidade), passará a ser considerado, a partir 
daí, como pessoa de má-fé, mas isso estando condicionado ao resultado da 
ação contra ele ajuizada. 
 30 
 Veja-se que, nessa primeira abordagem, todas as definições de 
boa-fé, apesar das diferenças, podem ser relacionadas com os aspectos 
íntimos, psicológicos, da pessoa envolvida, ora referindo-se ao conhecimento 
ou desconhecimento de uma circunstância fática, ora à culpa dessa mesma 
pessoa (negligência por nada ter feito). E apesar desse liame entre elas, como 
vimos, as diferenças ainda assim podem ser facilmente detectadas, em alguns 
casos se mostrando acentuadas. 
 O fosso aumenta, no entanto, se observarmos que existem outras 
situações em que a lei não se satisfaz com a abordagem dos aspectos internos 
do sujeito, buscando ainda a influência de fatores externos. Assim, por 
exemplo, nos termos do artigo 187 do Código Civil, a boa-fé se apresenta 
como sendo um limite imposto ao exercício de um direito, ou seja, como um 
fator externo que se impõe à atuação do titular de um direito ao exercê-lo, e 
que uma vez ultrapassado faz com que seja ilícito tal exercício. 
 Pode-se apontar, igualmente, o artigo 113 do Código Civil, que 
determina que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-
fé, por isso que, em tal situação, mais uma vez, tem-se a boa-fé como 
elemento externo ao sujeito8, e tanto assim que invocada para interpretar os 
negócios que esse mesmo sujeito já celebrou. Da mesma forma, na conclusão 
e na execução de um contrato, determina o artigo 422 que os contratantes 
observem o princípio da boa-fé. 
 
8 Nesse sentido a lição de Moreira Alves, que ao analisar o artigo 113, do Código Civil, ensina que “a 
boa-fé a que alude esse dispositivo não é evidentemente a boa-fé subjetiva, fato psicológico em que, quando 
conceituado como convicção de não se estar ofendendo direito alheio, se levam em consideração também 
valores morais de honestidade e retidão, mas sim, a boa-fé objetiva que se caracteriza como regra de reta 
conduta do homem de bem no entendimento de uma sociedade em certo momento historico. É, portanto, ao 
contrário do que ocorre com a boa-fé subjetiva, algo exterior ao sujeito, vinculando-se ao dever de 
cooperação que se exige nas relações obrigacionais, e regra de interpretação que ora conduz a um resultado 
integrador das obrigações assumidas, ora a um resultado limitador delas...”. Cf. José Carlos Moreira Alves, 
O novo Código Civil brasileiro e o direito romano – seu exame quanto às principais inovações no tocante ao 
negócio jurídico. In: Franciulli Netto, Domingos; Mendes, Gilmar Ferreira e Martins Filho, Ives Gandra da 
Silva (Coord.). O Novo Código Civil – Estudos em Homenagem ao Prof. Miguel Reale, p. 120. 
 31 
 Como se vê, nessas três últimas disposições legais mencionadas, 
em todas elas a boa-fé apresenta, em comum, o fato de se apresentar como 
elemento externo ao sujeito, e não mais como um elemento interno ligado ao 
mesmo. Apesar dessefator comum, no entanto, são muito claras as diferenças 
entre cada uma das situações, eis que a boa-fé, como fator externo, pode se 
apresentar como um limite previamente estabelecido à atuação concreta do 
sujeito (art. 187), como uma diretriz interpretativa dos atos por ele praticados, 
ou mesmo com a generalidade de um princípio, que se infiltra por todo o 
ordenamento jurídico. 
 O primeiro grupo de situações acima apontadas, ou seja, as que 
relacionam a boa-fé com os aspectos íntimos e psicológicos do sujeito, estão 
ligados ao que se denomina de boa-fé subjetiva, enquanto que o segundo, o 
que apresenta a boa-fé como um fator externo, relaciona-se à chamada boa-fé 
objetiva9. 
 A denominação, no entanto, não difere, em ambos os casos sendo 
usada, pela lei, a expressão “boa-fé”, ao contrário, por exemplo, do direito 
alemão, onde são usadas expressões distintas para a boa-fé subjetiva (guter 
Glauben) e para a boa-fé objetiva (Treu und Glauben), o que facilita a mais 
rápida distinção10. Além disso, e principalmente, como vimos acima, mesmo 
 
9 Há quem prefira usar as denominações “boa-fé-crença” e “boa-fé-lealdade”, sendo a primeira a 
posição de quem ignora determinados fatos e pensa, portanto, que sua conduta é legítima e não causa 
prejuízos a ninguém; a segunda é referente à conduta da pessoa que considera cumprir realmente com o seu 
dever, pressupõe uma posição de honestidade e honradez no comércio jurídico. Cf. Américo Plá Rodriguez, 
Princípios de Direito do Trabalho, p. 425. Também Guillermo Guerrero Figueroa, Principios Fundamentales 
del Derecho del Trabajo , p. 45, prefere “distinguir la buena fe-creencia y la buena fe-lealtad. La primera se 
refiere a la buena fe de quien cree obrar con arreglo a derecho, aunque fundado en una creencia equivocada, 
excusable por una apariencia engañosa. La segunda trata de la conducta de la persona que considera 
cumplir realmente con su deber. Supone una posición de honestidad que lleva implícita la plena conciencia 
de no engañar, ni perjudicar, ni danar. Implica la convicción de que las transacciones se cumplen 
normalmente, sin abusos ni desvirtuaciones”. 
10 Na realidade, a doutrina alemã, com a precisão que lhe é peculiar, vale-se dessa dualidade 
objetividade/subjetividade como um dos critérios para diferenciar a boa-fé no direito das coisas da boa-fé no 
campo das relações contratuais. A primeira, ou seja, no direito das coisas, seria a boa-fé subjetiva, ligada ao 
estado de espírito do sujeito, que conhece ou ignora os vícios do seu título, enquanto a segunda seria objetiva, 
 32 
dentro de cada uma dessas modalidades de boa-fé encontramos diferenças 
marcantes. 
 Todos esses fatores, como facilmente se pode imaginar, têm-se 
constituído, ao longo da evolução da análise da boa-fé pela Ciência do Direito 
(e até hoje se constituem), em obstáculo quase intransponível à obtenção de 
um conceito abstrato e teórico que se mostre satisfatório. Muito pelo contrário, 
embora algumas linhas mestras abstratas possam ser traçadas, sempre haverá 
de se mostrar indispensável a análise minuciosa do caso concreto onde tais 
linhas devam ser aplicadas, sendo inviável que se atinja solução adequada 
apenas em função das normas e valores que informam o sistema. 
 Na lição de Los Mozos11, distingue-se na atualidade um 
pensamento aporético (ou problemático) e um pensamento sistemático (ou 
axiomático). O primeiro busca a solução de cada problema depois de avaliar 
as circunstâncias da situação concreta onde esse mesmo problema foi 
detectado, e com ele se relaciona a tópica, enquanto o segundo busca, 
primordialmente, a sistematização dos conceitos e das soluções que serão 
usados em cada caso concreto. 
 
não dependendo do sujeito, mas sim de valores que dele independem. Cf. Béatrice Jaluzot, La bonne foi dans 
les contrats: Étude comparative de droit français, allemand et japonais, p. 80, n° 291. 
11 José Luis de Los Mozos, El Principio de La Buena Fe, pp. 19-20. 
 33 
 No pensamento tópico12 (aporético), não há como se fazer a 
sistematização dos conceitos, de modo a que tenham aplicação ampla, pois 
com isso se perderia a sua finalidade específica, e é nessa situação que se 
enquadra o princípio da boa-fé, que não pode ser considerado senão como um 
conceito tópico, cujo conteúdo não consegue encontrar guarida em um 
conceito único, válido para todo o sistema. Nesse mesmo sentido, afirma 
Béatrice Jaluzot13 que a boa-fé é o instrumento de uma justiça feita caso a 
caso, o que inclusive levou a Corte Federal da Alemanha a expressar sua 
intenção de não sistematizar as condições para a sua aplicação14. 
 A sistematização, portanto, prossegue Los Mozos15, não pode ser 
feita de modo arbitrário, sem que se faça o necessário enquadramento do 
indivíduo na realidade que o cerca, assim como sua vinculação a determinados 
problemas que se apresentam de modo permanente em um complexo 
problemático determinado e real, tais como o negócio jurídico, a proteção da 
confiança, etc. 
 
12 Nas palavras de Tércio Sampaio Ferraz Jr., “a tópica não é propriamente um método, mas um estilo. 
Isto é, não é um conjunto de princípios de avaliação da evidência, cânones para julgar a adequação de 
explicações propostas, critérios para selecionar hipóteses, mas um modo de pensar por problemas, a partir 
deles e em direção deles. Assim, num campo teórico como o jurídico, pensar topicamente significa manter 
princípios, conceitos, postulados, com um caráter problemático, na medida em que jamais perdem sua 
qualidade de tentativa. Como tentativa, as figuras doutrinárias do Direito são abertas, delimitadas sem 
maior rigor lógico, assumindo significações em função dos problemas a resolver, constituindo verdadeiras 
<fórmulas de procura> de solução de conflito. Noções-chaves como <interesse público>, <vontade 
contratual>, <autonomia da vontade>, bem como princípios básicos como <não tirar proveito da própria 
ilicitude>, <dar a cada um o que é seu>, <in dubio pro reo>, guardam um sentido vago, que se determina 
em função de problemas como a relação entre sociedade e indivíduo, proteção do indivíduo em face do 
Estado, do indivíduo de boa-fé, distribuição dos bens numa situação de escassez, etc., problemas estes que se 
reduzem, de certo modo, a uma aporia nuclear, isto é, a uma questão sempre posta e renovadamente 
discutida e que anima toda a jurisprudência: a aporia da justiça”. Tércio Sampaio Ferraz Jr., Prefácio do 
Tradutor. In: Viehweg, Theodor. Tópica e Jurisprudência, p. 3. 
13 Béatrice Jaluzot, La bonne foi dans les contrats: Étude comparative de droit français, allemand et 
japonais, p. 103, n° 370. No entanto, é necessário que se alerte que a referida autora menciona, na mesma 
obra e local citados, que, ao lado dessa parte que ela denomina de subjetiva, e que só pode ser aferida caso a 
caso, existe também uma parte objetiva, que segundo ela não varia em função das circunstâncias, e que 
consiste nos usos e nos valores. 
14 Nas atentas palavras de Teresa Negreiros: “A boa-fé constitui um exemplo riquíssimo de como o 
Direito é indissociável de sua aplicação”. Cf. Teresa Negreiros, Fundamentos para uma Interpretação 
Constitucional do Princípio da Boa-Fé, p. 19. 
15 José Luis de Los Mozos, El Principio de La Buena Fe, pp. 21. 
 34 
 Assim, conclui o respeitado jurista espanhol, o sistema jurídico 
deve ser funcional, buscando sua concreção não nas leis positivadas (sistema 
teórico), mas principalmente nos princípios de valoração que a prática 
desenvolve e que podem ser extraídos da lei, mas são sempre descobertos e 
comprovados no problemaconcreto. Dessa forma, prossegue o festejado autor, 
não é o sistema, em sentido racional, que se deve constituir no centro do 
pensamento jurídico, mas sim o problema16, o que torna impossível, como dito 
acima, tendo em vista a diversidade de situações possíveis, que se elabore um 
conceito geral de boa-fé17. 
 Nos próximos itens, buscaremos traçar uma linha evolutiva do 
conceito de boa-fé, até que se atinja o conceito atual, para ao final 
apresentarmos as “linhas mestras abstratas” acima mencionadas, mas sempre 
com freqüentes remissões a situações concretas, que melhor ajudem à 
compreensão adequada do tema, e de modo a nos permitir, inclusive, a mais 
fácil diferenciação dos institutos que decorrem da boa-fé, institutos esses cuja 
análise se constitui no objeto principal do presente trabalho. 
 Antes de prosseguirmos, contudo, convém observar que, nessa 
abordagem coordenada de aspectos abstratos com situações concretas, com 
alguma freqüência precisaremos nos valer do direito positivo. É que a 
dogmática jurídica, como bem afirma Menezes Cordeiro, deve ser muito mais 
do que um simples elemento de captação do material jurídico, devendo 
também permitir que seja racionalmente verificada e feita a crítica das 
 
16 Aliás, nas palavras do próprio Theodor Viehweg, Tópica e Jurisprudência, “a tópica é uma técnica 
de pensar por problemas, desenvolvida pela retórica” (p. 17), ou seja, trata-se de “uma techne do pensamento 
que se orienta para o problema ” (p. 33). 
17 Em certa medida, tal posição se apresenta coincidente com a que é apresentada por Juarez Freitas, A 
interpretação sistemática do direito , p. 54. Diz o jurista gaúcho que o sistema é uma rede axiológica e 
hierarquizada topicamente de princípios fundamentais. Ora, essa hierarquização tópica nada mais é, segundo 
nos parece, do que o cerne da idéia de Los Mozos, ou seja, o topo da hierarquia será ocupado por um 
princípio indeterminável em abstrato, só podendo ser apontado com precisão segundo as circunstâncias 
tópicas do caso concreto. 
 35 
soluções porventura encontradas, ou seja, deve atender às necessidades da 
vida, e por essa razão não pode ficar alheia aos elementos do direito posto, sob 
pena de tornar qualquer debate alheio ao Direito e à sua Ciência18. 
 No entanto, e de um certo modo até paradoxalmente, importante é 
que se alerte que no estudo da boa-fé objetiva, campo onde preferencialmente 
se situam a Teoria dos Atos Próprios e os demais institutos que lhe são 
assemelhados, em geral se mostrarão impossíveis a interpretação e a aplicação 
tradicionais da lei, fazendo-se a subsunção do caso concreto à mesma. O 
problema é que a boa-fé objetiva, embora esteja, a toda evidência (e a todo 
instante), inserida no ordenamento jurídico, de uma certa forma se mantém 
fora da norma legal. 
 Com efeito, facilmente se verifica que as normas legais que 
fazem menção à boa-fé não têm, por si sós, uma solução para o caso concreto, 
vale dizer, não contêm em seu bojo uma decisão a ser aplicada pelo juiz por 
meio da subsunção, ao contrário do método aplicativo tradicional. 
 Quando o Código Civil, por exemplo, menciona que nas 
obrigações provenientes de ato ilícito o devedor deve ser considerado em 
mora desde o momento em que o praticou (art. 398), o juiz considera a norma 
legal como sendo a premissa maior. Ao examinar um caso concreto, verifica 
que “A” deve pagar a “B” uma indenização decorrente de um ato ilícito, e tal 
situação real é considerada como a premissa menor. Faz, então, a subsunção, 
concluindo com facilidade que “A” está em mora desde o momento em que 
praticou o ato que deu origem à dívida, e portanto deverá responder pelos 
juros da mora desde o referido momento. 
 No entanto, veja-se que quando o mesmo Diploma Civil manda 
que os direitos sejam exercidos dentro dos limites impostos pela boa-fé (art. 
 
18 Antônio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, Da boa-fé no Direito Civil , pp. 30-31. 
 36 
187), sob pena de se caracterizar o exercício abusivo, a norma legal mais se 
assemelha a uma lacuna, a ser preenchida pelo aplicador, uma vez que não dá 
a este qualquer critério para que possa aferir quais são esses limites traçados 
pela boa-fé, e o limite dependerá unicamente da atuação do próprio juiz. 
 Como se vê, portanto, a boa-fé é buscada em virtude da 
determinação que emana da ordem legal, mas o seu conteúdo não está – e, 
como veremos, nem poderia estar – na lei, mas sim na própria decisão judicial, 
que deverá buscar-lhe o melhor preenchimento para as circunstâncias do caso 
concreto em exame. Em outras palavras, a compreensão da boa-fé objetiva 
decorre muito mais da atividade jurisprudencial do que da análise teórico-
doutrinária dos textos legais. 
 É evidente que, com a evolução da jurisprudência, torna-se 
possível que os estudos se encaminhem para uma sistematização da matéria, o 
que facilita sobremaneira a análise dos casos futuros, que se torna mais segura, 
uma vez que, em sua maioria, tais casos tenderão a ser enquadrados nas 
situações já organizadas de modo científico. Como bem aponta Béatrice 
Jaluzot19, é o estudo jurisprudencial e doutrinário que permite que nos 
aproximemos do conteúdo da boa-fé. 
 Por outro lado, no entanto, também não se pode perder de vista 
que as decisões judiciais jamais se consolidarão até o ponto de esgotar todas 
as novas hipóteses que poderão surgir, vale dizer, sempre surgirão situações 
que até então não haviam sido abordadas, com nuances e características 
próprias, o que faz com que o estudo de fenômenos como o da boa-fé esteja 
em evolução permanente e contínua, sempre havendo espaço para novas 
 
19 Béatrice Jaluzot, La bonne foi dans les contrats: Étude comparative de droit français, allemand et 
japonais, p. 79, n° 289. 
 37 
construções e, ao mesmo tempo, sempre havendo uma necessária e 
insuperável indefinição conceitual. 
 O sistema jurídico, como se sabe, está em incessante interação 
com o meio social onde encontra sua aplicação, em uma troca recíproca de 
conceitos e de soluções, e por isso as inovações sociais repercutem quase que 
de imediato no ordenamento jurídico, e com freqüência surgem situações que 
são alheias às normas legais ou em relação às quais é quase nenhum o 
tratamento dispensado pelo direito posto. E é exatamente nessas situações, 
pouco ou nada reguladas pela lei, que com mais intensidade se mostra 
aplicável a boa-fé, exatamente por ser um conceito estranho à lei, não podendo 
ser por esta aprisionado. 
 Tome-se, a título de exemplo, a questão do abuso do direito, 
prevista em nosso ordenamento, unicamente, no artigo 187 do Código Civil, 
sem que se possa encontrar qualquer norma legal que cuide de explicar em 
maiores detalhes sobre o tema. Ora, em qualquer relação jurídica, onde um 
dos sujeitos estará sempre exercendo um ou mais direitos subjetivos, haverá 
sempre um largo espaço para a atuação do juiz, com esteio no conceito de 
abuso do direito, o que tem a inegável vantagem de permitir que possam ser 
corrigidas eventuais distorções – ou mesmo injustiças – decorrentes da 
aplicação direta da norma legal. 
 Tomemos, como exemplo ainda mais específico, para tornar mais 
clara a afirmação, um caso que ocorre na prática com muita freqüência, que é 
o trabalho do empregado doméstico em extensas jornadas, inclusive aos 
domingos e feriados. 
 O problema começa porque a lei, ao tratar das horas extras e do 
Repouso Semanal Remunerado, expressamente exclui o empregado doméstico 
da sua abrangência, como se pode observar no Decreto-Lei nº 5.452, de 
 38 
01.05.1943(CLT), art. 7º, a, e na Lei nº 605, de 05.01.1949, que trata do 
Repouso Semanal Remunerado e, em seu artigo 5º, a, explicitamente declara 
que seus dispositivos não são aplicáveis aos empregados domésticos. Ao 
entrar em vigor, contudo, a atual Constituição Federal determinou, em seu 
artigo 7º, parágrafo único, que aos domésticos fosse deferido o Repouso 
Semanal Remunerado, preferencialmente aos domingos, continuando a não se 
lhe aplicar, contudo, as regras sobre horas extras, previstas na CLT. 
 Tem-se, portanto, com grande freqüência, a seguinte situação: a 
empregada doméstica trabalha em jornadas muito extensas, por vezes 
começando antes das 07:00 horas e terminando por volta de 20:00 horas, ou 
mesmo depois disso. Ainda, é também muito comum que a empregada 
doméstica trabalhe em dias feriados ou mesmo aos domingos. Ora, a única 
norma legal a tratar sobre o assunto, como acabamos de mencionar, é o 
dispositivo constitucional (CF, art. 7º, parágrafo único), que assegura ao 
doméstico o direito ao Repouso Semanal Remunerado, preferencialmente aos 
domingos. 
 O que deve fazer o juiz, portanto, em tais situações? Condenar o 
empregador ao pagamento de horas extras ao doméstico? O problema é que do 
direito às horas extras são expressamente excluídos esses empregados pela 
norma legal. Determinar que o empregador forneça o dia de repouso, 
preferencialmente aos domingos? O problema, agora, é que em geral, quando 
o empregado busca a Justiça do Trabalho, já não mais trabalha para aquele 
empregador, e por isso a determinação não teria qualquer objeto. O que fazer, 
então? 
 No enfrentamento dos casos concretos, a primeira e óbvia 
conclusão a que chegaram os juízes do trabalho, foi no sentido de que a falta 
de regulamentação da matéria, caso implicasse na ausência de qualquer 
 39 
conseqüência, estaria sendo transformada em manifesta injustiça. A segunda, 
foi no sentido de que o empregador doméstico, ao exercer seu direito de exigir 
a prestação dos serviços por parte do empregado, em troca do pagamento dos 
salários, deveria exercê-lo dentro dos limites que se impõem a todo e qualquer 
exercício de direitos subjetivos, sob o risco de se configurar o abuso. 
 A partir de tal constatação, com uma certa facilidade pôde ser 
preenchida a lacuna existente na lei, pois o que se verificou foi que o 
empregador doméstico, ao exigir o trabalho em extensas jornadas, que se 
mostram desarrazoadas, ou o trabalho nos dias feriados ou em todos os 
domingos, estava exercendo de modo abusivo o seu direito, extrapolando os 
limites que a boa-fé impõe a tal exercício. Logo, tal empregador deve ser 
condenado a pagar ao empregado doméstico uma certa quantia, que, se não 
poderá ser paga a título de horas extras, face à expressa exclusão legal, deverá 
sê-lo a título de indenização em virtude de ato ilícito, consistente no exercício 
abusivo do direito de exigir a prestação dos serviços. 
 Como se vê, portanto, o juiz recebeu, para decidir, situação 
concreta que se encontra sujeita a quase nenhuma regulamentação legal e, para 
decidi-la, precisou preencher os claros legais. Ao fazê-lo, lançando mão do 
conceito de boa-fé (e dos institutos que dela derivam), além de suprir uma 
lacuna legal, corrigiu uma situação que poderia se caracterizar em manifesta 
injustiça, caso fosse simplesmente aplicada a norma legal que exclui os 
domésticos do âmbito de aplicação da Consolidação das Leis do Trabalho. 
 Além disso, como também já havíamos alertado linhas atrás, 
quanto mais avançar o tratamento jurisprudencial dado à questão, mais seguro 
se tornará o enfrentamento da mesma, que poderá ser enquadrada em uma 
sistematização que permita prever, com razoável acerto, a solução a ser 
aplicada aos futuros casos concretos que se mostrem similares, solução essa 
 40 
que se tornará previsível em seus diversos aspectos, inclusive quanto aos 
parâmetros de apuração do valor a ser fixado para a indenização. 
 Deve-se alertar, contudo, para um sério risco, do qual se deve 
fugir, que é o da tentação de preencher o espaço aberto pela indefinição 
conceitual de boa-fé com outros conceitos que também se mostram vagos e 
indefinidos, e que também são externos à norma legal. Assim ocorre, por 
exemplo, quando se busca dizer que os limites da boa-fé são aqueles impostos 
pela eqüidade, ou quando se diz que age de boa-fé quem age com equilíbrio 
ou conforme a ética. 
 O problema, que se mostra bastante evidente, é que essas 
expressões também não estão conceituadas pela lei, e continuarão a requerer a 
atuação do juiz, para o seu preenchimento em cada caso concreto, o que 
significa que não se resolveu coisa alguma, mas tão-somente se fez a 
substituição de uma expressão indefinida por outras que igualmente o são. 
Ademais, substituir a boa-fé por expressões que, supostamente, resolveriam o 
problema do seu conteúdo, na realidade seria o mesmo que afirmar que a boa-
fé não se mostra funcional, não podendo ser aplicada nas soluções jurídicas 
em virtude da inviabilidade de se construir um conteúdo próprio, por isso que 
se teria mostrado indispensável a substituição. E a construção desse conteúdo 
próprio é perfeitamente viável, como pretendemos demonstrar mais à frente. 
 
1.2. A boa-fé romana e sua recepção no direito europeu. 
 
 Não se nota, nos autores modernos, qualquer interesse no estudo 
da fides romana, o que pode ser facilmente explicado quando se observa que, 
na realidade, o instituto chegou ao direito moderno através do direito europeu, 
que o recebeu e modificou. Mais interessante tem se mostrado, por isso, o 
 41 
estudo da boa-fé nos países da Europa, principalmente a Alemanha, Portugal e 
França, destacando-se esta última face à grande contribuição, para o direito 
civil em geral, em que se constituiu a primeira grande codificação, e de modo 
especial, quanto à boa-fé, sobressaindo-se a Alemanha, onde o estudo do 
assunto teve incomparável desenvolvimento. Mas veja-se, contudo, que há 
quem alerte que não é possível determinar o conteúdo e a forma da boa ou má-
fé a não ser observando a enorme diversidade de aplicações da fides no campo 
do Direito20. 
 De qualquer modo, ainda que brevemente, não é demais 
mencionar que a primitiva fides romana, na realidade, desdobrava-se em 
diversos significados, podendo-se apontar, à guisa de exemplo, a fides-sacra, 
prevista na Lei das XII Tábuas, através da qual se cominava sanção religiosa 
contra o patrão que defraudasse a fides do cliente21, a fides-facto, que não 
apresentava qualquer conotação religiosa ou moral, ligando-se à questão da 
garantia de alguns institutos, e a fides-ética, que também se referia à noção de 
garantia, mas agora consistente na qualidade de uma pessoa, por isso que 
eivada de um conteúdo moral22. Na realidade, todos os povos da antiguidade, 
os romanos em especial, davam extraordinária importância à fides, inclusive 
revestindo-a de um conteúdo religioso e informando toda a vida e a 
consciência social23. 
 Mas havia, ainda, outros sentidos para a fides romana. Assim, por 
exemplo, a fides-sacra poderia ser ainda dividida em fides-poder e em fides-
promessa, a primeira referente à posição do patrão, que detinha poderes de 
 
20 José Luis de Los Mozos, El Principio de La Buena Fe, pp. 22. 
21 A clientela, entenda-se, consistia em uma das classes que compunham a estratificação social romana, 
cujos integrantes, os clientes, estavam situados entre o cidadão livre e o escravo, e que assumiam deveres de 
lealdade e de obediência ao patrão, em troca da proteção. 
22 Antônio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, Da boa-fé no Direito Civil , pp. 55-56. 
23 José

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