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O princípio do não retrocesso

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O princípio do não retrocesso foi desenvolvido na Alemanha e em Portugal, partindo da constatação de que ao dever positivo do Estado existe uma imposição de abstenção. Significa dizer que quando há uma obrigação em concretizar um direito positivado nasce para o Estado um dever de não adotar medidas que destitua ou flexibilize de forma desarrazoada as conquistas alcançadas, significa dizer que o Estado não pode voltar atrás, não pode descumprir o que cumpriu, não pode tornar a colocar-se na situação de devedor. Isto quer dizer que, a partir do momento em que o Estado cumpre (total ou parcialmente) as tarefas constitucionalmente impostas para realizar um direito social, o respeito constitucional deste deixa de consistir (ou deixa de consistir apenas) numa obrigação, positiva, para se transformar ou passar também a ser uma obrigação negativa. O Estado, que estava obrigado a actuar para dar satisfação ao direito social, passa a estar obrigado a abster-se de atentar contra a realização dada ao direito social.
	Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a concretização dos direitos sociais passou a ser debatida com mais força no mundo jurídico e político, com questões acerca da efetivação do texto constitucional na transformação da realidade brasileira. Na medida em que a dignidade da pessoa humana é elevada em nosso país como fundamento constitucional, surge o chamado “princípio de não-retrocesso
social” também denominado por alguns doutrinadores de aplicação progressiva dos direito sociais, visando à garantia e progresso de conquistas alcançadas pela sociedade. Este princípio foi expressamente acolhido pelo ordenamento jurídico brasileiro através do Pacto de São José da Costa Rica e caracteriza-se pela impossibilidade de redução dos direitos sociais amparados na Constituição, garantindo ao cidadão o acúmulo de patrimônio jurídico.
Como bem elucidou Canotilho, a proibição de retrocesso social faz com que os direitos sociais estejam garantidos como núcleo efetivo do ordenamento jurídico. 
Leciona Sarlet:
	A garantia de intangibilidade desse núcleo ou conteúdo  essencial de matérias (nominadas de cláusulas pétreas), além de assegurar a identidade do Estado brasileiro e a prevalência dos princípios que fundamentam o regime democrático, especialmente o referido princípio da dignidade da pessoa humana, resguarda também a Carta Constitucional dos ‘casuísmos da política e do absolutismo das maiorias parlamentares’.5
Streck adverte que:
Embora (o princípio da proibição de retrocesso social) ainda não esteja suficientemente difundido entre nós, tem encontrado crescente acolhida no âmbito da doutrina mais afinada com a concepção do Estado democrático de Direito consagrado pela nossa ordem constitucional.7
	A partir do ano de 2016 diversos projetos legislativos tendentes a restringir direitos sociais, vitimando especialmente o Direito do Trabalho, dentre os quais se destacam o Projeto de Lei n° 6.787/2016, que tem por objeto a reforma da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017, que dispõe sobre o trabalho temporário e a terceirização.
 
	Tais proposições podem dizimar o atual modelo de Direito do Trabalho, reduzindo os direitos assegurados pela legislação infraconstitucional e retrocedendo para um modelo desregulamentado e marcado pela autonomia da vontade acima das proteções legais.
 
	Todavia, a redução de direitos trabalhistas, especialmente aquela trazida no bojo do Projeto de Lei nº 6.787/16, encontra óbice no sistema de proteção consagrado pela Constituição Federal de 1988, o qual veda retrocessos sociais.
	O Direito do Trabalho, por tratar-se de direito social fundamental, é também tutelado por este sistema constitucional de proteção, que abrange não apenas aqueles direitos do trabalhador expressos na Constituição, mas também todos aqueles previstos na legislação infraconstitucional, nas recomendações da Organização Internacional do Trabalho ratificadas pelo Brasil e nas normas coletivas de trabalho, desde que sejam mais benéficos ao trabalhador.
	Nota-se que a principal proposta de reforma trabalhista, constante do Projeto de Lei nº 6.787, de 2016, apresenta dentre suas justificativas o objetivo de aprimorar as relações de trabalho no Brasil, partindo do princípio que houve o aprimoramento das relações capital x trabalho, da autonomia das negociações sem o apoio Estatal e ainda que os pactos laborais são questionados judicialmente frente ao que foi negociado, gerando uma maior judicialização das relações do trabalho.
A aceitação do princípio ora tratado é extremamente controvertido para Supremo Tribunal Federal. Ainda que o STF já o tenha adotado em algumas oportunidades como fundamento em seus julgados, não há um posicionamento consolidado acerca de sua aplicabilidade como fonte de direito, ou quanto a sua previsão legal.
Para ilustrar um posicionamento do STF, cita-se o julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4543-MC/DF), de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, julgada pelo Tribunal Pleno em dezenove de outubro de dois mil e onze. Na oportunidade questionava-se a constitucionalidade do art. 5º, da Lei n. 12.034/2009, que pretende estabelecer uma nova sistemática para o sistema eleitoral brasileiro.
Por meio da referida lei, pretende-se estabelecer um dúplice sistema de checagem de votos. Uma por meio eletrônico e outra por meio impresso.
A proposta legislativa seria de que após a finalização do voto eletrônico, a urna realizasse a impressão do voto que, sem qualquer contato físico com o eleitor, ficaria armazenada em urna. Em audiência pública, a Justiça Eleitoral realizaria auditoria por meio de sorteio de 2% das urnas eletrônicas de cada Zona Eleitoral, que deveriam ter seus votos em papel contados e comparados com o resultado apresentado pelo respectivo boletim da urna.
A medida cautelar proposta pela Procuradoria Geral da República pretende afastar a nova sistemática em que há “a exigência do voto impresso no processo de votação, o qual conterá o número de identificação associado à assinatura digital do eleitor”, pois segundo sua interpretação, tal procedimento “fere o direito ao voto secreto, insculpido no art. 14 da Constituição da República”.
Em voto, a Ministra relatora enfrenta a questão arguindo como fundamento em seu voto, entre outros, o Princípio da proibição de retrocesso político.
Segundo sua interpretação, retornar a impressão dos votos representaria um retrocesso ao direito adquirido pelo eleitor de que seu voto tenha o maior grau de sigilo possível. Ao imprimi-lo, estaria se deixando vulnerável a informação de sua escolha.
Ao dispor sobre o princípio, informa que ainda que mais comumente adotado no âmbito dos direitos sociais, também é aplicável aos direitos políticos.
	Em um país tão marcado pela desigualdade social, como o Brasil, os impactos do processo de globalização econômica e as matizes neoliberais políticas fazem surgir a necessidade de se elaborar formas de proteger os direitos sociais, garantindo o mínimo necessário à dignidade da vida. Verifica-se que tem ocorrido uma tendência de retrocesso na proteção e efetividade destes direitos, por vários fatores, dentre eles a diminuição da máquina estatal, notadamente a assistencial, e a destruição dos direitos trabalhistas através da denominada “flexibilização”
	A exclusão social e formação de bolsões de pobreza são graves dilemas enfrentados pelo Brasil, que atuam reduzindo a capacidade de ação social no sentido de efetivação dos direitos fundamentais. A outra face da moeda é fragilidade que transforma-se em dominação, o que gera uma possibilidade de desmantelo da democracia.
Conclusão:
A proibição do retrocesso social consiste em importante conquista da civilização, uma vez que favorece e fortalece as estruturas da assistência social do Estado e perfectibiliza a sustentação dos direitos fundamentais.
Torna-se primordial reconhecer que todo cidadão é igualmente merecedor de respeito em sua expressão máxima.Alcançar os primados da dignidade da pessoa humana, enquanto Estado Democrático de Direito, é um exercício efetivo de cidadania e democracia.
Bibliografia:
https://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/artigo/1926/do-principio-nao-retrocesso-social
http://www.tex.pro.br/home/artigos/261-artigos-mar-2014/6428-o-principio-da-proibicao-do-retrocesso-uma-analise-sob-a-perspectiva-do-supremo-tribunal-federal
BARNES, Javier. Introducción al principio de proporcionalidade em el derecho comparado y comunitário. Revista de Administración Pública, Madrid, n. 135, p. 495-522, 1994.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental em Recurso Extraordinário ARE 639337 AgR/SP, Segunda Turma do STF. Brasília, DF, 23 out. 2011.
NETTO, Luísa Cristina Pinto e. O princípio de proibição de retrocesso social. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

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