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O indio antes do indianismo

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o índio antes do indianismo
Alcmeno Bastos
O indio antes do indianismo - miolo final.indd 3 8/7/2011 15:28:58
Sumário
Apresentação 7
Roberto Acízelo de Souza
Introdução 13
Sem fé, lei ou rei, mas com liberdade, 
graça e inocência: o índio e os olhares inaugurais 25
O índio entre a salvação, 
o desprezo e a zombaria: séculos xvi e xvii — 
José de Anchieta, Bento Teixeira e Gregório de Matos 51
O gentio melhorado: imagens, lugares 
e funções do índio na poesia do século xviii 75
apêndice 
O índio no “sonho” de Alvarenga Peixoto, 
na ode ao “homem selvagem” de Sousa Caldas 
e num inesperado libelo de Critilo (Cartas chilenas) 115
Referências bibliográficas 125
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7
Apresentação
Das correntes que contribuíram para a formação do movimento romântico 
entre nós o indianismo é certamente uma das mais decisivas e características, 
e por isso mesmo tem sido objeto de muitos estudos acadêmicos, nas áreas 
de letras, história, antropologia. Bem conhecidas são, assim, por exemplo, a 
apologia do indígena empreendida por Gonçalves de Magalhães e Joaquim 
Norberto, no plano do ensaio, bem como seu aproveitamento estético na 
poesia de Gonçalves Dias e no romance de José de Alencar.
Antes, contudo, de a figura do índio tornar-se um dos pilares do nosso 
romantismo, sua presença já se observava em produções literárias do perí-
odo colonial. No entanto, se as representações românticas do personagem 
em questão têm sido muito bem estudadas, o mesmo não pode ser dito a 
respeito de suas figurações em obras dos séculos xvi, xvii e xviii. 
Nesse sentido, é preciosa a contribuição deste O índio antes do india-
nismo, que se propõe, como bem revela o título, justamente resgatar visões 
literárias do ameríndio mais ou menos esquecidas, em decorrência do brilho 
e da notoriedade alcançadas pelas obras românticas indianistas que assina-
lariam o século xix. 
A exposição se inicia pelo estudo da contribuição dos assim chamados 
“cronistas”, viajantes e religiosos que, transitando nos séculos xvi e xvii pelo 
território que viria a ser o Brasil, deixaram registros de suas impressões em 
obras que a historiografia literária reuniria sob a rubrica “literatura de infor-
mação”. Seguem-se análises das obras de José de Anchieta, Bento Teixeira e 
Gregório de Matos, após o que se examinam as manifestações épicas arcádi-
cas mais ostensivamente reconhecidos como indianistas avant la lettre, isto 
é, O Uraguai, de Basílio da Gama, e o Caramuru, de Santa Rita Durão. Não se 
omitem, entretanto, outras obras setecentistas que de algum modo encerra-
ram referência aos aborígenes do nosso País. Estudam-se assim o Vila Rica, 
de Cláudio Manuel da Costa, e as Cartas chilenas, e ainda composições de 
Alvarenga Peixoto e de Sousa Caldas, bem como um poema “heroico” até o 
momento praticamente desconhecida de críticos e historiadores, publicado 
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8
em 1819 a partir de manuscrito de 1785: a Muhuraida ou O triunfo da fé, de 
Henrique João Wilkens.
O percurso empreendido pela obra apoia-se, como logo se percebe, num 
esquema de extração historiográfica, mas nem por isso renuncia ao vigor 
crítico. Desse modo, sendo exaustivo na apresentação dos dados referentes 
ao período que se propõe cobrir, também permite que se veja sob nova luz 
não só o indianismo oitocentista, mas também as derivações que a questão 
indígena terá em produções literárias do século xx, em obras de escritores 
como Mário de Andrade, Darcy Ribeiro, Antônio Callado, para citar apenas 
alguns. 
Oportuno e pertinente por seu tema, o livro se distingue ainda pelo tra-
tamento sistemático que confere à questão estudada, bem como pelo rigor 
metodológico e conceitual das reflexões que propõe, tudo isso sem prejuízo 
de uma linguagem que se destaca pela clareza, elegância e fluência, resultado 
do uso sempre parcimonioso da terminologia técnica própria às disciplinas 
pelas quais se movimenta o texto. Por tais qualidades, a obra dispõe de todas 
as condições para interessar a professores e estudantes, em particular das áreas 
de literatura, história e ciências sociais, mas também ao público brasileiro em 
geral, à medida que põe em evidência, à luz das circunstâncias contemporâ-
neas, uma das matrizes essenciais para a nossa formação cultural e social.
Roberto Acízelo de Souza
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Se se propusesse a todos os homens escolher entre todas as leis insti-
tuídas nos diversos países as que melhor lhes parecessem, decerto que, 
após um exame minucioso, cada qual se decidiria pelas de sua própria 
pátria, de tal modo estão os homens persuadidos de que não existem leis 
mais belas do que as deles.
heródoto. História. Trad. J. Brito Broca. 
Rio de Janeiro: Edições de Ouro, s.d., p. 260.
É um fato incontestável que todo Negro Americano ostenta um nome 
que pertencia originalmente ao branco de quem era vassalo. Eu, por 
exemplo, chamo-me Baldwin porque fui vendido pela tribo africana de 
onde provinha, ou raptado da mesma, por um cristão de raça branca 
de nome Baldwin, que me fez ajoelhar aos pés da cruz. Sou, portanto, 
ostensiva e legalmente um descendente de escravos num país branco 
e protestante, e isso é o que verdadeiramente significa ser um Negro 
Americano — um pagão raptado, vendido e tratado como um animal, 
definido certa vez pela Constituição Americana como sendo “três-quin-
tos de homem”, e, segundo a decisão Dred Scott, destituído de quais-
quer direitos que o homem branco seja obrigado a respeitar. E ainda 
presentemente, cem anos após essa emancipação técnica, ele continua 
sendo — à exceção talvez do Índio Americano — a mais desprezada das 
criaturas de seu país.
baldwin, James. Da próxima vez, o fogo (o racismo nos eua). Trad. 
Cristiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: bup, 1967, p. 92.
A opinião do emir sírio a respeito dos “bárbaros” não se modifica quando 
ele evoca o seu saber. Os franj no século xii se mostram muito atrasados 
em relação aos árabes em todos os domínios científicos e técnicos, mas é 
sobretudo na medicina que o afastamento entre o Oriente desenvolvido 
e o Ocidente primitivo é maior. Ussama observa a distância.
“Um dia”, ele conta, “o governador franco de Muneitra, no monte 
Líbano, escreveu a meu tio Sumtan, emir de Chayzar, para lhe pedir 
que lhe enviasse um médico para cuidar de alguns casos urgentes. Meu 
tio escolheu um médico cristão de nome Thabet. Este se ausentou ape-
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nas por poucos dias, depois voltou. Todos estávamos bastante curiosos 
para saber como ele tinha podido assim tão rapidamente obter a cura 
dos doentes, e o crivamos de perguntas. Thabet respondeu: ‘Fizeram vir 
à minha presença um cavaleiro que tinha um abcesso na perna e uma 
mulher desnutrida e definhada. Coloquei um emplastro no cavaleiro, 
o tumor abriu e melhorou. Para a mulher, prescrevi uma dieta para 
refrescar-lhe o temperamento’. Mas um médico franco chegou e então 
disse: ‘Este homem não sabe tratar deles!’ E, dirigindo-se ao cavaleiro, 
perguntou-lhe: ‘O que você prefere, viver com uma só perna ou mor-
rer com as duas?’ O paciente tendo respondido que preferia viver com 
uma só perna, o médico ordenou: ‘Tragam-me um cavaleiro forte com 
um machado bem afiado’. Logo vi chegar o cavaleiro e o machado. O 
médico franco colocou a perna do paciente num cepo e disse ao recém-
chegado: ‘Dê uma boa machadada para cortá-la de uma só vez!’. Sob 
meus olhos o homem descarregou um primeiro golpe na perna, depois, 
como ela continuasse presa, bateu uma segunda vez. O tutano da perna 
esguichou e o ferido morreu no mesmo instante. Quanto à mulher, o 
médico franco a examinou e disse: ‘Ela temna cabeça um demônio que 
está apaixonado por ela. Cortem-lhe os cabelos!’ Eles foram cortados. A 
mulher então recomeçou a comer seu alimento com alho e mostarda, o 
que agravou o definhamento. ‘Foi o diabo que lhe entrou na cabeça’, afir-
mou o médico. E, pegando uma navalha, fez-lhe uma incisão em forma 
de cruz, deixando aparecer o osso da cabeça, que ele esfregou com sal. A 
mulher morreu imediatamente. Então perguntei: ‘Vocês ainda precisam 
de mim?’. Disseram-me que não, e eu retornei, depois de ter aprendido 
muitas coisas que ignorava a respeito da medicina dos franj”.
maalouf, Amim. As Cruzadas vistas pelos árabes. 
Trad. Pauline Alphene e Rogério Muoio. 3. ed. 
São Paulo: Brasiliense, s.d., p. 126-127 [Primeira edição, 1988]
ccxvi — Passemos aos seus costumes. Desposam, cada qual, uma mulher, 
mas fazem uso comum das esposas. É entre os Masságetas que se verifica 
esse costume, e não entre os Citas, como pretendem os Gregos. Quando 
um Masságeta se apaixona por uma mulher, tem o direito de aprovei-
tar-se dela à vontade. Não estabelecem limites para a vida, mas quando 
um homem chega a uma idade muito avançada e fica aniquilado pela 
velhice, os parentes reúnem-se e sacrificam-no, com o gado. Cozinham-
lhe depois a carne e regalam-se com ela. Esse gênero de morte passa, entre 
esses povos, como o mais feliz. Não comem quem morra de doença; enter-
ram-no e lamentam-no por não haver atingido a idade do sacrifício.
heródoto. História. Trad. J. Brito Broca. Rio de Janeiro: 
Edições de Ouro, s.d., p. 139 [a propósito dos Masságetas, 
povo que teria derrotado Ciro, rei dos persas].
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Três dentre eles (e como lastimo que se tenham deixado tentar pela 
novidade e trocado seu clima suave pelo nosso!), ignorando quanto lhes 
custará de tranquilidade e felicidade o conhecimento de nossos costumes 
corrompidos, e quão rápida será sua perda, que suponho já iniciada, 
estiveram em Ruão quando ali se encontrava Carlos ix. [...] Alguém lhes 
havendo perguntado mais tarde o que pensavam da cidade e o que ela 
lhes tinha revelado, citaram três coisas. Esqueci a terceira, e o lamento, 
mas lembro-me das outras duas. Disseram antes de tudo que lhes pare-
cia estranho tão grande número de homens de alta estatura e barba 
na cara, robustos e armados e que se achavam junto do rei (provavel-
mente se referiam aos suíços da guarda) se sujeitassem em obedecer a 
uma criança e que fora mais natural se escolhessem um deles para o 
comando. Em segundo lugar observaram que há entre nós gente bem 
alimentada, gozando as comodidades da vida, enquanto metades de 
homens emagrecidos, esfaimados, miseráveis mendigam às portas dos 
outros (em sua linguagem metafórica a tais infelizes chamam “meta-
des”); e acham extraordinário que essas metades de homens suportem 
tanta injustiça sem se revoltarem e incendiarem as casas dos demais.
montaigne, Michel de. Os canibais. In: ---. Ensaios. 
Trad. Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, s.d., p. 175-176.
A minha carreira foi decidida num domingo do Outono de 1934, às nove 
da manhã, com um telefonema. Era Célestin Bouglé, então diretor da 
Escola Normal Superior. [...] ‘Continua a sentir o desejo de se dedicar à 
etnografia? — Sem dúvida! — Então apresente a sua candidatura como 
professor de sociologia da Universidade de São Paulo. Os arredores estão 
cheios de índios, poderá dedicar-lhes os seus fins de semana. Mas tem 
que dar uma resposta definitiva a George Dumas até ao meio-dia.’ O 
Brasil e a América do Sul não tinham grande significado para mim. No 
entanto, ainda vejo, com a maior nitidez, as imagens que essa proposta 
imprevista imediatamente evocou. Os países exóticos surgiam-me como 
o oposto dos nossos, a designação de antípodas tomava no meu pensa-
mento um sentido mais rico e ingênuo do que o seu conteúdo literal. 
lévi-strauss, Claude. Tristes trópicos. Trad. Jorge Constante Pereira. 
Lisboa: Martins Fontes/Portugália Editora, s.d., p. 53-54.
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13
Introdução
Este livro tem o propósito de rastrear criticamente a presença do índio na 
literatura brasileira, antes da nítida configuração do movimento literário do 
indianismo, daí o título. Cobre, portanto, no âmbito especificamente literá-
rio, o período que vai dos séculos xvi e xvii, com a obra do padre José de 
Anchieta (1534-1597), especialmente os autos, a Prosopopeia (1601) de Bento 
Teixeira (1561-1600?) e a poesia de Gregório de Matos (1633-1696), até as ten-
tativas épicas do século xviii: O Uraguai (1769), de Basílio da Gama (1741-
1795), Caramuru (1781), de Santa Rita Durão (1722-1789), Vila Rica (provavel-
mente, 1773; publicação póstuma em 1839), de Cláudio Manuel da Costa (1729-
1789), e Muhuraida ou Triunfo da Fé (1819, manuscrito de 1785), de Henrique 
João Wilkens (datas ignoradas de nascimento e morte) —, já na vigência do 
Arcadismo, e as raras aparições do tema na poesia não-épica do período.
Dispensamo-nos de discutir a existência de indianismo no período 
coberto por este estudo. O título do livro, aliás, já representa a tácita acei-
tação da ideia de que indianismo, de fato, tenha sido o movimento literário 
de intencional valorização da figura do índio, programaticamente alçado ao 
primeiro plano. Isto realmente só aconteceu a partir do Romantismo, já no 
século xix. Tal valorização da figura do índio deu-se, com os românticos, de 
duas maneiras, distintas e complementares entre si: a) de um lado, porque 
lhe foram atribuídas qualidades físicas e morais que o distanciavam da ima-
gem do homem quase-fera, desprovido de razão e de civilidade, ou, na ver-
tente mais tolerante, do primitivo ingênuo, instrumento dócil e inocente de 
vontades alheias ao processo salvador empreendido pelos religiosos e pelos 
“bons” colonos portugueses; b) de outro, pela evidência de que lhe cabia 
agora o papel de protagonista, no sentido funcional do termo, pois era dele 
o lugar de maior relevo na trama discursiva, sobre ele incidiam as luzes do 
foco narrativo e/ou poemático. Em toda a literatura brasileira anterior ao 
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Romantismo, como pretendemos demonstrar, nem uma nem outra dessas 
condições foi integralmente satisfeita.
Deve-se admitir, no entanto, que mesmo na literatura romântica, que 
tematizou favoravelmente o índio, há exceções. Nesta ou naquela obra pode 
acontecer de não serem atendidas todas as exigências tipológicas acima for-
muladas — e o exemplo mais notável talvez seja A Confederação dos Tamoios 
(1856), de Gonçalves de Magalhães (1811-1882), poema no qual o pretenso herói, 
o cacique Aimbirê, perde a guerra em que se envolve contra os portugueses, 
morre e tem seu corpo piedosamente recolhido, para sepultamento cristão, 
pelo Padre José de Anchieta. O desfecho da narrativa quebra, assim, o molde 
do herói vencedor da tradição épica ocidental. Mas no geral, sobretudo no caso 
dos nomes tutelares do movimento, José de Alencar (1829-1877) e Gonçalves 
Dias (1823-1864), é em respeito a essas condições positivas que se caracteriza a 
representação romântica do índio como verdadeiramente indianista.
Mesmo que não levássemos em conta os textos de natureza informativa 
dos primeiros cronistas, a evidência é a de que o índio fez-se presente na lite-
ratura brasileira desde os primórdios. Tanto no caso de considerarmos José 
de Anchieta como o fundador da literatura brasileira, a despeito de ele ser 
espanhol de nascimento (das Ilhas Canárias) e ter escrito seus poemas e seus 
autos em português, espanhol, latim e até em tupi, quanto no caso de atri-
buirmos tal prevalência à Prosopopeia de Bento Teixeira, e também apesar 
de ele não ser brasileiro de nascimento, como durante muito tempo se supôs, 
mas por se tratardo primeiro texto indiscutivelmente literário produzido na 
colônia, em ambos os casos, encontraremos o índio como componente da 
matéria literariamente trabalhada por esses autores inaugurais. 
Nosso interesse estará centrado na representação ficcional literária do 
índio brasileiro, e, para tanto, propomos que sejam aceitos como contidos na 
expressão ficcional mesmo os textos literários não-narrativos, como no caso 
exemplar de Gregório de Matos. Definida essa prioridade, sentimo-nos deso-
brigados de assumir posicionamentos judicativos quanto ao hipotético erro 
ou acerto de tal ou qual representação literária. Menos ainda o tomaremos 
como critério definidor da qualidade literária dos textos arrolados. A questão 
esteve particularmente em evidência na época romântica. José de Alencar, por 
exemplo, envolveu-se em pelo menos duas rumorosas polêmicas a respeito 
da idealização excessiva ou da conformação à realidade histórico-etnográfica 
do índio brasileiro. A primeira delas, quando, em 1856, opôs-se vigorosa-
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mente à figuração do índio em A Confederação dos Tamoios de Gonçalves de 
Magalhães, cobrando do poeta a presença de uma “cor local” que distinguisse 
o índio brasileiro de qualquer outro grupo étnico, em especial no caso da 
personagem Potira, de quem disse “ser uma mulher como qualquer outra”, na 
medida em que “as virgens índias de seu livro [de Gonçalves de Magalhães] 
podem sair dele e figurar em um romance árabe, chinês ou europeu” (alen-
car, 1974, p. 77). A segunda, agora se defendendo da acusação de inauten-
ticidade de seus índios, colocou-o contra Joaquim Nabuco (1849-1910), em 
vigorosa discussão pelos jornais do Rio de Janeiro, em 1875. Como amostra da 
acusação implacável que lhe jogava em rosto Nabuco, basta citar as palavras 
que se referiam a Peri: um tipo que, “além de impossível”, era “pouco interes-
sante”, “um índio efeminado que deixa tudo por uma mulher, que adora”, e 
que não tinha “um só dos sentimentos de sua raça”, “um selvagem de ópera 
cômica, em uma palavra” (nabuco, 1978, p. 89-90). 
Mas o assunto não fora ignorado antes. Basílio da Gama, por exemplo, 
apôs extensas notas ao seu O Uraguai, e nelas evidenciava o desejo de fundar 
o poético sobre bases documentais irrefutáveis, como no passo em que diz, 
a propósito da fala do índio Cacambo, que assegurava ao General Gomes 
Freire de Andrade, seu contendor, não se assustar com “o nome dos reis” 
por ele invocado: “Estas expressões não são ornato da poesia, passou na rea-
lidade tudo o que o Autor aqui faz dizer a este índio” (gama, 1976, p. 105). 
Nem por isso, ou talvez precisamente por isso, escapou Basílio da controvér-
sia, pois em 1786 foi publicada uma Reposta Apologética, em cujo Prólogo o 
padre Lourenço Kaulen propunha-se a “refutar tudo o que diz este poeta, 
não tanto nos versos, em que todos sabem, que é lícito fingir, quanto nas 
notas, ou anotações, que lhe pôs” (kaulen, 1996, p. 408). A distinção entre 
licitude no “fingir” e ilicitude nas “notas, ou anotações” não absolve Basílio 
da Gama, no entender de Kaulen, do erro de falsidade. 
Questões como essa — o partidarismo do poeta de O Uraguai no trata-
mento da ação dos jesuítas junto aos índios guaranis, e consequentemente 
a visão do índio que o leitor absorve do poema —; ou, em outro plano, o 
da factualidade histórica, a de saber-se se realmente aconteceu a viagem de 
Paraguaçu à Europa, na companhia de Diogo Álvares Correia, o Caramuru, 
como vem contado no poema de Santa Rita Durão, assim como o batismo 
cristão da índia e seu casamento com o português, entre outras, continuam 
em pauta ainda em nossos dias. Se bem que no segundo, o que envolve 
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Diogo Álvares Correia e a índia Paraguaçu, pareça não mais restarem dúvi-
das, quanto ao primeiro certamente não veremos proclamada uma sentença 
final que dirá com quem estava a razão: se com Basílio da Gama ou com os 
que não aceitaram sua versão dos acontecimentos históricos.
Tais discussões, sem serem gratuitas, muito pelo contrário, não poderiam 
ser resolvidas, na época ou em nossos dias, com a vitória desta ou daquela 
corrente, na hipótese pouco provável de vir uma delas a ser avalizada pela 
história ou pela etnografia. Isto porque a representação ficcional literária, por 
mais distanciada que possa parecer da realidade histórica, nunca terá sido 
feita à revelia de uma imagem do índio dotada de lastro no seio da sociedade 
na qual foi forjada. É sobejamente conhecido, por exemplo, que os român-
ticos tinham um projeto estético-ideológico que reservava ao índio papel 
relevante na construção da nacionalidade brasileira emergente. Os eventuais 
excessos na atribuição de qualidades positivas ao índio brasileiro não eram, 
portanto, fruto da ignorância sobre sua realidade histórica, mas deliberado 
investimento ideológico. Para ficarmos apenas com os nomes principais 
de Gonçalves Dias e José de Alencar, pode-se dizer que não confiaram eles 
apenas na fertilidade de sua imaginação, mas calcaram sua figuração lite-
rária em estudos, sobretudo na leitura dos cronistas dos séculos xvi e xvii. 
Gonçalves Dias foi, ele mesmo, autor de um estudo etnográfico, O Brasil e a 
Oceania (1852-1853, publicação póstuma) e de um Dicionário da língua tupi 
(1857), enquanto José de Alencar cercou dois de seus romances indianistas 
— Iracema (1865) e Ubirajara (1874) — de copiosas notas de esclarecimento 
e/ou de refutação que bem atestam, pela menção às fontes documentais, seus 
estudos sobre o assunto. Assim sendo, não é exagero dizer que se erro houve, 
foi intencional, de todo condizente aos seus princípios estéticos-ideológicos, 
ou irrelevante para os propósitos maiores da realização literária.
O privilégio atribuído ao ficcional literário não implica, porém, descon-
siderar as fontes histórico-etnográficas. Daí a importância de uma visitação 
aos cronistas dos dois primeiros séculos da vida brasileira. Ali poderão ser 
encontradas, por exemplo, já no texto inaugural de Pero Vaz de Caminha — 
na sua Carta (1500), a despeito de ela só vir a ser conhecida no século xix 
—, as bases do ufanismo nacional, centrado na exaltação das excelências da 
terra. Na Carta de Caminha e em muitos outros relatos que se lhe seguem, 
unânimes na louvação da paisagem brasileira, como nesta passagem de 
Fernão Cardim (1540?1548?-1625):
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É coisa de grande alegria ver os muitos rios caudais e frescos bosques de altís-
simos arvoredos, que todo ano estão verdes e cheios de formossíssimos pás-
saros, que em sua música nos dão muita avantagem dos canários, rouxinóis e 
pintassilgos de Portugal, antes lh’a levam na variedade e formosura de sua pena 
(cardim, 1980, p. 146).
Como atestado de permanência dessa imagem paradisíaca, quase um 
século e meio depois, em 1730, Sebastião da Rocha Pita (1660-1738) abria sua 
História da América Portuguesa (Rio de Janeiro: Jackson Editores, [1958], p. 
3-4) com estas bombásticas palavras: 
Do novo mundo [...] é a melhor porção o Brasil: vastíssima região, felicíssimo 
terreno em cuja superfície tudo são frutos, em cujo centro tudo são tesouros, 
em cujas montanhas e costas tudo são aromas; tributando os seus campos o 
mais útil alimento, as suas minas o mais fino ouro, os seus troncos o mais suave 
bálsamo, e os seus mares o âmbar mais selecto; admirável país, a todas as luzes 
rico, onde prodigamente profusa a natureza se desentranha nas mais férteis 
produções, que em opulência da monarquia e benefício do mundo apura a arte, 
brotando as suas canas espremido o néctar, e dando as suas frutas sazonada 
ambrósia, de que foram mentida sombra o licor e vianda que seus falsos deuses 
atribuem a culta gentilidade (pita, 1958,p. 3-4).
Não nos escapa que, depois de algum tempo, a admiração inicial pelos 
homens que habitavam essa réplica tropical do paraíso terá dado vez ao 
espanto horrorizado com algumas de suas práticas, em especial o antropo-
fagismo. Para essa mudança de ânimo contribuiu, sem dúvida, a resistência 
indígena às tentativas de escravização. Nem deve escapar-nos que, de certo 
modo, aos olhos dos europeus, a própria terra terá perdido algo de seu cará-
ter edênico, à medida que a permanência nela deixava de ser temporária e 
passava a exigir esforço continuado na doma de seus caprichos. Mas é indis-
cutível que nesse primeiro olhar efusivamente deslumbrado sobre a nova 
terra e sua gente estão as fontes primárias de inúmeros mitos fundadores da 
brasilidade, como o do “bom selvagem”, que será um dos fundamentos ideo-
lógicos do indianismo romântico, fundado na constatação de que os homens 
destes lados viviam felizes sob o império de leis naturais. Este mito, até certo 
ponto, não está ausente dos índios de O Uraguai de Basílio da Gama: na 
visão do poeta, sua obstinada resistência ao cumprimento das determina-
ções do Tratado de Madri seria fruto de doutrinação feita pelos jesuítas. 
Cepé, Cacambo e os outros seriam, portanto, quase inocentes, ou os menos 
culpados, já que o verdadeiro antagonista seriam os padres inacianos.
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É necessário, porém, reintegrar tais textos à condição de produtos de 
uma prática discursiva comprometida. Não devem ser vistos como simples 
expressões de inconteste verdade histórica. A acolhida do elemento maravi-
lhoso, por vezes delirante, em páginas pretensamente apenas documentais 
— e é de ver-se, por exemplo, o denodo com que os padres jesuítas afirmam 
a presença remota, em terras brasílicas, do apóstolo S. Tomé, de que resta-
riam provas até documentais, além da memória residual nos próprios índios 
—; bem assim como a firmeza com que Gandavo depõe sobre a existência 
de um monstro marinho, o ipupiara (demônio d’água, segundo os índios), 
que teria sido morto em São Vicente no ano de 1564: “quinze palmos de 
comprido e semeado de cabelos pelo corpo, e no focinho tinha umas sedas 
mui grandes como bigodes” (gandavo, 1980. p. 120) —; o tom nitidamente 
conativo de alguns desses textos, de empenho no convencimento do leitor, as 
divergências de opiniões entre os autores, motivadas às vezes por contrarie-
dades religiosas (Jean de Léry x André Thevet, por exemplo); a repetição de 
postulados discutíveis, atravessando textos de diversas procedências e datas, 
demonstrando aceitação acrítica de verdades alheias; eis aí alguns inegáveis 
indícios da vulnerabilidade desses documentos. Sua representação da terra 
e dos homens que nela habitavam, consciente ou inconscientemente, tem 
muito de ficcional, como bem observa Janice Theodoro da Silva: “Contar a 
história dos descobrimentos é trabalho que diz respeito ao ofício do histo-
riador e do ficcionista” (silva, 1987, p. 5), que ainda propõe “desconfiar da 
empresa e degustar a epopeia” (silva, 1987, p. 7), pois “os descobrimentos e a 
montagem do sistema colonial se constituem numa grande epopeia” (silva, 
1987, p. 7). Acresce que nem todos os textos podem apregoar como distintivo 
de qualidade terem resultado do contato direto de seus autores com a reali-
dade de que falavam.
Rastrear a presença do índio na literatura brasileira implica hierarqui-
zar suas aparições. Não se deve listar todos os textos que de algum modo 
aludam ao índio, é verdade, tanto quanto não se deve reduzir o estudo apenas 
àqueles textos nos quais ele seja o objeto central do discurso. No primeiro 
caso, o risco é o da indeterminação do objeto de estudo, a dificuldade na 
ponderação da importância de cada texto; no segundo, faltará a medida de 
comparação que justifique o privilégio. Deve-se ressaltar, de início, em todos 
eles, a condição permanente do índio como objeto de um discurso alheio, 
já que não há exemplos de textos nos quais, de fato, sua voz se faça ouvir, 
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textos nos quais o índio seja, realmente, o sujeito da enunciação, diferente-
mente, aliás, do que acontece no caso dos índios da América do Norte e da 
América hispânica.1 Mesmo nos casos, e não são poucos, em que ao índio é 
atribuída uma fala, o discurso que daí resulta é ainda projeção ideológica, 
resultado de um exercício de imaginação, isto é, a suposição de como falaria 
o índio brasileiro. Essa fala atribuída, emprestada, além dos condicionamen-
tos especificamente literários — por exemplo, a tradição de que personagens 
épicas devam primar pela elevação da linguagem, independentemente de 
sua verdadeira condição social — é investimento ideológico, e é impossí-
vel que nesse processo não persistam elementos denunciadores do discurso 
latente de quem a outorga. É certo que jamais recuperaremos a autentici-
dade da voz indígena, mergulhada no olvido da falta de registro, no virtual 
desaparecimento de seus emissores, no fato de que, hoje, seus descendentes, 
se lhes fosse permitido falar, já não seriam mais os legítimos herdeiros do 
que teria sido, um dia, no passado, a razão do índio. Assim sendo, mesmo 
na inverdade histórica da fala emprestada ao índio, temos, ao menos, uma 
fala reflexa, e esse caráter documental — documenta-se não tanto o objeto, e 
mais uma visão sobre o objeto — não é desprezível, pois serve como registro 
verdadeiro das imagens que dele foram produzidas ao longo dos tempos.
Ainda que sempre na condição de objeto, não tem sido igual a imagem do 
índio deixada na literatura brasileira, antes, durante e depois do indianismo. 
Até entre os românticos há diferenças notáveis. José de Alencar, como já 
mencionado, não aceitou as virgens índias de Gonçalves de Magalhães por-
que lhes pareceram inautênticas, desprovidas de “cor local” identificadora de 
sua americanidade. Por outro lado, a cordialização do confronto indígena x 
colonizador europeu processada na sua ficção contrapõe-se ao antagonismo 
manifesto entre brancos e índios observável na poesia de Gonçalves Dias. 
Dicotomia equivalente — não necessariamente semelhante, porém — é 
observável entre os índios de Basílio da Gama e Santa Rita Durão, especial-
1 Dois exemplos em língua portuguesa: Gerônimo: uma autobiografia. Introdução e notas de Frederick 
W. Turner iii. 2. ed. Trad. Paulo Henriques Britto. Porto Alegre: l&pm, 1994, e Pés nus sobre a terra 
sagrada. Compilado por T.C. McLuhan. 3. ed. Trad. Paulo Neves. Porto Alegre: l&pm, 1996. Um apa-
nhado geral dos depoimentos indígenas acerca da conquista da América está em “La visión americana 
de la conquista”, de Gordon Brotherson, em pizarro, Ana. Org. América Latina: palavra, literatura, 
cultura. São Paulo: Memorial; Campinas, Unicamp, 1993, p. 63-84. Volume 1 de A situação colonial, 
e em brotherson, Gordon. La América indígena em su literatura: los libros del cuarto mundo. Trad. 
Teresa Ortega Guerrero y Mónica Utrilla. México, d.f. Fondo de Cultura Economica, 1997. 
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mente na sua relação com os representantes da fé cristã: os padres jesuítas e o 
náufrago português Diogo Álvares Correia, o Caramuru. Mesmo no interior 
de cada uma dessas obras é possível localizar a fratura entre os bons índios, 
preferencialmente os que aderem ao colonizador branco, e os maus índios, 
aqueles que se rebelam e não aceitam de bom grado a presença invasora.
Diversos fatores respondem por esses desencontros, não sendo dos 
menos relevantes as exigências da própria tradição literária, como no caso da 
inevitável melhoria do índio observável n’O Uraguai de Basílio da Gama. Tal 
melhoria é decorrência da função estrutural de antagonista do herói épico 
que lhe cabe desempenhar. Como tal, o índio n’O Uraguaié obrigatoriamente 
cumulado de qualidades positivas que o tornam capaz de engrandecer a vitó-
ria do herói-protagonista, dado que nenhum mérito haveria se o derrotado 
fosse adversário sofrível. Ou, em outro plano, o etnológico, o indisfarçável 
substrato cultural que faz de Peri, como tantas vezes já foi notado, a réplica 
selvagem do cavaleiro medieval europeu, em seus emblemas de vassalagem 
amorosa, lealdade cavaleiresca e nobreza indômita, ainda que “primitiva”. 
Em linhas gerais, deixadas de lado as diferenças idiossincrátricas, a 
representação literária do índio na literatura brasileira tem estado sincro-
nizada com a representação que a sociedade brasileira vem dele fazendo ao 
longo dos tempos. Daí não ser possível chegar aos dias de hoje sem encon-
trar nos textos literários nossos contemporâneos um índio muito distante 
da pujança e do fascínio do índio de Alencar e Gonçalves Dias, ou da bra-
vura primitivamente antiga dos combatentes de Basílio da Gama e Santa Rita 
Durão, por exemplo, um índio caído, como na ficção de Antonio Callado 
(1927-1997), nem atravessar o primeiro Modernismo sem esbarrar na sua 
instrumentalização paródica, através de poemas e manifestos em que a 
imagem do índio serve à defesa de postulados de revisão irreverente, ainda 
que nessa fase persistam alguns bolsões de resistência ufano-cordializantes, 
como o Martim-Cererê (1928), de Cassiano Ricardo (1895-1974). 
A moderna representação ficcional literária do índio brasileiro tem-se 
beneficiado grandemente do relevo que os estudos de história e de antropo-
logia vêm dando à questão do imaginário.2 Assim é que o arrolamento dos 
2 Além do clássico Visão do paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil 
(1959), de Sérgio Buarque de Holanda, deve ser feita menção a estudos mais recentes, tais como: 
Viajantes do maravilhoso; o Novo Mundo. Trad. Josely Vianna Baptista. São Paulo: Companhia das 
Letras, 1992, de Guillermo Giucci, que desenha a trajetória do “desconhecido ou vislumbrado”, base 
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mitos trazidos nas caravelas dos conquistadores europeus, que de há muito 
por lá circulavam — o do paraíso terreal, o do eldorado, o da existência de 
povos singulares (as amazonas, por exemplo), o da confirmação das verdades 
das escrituras sagradas —, a persistência de tais mitos no contexto colonial, 
o choque com os mitos ameríndios e seus reflexos na própria maneira de o 
conquistador ver a nova realidade, tais fatores introduzem dados que a histo-
riografia tradicional, pressionada pela convicção da absoluta proeminência 
dos imperativos econômicos, relegava a plano inferior, e como que dispen-
sam o literário de colar-se ao documental puro sem o risco de ser acusado de 
fantasioso. Tais descobertas tornam, no mínimo, aceitáveis as eventuais fan-
tasias dos textos literários, pois provam que também no âmbito dos projetos 
colonizadores, aparentemente apenas pragmáticos, havia lugar para o sonho 
e para um imaginário tão real quanto as cartas de instruções de conquista e 
exploração dadas aos navegantes.
Outro aspecto a ser levado em conta é a possibilidade de articular o tema 
do índio a alguns outros que lhe são correlatos, qualquer que seja o vetor de 
sentido que elejamos. Temas como a terra, a mulher, o amor, o mito, a his-
tória, o maravilhoso, a utopia convidam o estudioso ao risco da dispersão, 
sobretudo naquelas obras literárias em que o índio não ocupa o lugar central. 
Nestes casos, e sem que isso iniba a consideração dos temas correlatos, nossa 
atenção estará sempre voltada para o índio. É de crer-se, porém, que uma 
leitura verdadeiramente articuladora resulte proveitosa para a melhor com-
preensão de aspecto tão peculiar da produção literária brasileira. Por escapar 
aos propósitos deste trabalho, deixamos apenas consignada a esperança de 
que tais sugestões venham a ser patrocinadas por outros. 
A base bibliográfica de nossas considerações, indicada ao final do livro, 
é constituída pelas obras dos cronistas dos séculos xvi e xvii, pelos textos 
dos religiosos que estiveram envolvidos no projeto evangelizador desses pri-
meiros tempos, em especial os padres jesuítas, e naturalmente pelos textos 
literários. Em obediência à cronologia, o estudo começa por um apanhado 
sucinto dos depoimentos dos cronistas e dos padres jesuítas, centrado nos 
do maravilhoso ocidental desde suas origens até sua projeção na América, e Imagens da colonização: 
a representação do índio de Caminha a Vieira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996, de Ronald Raminelli, 
especialmente dedicado à comparação entre as imagens visuais e os textos escritos sobre o índio 
brasileiro. E embora não trate do índio do Brasil, deve-se fazer referência também ao já clássico A 
conquista da América: a questão do outro. 2. ed. Trad. Beatriz Perrone Moisés. São Paulo: Martins 
Fontes, 1999, de Tzvetan Todorov. 
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aspectos mais comumente neles ressaltados, como o sejam: 1) a aparência 
agradável dos índios, homens e mulheres, seu vigor físico e mesmo sua lon-
gevidade, com ênfase inescapável na nudez, especialmente a feminina; 2) o 
sentido de vida comunitária dos índios, avessa ao individualismo e desape-
gada a bens materiais e à propriedade, sua hospitalidade; 3) o peculiar senso 
político dos índios, seu tipo de vida social alheio ao princípio de obediência 
a alguma autoridade constituída — a célebre ausência de fé, de lei e de rei 
—, a submissão inconsciente às leis naturais; 4) a falta de uma concepção 
religiosa da existência humana, discutível, aliás, e a disponibilidade (pre-
tensa) dos índios para a conversão ao cristianismo; 5) o sentido antropoló-
gico da antropofagia, sua fundamentação cultural e as minuciosas descrições 
do ritual de execução do cativo; 6) o senso lúdico-estético dos índios, seu 
gosto pelos adornos do corpo, as danças, os cânticos e mesmo a dramatiza-
ção rudimentar da cerimônia de execução dos prisioneiros; 7) as relações de 
parentesco, as (poucas) interdições ao casamento, o papel subalterno da mãe 
e da mulher, de modo geral.
Em seguida, um capítulo é dedicado à representação literária do índio 
nos séculos xvi e xvii. Inicia-se, ainda em respeito à cronologia, com o Padre 
José de Anchieta e focaliza principalmente seus autos, pois neles a presença 
do índio é mais forte, como assunto e como destinatário da mensagem evan-
gelizadora. Torna-se necessário aludir não apenas aos textos escritos em por-
tuguês, em razão da natureza frequentemente plurilíngue da obra anchie-
tana. O propósito central é identificar o olhar anchietano sobre o índio, para 
além do clichê do apostolado e do martírio heroico. Bento Teixeira é tratado 
ligeiramente em razão das breves referências — sempre desfavoráveis, como 
se verá — que faz ao índio na sua Prosopopeia. Gregório de Matos completa 
o capítulo, também em função da parte de sua poesia que tematiza, obliqua-
mente, o índio. Pode ser dito, em poucas palavras, que o Boca do Inferno 
recorre à imagem estereotipada do índio como dado referencial negativo, 
para pôr em ridículo as pretensões de aristocracia dos baianos de seu tempo, 
mas não deve ser ignorado o fato de o poeta apropriar-se criativamente de 
elementos linguísticos de procedência indígena, não apenas como dado pito-
resco, mas como componente indissociável do sentido do texto. 
Por fim, a parte mais substancial do estudo cobre as tentativas épicas do 
século xviii, os dois poemas da época que têm merecido maior apreço por 
parte da crítica brasileira — O Uraguai, de Basílio da Gama, e Caramuru, de 
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Santa Rita Durão —, mas também Vila Rica, de Cláudio Manuel da Costa, e 
Muhuraida ou Triunfo da Fé, de Henrique João Wilkens.Nenhuma injustiça 
há na diversidade de fortuna crítica entre as quatro obras. Por vários moti-
vos, os dois primeiros poemas são realmente superiores aos dois últimos, e 
para os propósitos deste trabalho, mais interessantes, pois neles o lugar do 
índio é de tal maneira relevante que tem induzido muita gente a conside-
rá-los poemas já indianistas. Sabe-se que os próprios românticos tiveram 
Basílio da Gama e Santa Rita Durão em grande conta, tomando-os como seus 
antecessores. Alencar, na crítica a Gonçalves de Magalhães, chega mesmo 
a considerar que A Confederação dos Tamoios representa um retrocesso na 
trajetória de valorização da figura do índio brasileiro e, consequentemente, 
da construção da brasilidade literária. No estudo desses dois poemas do cha-
mado “ciclo épico camoniano”, julgamos pertinente fazer uma recensão das 
posições assumidas pela crítica, com ênfase natural na questão de corres-
ponderem ou não a posturas discursivas comprometidas com a brasilidade. 
Quanto ao Vila Rica, além de nele a presença do índio ser secundária para 
o sentido da trama, a realização literária do poema é de fato inferior à face 
lírica da poesia de Cláudio Manuel da Costa, coisa de que parece ciente o 
próprio autor quando, no Prólogo, admite não ter a pretensão de afirmar 
que logrou ter composto um poema épico. E o último dos poemas mencio-
nados, o Muhuraida, publicado em Portugal em 1819, a partir do manus-
crito do autor de 1785, é uma descoberta recente, completamente ignorado 
pela totalidade dos historiadores da literatura brasileira e pelos estudiosos 
do indianismo, até o presente momento, e sua primeira publicação no Brasil 
aconteceu somente em 1993. Versando sobre a surpreendente, porque súbita 
e espontânea, conversão dos índios mura ao cristianismo, parece desprovido 
até mesmo de substância épica, mas é indiscutível sua adequação aos pro-
pósitos deste trabalho. Não há sobre o poema uma fortuna crítica a quem 
devêssemos recorrer, como nos casos dos outros três poemas produzidos no 
período do Arcadismo no Brasil. 
Além dos estudos sobre a poesia épica do período, completa o capí-
tulo um Apêndice que aborda as poucas aparições temáticas do índio na 
poesia arcadista de corte não épico. Por fim, a proposta de um estudo da 
presença do índio na literatura brasileira antes do indianismo romântico do 
século xix impõe-nos a obrigação de justificar a segmentação. Parece-nos 
que o rastreamento do tema em toda a literatura brasileira implicaria natural 
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realce para o olhar romântico sobre o índio, com inevitável perda de brilho 
para as manifestações anteriores e, provavelmente, também para as que vie-
ram depois de José de Alencar e Gonçalves Dias. Portanto, até mesmo para 
a hipótese de ser aceito um indianismo anterior ao romântico, se bem que 
não seja essa decididamente nossa posição, como já dito, é oportuno jogar 
luzes mais fortes sobre a produção literária dos séculos xvi a xviii. Ademais, 
os poucos estudos sobre o período datam de meados do século passado e 
carecem de atualização bibliográfica, além de serem faltos de uma visão mais 
compreensiva das relações entre, de um lado, o conquistador europeu e o 
nativo, e de outro, entre o índio, como referente histórico, e sua represen-
tação ficcional literária. As observações avançadas neste trabalho sobre o 
indianismo romântico e o que se lhe segue deverão ser desenvolvidas em 
outro livro, que será a natural continuação deste. Assim o desejamos.
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