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Teoria do Desenvolvimento Cognitivo de Lev Vygotsky Por Hélio Teixeira - 7 de dezembro de 201540135174 O teórico de desenvolvimento cognitivo Lev Vygotsky (1896 – 1934) morreu tragicamente de turbeculose com apenas 38 anos de idade. Apesar de seu desaparecimento prematuro, o valor de Vygotsky geralmente é considerado como segundo apenas ao de Piaget, em função de sua importância para o campo do desenvolvimento cognitivo. É extraordinário o que Vygotsky realizou, em uma vida de tão curta duração. Além do mais, a influência desse psicólogo russo cresceu nos anos recentes. Enquanto Piaget dominava a psicologia do desenvolvimento nas décadas de 60 e 70, Vygotsky era redescoberto nos fins dos anos 70 e 80 e continua a ser influente hoje em dia. Ainda que ele tivesse muitas ideias férteis, duas delas são especialmente importantes para que as consideremos aqui: a internalização e a zona proximal de desenvolvimento. Internalização Na teoria de Piaget, o desenvolvimento cognitivo origina-se enormemente “de dentro para fora” pela maturação. Os ambientes podem favorecer ou impedir o desenvolvimento, mas ele enfatiza o aspecto biológico e, portanto, maturativo do desenvolvimento. A teoria de Vygotsky (1962, 1978) adota uma abordagem inteiramente diferente. Em comparação à abordagem dentro-fora de Piaget, Vygotsky enfatiza o papel do ambiente no desenvolvimento intelectual das crianças. Postula que o desenvolvimento procede enormemente de fora para dentro, pela internalização – a absorção do conhecimento proveniente do contexto. Assim, as influências sociais, em vez de biológicas, são fundamentais na sua teoria. A ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL É UM DOS MAIS NOTÁVEIS CONCEITOS EM PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO, VISTO QUE PODE CAPACITAR-NOS A INVESTIGAR ALÉM DO DESEMPENHO OBSERVADO DE UMA CRIANÇA Diariamente, em casa, na escola e na rua, as crianças observam o que as pessoas dizem e como dizem isso, o que fazem e por que fazem isso. Depois, elas internalizam o que vêem, transformando-o em sua propriedade. Recriam, dentro de si próprias, as espécies de conversações e de outras interações observadas em seu mundo. Segundo Vygotsky, então, grande parte da aprendizagem das crianças ocorre pelas interações infantis no ambiente, que determina amplamente o que a criança internaliza. Consideremos, por exemplo, uma menina em um trem sacolejante. Quando o trem esta solavancando, ela levanta para caminhar no corredor. Suponhamos que sua mãe simplesmente diz-lhe, autoritariamente: “Sente-se”, sem nenhuma explicação. Uma oportunidade para aprender foi perdida. A criança pode não se dar ao trabalho de inferir o raciocínio subjacente ao pedido de sua mãe. Entretanto, suponhamos, em vez disso, que a mãe lhe diga: “Sente-se, porque o trem pode dar solavancos ou parar subitamente e você pode cair.” A criança agora tem uma oportunidade não só para modificar seu comportamento, mas também para aprender como usar essa modificação em outras circunstâncias apropriadas. Assim, o genitor e outras pessoas no ambiente da criança podem ampliar o conhecimento desta última e facilitar sua aprendizagem por meio de suas interações com a mesma. A Zona Proximal de Desenvolvimento A ZDP é a amplitude de capacidade na qual uma criança pode ser capaz de alargar os limites de seu desempenho, a fim de aproximar-se mais estreitamento de sua competência potencial. A ZDP é a amplitude de capacidade na qual uma criança pode ser capaz de alargar os limites de seu desempenho, a fim de aproximar-se mais estreitamento de sua competência potencial. A segunda maior contribuição de Vygotsky para a psicologia pedagógica e do desenvolvimento é seu constructo da zona de desenvolvimento proximal (ZDP) (às vezes, denominada de zona potencial de desenvolvimento). A ZDP é a amplitude de capacidade observável (desempenho) de uma criança e a capacidade latente (competência) da criança, a qual não é diretamente óbvia (ver figura ao lado). Quando observamos as crianças, o que tipicamente observamos é a capacidade que elas desenvolveram, pela interação da hereditariedade e do ambiente. Em grande parte, entretanto, estamos verdadeiramente interessados no que elas são capazes de fazer – qual seria seu potencial , se estivessem liberadas dos limites de um ambiente que jamais é realmente ótimo. Antes de Vygotsky propor sua teoria, as pessoas estavam inseguras quanto a como avaliar essa capacidade latente. Ele sustentava que precisamos reconsiderar não só como ponderamos as capacidades cognitivas infantis, mas também como as avaliamos. Tipicamente, testamos as crianças num ambiente de avaliação estático, no qual um examinador faz perguntas e espera que a criança as responda. Caso ela responda correta ou incorretamente, o examinador passa para a pergunta ou a tarefa seguinte na lista de itens do teste. Da mesma forma que Piaget, Vygotsky interessava-se não apenas nas respostas corretas das crianças, mas também em suas respostas incorretas às perguntas. Desse modo, Vygotsky recomendava que passássemos de um ambiente de avaliação estático para um ambiente de avaliação dinâmico, no qual a interação entre criança e examinador não acaba quando ela responde, especialmente se responde incorretamente. Na testagem estática, quando uma criança dá uma resposta errada, o examinador passa para o problema seguinte. Na avaliação dinâmica, quando ela dá uma resposta errada, o examinador dá-lhe uma sequência gradual de sugestões dirigidas, a fim de facilitar a resolução do problema. Em outras palavras, o examinador funciona tanto como professor quanto como aplicador do teste. COMO É VERDADEIRO PARA QUASE TODAS AS CONTRIBUIÇÕES SIGNIFICATIVAS À CIÊNCIA, AS IDEIAS DE VYGOTSKY E DE PIAGET SÃO AVALIADAS MAIS POR QUANTO NOS ESTIMULAM A AMPLIAR NOSSO CONHECIMENTO, DO QUE POR QUÃO PERFEITAMENTE REPRESENTARAM UMA COMPREENSÃO COMPLETA E DEFINITIVA DA MENTE HUMANA EM DESENVOLVIMENTO O examinador está particularmente interessado na capacidade da criança para usar as sugestões. Essa capacidade é a base para avaliar a ZDP, uma vez que indica a extensão na qual a criança pode expandir-se, além das suas capacidades observáveis à época da testagem. Duas crianças podem responder incorretamente a um dado problema. Entretanto, uma delas que pode tirar proveito da instrução potencialmente pode ir longe, ao passo que a outra, que não pode beneficiar-se com a instrução, provavelmente, não adquire as habilidades necessárias para resolver não só o problema que está sendo testado, mas também os que lhe são relacionados. Diversos testes foram criados para avaliar a ZDP, sendo o mais famoso o Plano de Avaliação Potencial da Aprendizagem (Learning Potential Assessment Device), de Reuven Feuerstein (1979). A ZDP é um dos mais notáveis conceitos em psicologia do desenvolvimento cognitivo, visto que pode capacitar-nos a investigar além do desempenho observado de uma criança. De mais a mais, a combinação de testagem e de ensino atrai muitos psicólogos e educadores. Educadores, psicólogos e outros pesquisadores foram cativados pela noção de Vygotsky de que podemos ampliar e facilitar o desenvolvimento das capacidades cognitivas das crianças. Conforme evidenciado pelos estudos da experiência de aprendizagem mediada e da instrução direta do conhecimento tácito, as ideias de Vygotsky estimularam tanto as aplicações práticas adicionais, como as investigações ulteriores quanto à nossa compreensão fundamental de como se desenvolve a cognição. Ainda que vivesse outros 38 anos ou mais, ele não nos teria dado um quadro completo, definitivo e perfeito do modo como o pensamento infantil se desenvolve. Tanto Piaget quanto Vygotsky – indiscutivelmente os dois psicólogos do desenvolvimento mais influentes até hoje – instigaram-nos a não nos contentarmos apenas em observar se as respostas das crianças às perguntas e às tarefas eram corretas. O poder desses dois psicólogos do desenvolvimento repousa em seu interesse em investigar abaixo da superfície, para tentar compreender por que elas secomportam e respondem como o fazem. Como é verdadeiro para quase todas as contribuições significativas à ciência, as ideias de Vygotsky e de Piaget são avaliadas mais por quanto nos estimulam a ampliar nosso conhecimento, do que por quão perfeitamente representaram uma compreensão completa e definitiva da mente humana em desenvolvimento. Talvez, o máximo que possamos exigir de uma teoria é que ela seja digna de investigação posterior. Teoria de Aprendizagem de Vygotsky Por André Luis Silva da Silva Licenciatura Plena em Química (Universidade de Cruz Alta, 2004) Mestrado em Química Inorgânica (Universidade Federal de Santa Maria, 2007) Nas graduações e pós-graduações de Educação, são comuns a existência de disciplinas que abordam as Teorias de Aprendizagem. Dessa forma, esse texto visa argumentar sobre alguns pontos importantes da Teoria de Aprendizagem segundo Vygotsky. “Lev Semenovich Vygotsky nasceu em 1896 na cidade de Orsha, na Rússia, e morreu em Moscou em 1934, com apenas 38 anos. Formou-se em Direito, História e Filosofia nas Universidades de Moscou e A. L. Shanyavskii, respectivamente. Por esses dados biográficos podemos perceber de início o pano de fundo que influenciou decisivamente a sua formação e o seu trabalho: a revolução russa de 1917 e o período de solidificação que se sucede. Vygotsky é um marxista e tenta desenvolver uma Psicologia com estas características”1. Segundo Vygotsky, o desenvolvimento cognitivo do aluno se dá por meio da interação social, ou seja, de sua interação com outros indivíduos e com o meio. Para substancialidade, no mínimo duas pessoas devem estar envolvidas ativamente trocando experiência e idéias. A interação entre os indivíduos possibilita a geração de novas experiências e conhecimento. A aprendizagem é uma experiência social, mediada pela utilização de instrumentos e signos, de acordo com os conceitos utilizados pelo próprio autor. Um signo, dessa forma, seria algo que significaria alguma coisa para o indivíduo, como a linguagem falada e a escrita. A aprendizagem é uma experiência social, a qual é mediada pela interação entre a linguagem e a ação. Para ocorrer a aprendizagem, a interação social deve acontecer dentro da zona de desenvolvimento proximal (ZDP), que seria a distância existente entre aquilo que o sujeito já sabe, seu conhecimento real, e aquilo que o sujeito possui potencialidade para aprender, seu conhecimento potencial. Dessa forma, a aprendizagem ocorre no intervalo da ZDP, onde o conhecimento real é aquele que o sujeito é capaz de aplicar sozinho, e o potencial é aquele que ele necessita do auxílio de outros para aplicar. O professor deve mediar a aprendizagem utilizando estratégias que levem o aluno a tornar-se independente e estimule o conhecimento potencial, de modo a criar uma nova ZDP a todo momento. O professor pode fazer isso estimulando o trabalho com grupos e utilizando técnicas para motivar, facilitar a aprendizagem e diminuir a sensação de solidão do aluno. Mas este professor também deve estar atento para permitir que este aluno construa seu conhecimento em grupo com participação ativa e a cooperação de todos os envolvidos Sua orientação deve possibilitar a criação de ambientes de participação, colaboração e constantes desafios. Essa teoria mostra-se adequada para atividades colaborativas e troca de ideias, como os modelos atuais de fóruns e chats. Vigotski e a perspectiva enunciativa da relação entre linguagem, cognição e mundo social* Edwiges Maria Morato** “É um homem falando que encontramos no mundo, um homem falando a outro homem, e a linguagem ensina a própria definição de homem” (É. Benveniste) RESUMO: A finalidade deste artigo é, a partir da teorização que se projeta na área da Lingüística, discutir alguns aspectos da reflexão vigotskiana sobre a linguagem. Especialmente, interessa-nos refletir acerca das propriedades semiológicas que Vigotski, em seus escritos, estabelece entre linguagem e cognição. Nesse sentido, o presente trabalho inter-relaciona Vigotski com alguns autores com os quais manteria um “ar de família”, como Humboldt, Bakhtin e Benveniste, a fim de explorar sua perspectiva enunciativa da relação entre linguagem e cognição. Palavras-chave: Significação, enunciação, cognição, interação, lingüística Introdução: a relevância do legado vigotskiano para a reflexão lingüística A variedade de temas que Vigotski abordou parece buscar um sentido unitário que, a despeito das contradições e incongruências teóricas 150 Educação & Sociedade, ano XXI, nº 71, Julho/00 que podemos identificar em seu percurso intelectual, faz desse construto um corpo cujas partes não podemos considerar isoladamente. Eis porque a insulação de algumas idéias ou a subordinação de umas em relação às outras, separadas em perspectiva e tempo, impedem uma interpretação mais ou menos comum de sua obra por parte dos estudiosos. O que é realmente admirável é que Vigotski não encerrou, com sua morte, a enorme vitalidade que se pode encontrar em sua obra. Talvez por isso não se possa dar a uma dinâmica elaboração teórica um sentido estático, o que se faz ao procurar um e apenas um sentido formal para determinado conceito ou categoria. Penso que uma boa estratégia para escapar de tal postura seria perguntarmos a respeito de algumas categorias com as quais ele trabalhou: o que Vigotski teria em mente quando se referia à linguagem? Como diferentes autores influenciaram implícita ou explicitamente o seu pensamento? Qual a importância de suas idéias hoje em dia? Do ponto de vista das atuais teorias ou vertentes lingüísticas, Vigotski é um autor indefensável por vários motivos. A psicolingüística poderia acusar sua reflexão acerca do desenvolvimento cognitivo de teleológica; os estudos em aquisição de linguagem poderiam apontar como problemática uma questão central em sua obra, relacionada com a emergência de uma função “reguladora” da linguagem, quer seja sobre os processos cognitivos, quer seja sobre as ações próprias e alheias: afinal, poderia ser indagado, como pode uma criança que ainda não objetiva o outro, nem a si própria ou a própria linguagem, engajar-se em processos comunicativos? A neurolingüística poderia explorar suas contradições a respeito da relação entre linguagem e cognição, bem como a ausência de pesquisa empírica suficiente para sustentar inteiramente suas teses sobre ela. Não obstante, acabamos por manter com Vigotski o que Wittgenstein em Investigações Filosóficas (1975) chama de “semelhanças de família”, referindo-se a conceitos cujas aplicações não são regidas por uma essência imutável ou a posições que não seriam inconciliáveis entre si. Analisando os diferentes postos de observação da obra de Vigotski e os diferentes autores que circulam em torno de seu legado teórico, podemos notar essas “semelhanças de família” muitas vezes não reivindicadas ou confessas. Provavelmente é essa a razão de estarmos, os autores deste volume, reunidos em torno da obra de Vigotski: há entre todos um certo “ar de família” que foi elegantemente descrito por Lahud em seu estudo sobre o pensamento jansenista, cujo discurso é contraditório e cuja única Educação & Sociedade, ano XXI, nº 71, Julho/00 151 unidade possível é não uma reação aos jesuítas ou ao jesuitismo, mas a uma visão trágica do mundo que este representa: Em suma, nem companheiros de uma mesma escola ou comunidade doutrinária, nem camaradas de um mesmo partido no seio da Igreja, os jansenistas parecem, efetivamente, bem mais constituir uma espécie de família espiritual ou, para usarmos uma bela expressão de Lukàcs: um grupo de irmãos perseguindo as mesmas estrelas. (Lahud 1992, p. 181). O “ar de família” que é capaz de ligar Vigotski tanto a Humboldt quanto a Bakhtin ou às teorias enunciativas (ou seja, aquelas que se preocupam com as relações do sujeito com diferentes instâncias de uso da linguagem) torna-se possível quando levamos em conta que todos se recusam a conceber a linguagem comosimplesmente signo. Saussure a concebia como um signo. Eles a concebem como “trabalho”, como “atividade”, como “processo”, como “ação” sobre o pensamento e sobre a cultura. Para lembrar o termo grego empregado por Humboldt, como energeia. Para ele, a linguagem é um trabalho do pensamento que ganha forma por sua vez pela atividade constitutiva da linguagem: “A linguagem não é uma obra (ergon), mas uma atividade (energeia)”, diz Humboldt, em uma passagem sempre lembrada. Esse “ar de família” é o que no fundo autoriza a compatibilidade que procuro entrever entre algumas das reflexões vigotskianas sobre a linguagem e uma lingüística de tendência enunciativa, e entre suas reflexões sobre as propriedades (semiológicas) da relação linguagem-cognição e um certo modo de interpretar sua tese da “mediação simbólica”, segundo a qual não há possibilidades integrais de conteúdos cognitivos fora da linguagem, nem possibilidades integrais de linguagem fora de processos interativos humanos (cf. Morato 1996). Isso, aliás, já se vê claramente em uma afirmação reveladora que se pode ler em um manuscrito seu de 1929, publicado com o título “Psicologia concreta do homem”: “a reflexão é uma discussão”. Embora pareça paradoxal, pensar Vigotski hoje não é necessariamente se referir à sua obra. Sobretudo porque ler ou falar de Vigotski passa por uma crítica às representações que fazemos de Vigotski. Pensar Vigotski é pensar os autores que se reclamam vigotskianos. Pensar Vigotski hoje passa pela análise de filiações teóricas não expressamente reivindicadas, como as relativas a Bakhtin (ou melhor, a Jakubinsky), a Humboldt (ou melhor, a Bühler), a Saussure (ou melhor, a Potebnia, representante russo mais próximo do lingüista genebrino). Pensar Vigotski hoje 152 Educação & Sociedade, ano XXI, nº 71, Julho/00 em dia é pensar a historicidade radical da relação entre linguagem e cognição como forma de reação à maneira como a tradição ocidental tem pensado o sentido, isto é, em termos de uma não-linguagem, ou de um obstáculo epistemológico para se pensar a linguagem em sua relação com a cognição e com o mundo (como se pudéssemos admitir seriamente uma espécie de anti-biologismo tout court). Esta historicidade o aproxima de um autor moderno, para quem a linguagem, muito antes de servir para comunicar, serve para viver (Benveniste 1966), ou seja, para significar. Pensar Vigotski, em suma, é interpretar Vigotski. E se essa afirmação for verdadeira, duas posições estariam impossibilitadas de fazê-lo: o ecletismo acadêmico e a exegese, que teriam por ambição chegar ao âmago do pensamento de Vigotski. Ora, este, por definição, como nos lembra Meschonnic (1995), não pode compreender-se a si mesmo. Sendo assim, escolho o domínio da interpretação como a melhor aproximação a ser feita com a obra inacabada de um autor prolífero, contraditório e apaixonado, morto ainda jovem num tempo caracterizado por um verdadeiro mosaico de inteligibilidades. Sendo assim, assinalo que todas as minhas reflexões sobre Vigotski têm a lingüística como posto de observação e suas idéias a respeito da linguagem e seu funcionamento como ancoradouro para possíveis ilações a respeito do interesse despertado por sua obra em áreas como a psicolingüística ou a neurolingüística. Ambas possuem, cada uma a sua maneira, um domínio empírico que não deixa de ser um tipo de apreensão da linguagem e da cognição extremamente interessante quando em diálogo com as questões levantadas por Vigotski há muito tempo. Dito isso, dois movimentos teóricos realizados direta ou indiretamente por Vigotski vão me interessar neste texto: o primeiro diz respeito à perspectiva enunciativa que ele deixa apenas entrever na relação entre linguagem, cognição e mundo social; o segundo diz respeito ao papel “regulador” conferido à linguagem nessa relação. Visão geral das relações entre linguagem e cognição nas reflexões de Vigotski Sabe-se que, como conseqüência do dualismo ontológico, o fenô- meno mental (cognitivo) tem sido primeiramente vinculado ao biológico, Educação & Sociedade, ano XXI, nº 71, Julho/00 153 e concebido praticamente à margem da linguagem. Se quisermos resumir a história da tradição filosófica acerca da mente, observaremos, como o fez Dascal (1983), que a relação entre linguagem e cognição, assim, ou é externa, em termos de que ambas são tomadas como elementos logicamente independentes e heterogêneos entre si, ou interna, por uma relação de instrumentalidade (na medida em que a linguagem desempenharia, nesse ponto de vista, uma função meramente instrumental, psico-técnica, frente à cognição). No entanto, tanto em uma abordagem como em outra, a linguagem nada mais é que mera representação men 154 Educação & Sociedade, ano XXI, nº 71, Julho/00 rência antropo-cultural – para usar uma expressão de Franchi (1977) –, através dos quais agimos e orientamos nossas ações no mundo, as normas pragmáticas que presidem a utilização da linguagem, a polissemia existente entre língua e (inter)discurso. Dito de outra forma, creio que Vigotski estaria uma vez mais em consonância com Humboldt: ainda que o mundo não seja produto original da linguagem (cf. Humboldt, 1972), ele é – digamos – de sua responsabilidade. Se o mundo se nos apresenta simbolicamente, parece intuir Vigotski, não há possibilidades integrais de conteúdos cognitivos ou domínios do pensamento fora da linguagem, nem possibilidades integrais de linguagem fora dos processos interativos humanos. Este postulado parece ser concebido sob inspiração humboldtiana e já anuncia o papel da linguagem frente ao nosso processo de percepção ou interpretação do real. Não é à toa que, ao descrever o processo de desenvolvimento lingüísticocognitivo da criança, a linguagem surge, para ele, num primeiro momento, como construção da atividade “consciente”, e depois (num sentido reflexivo), como seu instrumento – o que coloca Vigotski entre os que entendem que a relação entre linguagem e cognição (e não apenas “pensamento”) passa pela noção de significação (e não propriamente pela noção de comunicação ou pela de representação). Assim, a atividade cognitiva, derivada da mediação simbólica, só pode ser compreendida se levarmos alguns postulados de Vigotski às últimas conseqüências, a partir da significação, tal como ela é definida por um outro autor também próximo da reflexão humboldtiana: “uma prática quase-estruturante e social” (Franchi 1986, p. 25). Se as funções cognitivas também estão na dependência dos diversos processos em jogo na significação, elas não são comportamentos previsíveis ou apriorísticos. Se dependem da significação, são também atos de linguagem. Se os processos de significação são contextualizados historicamente, parece entender Vigotski, sua sedimentação e sistematicidade pressupõem mudança e autonomia apenas relativas do fenômeno lingüístico ou do cognitivo. Assim sendo, a função reguladora, que emergeria no processo de aquisição da linguagem pela criança, inscreve-se no contexto de imprescindíveis restrições de nossas operações (simbólicas) em torno do mundo social e da própria linguagem. Como bem nota Franchi (1986, p. 30), “o homem estende sua ação pela ação simbólica da linguagem. Mas não há nenhuma razão para supô-la ilimitada”. Educação & Sociedade, ano XXI, nº 71, Julho/00 155 Mas se a linguagem estrutura a realidade, esta realidade é estruturada apenas porque a linguagem assim o estabeleceu? Não, naturalmente. A linguagem apenas predica a realidade, e este é justamente o “esplendor de se ter uma linguagem”, para lembrarmos Clarice Lispector, afeita às questões metalingüísticas do conhecimento do mundo. Mas ela mesma vai nos lembrar que temos muito mais à medida em que não conseguimos designar. Ou seja, podemos dizer da linguagem que ela é uma ação humana (ela predica, interpreta, representa, influencia, modifica, configura, contingencia, transforma) na mesma proporção em que podemos dizer da ação humanaque ela atua também sobre a linguagem: “A linguagem não é parcialmente estruturante porque é parcialmente estruturada, mas é parcialmente estruturante e parcialmente estruturada” (cf. Possenti 1988, p. 72, ênfase minha). Aqui aparece uma contribuição importante de Vigotski para a sustentação de uma alternativa epistemológica à visão referencial da linguagem, à visão representacionalista. Lendo sobretudo os últimos escritos de Vigotski, somos levados a crer que, para ele, à maneira de Humboldt, se a linguagem tem alguma capacidade de refletir algo, não é nem a si mesma e nem o mundo propriamente, mas as condições de produção e interpretação do sentido. Eis aqui uma abordagem pragmático-enunciativa da relação linguagem-realidade, problema filosófico tradicionalmente tratado pelo viés de uma noção representacionalista da linguagem. O que Vigotski traz com uma força intempestiva para a pesquisa atual é a idéia de continuidade (não apenas funcional ou estrutural, mas sígnica) entre cognição e linguagem, entre linguagem e cultura, entre cultura e arte, entre arte e política. Essa espécie de continuidade, todavia, é solidária a um movimento descontínuo típico do domínio empírico que lhe dá continente e sustentação. Trata-se, pois, de uma descontinuidade advinda da natureza dinâmica, interativa e fluida da intersecção de vários movimentos de sentido e de diferentes objetos simbólicos (linguagem, sujeito, cognição, histó- ria), responsável pela relação de interpretância que o homem mantém com as referências do mundo social, ou com a história. Trata-se, enfim, de uma “continuidade descontínua”, que prevê um mundo de relações entre elementos cujas semiologias são distintas, cujas realidades são particulares, ainda que não pertençam a mundos não compossíveis. Dito de outra forma, a contribuição essencial do pensamento vygotskiano à reflexão lingüística é sobretudo relativa à questão do sentido, essa “fascinante cabeça de Medusa” na expressão feliz de 156 Educação & Sociedade, ano XXI, nº 71, Julho/00 Benveniste (1966) – ainda que Vigotski empregue o termo significado no lugar de sentido, provavelmente em função de um tipo de legado saussureano. É fundamentalmente a questão da significação (o sentido da linguagem) o que está em jogo no debate entre a ciência da linguagem e o cognitivismo, para o qual a linguagem nada mais é que comunicação ou o locus de (produção de) representação. Assim como Vico e Humboldt – dois pensadores da linguagem separados entre si por quase um século – Vigotski situa a linguagem no centro da relação entre corpo e mente, considerando que uma res linguistica é a mediadora entre a res extensa e a res cogitans. Entretanto, foge aos três, é preciso ressaltar, a maneira pela qual a linguagem é posta ou especificada nessa relação. Para Vico (1978), à maneira de Peirce, a linguagem e o lingüístico perdem-se num imenso mundo de imagens e signos. Dito de outra forma, a linguagem perde sua especificidade num mundo semiótico. Um século mais tarde, Humboldt (1972) reconhece ao mesmo tempo a estrutura e a atividade da linguagem, essa res linguística que ultrapassa a imagem e o dualismo ontológico cartesiano. Assim, é Humboldt quem introduz o mundo ou o domínio da linguagem – não da semiose – no pensamento humano: “Historicamente, nós não encontramos um homem no mundo a não ser falando”. É o sentido, e mais especificamente o sentido lingüístico que cria, a partir do interesse suscitado pelos trabalhos de Vigotski, uma espé- cie de revival dos estudos lingüísticos em torno da cognição humana1 . E esta me parece ser a filiação mais contundente de Vigotski à reflexão de Humboldt: uma perspectiva enunciativa da relação entre linguagem e cognição, ancorada na idéia de significação (ou de sentido da linguagem, na expressão de Humboldt 1824, Sprachsinn). Para Humboldt, é importante lembrar, a significação resulta de várias sínteses que a caracterizam: a poeticidade (voltada para o valor criativo da linguagem e para a atividade subjetiva que forma um objeto no pensamento), a reflexividade (voltada para capacidade específica da linguagem de voltar-se sobre si mesma e para outros sistemas de signos não-verbais), a alteridade (voltada para a presença do outro), a reciprocidade (voltada para o diálogo). Assim, mais do que para comunicar, a linguagem serviria para significar. O vetor da lingüística humboldtiana é, pois, esse conjunto de propriedades do sentido da linguagem que impõe uma natureza enunciativa Educação & Sociedade, ano XXI, nº 71, Julho/00 157 à relação entre linguagem e cognição. Para Vigotski (1987), vale notar, a significação é o que plasma linguagem e pensamento. Em suas palavras (1987, p. 282): O pensamento não é somente mediado externamente pelos signos. Ele é mediado internamente pelos sentidos (...) A comunicação da consciência pode ser realizada somente indiretamente, através de um caminho mediado (ênfase minha). É preciso considerar que quando Vigotski relaciona pensamento e linguagem ele está se referindo basicamente ao pensamento verbal, não a um locus onde a linguagem (e suas categorias lingüísticoontológicas) tem lugar, mas a uma forma de pensamento mediado e impregnado de linguagem, cuja unidade é o sentido da palavra (word meaning – Sprachsinn), que garante a relação entre linguagem e pensamento. Isso implica, entre outras coisas, que tal relação não é direta, unívoca e transparente. Em suma, a transição de um para outro campo passa pela significação, este “princípio regulatório amplamente difundido no comportamento humano”, segundo Vigotski (1984, p. 85). Tomemos, apenas como um exercício de contextualização de algumas reflexões de Vigotski no quadro de modernas teorias enunciativas, uma passagem de Benveniste, com a qual o primeiro certamente concordaria, não fosse seu esforço de apagar, no interior mesmo do funcionalismo, a força do projeto saussureano que acaba por excluir da significação lingüística o sujeito, suas atividades enquanto falante, e a história: Por que o indivíduo e a sociedade, juntos e por igual necessidade, se fundam na língua? Porque a linguagem representa a mais alta forma de uma faculdade que é inerente à condição humana, a faculdade de simbolizar. Entendamos por aí, muito amplamente, a faculdade de representar o real por um “signo” e de compreender o “signo” como representante do real, de estabelecer, pois, uma relação de “significação” entre algo e algo diferente (...) A transformação simbólica dos elementos da realidade ou da experiência em conceitos é o processo pelo qual se cumpre o poder racionalizante do espírito. O pensamento não é um simples reflexo do mundo; classifica a realidade e nessa função organizadora está tão estreitamente associado à linguagem que 158 Educação & Sociedade, ano XXI, nº 71, Julho/00 podemos ser tentados a identificar pensamento e linguagem sob esse aspecto (1966, pp. 27-30, ênfase minha). A concepção de linguagem como atividade (quase) estruturante Se não dissolve os mistérios da significação, e isso não podemos exigir de qualquer autor, Vigotski ao menos nos obriga a levar em conta o falso truísmo que aproxima os dois termos, linguagem e cognição. No cognitivismo não há mediação entre o organismo (a criança, a ação) e o objeto (a linguagem). Há acesso direto. Para Vigotski, um autor que está longe de assumir um anti-biologismo tout court, cabe à linguagem, por suas propriedades formais e discursivas, esse papel duplamente mediador que põe em relação o homem e sua história, a cognição e seu exterior discursivo. Os dados analisados no campo da Aquisição de Linguagem são fundamentais para dar qualidade à descrição do que acontece com a cognição infantil quando de posse da linguagem, de posse dessa “atividade significante por excelência”, segundo um postulado típico das correntes enunciativas. Uma vez de posse da linguagem, parece que muda radicalmente as relações da criança com o mundo, com a cognição,com a própria linguagem. Lembrando que inicialmente a restrição do sentido é condição para a aquisição da linguagem (cf. De Lemos, 1990), as regularidades da práxis histórica encontram nas instâncias enunciativas o tensiômetro crucial das relações humanas: sistematicidade versus indeterminação. Por isso, a função reguladora exercida pela linguagem na descrição vigotskiana da ontogênese, em uma abordagem enunciativamente orientada, só pode ser fluida. As atividades humanas que demandam ações reguladoras lingüísticas e cognitivas – refeitas a cada instância discursiva – só podem ser apreendidas numa região de indeterminação e fluidez que confere à sistemacidade do lingüístico (a língua) e do cognitivo (as operações mentais) um equilíbrio apenas provisório e contingente, porque histórico. A função organizadora da linguagem emerge, segundo Vigotski, na relação entre a fala e a ação, no momento em que as duas se “deslocam”: Uma vez que as crianças aprendem a usar efetivamente a função planejadora de sua linguagem, o seu campo psicológico muda radicalmente. Uma visão do futuro é, agora, parte integrante de suas Educação & Sociedade, ano XXI, nº 71, Julho/00 159 abordagens ao ambiente imediato (...) Assim, com a ajuda da fala, as crianças adquirem a capacidade de ser tanto sujeito como objeto de seu próprio comportamento. (1984, pp. 29-31) Para Vigotski, o caminho da criança até o objeto (e vice-versa), e a fala que acompanha a ação ou os apelos verbais diretos aos objetos do mundo, “passam através de outras pessoas”. Este trajeto do desenvolvimento da criança é, segundo ele, “o produto de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações entre história individual e história social” (op. cit., p. 33). Eis aí claramente o valor intersubjetivo e dialógico da linguagem, capaz de “enformar” discursivamente o modo de funcionamento da cognição humana. A meu ver, a ação reguladora da linguagem estudada por Vigotski no processo de internalização e na análise do funcionamento cognitivo é uma espécie de explicitação da atividade estruturante da linguagem tal como a concebem Franchi (1977) e Lahud (1979), também sob inspiração humboldtiana. Vale notar que Humboldt opõe-se a uma concepção de linguagem que a limita a uma função instrumental na comunicação; para ele, a linguagem não é apenas um veículo externo responsável pelo intercâmbio social, mas “fator indispensável ao desenvolvimento do poder intelectual do homem e para que tenha acesso a uma visão do mundo” (1972). Como bem assinala Franchi (1977): ... a função primordial da linguagem em Humboldt é, pois, no sentido justo que traçamos, não propriamente a de transmitir aos outros nossas experiências, mas a de “constituí-las”. A expressão que corre por toda a obra de Humboldt é “Bildung”: por meio da linguagem o homem “dá forma” (bildet) ao mesmo tempo a si mesmo e ao mundo, ou melhor, torna-se consciente de si mesmo, projetando um mundo no exterior. A propósito dessa questão, diz Franchi (1977): (...) esse aspecto fundamental da linguagem a torna um instrumento dúctil e eficaz de contínua retificação de todo o anteriormente organizado, remanejando o que se poderia supor imanente, fixo, definitivo. Por outro lado, a atividade lingüística supõe ela mesma esse retorno sobre si mesma (...) de modo a estabelecer uma relação entre os esquemas de ação verbal seletiva e consciente, na 160 Educação & Sociedade, ano XXI, nº 71, Julho/00 medida em que reflete sobre o processo mesmo de organização e estruturação verbal; justamente em virtude dessa função, operando sobre signos que se tornam como objetos dessa reflexão, o homem ultrapassa os limites do observável e do perceptível. Lahud (1979), por sua vez, nos dá uma idéia mais exata do papel da linguagem como a possibilidade de inserção do homem no mundo como um “animal semiótico”. Quando não relacionado a um sistema formal, o termo “estruturante” deve ser compreendido: num sentido bem largo (deveríamos, na verdade dizer pré ou quase-estruturante). Assim, quando falarmos, a título de abreviação, da linguagem natural como “estruturante”, cumpre não confundir o resultado dessa atividade com “estruturas” no sentido preciso da palavra, que só as linguagens formais são capazes de produzir (p. 30). São dois os movimentos teóricos pretendidos por Vigotski para apontar a natureza enunciativa da relação entre linguagem e mundo social. O primeiro pode ser apreendido pela descrição do processo de internalização, em que o outro, e o discurso do outro, orientam as ações da criança, mediando discursivamente a referência (o percurso inter-cognitivo). Internalizando a linguagem do outro, preservando em termos intra-cognitivos seu papel mediador, significativo e organizador, ao qual submete suas próprias ações, a criança passa da condição de interpretada para intérprete de estados de coisas do/no mundo; da dependência da forma dialogal para, a partir da diferenciação dos papéis enunciativos, uma certa “autonomia discursiva”; de uma espécie de consciência dialógica para uma consciência monológica (que, no desenvolvimento lingüístico-cognitivo, resultará na dialogia interna característica do discurso interior, cf. Bakhtin, 1981); da dependência do extra-textual para um progressivo apagamento da necessidade do contexto como indispensável fonte interpretativa – processos estes de objetivação da linguagem, que têm sido tratados por De Lemos e colaboradores em estudos realizados no campo da aquisição de linguagem. Ainda que servindo-se de categorias que encontrariam melhor abrigo na psicologia ou na pedagogia, todo o movimento teórico realizado por Vigotski em relação à atividade estruturante da linguagem caminha no sentido de explicitar as funções que a linguagem tem (intelectiva, comunicativa, referencial, reguladora) para finalmente compreender o funcionamento que ela é. Educação & Sociedade, ano XXI, nº 71, Julho/00 161 O que tanto o estruturalismo quanto o funcionalismo (e sua combinação mais prolífera, o Círculo Lingüístico de Praga) tinham em comum exerceu uma enorme influência sobre Vigotski: a multifuncionalidade da linguagem, ou seja, a idéia de que a sua variedade funcional obedece a objetivos e condições de diversas situações e ações lingüísticas, ainda que não se possa falar aqui em alguma função dominante ou preponderante. É exatamente desse espírito que Vigotski retira a idéia de pôr em pé de igualdade a função comunicativa e a reguladora, mostrando – tal como o faz Benveniste (1966) muitos anos depois (e com outros interesses) – duas faces do sentido, que se complementam mas não são uma mesma coisa: a comunicação e a significação.2 Desse movimento deriva mais uma aproximação que podemos estabelecer entre suas reflexões e as teorias enunciativas. Redimensionada no contexto de uma perspectiva enunciativa, a ação reguladora da linguagem é condicionada precisamente por uma fluidez que é marcada tanto pela objetalidade do material lingüístico quanto pela indeterminação do sentido deste objeto. Regulação com fluidez, ao que parece, só não permanece como um paradoxo numa perspectiva enunciativa. Contudo, Vigotski parece aproximar-se e afastar-se seguidamente dos que tiveram alguma influência sobre suas reflexões a respeito da linguagem. Se de Humboldt permanece a consideração de que a linguagem influencia o pensamento e a experiência sócio-cognitiva das pessoas, especialmente em “Thought and Word” (1987), Vigotski vai além, na medida em que, para ele, a linguagem não apenas organiza ou estrutura as experiências, como é organizada ou estruturada por estas. Ao afirmar que o sentido das palavras (word meaning) é praticamente a origem da ação reguladora da linguagem sobre as ações simbólicas humanas, Vigotski sugere que todo pensamento verbalizado é (auto) regulador. Não se trata de algo puramente metacognitivo: a organização interna da linguagem é fundamentalmente estruturada pelas regularidades enunciativo-discursivasconstitutivas das interações humanas. A noção humboldtiana de signo como a unidade semiótica, bem como a da forma interna da linguagem (Innere Sprachform), presentes de forma a um só tempo sutil e decisiva na reflexão vygotskiana, dão a indicação de que a palavra (ou antes, as memórias discursivas que ela veicula e atesta) torna-se a ponte viva que vincula linguagem e cognição, linguagem e mundo, de maneira necessariamente indireta. O objetivo de Vigotski não pode ir além de apenas indicar que este é um processo mediado. 162 Educação & Sociedade, ano XXI, nº 71, Julho/00 Ao dizer que a unidade dessa relação, o pensamento verbal (verbal thinking), guarda a relação entre a interioridade e a exterioridade, constituindo-se uma atividade cognitiva (lingüístico-cognitiva), ele estabelece, à maneira de Bakhtin, uma fronteira dialética de “duas esferas da realidade”. 3 Ao afirmar que a regulação “lingüístico-cognitiva” desenvolve-se num continuum estruturado-estruturante, Vigostki a concebe em termos de uma práxis lingüística sem a qual não há significação. E é por tratar-se de um “contínuo descontínuo” que uma regulação que é ao mesmo tempo fluidez faz irromper o introuvable, o páthos, a ilusão de “controle” do sentido do dizer próprio e alheio, a necessidade do outro e da instância discursiva na construção do sentido do que nós mesmos estamos a dizer ou mostrar. Comentários finais É forte a impressão de que quando uma peça discursiva é extraí- da de seu contexto, não há salvação possível: o domínio da interpretação é sempre um risco a ser assumido. Caso Vigotski fosse um psicolingüista de nosso tempo, certamente poderia sofisticar a sua análise e descobrir processos enunciativos distintos dos semânticos, ou descrever melhor a estrutura semântica e as diferenças entre linguagem interna e linguagem externa, além de analisar melhor o momento em que, pela fala egocêntrica – tal como ele a concebe – se articula e se constrói o discurso interior, mental, sob o exterior, social. Contudo, o que Vigotski realmente faz é servir-se de processos hermenêuticos complementares, sobretudo para fazer a mediação entre sua construção teórica e as práticas pedagógicas e clínicas, cuja premência (de ordem prática) procurava atender no contexto social da então União Soviética. No entanto, ao colocar a interlocução (e, portanto, a enunciação), dentre as outras interações humanas, como representativa da relação entre linguagem e pensamento, e entre linguagem e mundo, Vigotski marcou – como nenhum outro psicólogo – o papel do dialogismo como o elemento constitutivo por excelência dos processos cognitivos e o da interação como fundadora de todo gesto interpretativo humano (“toda ação humana procede de interação”, diria um autor russo, Bakhtin, em quem certamente reconhecemos um “ar de família” capaz de vinculá-lo a Vigotski). Em suma, em se tratando da relação entre linguagem, cognição e sociedade, Educação & Sociedade, ano XXI, nº 71, Julho/00 163 Vigotski parece ao longo de sua reflexão estar o tempo todo lembrando Foucault quando este afirma, a respeito da relação entre as palavras e as coisas: “aqui há linguagem”. Notas 1. É importante que se diga que a continuidade entre significação e linguagem faz com que seja interessante, ao menos para a Lingüística, uma diferenciação na análise do sentido e da significação (entre outras razões, porque é eficaz para o estudo da metalinguagem, da intersubjetividade e do aspecto histórico das instanciações discursivas). Admitamos, por conseguinte, em consonância com as teorias enunciativas (cf. Normand, 1990), que sentido seja a resposta para a pergunta: “O que aquilo (uma palavra, um enunciado, uma enunciação, um signo não verbal) quer dizer?” Já a significação tentaria responder a uma outra questão: “Por quais meios ou processos um enunciado é produzido como tendo sentido?” As duas noções, assim, têm uma relação de reciprocidade. 2. A comunicação nos indica que o sujeito “tem algo a dizer”, ou mostrar; a significação nos indica que o sujeito mostra explícita ou implicitamente a maneira pela qual ele corre o risco de interpretar e ser interpretado, de representar ou dar “representabilidade” às coisas do mundo. 3. “A atividade mental tende desde a origem para uma expressão externa plenamente realizada (...) Uma vez materializada, a expressão exerce um efeito reversivo sobre a atividade mental: ela põem-se então a estruturar a vida interior, a dar-lhe uma expressão ainda mais definida e mais estável. Essa ação reversiva da expressão bem formada sobre a atividade mental tem uma importância enorme, que deve ser sempre considerada. Pode-se dizer que não é tanto a expressão que se adapta ao nosso mundo interior, mas o nosso mundo interior que se adapta às possibilidades de nossa expressão, aos seus caminhos e orientações possíveis” (1981, p. 118, ênfase minha). Encaminhado para publicação em maio de 2000 Vigotski and the enunciative perspective of the relation between language, cognition and social world. ABSTRACT: The aim of this article is to discuss some aspects of vygotskian elaborations about language in the linguistic field. In this sense, we analyze the semiotic proprieties of the relation between language and cognition, proposed by Vygotsky in his works. From 164 Educação & Sociedade, ano XXI, nº 71, Julho/00 our point of view, as like as Humboldt, Bakhtin and Benveniste, Vygotsky conceives the relation between language and cognition in an enunciative perspective. Bibliografia Bakhtin, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1981. [Original de 1929] Benveniste, É. Problèmes de Linguistique Générale vol. I. Paris: Gallimard, 1966. Dascal, M. Pragmatics and Philosophy of Mind. Amsterdam: John Benjamins, 1983. De Lemos, C.T.G. 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[Original de 1983]. Possenti, S. Um cérebro para a linguagem. ABRALIN 13:75-84, 1992. Educação & Sociedade, ano XXI, nº 71, Julho/00 165 Vico, G. La scienza nuova. Laterza, Bari: Fausto Nicolini, 1978. [Original de 1744] Vigotski, L.S. “Psicologia Concreta do homem” Tradução de Enid Abreu Dobránsky do texto “Concrete human psychology”, publicado pela Soviet Psychology, v.17 (2), 1986, 1995. Mimeo. _______. Thinking And Speech - The Collected Works Of L.S. Vigotski (Vol I: Problems Of General Psychology. (Rieber, R. & Carton, A., eds.). New York: Plenun Press, 1987. [Original de 1934] _______. A formação social da Mente. São Paulo: Martins Fontes. [Tradução de “Mind in Society” (1978), The President and Fellows of Harvard College], 1984. [Original de 1930] Wittgenstein, L. Investigações Filosóficas. São Paulo: Abril Cultural, 1975. UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ DIRETORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO: MÉTODOS E TÉCNICAS DE ENSINO DÉRCIO FERNANDO MORAES FERRARI DESENVOLVIMENTO COGNITIVO: AS IMPLICAÇÕES DAS TEORIAS DE VYGOTSKY E PIAGET NO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM MONOGRAFIA DE ESPECIALIZAÇÃO MEDIANEIRA2014 DÉRCIO FERNANDO MORAES FERRARI DESENVOLVIMENTO COGNITIVO: AS IMPLICAÇÕES DAS TEORIAS DE VYGOTSKY E PIAGET NO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Especialista na Pós Graduação em Educação: Métodos e Técnicas de Ensino - Polo UAB do Município de Umuarama, Modalidade de Ensino a Distância, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR – Câmpus Medianeira. Orientador(a): Prof. Dr. Cidmar Ortiz dos Santos INTRODUÇÃO Desenvolvimento é compreendido como as transformações ordenadas na qual passa o ser humano desde sua concepção à sua morte. Apesar dessas mudanças se sucederem integradamente, o desenvolvimento humano pode ser categorizado em desenvolvimento físico, desenvolvimento pessoal, desenvolvimento social e desenvolvimento cognitivo. Todas as teorias do desenvolvimento, apesar de enfatizarem aspectos diferentes, partem do pressuposto de que o desenvolvimento físico-motor, intelectual, afetivo-emocional e social é indissociável. O estudo do desenvolvimento humano direciona seus esforços em compreender o homem em todos os seus aspectos. Vale ressaltar ainda que existem fatores que influenciam o desenvolvimento, e podem exercer tal influência tanto positiva quanto negativamente. Dentre tais fatores estão a hereditariedade, pois existe a predisposição desses sujeitos nascerem com uma superior capacidade motora ou intelectual, podendo herdar doenças ou serem afetados por erros na formação de seu DNA durante a fecundação. Também temos outros fatores, como o crescimento orgânico, as características físicas, que, durante o crescimento, com aumento da altura e a formação do esqueleto permitem comportamentos de autonomia e descobertas. Devemos incluir ainda de maneira relevante a esses fatores influenciadores a maturação neurofisiológica do indivíduo, que permite a ocorrência das habilidades, onde, quanto mais maduras as estruturas cognitivas, maiores as capacidades que pode o indivíduo adquirir. Por fim, e de extrema importância temos o meio, pois este pode influenciar diretamente no desenvolvimento, sendo o contexto em que a pessoa vive o local onde ela vivencia as experiências. Quando se fala de desenvolvimento deve-se sempre considerar que há inúmeros estudiosos que tratam desse assunto, cada um com o seu enquadramento teórico e metodológico, influências e desdobramentos. Dentre os mais influentes teóricos do desenvolvimento Piaget (1971) e Vygotsky (1991) se destacam tanto pela eminência de seus estudos sobre o desenvolvimento humano quanto pela importante abrangência que deram ao processo de aprendizagem. Assim, são teóricos que merecem aprofundamentos. 2 O SOCIOINTERACIONISMO DE VYGOTSKY 2.1 TEORIA HISTÓRICO CULTURAL Não há como introduzir as conceituações vygotskyanas sobre o desenvolvimento sem pontuar a centralidade do histórico e do cultural nessa teoria em que o homem é concomitantemente produto e produtor de sua história pela e na interação social. Com influências da teoria marxista e materialismo históricodialético, Vygotsky (1991) acredita que as alterações históricas na sociedade e a vida material produzem mudanças na natureza humana. As concepções desse autor sobre o desenvolvimento cognitivo trazem que esse é produzido pelo processo de internalização da interação social com materiais fornecidos pela cultura, sendo que esse processo se constrói de fora para dentro. Para ele, o cérebro humano é a base biológica, e sua especificidade define limites e possibilidades para o desenvolvimento humano. Esse entendimento fundamenta a ideia de que as funções psicológicas superiores como a linguagem e a memória são construídas ao longo da história social do homem em sua relação com o mundo, assim, essas funções referem-se a processos voluntários, ações conscientes, mecanismos intencionais e dependem de processos de aprendizagem. Assim, o 26 papel do social no desenvolvimento é muito mais marcante para Vygotsky do que para Piaget. O pensamento de Vygotsky sobre o desenvolvimento humano se relaciona fortemente, como explica Leite et al (2009), à ideia da produção da cultura a partir das relações humanas, buscando conceituar o desenvolvimento intelectual a partir das relações histórico-sociais, de forma que, para ele, o conhecimento humano é formado pelas e nas relações sociais. Assim, com a aprendizagem, o sujeito internaliza as determinações históricas e culturais do contexto em que vive e as recria, sendo produto e produtor da realidade histórica. Conforme os mesmos autores, tendo sua base teórica no materialismo histórico, Vygotsky demonstrou que as origens das formas superiores de comportamento consciente deveriam ser buscadas na atividade prática, nas relações sociais que os sujeitos mantêm com o mundo exterior. Assim, para entender o que é especificamente humano é preciso, para esse autor, se libertar das limitações do organismo tecendo formulações que compreendam como os processos orgânicos/maturacionais entrelaçam-se aos processos culturalmente determinados para produzir funções superiores. Entende-se que o desenvolvimento não precede a socialização, são as estruturas e relações sociais que levam ao desenvolvimento das funções mentais, ou seja, a aprendizagem é a força propulsora do desenvolvimento intelectual. Sendo o desenvolvimento socialmente construído o que é inato, ou seja a estrutura fisiológica é insuficiente para produzir o que chamamos de humano, dessa forma o desenvolvimento não é um processo previsível e gradual, mas sim depende de como o indivíduo interage com o meio, já que o desenvolvimento do psiquismo humano é sempre mediado pelo outro. Para Vygotsky (1991) a aprendizagem provoca, precede força para que o desenvolvimento aconteça. Sobre isso, Davis et al (1989) corrobora dizendo que a interação social está intimamente ligada à proposta de Vygostsky (1991), já que esse se utiliza de uma visão de homem essencialmente social que prega que é na relação com o próximo, numa atividade prática comum, que os sujeitos, por intermédio da linguagem, se constituem e se desenvolvem. Assim, o ser humano, difere dos outros animais por não estar limitado a sua própria experiência pessoal e/ou suas próprias reflexões. Ao contrário, a experiência individual alimenta-se, expande-se e aprofunda-se graças à apropriação da experiência social que é veiculada pela linguagem, estando as 27 origens das formas superiores de pensamento e comportamento nas relações sociais que o sujeito mantém com o mundo exterior e, consequentemente, o homem só se torna homem pelo contato social. Assim é correto afirmar, a partir da teoria Histórico-cultural, que a forma que possui as funções psicológicas superiores estão intrinsecamente ligadas a história social do homem. O conhecimento se dá nas relações sociais, produzido na intersubjetividade e marcado por condições culturais, sociais e históricas. Para Vygotsky (1991), a criança nasce apenas com as funções cognitivas elementares que se ampliam para as funções complexas a partir do contato com a cultura, o que não acontece automaticamente, mas sim por meio de intermediações de outros sujeitos, sendo essas intermediações responsáveis por formar significados e valores sociais e históricos. O que proporciona a particularidade das subjetividades individuais é a forma como os conteúdos culturais são combinados e processados no interior de cada um de nós. Da mesma forma, o desenvolvimento mental ocorre de maneira única em cada pessoa, a partir de como o mundo é experienciado, e “a cultura se torna parte da natureza humana, num processo histórico, que ao longo do desenvolvimento da espécie e do indivíduo, molda o funcionamento psicológico do homem”. (OLIVEIRA, 1992, P.24) Como explica Kramer et al (1991), a teoria sócia histórica busca a compreensão de aspectos da dinâmica da sociedade e da cultura que interferem ativamente no curso do desenvolvimento do sujeito, transformandotanto sua relação com a realidade como sua consciência sobre ela. Para Vygotsky (1991), as estruturas do pensamento dos sujeitos se alteram ao longo da história e essas mudanças estão enraizadas na cultura que fornece elementos que circulam e integram as subjetividades. 2.2 PENSAMENTO E LINGUAGEM As análises de Vygotsky (1989), sobre a construção do conhecimento e do pensamento estabelece a unidade dinâmica entre pensamento e linguagem que diferem em sua gênese, mas que ao longo do desenvolvimento se transformam em um todo indissociável. 28 Pensamento e linguagem são processos interdependentes, sendo que a aquisição da linguagem pela criança modifica suas funções mentais superiores, dando forma definida ao pensamento, possibilitando a imaginação, a memória e o planejamento da ação. No contexto das relações sociais, de acordo com Oliveira (1992), a linguagem é essencial como sistema simbólico de mediação dos homens entre si, e entre esses e o mundo. Possui as funções de pensamento generalizante e intercambio social, pois ao ordenar as experiências produz significados que podem ser compartilhados, e assim intermediam as relações sociais. Nas palavras de Vygotsky: O sistema de signos reestrutura a totalidade do processo psicológico, tornando a criança capaz de dominar seu movimento. Ela reconstrói o processo de escolha em bases totalmente novas. O movimento descola-se, assim, da percepção direta, submetendo-se ao controle das funções simbólicas incluídas na resposta de escolha. Esse desenvolvimento representa uma ruptura fundamental com a história do comportamento e inicia a transição do comportamento primitivo dos animais para as atividades intelectuais superiores dos seres humanos (VYGOTSKY, 1984, p.39-40). Ao se pressupor, conforme Rodrigues et al (2005), a internalização da língua como discurso interior, entende-se que a linguagem é um instrumento do pensamento. Assim, tudo o que é produzido culturalmente e está conectado à linguagem afeta o modo de pensar dos sujeitos. De acordo com Basso (2011), a teoria histórico-cultural entende que o homem se produz na e pela linguagem, pois a relação entre o homem e o mundo é uma relação mediada na qual entre o sujeito e a experiência existem elementos que auxiliam a atividade humana. Estes elementos são os signos e os instrumentos. Os instrumentos são objetos sociais por ampliarem as possibilidades de transformar a natureza, e os signos por auxiliarem nas ações concretas e processos psicológicos superiores, organizando-as. Os signos de acordo com Vygotsky (1989) constituem ao mesmo tempo como fenômeno do pensamento e da linguagem, estão intercruzados através da fala significativa e o pensamento verbal, porém preservam características estruturais específicas, na medida em que: 29 A estrutura da linguagem não é um simples reflexo especular da estrutura do pensamento. Por isto o pensamento não pode usar a linguagem como um traje sob medida. A linguagem não expressa o pensamento puro. O pensamento não se expressa na palavra, mas se realiza nela (VYGOTSKY, 1993, p.298). Porém, é relevante destacar, pela utilidade prática que esse entendimento possui, que, conforme Siqueira e Nuernberg (1998), a expressão do pensamente por meio da linguagem promove a reorganização deste. O trânsito dos significados das palavras possui um caráter de constante transformação. 2.3 A APRENDIZAGEM É essencial na teoria de Vygotsky a compreensão de que a aprendizagem impulsiona o desenvolvimento, é um processo contínuo e está intrinsecamente ligada às relações sociais, pois ao nascer a criança é mergulhada no universo simbólico e na linguagem, e ao se relacionar essa linguagem se torna sua também, organizando os processos mentais e impulsionando novas buscas.”A aprendizagem desperta processos internos de desenvolvimento que somente podem ocorrer que somente podem ocorrer quando o indivíduo interagem com outras pessoas” (OLIVEIRA, 1992, p.33). A partir da explicação de Leite et al (2009), por meio do aprendizado a criança internaliza a vida intelectual dos que a cercam, e assim se constitui como algo universal e indispensável ao desenvolvimento das características psicológicas “especificamente humanas e culturalmente organizadas” (p.206). Para lidar com a aprendizagem das crianças, na concepção sócio histórica, é preciso se atentar não apenas para o que ela realiza sozinha, mas para o que faz com ajuda, pistas e orientação de alguém mais habilidoso na tarefa a ser realizada. Para isso, Vygotsky (1984) diferencia Desenvolvimento Potencial, Desenvolvimento Real e Desenvolvimento Potencial. - Zona de desenvolvimento potencial: é toda atividade e/ou conhecimento que a criança ainda não domina, mas que se espera que seja capaz de saber e/ou realizar, independentemente da cultura em que está inserida. - Zona de desenvolvimento real: é tudo aquilo que a criança é capaz de realizar sozinha, conquistas já consolidadas, “processos mentais que já se estabeleceram; ciclos de desenvolvimento que já se completara” (LEITE et al, 2009, 30 p.206). Nessa zona, está pressuposto que a criança já tenha conhecimentos prévios sobre as atividades que realiza. - Zona de desenvolvimento proximal: é a distância entre o que a criança já pode realizar sozinha e aquilo que ela somente é capaz de desenvolver com auxílio de outra pessoa. Na zona de desenvolvimento proximal, o aspecto fundamental é a realização de atividades com a ajuda de um mediador que possibilita a concretização do desenvolvimento que está próximo, ajuda a transformar o desenvolvimento potencial em desenvolvimento real. Assim, conforme Vygotsky (1984) essa é a zona cooperativa do conhecimento. Leite et al (2009) sinalizam a importância dessa zona para o entendimento do desenvolvimento infantil e seus desdobramentos educacionais, pois possibilita a compreensão da dinâmica interna do desenvolvimento individual, e não somente dos ciclos já completados, mas também os que estão em via de formação , permitindo o delineamento das competências atuais da criança e de suas possibilidades de conquistas futuras, possibilitando estratégias pedagógicas que auxiliem nesse processo. Assim, além de ser importante discriminar o nível de desenvolvimento real (o que a criança realiza sozinha), é preciso identificar o nível de desenvolvimento potencial (o que ela faz com ajuda). A distância entre no nível real e o potencial configura a zona de desenvolvimento proximal na qual ocorrem as aprendizagens, pois o que hoje a criança faz com ajuda, amanhã fará sozinha. A importância de considerarmos a zona de desenvolvimento proximal não significa que possamos ensinar qualquer coisa a qualquer criança, pois o auxílio deve ser significativo para ela para que possa apropriá-lo fazendo-o parte do seu desenvolvimento real. A criança não passa a ser social com o desenvolvimento, é um ser social desde que nasce e, ao longo do desenvolvimento vai intercambiando os significados dos objetos e das palavras com os parceiros de seu contexto cultural e a partir daí ocorre o aprendizado. Assim, é importante também conceituar a ideia de mediação que é elemento fundamental para a constituição dos processos mentais superiores. Segundo Oliveira (1997, p.26), a mediação consiste num “processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação; a relação deixa, então, de ser direta e passa a ser mediada por esse elemento”. 31 Na mediação simbólica, os signos ficam entre os sujeitos e os objetos do mundo, funcionando como representação social dos objetos e mediando a relação do homem com o mundo e com outros homens. É a partir da mediação simbólica que ocorrem as funções mentais superiores, e consequentemente o aprendizado. Os signos auxiliam os processos psicológicos organizando-os, também “oferecem suporte concreto para a ação do homem no mundo” (OLIVEIRA, 1993. p.34). 2.4 A APLICABILIDADE DAS TEORIAS DE VYGOTSKY NO ENSINO SUPERIOR Atualmente é notável a importânciade Vygotsky nos cursos superiores, principalmente nos cursos de formação de professores, onde suas teorias são aplicadas nas mais diversas áreas do conhecimento, não somente da Pedagogia. Entre sua influência na formação da professores, algumas linhas defendem que “a universidade necessita de uma nova organização, englobando e resinificando a maneira da sociedade produzir, criando e difundindo seus valores de forma a promover a melhoria da condição humana em suas múltiplas dimensões. (CARDOSO, 2004, p. 132). No entanto, o ensino superior no Brasil sofre um grande problema em relação aos alunos ingressantes nos cursos de licenciatura, pois muitas vezes acabam os escolhendo pelo menor investimento ou pela falta de disponibilidade de outros cursos, o que acaba deixando evidente [...] evidente que o aluno universitário necessita de uma atenção especial para que os desafios encontrados na adaptação ao curso superior estimule a sua transição da adolescência para a vida adulta e não gerem consequências negativas no nível do aproveitamento acadêmico destes alunos. Em atenção especial a alunos recémchegados ao ensino superior, a universidade deveria implementar programas de intervenção psicopedagógica que pudessem facilitar a adaptação acadêmica e minimizar o impacto educacional da universidade nestes estudantes (CARDOSO, 2004). Esse processo só deixa evidente a questão preocupante em relação a educação brasileira, segundo . me recente trabalho na cidade de Curitiba, na qual coletou dados de 40 professores da rede pública de ensino e concluiu que 32 No que diz respeito ao conhecimento sobre o autor, foram obtidos os seguintes resultados: 75% afirmam conhecer o Vygostky e 25% afirmaram não conhecer nada sobre as teorias do autor. Na questão que se referia à linha pedagógica a qual seguem, foram mencionadas: a histórico crítica, a construtivista, e, principalmente, a sócio interacionista. Ainda, 100% dos educadores afirmaram considerar o contexto histórico de seus alunos e as informações que eles já detêm para trabalhar os conteúdos (OLIVEIRA, 1993). Constatando assim que mesmo com uma formação baseada em teorias ou ao menos parte dos trabalhos de Vygotsky, boa parte dos professores ainda conhece muito pouco sobre o assunto, que seria de extrema importância para seu trabalho pedagógico. Nesse contexto a teoria socioconstrutivista ainda é muito importante na formação do professor, pois segundo Pino Se ignorar a história do meio pode levar a ver a criança como uma “abstração genérica” ou a implantar nela a ilusão de um “futuro impossível”; levar em conta a história do meio pode conduzir a implantar nela a consciência do próprio fracasso e à desistência de toda a educação. O desafio, enquanto essas condições não forem transformadas, é levar em conta a história do meio e conseguir implantar na criança a consciência da sua realidade e da sua possibilidade real de superação das limitações que ela lhe impõem. (PINO, 2002, p.60). 2.5 AS IMPLICAÇÕES DA TEORIA DE VYGOTSKY PARA AS QUESTÕES EDUCACIONAIS As imprescindíveis contribuições de Vygotsky (1991), para o entendimento dos processos mentais e da aprendizagem são essenciais para as práticas educacionais. A importância da cultura, da linguagem e das relações sociais na teoria de Vygotsky fornece, conforme Rodrigues et al (2005), a base para uma educação em que o homem seja visto na sua totalidade: na multiplicidade de suas relações com os outros; na especificidade cultural, na dimensão histórica, ou seja, entendido em processo de construção e reconstrução permanente. São muito valiosas também as conceituações sobre as zonas de desenvolvimento, pois permitem uma visualização clara das possibilidades de aprendizado da criança, sendo especialmente importante a zona de desenvolvimento proximal na qual a “interferência de outros indivíduos é mais transformadora. Isso porque os conhecimentos já consolidados não necessitam de 33 interferência externa” (OLIVEIRA, 1993, p.61). Assim, a escola é fundamental para realizar esse papel, estimular e impulsionar o desenvolvimento dos conhecimentos que ainda estão na zona de desenvolvimento proximal e ainda não foram incorporados. Ao entender o homem como um ser essencialmente social, Vygotsky (1991) considera fundamental a interferência de pais, professores e colegas para o desenvolvimento da criança. O professor, especificamente, deve ser o estimulador da zona de desenvolvimento proximal, incentivando avanços que estão na iminência de ocorrer, mas ainda não aconteceu, isso implica em uma pedagogia não diretiva nem autoritária e muito menos hierárquica entre professores e alunos. Consequentemente, o ato de errar, conforme Oliveira (1993) deve ser entendido pelo professor como um elemento integrante do processo de ensino e aprendizagem, porém jamais ignorado, sendo a correção do erro um importante meio de fazer com que o aluno perceba a necessidade de melhorar e se dedicar mais aos conhecimentos que ainda não domina. Da mesma forma, a interação com os colegas e os trabalhos grupais é uma boa oportunidade para o amadurecimento, aprimoramento de ideias e conhecimentos, porém é no contato individualizado entre professor e aluno que é possível detectar o desenvolvimento real e proximal dos estudantes. A escola é um espaço privilegiado para as interações sociais, pois conforme Leite et al (2009), ela recebe as influências socioculturais da comunidade em que está inserida fazendo com que nela circulem valores, informações, normas e modos de vida diversos, sendo um local propício ao desenvolvimento.