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1 LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO 2 Caro(a) aluno(a), A Faculdade Anísio Teixeira (FAT), tem o interesse contínuo em proporcionar um ensino de qualidade, com estratégias de acesso aos saberes que conduzem ao conhecimento. Todos os projetos são fortemente comprometidos com o progresso educacional para o desempenho do aluno-profissional permissivo à busca do crescimento intelectual. Através do conhecimento, homens e mulheres se comunicam, têm acesso à informação, expressam opiniões, constroem visão de mundo, produzem cultura, é desejo desta Instituição, garantir a todos os alunos, o direito às informações necessárias para o exercício de suas variadas funções. Expressamos nossa satisfação em apresentar o seu novo material de estudo, totalmente reformulado e empenhado na facilitação de um construtor melhor para os respaldos teóricos e práticos exigidos ao longo do curso. Dispensem tempo específico para a leitura deste material, produzido com muita dedicação pelos Doutores, Mestres e Especialistas que compõem a equipe docente da Faculdade Anísio Teixeira (FAT). Leia com atenção os conteúdos aqui abordados, pois eles nortearão o princípio de suas ideias, que se iniciam com um intenso processo de reflexão, análise e síntese dos saberes. Desejamos sucesso nesta caminhada e esperamos, mais uma vez, alcançar o equilíbrio e contribuição profícua no processo de conhecimento de todos! Atenciosamente, Setor Pedagógico 3 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ................................................................................................................... 4 CAPÍTULO 1 – SOCIOINTERACIONISMO ...................................................................... 5 CAPÍTULO 2 - LINGUAGEM ESCRITA ............................................................................ 9 CAPÍTULO 3 -A VISÃO INTERACIONISTA DE PIAGET ............................................ 15 CAPÍTULO 4 - O PROCESSO DE EQUILIBRAÇÃO ...................................................... 17 CAPÍTULO 5 - OS ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO ....................... 20 CAPÍTULO 6 - AS CONSEQUÊNCIAS DO MODELO PIAGETIANO PARA A AÇÃO PEDAGÓGICA .......................................................................................................... 24 1. A TEORIA PIAGETIANA ............................................................................................... 27 2. OS ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO COGNITIVO ........................................... 29 3. A AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM NA TEORIA DE PIAGET ..................................... 31 CAPÍTULO 7 - ORALIDADE, ESCRITA E HIPERTEXTUALIDADE ......................... 35 CAPÍTULO 8 - LINGUAGEM E COGNIÇÃO HUMANA ............................................... 42 CAPÍTULO 9 – INTERFERÊNCIAS NO DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM ORAL ....................................................................................................................................... 48 1. DESENVOLVIMENTO DE LINGUAGEM ................................................................... 49 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 53 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 54 4 APRESENTAÇÃO Você está iniciando o estudo da disciplina Linguagem e Comunicação, que tem como principal objetivo a intervenção pedagógica no âmbito da cultura e do social, que são essenciais para proporcionar experiências de aprendizagem que conduzem a criança ao desenvolvimento significativo em diversas áreas. Este módulo apresenta um panorama sobre esta ciência, pensando discutir, através da pesquisa bibliográfica, as teorias de Vygotsky e Piaget e sua importância para a educação e especificamente para a educação especial. Os textos aqui elaborados é um composto de citações e paráfrases extraídas de alguns dos principais autores sobre o assunto. Nesta trajetória, portanto, estudaremos um pouco sobre as contribuições da teoria sociointeracionista e da psicogênese para a compreensão do desenvolvimento do sujeito, focalizando os pontos de divergências e de complementaridade dessas teorias. Serão discutidos os processos de internalização e de mediação das funções psicológicas. A análise da disciplina estará centrada na conceitualização do desenvolvimento cognitivo e da comunicação e linguagem, buscando relacioná-los com o processo de ensino-aprendizagem. Desejamos que essa disciplina contribua para aprofundar o seu conhecimento a respeito do processo de ensino-aprendizagem. Juntos, iremos conhecer um pouco mais sobre esse processo que constitui o desenvolvimento do indivíduo. Boa trajetória de estudos! 5 CAPÍTULO 1 – SOCIOINTERACIONISMO A forma como se dá o processo de aprendizagem na criança, tem sido um dos objetos de estudo mais importantes no âmbito da educação, em todos os tempos. O Construtivismo e o Sociointeracionismo surgem então, como as principais práticas educacionais propostas para fundamentar esse processo. Nomes como o de Vigotsky e Piaget aparecem no início no século XX, respaldando os estudos teorias e técnicas utilizadas para explicar e ilustrar o processo de ensino-aprendizagem. De forma geral, podemos dizer que o construtivismo se preocupa com a elaboração da construção do conhecimento interno no qual a aprendizagem depende do nível de desenvolvimento do sujeito; enquanto o sociointeracionismo se ocupa com o aprendizado a partir do meio social, enfatizando o papel do contexto histórico e cultural nos processos de desenvolvimento e aprendizagem. Para Vygotsky, é por meio da atividade cerebral que o homem se integra à cultura, essa atividade é mediada pela linguagem e é estimulada pela interação entre os indivíduos em um meio social, uma vez que a linguagem humana é, sobretudo, um fenômeno social. O comportamento do homem seria formado pelas peculiaridades e condições biológicas e sociais 6 do seu crescimento. O fator biológico, assim, determinaria a base, o que fundamenta as reações inatas, e o organismo não teria possibilidade de extrapolar os limites desse fundamento, pois sobre ele se erige um sistema de reações adquiridas. Neste contexto, a faculdade psíquica não é inata, e também não se trata de um pacote pronto, o funcionamento psicológico do ser humano, segundo Vygotsky se caracterizaria pelo que denomina de Planos Genéticos de Desenvolvimento, que são classificados pelo autor como Filogênese, Ontogênese, Sociogênese e Microgênese. Vejamos a seguir um pouco acerca desses processos. O processo filogenético está ligado à história da espécie, através de um processo de mudança lento, que deixa uma herança para o indivíduo na forma de genes, transformando-se com o passar do tempo. Em outras palavras, todas as espécies têm uma própria história e todas elas acabam por definir uma história. Esse desenvolvimento histórico-cultural muda no decorrer dos séculos, deixando um legado por meio de tecnologias simbólicas e materiais como alfabetização, sistemas numéricos, computadores, a escrita e normas culturais. Já a Ontogênese é um processo intimamente ligado à Filogênese, que trata do desenvolvimento do ser, ou seja, cuida de esclarece o fato do homem pertencer a sua espécie, por exemplo, uma criança da espécie humana aprende a sentar, engatinhar, andar, se alimentar conforme a sua espécie. A Sociogênese está relacionada à história da cultura, onde o sujeito está inserido, mas vale destacar que essa história envolve todas as mudanças culturais que de alguma forma, interferem no desenvolvimento psicológico. A cultura dessa maneira funciona como um potencializador das faculdades humanas. A Microgênese, por suavez, diz respeito a um olhar micro que se pode ter sobre um fenômeno, o que tem a ver com a questão do “como se aprende”, o que desafia a ideia do determinismo. Resumindo, o desenvolvimento microgenético nada mais é do que a aprendizagem que os indivíduos vivenciam a cada momento em contextos determinados, a partir da sua formação genética e histórico-cultural. A mediação simbólica é uma ideia de Vygotsky e têm a ver com a relação do homem com o mundo, que se realiza através de instrumentos e signos. A maior parte das ações humanas no mundo é mediada pela experiência de outros. Nesse processo de interação, o homem é capaz de abstrair, classificar e generalizar, o que só é possível por causa do sistema simbólico articulado e organizado que possui, portanto o significado é um fenômeno do pensamento, dessa forma, o pensamento e a linguagem são os elementos que definem o funcionamento psicológico humano. 7 Torna-se aqui, necessário destacar que os signos são construídos culturalmente, sendo a língua, o lugar onde está construção ocorre. Ao falar em linguagem, Vygotsky não se refere a qualquer linguagem, mas sim à fala, o discurso. A comunicação é considerada a primeira função da linguagem e o pensamento generalizante é a segunda, é justamente nesta função que pensamento e linguagem se unem. No desenvolvimento de todo esse processo, a relação entre pensamento e palavra é um movimento contínuo, pois é através de palavras que o pensamento passa a existir. Para Vygotsky, o primeiro uso da linguagem é a fala socializada, que exerce uma função comunicativa. O discurso interior seria o mais desenvolvido, e surge por volta dos três, quatro anos de idade, quando a criança fala sozinha, sem precisar de interlocutor, é o que se chama de fala egocêntrica, uma fala que a criança utiliza para ajudá-la a resolver um problema. O sujeito aprende e se desenvolve por meio da cultura, sendo assim, o desenvolvimento e a aprendizagem ocorrem de fora para dentro, para melhor ilustrar essa realidade, podemos citar o brinquedo e a brincadeira, que são fundamentais para a criança, já que é na brincadeira a criança pode aprender as regras da vida adulta, experienciando-as, e até modificando-as. Valem a pena salientar que existem funções denominadas psicointelectuais superiores, que aparecem duas vezes no decurso do desenvolvimento da criança. A primeira vez surge nas atividades coletivas, ou seja, como funções interpsíquicas; a segunda, nas atividades individuais, como propriedades internas do pensamento da criança, dessa vez, como funções intrapsíquicas. Neste contexto, o desenvolvimento deve ser observado de forma prospectiva, em direção aquilo que ainda não aconteceu. Vygotsky denomina esse processo de Zona de Desenvolvimento Proximal, que diz respeito à distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. Em outras palavras, diz respeito a todo o potencial de conhecimento que pode ser adquirido pelo indivíduo na relação entre o conhecimento prévio e a sua interação social, a partir de uma interação dialética, uma vez que existe o nível de desenvolvimento real, que indica o olhar retrospectivo e o nível de desenvolvimento potencial, o que indica estar próximo a acontecer. 8 A ideia de que o indivíduo não precisaria exatamente de passar por um processo de maturação ou atingir certa idade para assimilar certos conhecimentos, é uma das maiores contribuições de Vygotsky para os estudos acerca do processo de aprendizagem. Em sua teoria, esses conhecimentos podem ser adquiridos mais rapidamente ou mais tardiamente, dependendo das relações desses indivíduos com o meio em que vivem. Na escola a criança não aprende aquilo que é consegue realizar por si mesma, mas a fazer o que é ainda incapaz de realizar, porém que está ao seu alcance a partir da mediação do professor. Na instrução, o fundamental é o novo que a criança aprende, assim, a zona de desenvolvimento proximal é o aspecto mais determinante no que se diz respeito ao ensino e ao desenvolvimento, pois determina o campo das gradações que estão ao alcance da criança. Do ponto vista biológico, o homem parece ter se mantido o mesmo de séculos atrás. No entanto, sob o ponto de vista cultural, com o passar das gerações, os seres humanos vão se apropriando do que a sua geração anterior produziu, fazendo com que cada novo ciclo geracional se desenvolvesse e evoluísse. Resumindo, o principal desenvolvimento no contexto da aprendizagem, se encontra na ordem social do indivíduo no seu processo de aprendizagem. O aprendizado escolar para Vygotsky induz o tipo de percepção generalizante, desempenhando assim um papel decisivo na conscientização da criança acerca dos seus próprios processos mentais. Através de seu sistema hierárquico de inter-relações, os conceitos científicos parecem constituir o meio no qual a consciência e o domínio se desenvolvem, sendo mais tarde transferidos a outros conceitos e a outras áreas do pensamento. A consciência reflexiva chega à criança através dos portais dos conhecimentos científicos. Ele defendia a ideia de que, mais que o indivíduo agir, é preciso interagir. 9 CAPÍTULO 2 - LINGUAGEM ESCRITA Outra grande contribuição de sociointeracionismo por meio de Vygotsky gira em torno do desenvolvimento da linguagem escrita, cujas ideias são bastante contemporâneas e estão estritamente ligadas às questões centrais de sua teoria. A linguagem escrita, assim como outras formas de linguagem, é construída socialmente, através da interação dos sujeitos entre si e com o mundo, em um processo contínuo. Nosso autor afirma que a escrita é um sistema de representação simbólica da realidade, que medeia à relação entre os indivíduos e o mundo que os cercam. Para ele, a escrita ultrapassa o domínio da grafia das palavras, pois se trata de um produto cultural construído historicamente, e a criança passa por um processo muito complexo para adquiri-la, que tem início bem antes da criança ingressar na escola. A partir da perspectiva Vygotskyana, alfabetizar é mais que aprender a grafar palavras; aprender a escrever é construir uma nova inserção cultural, é aprender uma forma de interagir com o meio no qual se está inserido. É preciso entender assim, que a aprendizagem é um fenômeno extremamente complexo, que envolve aspectos cognitivos, emocionais, orgânicos, psicossociais e culturais, e 10 é resultante do desenvolvimento de conhecimentos, assim como da transferência destes para uma nova situação. Já sabemos aqui que Vygotsky concebe que o homem se constitui através de sua interação com o meio em que está inserido. Cabe, contudo, ressaltar que esta interação é dialética, e não uma somatória de aspectos biológicos inatos e adquiridos. Trata-se de um processo, onde o indivíduo ao mesmo tempo em que internaliza as formas culturais, pode transformá-las e assim intervir em seu meio, ou seja, ocorre uma relação dialética entre o mundo e o sujeito se constitui e se liberta. Sob essa perspectiva, o processo de aprendizagem, e os vários processos constitutivos do homem, são desencadeados a partir das relações de troca que o sujeito estabelece com o meio, ou seja, da interação dialética entre ele e o meio que está inserido. Portanto, em sua teoria, ao falar da aprendizagem, Vygotsky, sempre se remete ao desenvolvimento, pois o mesmo considera que esses são dois processos que estão intimamente relacionados, sendo impossível dissociá-los. Vygotsky critica três grandes postulados teóricos no que se refere ao processo de desenvolvimento e aprendizagem do indivíduo. O primeiro deles é a chamada visão Maturacionista, que afirmaque o desenvolvimento é pré-requisito para a Aprendizagem, ou seja, o desenvolvimento precede a aprendizagem; o segundo, denominado Behaviorismo, defende que o aprendizado é desenvolvimento; e o último, conhecido como a teoria da Gestalt, diz que o desenvolvimento depende do aprendizado. Para Vygotsky, estes processos não são iguais e nem um está subordinada ao outro, ao contrário, eles constituem-se reciprocamente. Não resta dúvida de que o aprendizado seja um aspecto necessário e fundamental no processo de desenvolvimento do indivíduo, levando em consideração que, o desenvolvimento pleno do ser humano depende do aprendizado que realiza num determinado meio, a partir da interação com ele. O aprendizado da criança está diretamente relacionado ao seu desenvolvimento. Esse desenvolvimento ocorre graças ao processo de maturação do organismo do indivíduo e é o justamente o aprendizado que faz despertar os processos internos de desenvolvimento que só acontece devido à interação entre indivíduo e o ambiente cultural que o rodeia. Assim, podemos dizer que o desenvolvimento depende do aprendizado. No entanto, esta é uma relação muito complexa, e somente a partir da discussão dos dois níveis de desenvolvimento, postulados por Vygotsky, torna-se possível esclarecer esta questão. Os dois 11 níveis de desenvolvimento definidos pelo teórico são assim denominados: Nível de Desenvolvimento Real e Nível de Desenvolvimento Potencial. O Nível de Desenvolvimento Real se refere às conquistas já efetivadas, ou seja, corresponde às tarefas e atividades que a criança já é capaz de fazer sozinha, sem a ajuda de ninguém, por que já tem domínio sobre elas, considerando que o nível de desenvolvimento das funções mentais da criança que se estabeleceram como resultados de certos ciclos de desenvolvimento já foram já completados. Já o Nível de Desenvolvimento Potencial está relacionado às funções que as crianças não são capazes de fazer, sem a ajuda de outro indivíduo, ou seja, a criança não tem total domínio sobre elas. É fundamental considerar os dois níveis acima citados para entendermos melhor o processo de desenvolvimento, pois ambos constituem um só processo. Ao Nível de Desenvolvimento Potencial, Vygotsky denominou de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). Trata-se da distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial. É nessa zona que o aprendizado ocorre, pois é nesse contexto, de interação com outros indivíduos, quando a criança entra em contato com coisas que ela não conhece, as quais, sem a ajuda do outro, seria impossível de ocorrer. O momento de aprendizagem tem que ser motivador e favorável, assim como quem “ensina” deve ter paciência e afeto para com quem está aprendendo, para que a aprendizagem seja significativa e satisfatória e o ciclo de desenvolvimento seja completado. O meio em que o sujeito em processo de aprendizado está inserido deve ser instigante e propício ao desenvolvimento desse processo. O professor o mediador responsável para criar este ambiente. Na realidade, o que está em processo de amadurecimento é o caminho que o indivíduo vai percorrer para desenvolver funções que também estão em processo de amadurecimento e que se tornarão funções consolidadas, estabelecidas no seu nível de desenvolvimento real. Vygotsky afirma que o aprendizado da criança se inicia antes mesmo dessa ingressar na escola, o mesmo acontece também com o próprio processo de aprendizagem da língua escrita. Ele entende que a escrita vai além da dominação da grafia das palavras, pois é um produto cultural, construído historicamente, por isso para adquiri-la a criança passa por um processo bastante complexo. 12 Antes de atingir a idade escolar, a criança aprende e assimila um bom número de técnicas que prepara o caminho para a escrita. Estas técnicas capacitam e facilitam o que fácil aprendizado em relação ao conceito e a técnica da escrita. Geralmente e infelizmente, na escola o processo da escrita consiste em um ato mecânico, focando-se totalmente na reprodução das letras, noutras palavras, ensina-se a desenhar letras e construir palavras com elas, mas não se ensina a linguagem escrita de uma forma mais reflexiva. O que acaba sendo uma prática de atividade artificial, pois se ignora os aspectos psíquicos da criança, considerando o processo de alfabetização apenas como aquisição de habilidade motora. Na realidade, aprender a escrever é aprender uma forma de interagir com o meio sob o qual está inserido. Ao entrar na escola, o aluno já possui um conhecimento prévio, já traz uma bagagem de conhecimentos que adquiriu no decorrer de sua vida. Assim, quando a criança assimila o nome de qualquer objeto, um conceito, uma cor, ele já está aprendendo. No entanto, não se pode ignorar o papel da escola no processo de desenvolvimento e aprendizagem da criança, uma vez que a escola oferece elementos novos para o seu aprendizado, quando o professor trabalha na Zona de Desenvolvimento Proximal do aluno. Assim, o processo ensino-aprendizado deve partir daquilo que as crianças já sabem (ZDR) e chegar aos objetivos estabelecidos pela escola, atingindo as etapas não consolidadas (ZDP). O professor, por sua vez, ele deve intervir de modo significativo, nas atividades que a criança não consegue desenvolver sozinha, no sentido de auxiliá-las. Vale a pena ressaltar, que não se trata de uma intervenção diretiva, onde tudo é controlado e determinado pelo professor. Mesmo que Vygotsky destaque o papel da intervenção no desenvolvimento, seu objetivo maior é salientar a importância do meio cultural e das relações entre os indivíduos para a definição de um percurso de desenvolvimento do indivíduo, sem propor uma pedagogia diretiva e autoritária. A interação entre as crianças é outro aspecto fundamental permitido e trabalhado pela escola, e que deve ser destacado para o desenvolvimento das mesmas, tendo em vista que é a partir da interação com o meio e com outras pessoas que ela aprende. Sem dúvidas, podemos dizer embasados na teoria de Vygotsky, que o indivíduo aprende em todo lugar e a todo o momento, dentro da escola e fora dela, inclusive em situações informais. 13 A linguagem escrita, como acontece em outras formas de linguagem, é construída socialmente, através da interação dos sujeitos entre si e com o mundo, em um processo contínuo. Conforme Vygotsky, a escrita é um sistema de representação simbólica da realidade, que medeia à relação entre o indivíduo e o mundo. Segundo ele a escrita é um processo histórico, por isso é relevante entender o processo de escrita em sua gênese, antes da criança ingressar na escola e submeter-se ao ensino sistemático da linguagem escrita, para assim compreender o caminho que ela percorre para aprender a ler e a escrever. O aprendizado da escrita é um produto cultural construído ao longo da história da humanidade, e é entendido por Vygotsky como um processo bastante complexo. A complexidade se encontra no fato de a escrita ser um sistema de representação da realidade bastante sofisticado. Ainda neste contexto, Vygotsky declara que a compreensão da linguagem escrita é efetuada, primeiramente, através da linguagem falada, ou seja, é necessário compreender primeiro a linguagem falada para então, compreender a linguagem escrita. Acontece assim, porque o desenvolvimento da linguagem escrita nas crianças se dá a partir do momento que ela percebe que além de coisas ela pode também desenhar a fala, ou seja, ela começa a escrever quando ela percebe que a escrita é a representação, o desenho, da fala, e que ela pode desenhar essa fala. Para alguns teóricos, a memória é a precursora da verdadeira escrita. A primeira forma de escrita para se caracteriza quando a criança utiliza mecanismos gráficos como uma espécie de signo auxiliar da memória, mesmo que de rabiscos,os quais não são diferenciados pela sua forma externa. Depois dessa etapa, os traços e rabiscos são substituídos por figuras e desenhos, que darão lugar aos signos. Esse processo envolve uma sequência de aspectos, que são formados e influenciados pela interação da criança com o meio sociocultural. Toda a trajetória do desenvolvimento da escrita e do desenvolvimento da criança se encontram nessa sequência de acontecimentos. Na criança, o desenvolvimento da linguagem escrita acontece por meio do deslocamento do desenho de coisas para o desenho de palavras. Mas, não se trata de um processo contínuo, pois não se desenvolve em linha reta, e como qualquer outra função, o 14 desenvolvimento da escrita depende das relações psicológicas, culturais, sociais, econômicas e políticas. Ao educador cabe conhecer seus alunos, observar e analisar o meio em que eles estão inseridos, para melhor perceber as relações que eles estabelecem com esse meio, e dessa forma, levar em consideração o conhecimento prévio que esses alunos já possuem antes de ingressar na escola. O processo de alfabetização precisa ser desenvolvido em um ambiente motivador para que os educadores possam repensar a concepção e modo de alfabetizar, além da mera representação de letras, do domínio e decifração do código. Na verdade, deve-se alfabetizar, ensinando os indivíduos a ler e a escrever no contexto das práticas sociais. Outra área do conhecimento da Psicologia é o estudo do desenvolvimento do ser humano, onde as proposições nucleares se concentram no esforço de compreender o homem em todos os seus aspectos, abarcando diversas fases do desenvolvimento, desde o nascimento até o seu mais completo grau de maturidade e estabilidade. A linha evolutiva da Psicologia tem produzido a elaboração de várias teorias que pretendem reconstituir as condições de produção da representação do mundo a partir de diferentes metodologias e dos vários pontos de vistas A teoria de Jean Piaget se destaca de outras tantas, graças ao seu caráter inovador ao introduzir uma nova visão, representada pela linha interacionista que nada mais é do que uma tentativa de integrar as posições dicotômicas de duas tendências teóricas que permeiam a Psicologia em geral - o materialismo mecanicista e o idealismo – que são marcadas pelo antagonismo de seus postulados, que como já foi mencionado aqui, separam de forma estanque o físico e o psíquico. Vale destacar que o modelo piagetiano zela pelo rigor científico de sua produção, que vigorou nos anos 70, e trouxe contribuições práticas fundamentais para o campo da Educação. 15 CAPÍTULO 3 -A VISÃO INTERACIONISTA DE PIAGET As ideias de Piaget se opõem as duas correntes antagônicas e inconciliáveis que permeiam a Psicologia em geral, o objetivismo e o subjetivismo. Elas são derivadas de duas grandes vertentes filosóficas, o idealismo e o materialismo mecanicista, que são legados do dualismo radical de Descartes, que propõe a separação existente entre corpo e alma, entre físico e psíquico. Neste contexto, a Psicologia Objetivista, privilegia o dado externo, afirmando que todo conhecimento provém da experiência; e a Psicologia Subjetivista é contrariamente, respaldada no substrato psíquico, e defende que todo conhecimento é anterior à experiência, declarando, assim, a primazia do sujeito sobre o objeto. Piaget formula o conceito de epigênese por considerar as duas posições acima, insuficientes para explicar o processo evolutivo da filogenia humana. Ele argumenta que o conhecimento não é oriundo somente da experiência dos objetos, nem de uma programação inata pré-formada no sujeito, mas sim, de construções sucessivas com elaborações constantes de novas estruturas. O processo evolutivo da filogenia humana tem uma origem biológica que é ativada pela ação e interação do organismo com o meio ambiente físico e social que o rodeia. O que 16 significa que as formas primitivas da mente, biologicamente constituídas, são reorganizadas pela psique socializada, ou seja, existe uma relação de interdependência entre o sujeito conhecedor e o objeto que será conhecido. Trata-se de um processo que se ocorre através de um mecanismo autorregulatório que nada mais é que um processo de equilibração progressiva entre o organismo e o meio em que o indivíduo está inserido. 17 CAPÍTULO 4 - O PROCESSO DE EQUILIBRAÇÃO O sujeito epistêmico é o elemento principal do modelo piagetiano, uma vez que a grande preocupação da teoria é desvendar os mecanismos processuais do pensamento do homem, desde seu nascimento até a idade adulta. Aqui, a compreensão dos mecanismos de constituição do conhecimento, segundo Piaget, equivale à compreensão dos mecanismos envolvidos na formação do pensamento lógico, matemático. A lógica para Piaget representa a parte final do equilíbrio das ações, trata-se de um sistema de operações, isto é, de ações que se tornaram reversíveis e podem ser compostas entre si. Piaget entende que a gênese do conhecimento está no próprio sujeito, ou seja, o pensamento lógico não é inato nem externo ao organismo, mas é essencialmente construído em meio à interação homem-objeto. Portanto, o desenvolvimento da filogenia humana se dá através de um mecanismo autorregulatório que tem como base condições biológicas ativadas pela ação e interação do organismo com o meio ambiente físico e social. Assim, podemos dizer que a experiência sensorial e o raciocínio são bases do processo de constituição da inteligência e do pensamento lógico do homem. Nessa percepção de Piaget, o homem possui uma estrutura biológica que o viabiliza seu desenvolvimento mental, porém, esse fato por si mesmo não garante o desencadeamento de fatores que propiciam o seu desenvolvimento, mesmo por que este só acontecerá a partir da interação do sujeito com o objeto que deve ser conhecido. Embora a relação com o objeto seja essencial, ela também não é uma condição suficiente para realização plena do desenvolvimento cognitivo humano, pois para que isso aconteça é necessário que haja o exercício do raciocínio. A constituição do pensamento lógico requer um processo interno de reflexão. Esses aspectos revelam que Piaget focaliza o processo interno dessa confecção ao tentar descrever a origem da constituição do pensamento lógico. Para resumir, podemos dizer que o desenvolvimento humano, conforme o modelo piagetiano, é explicado a partir do pressuposto de que existe uma conjuntura de relações interdependentes entre o sujeito conhecedor e o objeto a conhecer. Na teoria piagetiana, o conceito de equilibração é especialmente destacável, pois representa o fundamento que explica todo o processo do desenvolvimento humano. Este fenômeno tem essencialmente, um caráter universal, pois ocorre de forma uniforme em todos 18 os indivíduos da espécie humana, embora possa sofrer variações em função de conteúdos culturais presentes no meio em que o indivíduo está inserido. A partir desse raciocínio, o estudo de Piaget considera a atuação de dois elementos básicos ao desenvolvimento humano, os fatores invariantes e os fatores variantes. Piaget afirma que o indivíduo, ao nascer, recebe como legado várias estruturas biológicas (sensoriais e neurológicas) que continuam constantes ao longo da sua vida. Essas estruturas biológicas são denominadas de fatores invariantes que predispõem o surgimento de determinadas estruturas mentais. Por causa disso, a vertente piagetiana considera que o indivíduo carrega consigo duas marcas inatas que são a tendência natural à organização e à adaptação. Já os fatores variantes são representados pelo conceito de esquema que constitui a unidade básica de pensamento e ação estrutural do modelo piagetiano, trata-se de um elemento que se modifica no processo de interação com o meio,com o objetivo de adaptar o indivíduo à realidade que o rodeia. Assim, a teoria psicogenética revela que a inteligência não é herdada, mas, construída no processo interativo do homem com o meio ambiente em que ele estiver inserido. O equilíbrio para Piaget se refere ao objetivo que o organismo almeja, mas que contraditoriamente, nunca alcança. Isso ocorre porque no processo de interação podem ocorrer desajustes do meio ambiente que rompem o equilíbrio do organismo, estimulando esforços para que a adaptação se restabeleça. Trata-se na verdade, de uma busca que o organismo promove para produzir novas formas de adaptação, o que envolve dois mecanismos diferentes, mas indissociáveis e que se complementam, a assimilação e a acomodação. O processo de assimilação representa uma tentativa de integração de aspectos experienciais aos esquemas previamente estruturados, ou seja, quando o indivíduo entra em contato com o objeto do conhecimento, ele busca extrair as que lhe interessam, abrindo mão de outras que não lhe são tão relevantes, com a constante intenção de restabelecer a equilibração do organismo. A assimilação, então, consiste na tentativa do indivíduo em solucionar uma determinada situação a partir da estrutura cognitiva que ele possui naquele momento específico da sua existência. A acomodação, por sua vez, é a capacidade de transformação da estrutura mental antiga para poder dominar um novo objeto do conhecimento. Noutras palavras, a acomodação representa o momento da ação do objeto sobre o sujeito, tornando-se nesta feita, elemento 19 complementar das interações sujeito/objeto. Em resumo, toda experiência é assimiladaa uma estrutura de ideias pré-existentes, que podem provocar uma transformação nesses esquemas, produzindo dessa forma, um processo de acomodação. Vale salientar que os processos de assimilação e acomodação são complementares entre si e ambos estão presentes durante toda a vida do indivíduo, o que permite um estado de adaptação intelectual. É bastante improvável acontecer uma situação em que possa ocorrer assimilação sem acomodação, uma vez que um objeto raramente é igual a outro já conhecido, ou uma situação é exatamente igual à outra. A partir dessa perspectiva, o processo de equilibração pode ser entendido como um mecanismo de organização de estruturas cognitivas em um sistema coerente que objetiva levar o indivíduo a elaboração de uma forma de adaptação à realidade. O conceito de equilibração indica, portanto, movimento e dinamismo, pois a constituição do conhecimento leva o indivíduo a situações de conflitos cognitivos constantes que movimentam o organismo com o intuito de solucioná-los. Porém, esse processo de transformação irá depender sempre do modo como o indivíduo irá elaborar e assimilar as suas interações com o meio, isso ocorre graças ao fato da equilibração do organismo refletir as elaborações possibilitadas pelos níveis de desenvolvimento cognitivo que o organismo apresenta em várias fases da sua vida. Sobre isso Piaget classifica os modos de relacionamento com a realidade em quatro períodos, que veremos a seguir. 20 CAPÍTULO 5 - OS ESTÁGIOS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO Piaget considera quatro fases no processo evolutivo da espécie humana, que se caracterizam por ser tudo o que o indivíduo consegue fazer melhor no decorrer das diferentes faixas etárias, ao longo do seu processo de desenvolvimento. O primeiro período é denominado Sensório-motor, que ocorre desde o nascimento até os dois anos; o segundo é o Pré- operatório que ocorre entre os dois aos sete anos; o terceiro é chamado de Operações Concretas, abarca crianças entre os sete aos onze, doze anos; e o último denominado Operações Formais acontece onze, doze anos em diante. Geralmente, todos os indivíduos passam pelas quatro fases conforme a sequência acima, no entanto, o começo e o fim de cada uma delas podem sofrer variações por causa da função da estrutura biológica de cada indivíduo e da variedade dos estímulos produzidos pelo meio ambiente ao qual pertence. Dessa forma, devemos entender que essa divisão em fases etárias é apenas uma referência, e não uma regra. Vejamos a seguir, algumas das principais características de cada um desses períodos. Conforme Piaget, a criança nasce em um ambiente que lhe é hostil. Esse universo é conquistado através da percepção e dos movimentos como a sucção e os movimentos dos olhos. Assim, no recém-nascido, as funções mentais se restringem ao exercício dos reflexos inatos. Com o passar do tempo, gradativamente, a criança vai aperfeiçoando os movimentos reflexos, adquirindo dessa forma, habilidades e alcança o término do período sensório-motor, já se 21 percebendo em um determinado contexto. Essa trajetória é denominada como Período Sensório-motor. O que marca a transição do período sensório-motor para o pré-operatório é o surgimento da função simbólica ou semiótica, ou seja, é a emergência da linguagem. A partir dessa concepção, entendemos que a inteligência vem antes dessa emergência da linguagem, dessa forma, não é possível atribuir à linguagem a origem da lógica, que constitui o núcleo do pensamento racional. A linguagem neste contexto é importante, mas não suficiente para o desenvolvimento do indivíduo, pois é fundamental que haja um trabalho de reorganização da ação cognitiva que não é dado pela linguagem. Noutras palavras, o desenvolvimento da linguagem depende do desenvolvimento da inteligência. A emergência da linguagem exige modificações importantes em aspectos cognitivos, afetivos e sociais da criança, pois ela possibilita as interações interindividuais e viabiliza o potencial para trabalhar com representações para assim, conceder significados à realidade. Entretanto, mesmo que o alcance do pensamento apresente transformações importantes, ele tem como característica o egocentrismo, pois a criança não concebe uma realidade da qual não faça parte, graças à ausência de esquemas conceituais e da lógica. Neste estágio denominado Pré-operatório, embora a criança apresente a capacidade de atuar de forma lógica e coerente ela apresentará, contraditoriamente, um entendimento desequilibrado da realidade. No Período das Operações Concretas,neste período o egocentrismo intelectual e social presentes na fase anterior é substituído pela emergência que a criança tem de ser capaz de estabelecer relações e coordenar pontos de vista diferentes e de integrá-los de modo lógico e coerente. Outro ponto relevante neste estágio é o surgimento da capacidade da de interiorização das ações, ou seja, a criança passa a realizar operações mentalmente e não mais apenas através de ações físicas típicas da inteligência sensório-motora. Mas, apesar da criança conseguir raciocinar de forma coerente, os conceitos e as ações executadas mentalmente se refere somente a objetos ou situações que podem ser manipuladas ou imaginadas de forma concreta. Se no período pré-operatório a criança ainda não havia adquirido a capacidade de pensar simultaneamente o estado inicial e o estado final de alguma transformação efetuada sobre os objetos, tal reversibilidade será construída ao longo dos estágios operatório concreto e formal. 22 No período das operações formais, a criança amplia suas capacidades conquistadas na fase anterior, e consegue raciocinar sobre hipóteses na medida em que ela é capaz de formar esquemas conceituais abstratos e através deles executar operações mentais dentro de princípios da lógica formal. Dessa forma, a criança consegue criticar os sistemas sociais e propor novos códigos de conduta, adquirindo, assim, autonomia. Quando atinge esta fase, o indivíduo adquire a sua forma final de equilíbrio, ou seja, ele alcança o padrão intelectual que continuará na idade adulta. Isso não quer dizer que ocorra uma estagnação das funções cognitivas, a partir do ápiceadquirido na adolescência, como enfatiza Rappaport, esta será a forma predominante de raciocínio utilizada pelo adulto. Seu desenvolvimento posterior consistirá numa ampliação de conhecimentos tanto em extensão como em profundidade, mas não na aquisição de novos modos de funcionamento mental. Cabe-nos problematizar as considerações anteriores de Rappaport, a partir da seguinte reflexão: resultados de pesquisas têm indicado que adultos "pouco-letrados/escolarizados" apresentam modo de funcionamento cognitivo "balizado pelas informações provenientes de dados perceptuais, do contexto concreto e da experiência pessoal" (OLIVEIRA, 2001a:148). De acordo com os pressupostos da teoria de Piaget, tais adultos estariam, portanto, no estágio operatório-concreto, ou seja, não teriam alcançado, ainda, o estágio final do desenvolvimento que caracteriza o funcionamento do adulto (lógico-formal). Como é que tais adultos (operatório-concreto) poderiam, ainda, adquirir condições de ampliar e aprofundar conhecimentos (lógico-formal) se não lhes é reservada, de acordo com a respectiva teoria, a capacidade de desenvolver "novos modos de funcionamento mental"? - aliás, de acordo com a teoria, não dependeria do desenvolvimento da estrutura cognitiva a capacidade de desenvolver o pensamento descontextualizado? Bem, retomando a nossa discussão, vale ressaltar, ainda, que, para Piaget, existe um desenvolvimento da moral que ocorre por etapas, de acordo com os estágios do desenvolvimento humano. Para Piaget (1977 apud LA TAILLE 1992:21), "toda moral consiste num sistema de regras e a essência de toda moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por estas regras". Isso porque Piaget entende que nos jogos coletivos as relações interindividuais são regidas por normas que, apesar de herdadas culturalmente, podem ser modificadas consensualmente entre os jogadores, sendo que o dever de 'respeitá-las' implica a moral por envolver questões de justiça e honestidade. 23 Assim sendo, Piaget argumenta que o desenvolvimento da moral abrange 3 fases: (a) anomia (crianças até 5 anos), em que a moral não se coloca, ou seja, as regras são seguidas, porém o indivíduo ainda não está mobilizado pelas relações bem x mal e sim pelo sentido de hábito, de dever; (b) heteronomia (crianças até 9, 10 anos de idade),em que a moral é = a autoridade, ou seja, as regras não correpondem a um acordo mútuo firmado entre os jogadores, mas sim como algo imposto pela tradição e, portanto, imutável; (c) autonomia, corresponde ao último estágio do desenvolvimento da moral, em que há a legitimação das regras e a criança pensa a moral pela reciprocidade, quer seja o respeito a regras é entendido como decorrente de acordos mútuos entre os jogadores, sendo que cada um deles consegue conceber a si próprio como possível 'legislador' em regime de cooperação entre todos os membros do grupo. Para Piaget, a própria moral pressupõe inteligência, haja vista que as relações entre moral x inteligência têm a mesma lógica atribuídas às relações inteligência x linguagem. Quer dizer, a inteligência é uma condição necessária, porém não suficiente ao desenvolvimento da moral. Nesse sentido, a moralidade implica pensar o racional, em 3 dimensões: a) regras: que são formulações verbais concretas, explícitas (como os 10 Mandamentos, por exemplo); b) princípios: que representam o espírito das regras (amai-vos uns aos outros, por exemplo); c) valores: que dão respostas aos deveres e aos sentidos da vida, permitindo entender de onde são derivados os princípios das regras a serem seguidas. Assim sendo, as relações interindividuais que são regidas por regras envolvem, por sua vez, relações de coação - que corresponde à noção de dever; e de cooperação - que pressupõe a noção de articulação de operações de dois ou mais sujeitos, envolvendo não apenas a noção de 'dever' mas a de 'querer' fazer. Vemos, portanto, que uma das peculiaridades do modelo piagetiano consiste em que o papel das relações interindividuais no processo evolutivo do homem é focalizado sob a perspectiva da ética (LA TAILLE, 1992). Isso implica entender que "o desenvolvimento cognitivo é condição necessária ao pleno exercício da cooperação, mas não condição suficiente, pois uma postura ética deverá completar o quadro." (idem p. 21). 24 CAPÍTULO 6 - AS CONSEQUÊNCIAS DO MODELO PIAGETIANO PARAA AÇÃO PEDAGÓGICA Como já foi mencionada na apresentação deste trabalho, a teoria psicogenética de Piaget não tinha como objetivo principal propor uma teoria de aprendizagem. A esse respeito, Coll (1992:172) faz a seguinte observação: "ao que se sabe, ele [Piaget] nunca participou diretamente nem coordenou uma pesquisa com objetivos pedagógicos". Não obstante esse fato, de forma contraditória aos interesses previstos, portanto, o modelo piagetiano, curiosamente, veio a se tornar uma das mais importantes diretrizes no campo da aprendizagem escolar, por exemplo, nos USA, na Europa e no Brasil, inclusive. De acordo com Coll as tentativas de aplicação da teoria genética no campo da aprendizagem são numerosas e variadas, no entanto os resultados práticos obtidos com tais aplicações não podem ser considerados tão frutíferos. Uma das razões da difícil penetração da teoria genética no âmbito da escola deve-se, principalmente, segundo o autor, ao difícil entendimento do seu conteúdo conceitual como pelos métodos de análise formalizante que utiliza e pelo estilo às vezes 'hermético' que caracteriza as publicações de Piaget. Coll ressalta, também, que a aplicação educacional da teoria genética tem como fatores complicadores, entre outros: a) as dificuldades de ordem técnica, metodológicas e teóricas no uso de provas operatórias como instrumento de diagnóstico psicopedagógico, exigindo um alto grau de 25 especialização e de prudência profissional, a fim de se evitar os riscos de sérios erros; b) a predominância no "como" ensinar coloca o objetivo do "o quê" ensinar em segundo plano, contrapondo-se, dessa forma, ao caráter fundamental de transmissão do saber acumulado culturalmente que é uma função da instituição escolar, por ser esta de caráter preeminentemente político-metodológico e não técnico como tradicionalmente se procurou incutir nas ideias da sociedade; c) a parte social da escola fica prejudicada uma vez que o raciocínio por trás da argumentação de que a criança vai atingir o estágio operatório secundariza a noção do desenvolvimento do pensamento crítico; d) a ideia básica do construtivismo postulando que a atividade de organização e planificação da aquisição de conhecimentos está a cargo do aluno acaba por não dar conta de explicar o caráter da intervenção por parte do professor; e) a ideia de que o indivíduo apropria os conteúdos em conformidade com o desenvolvimento das suas estruturas cognitivas estabelece o desafio da descoberta do "grau ótimo de desequilíbrio", ou seja, o objeto a conhecer não deve estar nem além nem aquém da capacidade do aprendiz conhecedor. Por outro lado, como contribuições contundentes da teoria psicogenética podem ser citadas, por exemplo: a) a possibilidade de estabelecer objetivos educacionais uma vez que a teoria fornece parâmetros importantes sobre o 'processo de pensamento da criança’ relacionado aos estádios do desenvolvimento; b) em oposição às visões de teorias behavioristas que consideravam o erro como interferências negativas no processo de aprendizagem, dentro da concepção cognitivista da teoria psicogenética, os erros passam a ser entendidos como estratégias usadas pelo aluno na sua tentativa de aprendizagem de novos conhecimentos (PCN, 1998); c) outra contribuição importante do enfoque psicogenético foi lançar luz à questão dos diferentes estilos individuais de aprendizagem; (PCN, 1998); entre outros. Em resumo, conforme aponta Coll (1992), as relaçõesentre teoria psicogenética x educação, apesar dos complicadores decorrentes da "dicotomia entre os aspectos estruturais e os aspectos funcionais da explicação genética" e da tendência dos projetos privilegiarem, em grande parte, um reducionismo psicologizante em detrimento ao social (aliás, motivo de caloroso debate entre acadêmicos), pode-se considerar que a teoria psicogenética trouxe contribuições importantes ao campo da aprendizagem escolar. A referência deste nosso estudo foi a teoria de Piaget cujas proposições nucleares dão conta de que a compreensão do desenvolvimento humano equivale à compreensão de como se dá o processo de constituição do pensamento lógico-formal, matemático. Tal processo, que é 26 explicado segundo o pressuposto de que existe uma conjuntura de relações interdependentes entre o sujeito conhecedor e o objeto a conhecer, envolve mecanismos complexos e intrincados que englobam aspectos que se entrelaçam e se complementam, tais como: o processo de maturação do organismo, a experiência com objetos, a vivência social e, sobretudo, a equilibração do organismo ao meio. Em face às discussões apresentadas no decorrer do trabalho, cremos ser lícito concluir que as idéias de Piaget representam um salto qualitativo na compreensão do desenvolvimento humano, na medida em que é evidenciada uma tentativa de integração entre o sujeito e o mundo que o circunda. Paradoxalmente, contudo - no que pese a rejeição de Piaget pelo antagonismo das tendências objetivista e subjetivista - o papel do meio no funcionamento do indivíduo é relegado a um plano secundário, uma vez que permanece, ainda, a predominância do indivíduo em detrimento das influências que o meio exerce na construção do seu conhecimento. O processo de aquisição da linguagem tem sido estudado por inúmeras perspectivas, tamanho interesse que desperta. Zorzi (2002) destaca que a linguagem verbal é somente uma das muitas formas de comunicação, a mais complexa. Por isso é o último modo de comunicação a desenvolver-se, e o seu pleno desenvolvimento depende da boa evolução das comunicações mais primárias. Nestes primeiros tempos da linguagem, faz-se necessário considerar a influência dos aspectos cognitivos neste processo. A comunicação, de um modo geral, é um processo evolutivo. O papel da linguagem no desenvolvimento cognitivo tem sido discutido por diferentes teóricos. As propostas cognitivistas contemplam, em geral, uma abordagem racionalista, isto é, pressupõe alguma capacidade inata. A linguagem aqui, segundo Santos (2008) é entendida como parte da cognição. Dentro das linhas cognitivistas, o interacionismo ou construtivismo entende a linguagem como uma forma de representação, porque permite ao sujeito evocar verbalmente objetos e acontecimentos ausentes. Santos (2008) referem que, desta forma, as crianças constroem a linguagem, sendo esta considerada um instrumento. Um dos fatores indispensáveis para o surgimento da representação é a constância objetal, pela qual a criança consegue representar objetos ausentes. Esta proposta valoriza o aspecto motor, uma vez que pressupõe o surgimento do simbolismo após a passagem pelos estágios do período Sensório-Motor. A linguagem nasce da interiorização dos esquemas sensório-motores produzidos pela experimentação ativa da criança. Zorzi (2002) complementa que existe uma elaboração 27 contínua de novas estruturas, que servem para interação e compreensão do meio. A linguagem será construída mediante a interação entre criança e meio, mostrando-se como um reflexo das capacidades cognitivas. Nesta proposta teórica, o surgimento da linguagem ocorre apenas no período representativo, em torno dos dois anos. Nesta idade, a criança desenvolve a função simbólica, que lhe permite representar mentalmente seus esquemas de ação. Pode-se entender então que são considerados pré-requisitos para adquirir linguagem a capacidade de permanência do objeto e, portanto, de representação. O surgimento da função simbólica permite à criança desenvolver a imitação diferida, o jogo, o desenho, as imagens mentais e finalmente, a linguagem. A aquisição da linguagem não pode ser entendida de forma isolada no desenvolvimento infantil. Segundo Zorzi (2002) ela marca uma série de mudanças na pequena criança, no que se refere ao surgimento do simbolismo e a maneira de relacionar-se com o mundo. A capacidade de simbolizar indica uma nova maneira de apropriar-se da realidade. A incontável quantidade de estudos na área sugere a participação dos processos cognitivos no desenvolvimento da linguagem. Para melhor compreender como se dá esta influência, serão realizadas considerações sobre a teoria piagetiana, os níveis de desenvolvimento cognitivo e como eles relacionam-se com a linguagem nos primeiros anos de vida. Ao final, será realizada uma reflexão crítica acerca da Epistemologia Genética e sua relação com o desenvolvimento linguístico. 1. A TEORIA PIAGETIANA De modo a relacionar o desenvolvimento linguístico e pensamento, faz-se necessário abordar o processo evolutivo que este último percorre, bem como suas especificidades. De acordo com Lewis e Wolkmar (1993), Piaget investigou estas habilidades mentais. O teórico considera que as crianças não herdam capacidades mentais prontas, apenas o modo de interação com o ambiente. Desta forma, as Dias, Fernanda Letrônica, Porto Alegre v.3, n.2, p.109, dez./2010. Segundo Montoya (2006), discute-se que na atualidade a principal discussão é entender como as novas formas de ação humana se organizam a partir de formas anteriores, bem como a maneira como participam os fatores endógenos e exógenos nesse processo. O autor 28 entende que as aquisições da primeira fase serão incorporadas num sistema maior, sendo o resultado de reconstruções geradas por novas descobertas. Os estudos de Jean Piaget foram fundamentais para a compreensão do desenvolvimento cognitivo. Filgueiras (2001) coloca que o trabalho de Piaget constituiu uma base científica para as pesquisas sobre a aquisição do conhecimento. A teoria do desenvolvimento cognitivo foi elaborada a partir da Epistemologia Genética, estudada por Piaget. A Epistemologia Genética procura investigar as origens do conhecimento desde suas formas mais elementares, de modo a compreender os diversos níveis das estruturas e processos cognitivos através do Método Clínico proposto por Piaget. Qualquer ato de pensamento exige uma série de operações que só se produzem se vão sendo preparadas por atos que são interiorizados. Isto significa que Piaget buscou compreender o pensamento enquanto uma ação internalizada. Este processo deve utilizar dois mecanismos: a assimilação e a acomodação. O indivíduo incorpora o objeto enquanto meio de conhecimento, fenômeno este chamado de assimilação. Assim, o sujeito assimila o objeto. Em um segundo momento, o sujeito transforma sua estrutura anterior para incorporar o objeto já assimilado, o que é chamado de acomodação. Uma questão importante destacada por Filgueiras (2001) é que a fim de acomodar é necessário que o sujeito antes se desequilibre estruturalmente, enquanto conjunto de esquemas (o que se generaliza em uma ação, o que permite seu reconhecimento e diferenciação de outras ações), para se equilibrar novamente. Esse equilíbrio somente se dá a partir do processo de assimilação-acomodação por meio da interação. Um aspecto a ser destacado quanto à questão anterior é a contribuição de Tafner (2008) ao afirmar que se o indivíduo apenas assimilasse os estímulos, ficaria com escassos esquemas cognitivos, demasiadamente generalizados. Caso isto ocorresse, o sujeito não seria capaz de identificar diferenças nos objetos de conhecimento. A situação oposta, se o indivíduo simplesmente se limitasse a acomodar os estímulos, terminaria com numerosos esquemas cognitivos, contudo pequenos. Talsituação levaria a tão poucas generalizações que os objetos de conhecimento seriam percebidos, em geral, como diferentes, ainda que fossem elementos da mesma classe. Desta forma, a equilibração é um mecanismo necessário à aprendizagem e, portanto, à linguagem. A partir das colocações anteriores, pode-se considerar que Macedo (1994) complementa ao referir que interagir pressupõe, da perspectiva do sujeito, poder assimilar o 29 objeto às suas estruturas, demanda que o sujeito tenha um esquema pelo qual o elemento exterior possa ser incorporado no mesmo. Não é uma interação qualquer que proporcionará o desequilíbrio e a acomodação, mas uma interação sujeito-objeto, a qual possui sentido para um aquele sujeito. Consequentemente, pode-se considerar este um processo individual. A teoria piagetiana percebe o desenvolvimento cognitivo construído a partir do biológico. Segundo Piaget (1975), a inteligência começa a se organizar por meio de uma lógica da ação calcada sobre o biológico (reflexos inatos do bebê), ou seja, para Piaget, os atos biológicos são atos de adaptação ao meio físico. Desta forma, pode-se concluir que Piaget entendia o cognitivo como uma adaptação, que organiza a função de estruturar o universo do indivíduo. Este conceito refere-se à relação entre o pensamento e os objetos, uma vez que a capacidade cognitiva irá construir mentalmente as estruturas capazes de serem aplicadas às do meio. O sujeito cognoscente constrói o real por meio da ação. Assim, ele os conceitos relacionados ao objeto, espaço, tempo e causalidade. A criança constitui sua inteligência através de sua interação com o mundo, com esquemas mentais que possibilitam apreender a realidade. Tafner (2008) refere que estes esquemas possibilitam a identificação da entrada de estímulos. Desta forma, o organismo consegue diferenciar estímulos e generalizá-los. O autor compara os esquemas a fichas de um arquivo, no qual o infante procura "encaixar" o estímulo recebido em um esquema que possua. Pode-se dizer que tais estruturas “administram” os eventos da forma como são percebidos pelo organismo, agrupando-os conforme suas características semelhantes. Não é possível pular nenhum dos níveis de construção da inteligência, embora possa ocorrer uma diferença de ritmo em cada criança. Para melhor entender a evolução de tais períodos, optou-se por aprofundá-los no capítulo a seguir. 2. OS ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO COGNITIVO Em seu estudo, Piaget identifica quatro estágios de evolução mental de uma criança. Cada nível é um período onde o pensamento e comportamento infantil é caracterizado por uma forma específica de conhecimento e raciocínio. Os quatro estágios são: sensório-motor, pré- operatório, operatório concreto e operatório formal. O presente artigo contemplará somente a 30 discussão dos dois primeiros, uma vez que apresentam marcos fundamental neste período inicial de aquisição da linguagem. De acordo com Lewis e Wolkmar (1993), a compreensão de mundo da pessoa irá variar de acordo com o período de construção da inteligência no qual se encontra, a partir dos esquemas que dispõe para definir os objetos e diferentes situações. Assim, cada período em que a criança passa apresenta um funcionamento inteligente diferente. Somente por meio da experienciação com o meio que a criança irá avançar nestes níveis cognitivos. A aprendizagem apenas poderá ocorrer se exigirmos da criança uma aquisição dentro das possibilidades de seu período de pensamento. Caso contrário, ela não irá dispor de esquemas para uma aprendizagem real e ocorrerá apenas uma repetição sem significado cognitivo para o sujeito. O desenvolvimento da inteligência é inicialmente construído a partir de ações práticas. A teoria piagetiana, segundo Dolle (2000), propõe a evolução da inteligência em estágios, cujo primeiro é chamado de Sensório Motor. Este período abrange do zero aos dois anos de idade. Dolle a considera uma inteligência prática, que ainda não possui representação. Consequentemente, o conhecimento relaciona-se com as ações que, por sua vez, são coordenadas pelas percepções. Nesta etapa, a criança soluciona seus problemas de ação a partir de esquemas e da organização do real conforme um grupo de estruturas espaço-temporais e causais (DOLLE, 2000). Estas noções serão elaboradas ao longo dos estágios, sendo essencial a experiência da criança com o meio, como antes já discutida. No decorrer do período Sensório Motor, a criança desenvolve aquisições que levarão à construção da inteligência. Ao longo dos subestágios deste período, o bebê (depois a pequena criança) constrói uma série de conceitos imprescindíveis à evolução das capacidades intelectuais. Biaggio (1976) entende que neste momento a criança desenvolve um conjunto de esquemas de ação sobre o objeto, que lhe proporcionarão um conhecimento físico da realidade. Neste período, o bebê irá desenvolver o conceito de permanência do objeto, bem como elaborar esquemas sensório-motores e capacidade de imitação, construindo representações mentais cada vez mais complexas, ao final deste período. Neste período a atividade cognitiva do sujeito é de natureza sensorial e motora, tendo como característica a ausência da função semiótica (inicialmente não representa mentalmente os objetos). A ação ocorre diretamente sobre os objetos, o que irá possibilitar a atividade cognitiva futura. O período que finaliza este momento inicial já inicia a capacidade de representação. 31 O segundo estágio do desenvolvimento intelectual é denominado pré-operatório e ocorre dos dois aos sete anos de idade. Caracteriza-se pela elaboração da relação de causalidade e das simbolizações. Biaggio (1976) destaca que a criança adquire a capacidade simbólica, reduzindo a dependência exclusiva das suas diversas sensações, bem como de suas ações motoras. Outra característica é o egocentrismo, quando o pequeno ainda não tem condições de colocar-se na perspectiva do outro. O pensamento nesta etapa é estático e rígido, onde são captados estados momentâneos, sem integrá-los num conjunto. Há uma predominância de acomodações e, pela irreversibilidade, a criança demonstra não entender os fenômenos reversíveis. O conceito de reversibilidade refere-se a quando são realizadas transformações, há a possibilidade de restaurá-las, fazendo voltar ao estágio original. A capacidade de reversibilidade será adquirida somente no final deste período. Lewis e Wolkmar (1993) colocam que o estágio pré-operacional é separado em dois momentos: o pré-conceitual, onde ainda há incapacidade de pensar de forma lógica e o intuitivo, onde se inicia a descentração. É importante destacar que no período pré-operatório acontece a passagem do plano da ação para o plano da representação, o que é caracterizado pelas primeiras condutas simbólicas. Neste estágio ocorre o aparecimento da linguagem, da brincadeira simbólica e da imitação que se dá na ausência do modelo, conforme mencionado anteriormente. Na medida em que esses esquemas evoluem para a interiorização por combinação mental, é construída uma forma de reprodução interna. A característica central deste segundo estágio é, portanto, a transformação dos esquemas de ação em esquemas mentais. Esse processo de transformação é gradual, contudo, define a passagem do nível das ações para o nível da constituição das operações mentais. O período representativo corresponde a uma etapa pré- operacional que é a base para a construção das operações lógicas elementares. Ele marca, segundo a hipótese de Piaget, o início da linguagem. 3. A AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM NA TEORIA DE PIAGET O surgimento da linguagem parece apresentar estreitas relações com os aspectos cognitivos. A teoria piagetiana sugere que o desenvolvimento linguístico depende do desenvolvimento da inteligência, sendo considerada uma forma de representação destaúltima. Para o teórico, o desenvolvimento cognitivo que irá possibilitar o nascimento do simbolismo. 32 É necessário salientar, no entanto, que o brincar simbólico não se estrutura de maneira tão imediata. Zorzi (2002) refere que sua origem está relacionada ao desenvolvimento sensório- motor. A função simbólica irá aparecer num conjunto de atividades essencialmente sensório- motoras. O autor considera estas como condutas de transição ou pré-simbólicas e correspondem ao uso convencional dos objetos, aos esquemas simbólicos e ao esboço de aplicação de ações em outros objetos. Ainda que esteja relacionada aos comportamentos que vão além do domínio sensório-motor, estão voltadas de forma significativa na atividade do infante e não chegam ainda a representar por meio de símbolos propriamente ditos, ou seja, os objetos ou acontecimentos ausentes. Neste período ainda pode-se dizer, de acordo com a concepção piagetiana, que existe uma pré-linguagem. Em uma determinada etapa do desenvolvimento infantil, observam-se alguns comportamentos que poderiam ser identificados como uma simples brincadeira. No entanto, trata-se do jogo de faz de conta, um brincar ou jogar simbólicos.O aparecimento dos primeiros enunciados verbais, relacionados ao desenvolvimento linguístico. A brincadeira simbólica e a linguagem aparecem na evolução infantil relacionada à capacidade de representar, de evocar fatos e objetos ausentes, como constatados anteriormente. O brincar simbólico, para Zorzi (2002), desenvolve-se quando outros personagens em suas ações se tornam mais variados e sistematizados. Na medida em que a criança atribui aos outros a mesma capacidade que ela possui, ocasiona uma descentralização do simbolismo em relação à ação própria. Contudo, deve-se considerar que o faz de conta desenvolve-se não só na afirmação do simbolismo, mas também em determinadas coordenações entre as ações. A rotina, antes representada de modo isolado, passa a combinar em sequências mais complexas e mais próximas das ações reais. Podem-se observar ações com certo planejamento, embora com a exploração dos objetos de maneira rápida e a capacidade de manipular simbolicamente os brinquedos, inclusive de organizar pequenas sequências de ações coordenadas, pode ficar mais tempo atenta ao que está brincando. O último nível de simbolismo, para Zorzi, seria quando este atinge o nível de representação independente. Isto significa que a brincadeira simbólica se torna verdadeiramente representativa, momento em que a criança começa a usar substitutos simbólicos que podem corresponder a objetos, gestos e palavras. A imitação diferida é outro marco da aquisição simbólica. Esta possibilidade se efetiva quando a criança consegue transformar um objeto em outro, ou mesmo quando um gesto ou palavras sustentam um fato ausente. Na consolidação da 33 formação do símbolo, o brincar simbólico desliga-se do contexto imediato e origina situações que não dependem da presença de objetos a ela relacionados. A criança não se prende no que vê fato que ratifica o papel da linguagem na evolução do brinquedo. Pode-se dizer que a linguagem e o brinquedo se desenvolvem ao mesmo tempo e influenciam-se reciprocamente. O uso de símbolos é uma nova etapa no desenvolvimento infantil, pois permite que a inteligência prática ou sensório-motora predominante até então, torne-se conceptual. Tal fenômeno pode ser considerado o início de um novo período de desenvolvimento. O Período representativo manifesta-se em geral no final do segundo ano de idade, quando a criança mostra ao adulto que abre o cenário da representação. O simbolismo, bem como todo o processo evolutivo do intelecto, apenas consolida-se na criança de maneira gradual e hierárquica, ou seja, deve ter a capacidade de generalizar suas ações a outros esquemas, bem como de reproduzir as ações que são típicas desses outros. Para que a representação se estabeleça, como tal é necessário que a criança consiga recorrer aos símbolos e/ou a linguagem para evocar situações. A capacidade de simbolizar surge então através de gestos, palavras ou objetos não presente que a criança. À medida que a capacidade representativa se insere na vida da criança, provoca mudanças em seu comportamento. A brincadeira simbólica tem, portanto, participação relevante para o desenvolvimento da linguagem. Uma questão considerada por Filgueiras (2001) sugere que a cognição do sujeito não poderia desenvolver-se em decorrência da representação simbólica, uma vez que o desenvolvimento da inteligência está vinculado às experiências sensoriais e concretas dos estágios pré-operatório e operatório concreto. Desta maneira, as experiências ocorridas nesses períodos irão definir a inteligência operativa por meio dos contatos simbólicos. Assim, o pensamento não é fortalecido de símbolos, mas sim de representações que tenham sentido para cada sujeito. O cognitivo pode ser concebido como um instrumento indispensável para se usar a linguagem de forma adequada, pois quando o sujeito se aproxima dos estágios das operações formais, consegue abastecer-se de material verbal e não mais tão concreto como nos período anteriores. É possível perceber que desde as primeiras considerações teóricas piagetianas uma relação entre os aspectos linguísticos e de linguagem. Montoya (2006) refere que os estudos iniciais do teórico já refletem diálogos entre o desenvolvimento intelectual e linguístico da 34 criança. A transição do egocentrismo infantil para o pensamento objetivo e lógico, descrita anteriormente, está vinculada à linguagem socializada. Tal linguagem refere-se ao momento em que os diversos conceitos são compartilhados pelos integrantes do grupo, a qual apresenta uma mesma estrutura lógica. A teoria desenvolvida por Piaget contribuiu de forma significativa aos estudos sobre o desenvolvimento cognitivo e sua relação com a linguagem. Contudo, é necessário considerar que seu objeto incide sobre universalidades, desconsiderando uma série de fatores que certamente exercem importante influência no desenvolvimento linguístico, como o meio social, as condições culturais e a subjetividade. Este artigo não tem a pretensão de desenvolver cada um dos aspectos anteriormente citados, porém considera-se necessário mencioná-los a fim de desenvolver algumas considerações críticas à teoria em questão. Os estudos piagetianos, para Yañez (2006), entendem que a criança é um construtor ativo do conhecimento ao passo que constrói hipóteses em relação ao seu meio. Neste processo, a cognição evolui em níveis de gradativa complexidade, de acordo com as etapas estabelecidas (e já discutidas) por Piaget. A teoria propõe-se a investigar os mecanismos que compõem a inteligência. Estes mecanismos são analisados mediante a observação de regularidades lógicas universais. De acordo com Yañez, a consideração de tais regularidades é necessária para que o sujeito desenvolva na sua relação com o mundo ao seu redor. Nesta consideração teórica, o excesso de regularidades permite generalizar o sujeito, porém apaga qualquer vestígio de sua singularidade. No desenvolvimento cognitivo, Yañez lembra que a relação entre o sujeito e o objeto está mediada por um terceiro. O contato com o objeto, portanto, nunca será direto. Desta forma, a capacidade lógica não é o bastante para desenvolver a inteligência e, consequentemente, a linguagem. É necessário também o desejo de se apropriar do objeto de conhecimento, que deve ser situado em uma rede simbólica. Ao descrever o processo de desenvolvimento cognitivo e seu reflexo na linguagem, Piaget descreve uma criança ideal. Assim, esquece-se das particularidades que permeiam o processo de cada indivíduo. Molina (2001) refere que apenas num infante assintomático poderia se observar a estruturação de inteligência descrita pela teoria piagetiana. Contudo, a autora nãodesconsidera a validade da Epistemologia Genética, apenas ressalta a necessidade de um olhar interdisciplinar às questões do desenvolvimento infantil. Desta maneira, destaca a importância de considerar a evolução intelectual sempre articulada ao processo de estruturação subjetiva da criança. 35 A criança não pode ser reduzida a um grupo de regularidades lógicas, de acordo com Jerusalinsky (2007). O autor alerta que tal concepção pode levar o adulto a apresentar problemas pré-definidos ao infante, esperando sempre a mesma resposta dele. Uma postura nesta perspectiva não abre espaço para a manifestação da singularidade na apropriação do objeto de conhecimento e da linguagem. O erro, que poderia ser fonte do despertar da curiosidade, do interesse pelo novo, será então considerado apenas um inconveniente. Jerusalinsky reconhece a importância que os estudos de Piaget tiveram no sentido de mostrar o lugar fundamental da produção da própria criança no seu desenvolvimento, entretanto chama atenção ao risco de retornar-se aos tecnicismos tão criticados da abordagem comportamentalista. CAPÍTULO 7 - ORALIDADE, ESCRITA E HIPERTEXTUALIDADE A linguagem, como uma construção social, ao mesmo tempo em que determinada pelo ambiente e pelos processos socioculturais, é um fator determinante da forma de interação, de construção da realidade, em cada cultura. Durante o desenvolvimento da humanidade, observamos o surgimento e desenvolvimento de diversas tecnologias informacionais. Este desenvolvimento, ao contrário do que poderia supor a concepção histórica da modernidade, não se trata de uma seqüência linear, com o abandono progressivo das tecnologias anteriores. O que se observa, no entanto, é http://vsites.unb.br/fac/ncint/site/parte22.htm#oralidade http://vsites.unb.br/fac/ncint/site/parte22.htm#escrita http://vsites.unb.br/fac/ncint/site/parte22.htm#hiper http://www.mcs.net/~jorn/html/net/timeline.html 36 que as tecnologias se sobrepõem, convivem no tempo e influenciam umas às outras, miscigenam-se. A primeira fase do desenvolvimento das tecnologias informacionais é considerada, segundo P. Lévy (1996), a da oralidade primária. Este tipo de agenciamento remete ao papel da palavra, antes que uma sociedade tenha adotado a escrita. Numa sociedade oral primária, quase todo o edifício cultural está fundado sobre as lembranças, muitas vezes identificadas com a memória, sobretudo, a auditiva. Na mitologia, por exemplo, Mnemosina (a memória) tinha um lugar bastante privilegiado na genealogia dos deuses. Era filha de Urano e Gaia (Céu e Terra) e mãe das nove musas. Este tipo de agenciamento gera uma relação circular e simbólica com o tempo. Um exemplo da persistência da oralidade primária na sociedade moderna está na forma como as representações e as maneiras de ser continuam a transmitir-se, independentemente, dos circuitos da escrita e meios eletrônicos. A oralidade secundária está relacionada ao estatuto da palavra verbal, como complementar à palavra escrita. Com a escrita, o "eterno retorno" da oralidade foi substituído pelas longas perspectivas da história. A escrita reproduz, no domínio da comunicação, uma mudança na relação com o tempo e o espaço, similar às transformações introduzidas na ordem da subsistência alimentar, pela revolução neolítica com a introdução da agricultura. Com a escrita, pela primeira vez os discursos podem ser separados das circunstâncias particulares em que foram produzidos e há a separação do emissor e do receptor. Ao separar as mensagens das situações, onde são usados e produzidos os discursos, tem-se o início das reflexões teóricas e das pretensões à universalização do conhecimento. Contrariamente ao sinal mnésico, o vestígio escrito é literal, não sofre as deformações provocadas pelas elaborações. Seu sistema de armazenamento se aproxima daquele da memória humana de curto prazo. Diversos estudos antropológicos demonstram que os indivíduos de culturas escritas têm tendência a pensar por categorias, enquanto os de culturas orais captam primeiro, as situações. (LÉVY, 1996: 93). O 'pensamento lógico' corresponde a um estrato cultural recente ligado ao alfabeto e ao tipo de aprendizagem (escolar) que corresponde a ele. Segundo autores como Goody, Havelock e Svenko, certo tipo de pensamento racional ou crítico só pode desenvolver-se ao se relacionar com a escrita. 37 Foi apenas a partir do desenvolvimento da escrita que a história ocidental determinou o início do que se entende por civilização. A partir de então, a atitude diante da linguagem, do conhecimento armazenado em forma escrita, foi uma das principais características que determinou as várias fases do desenvolvimento da humanidade. O domínio da linguagem escrita conferiu atributos de poder e superioridade às pessoas, às classes sociais, às nações etc. Permitiu que se construísse a ciência e a técnica, a modernidade e a pós-modernidade que conhecemos hoje. Pode-se considerar que os atributos da linguagem escrita, tais como: a linearidade, o encadeamento lógico-sequencial, autoria, os pressupostos de veracidade, entre outros, constituem pilares semânticos e lógicos que sustentam amplamente a civilização ocidental. Com o desenvolvimento das técnicas de impressão, a linguagem escrita pôde ser amplamente disseminada, influenciando várias áreas do saber e do fazer humanos. As religiões, a filosofia, a literatura, a ciência, enfim, toda a concepção de mundo ocidental está intimamente ligada à língua escrita, ao livro considerado como sua expressão essencial. Além de um apanhado físico, um "todo" feito de folhas de papel impressas e organizadas linearmente, o livro pode ser considerado um modelo mais abstrato e mais profundo de anseios, ritmos e pensamentos humanos, durante os últimos quatro séculos. Perceber o livro como um produto de uma tecnologia específica, cultural, social e historicamente determinada e determinante é um fator fundamental para a compreensão do seu papel e da técnica de transmissão de informação dentro da construção da sociedade. De fato, é fácil de observar a existência desta tecnologia, quando olhamos para o passado em busca de outras relações com os textos escritos. Na Grécia antiga, por exemplo, não havia espaço em branco entre as palavras, o que tornava a leitura um ato público, que conferia grande valor ao leitor, pela mestria que era necessário desenvolver. Sócrates, por exemplo, temia os efeitos da disseminação da escrita, por considerar que ela poderia tornar o ato da leitura algo impessoal, descaracterizando a natureza do discurso. De forma análoga, hoje, são travados grandes debates em torno da impessoalidade da informação mediada pelos computadores, que é gerada e disseminada sem uma "supervisão editorial". 38 Compreendendo a evolução da tecnologia de escrita e leitura fica claro que o movimento do livro impresso em direção à informação digital, não é aquele de "algo natural" ou "humano" em direção ao "tecnológico", ao "maquínico". Essas transições, no entanto, se processam em longos períodos de tempo. Autores como Alvin Kernan e Elizabeth Eisenstein (SCHNITMAN, 1996) sugerem que a transição dos manuscritos para a cultura impressa levou cerca de dois séculos para se processar. De acordo com Kernan, apenas no século XVIII a tecnologia de impressão possibilitou que a Europa se transformasse de uma sociedade "oral" para uma sociedade "impressa". Segundo ele, a tecnologia de impressão transformou o público leitor, antes reduzido a um pequeno grupo de leitores (ou mesmo ouvintes) dos manuscritos, estendendo os benefícios da leitura a um público cada vez mais amplo. Também proporcionou que o autor se libertasse da necessidade de um subsídio muito alto da nobreza para a publicação de seus escritos, gerando e expandindo uma forma de relacionamento com a realidade.
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