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AFFONSO CELSO FAVORETTO PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS Dignidade da pessoa humana S Intervenção mínima S Igualdade S Legalidade e anterioridade S Irretroatividade da lei penal ^ Personalidade da pena / Individualização da pena » Humanidade S Alteridade S Culpabilidade S Proporcionalidade S Ofensividade ou lesividade S Insignificância v' Adequação social Prefácio Edson Luz Knippel re?EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS SUMÁRIO IN T R O D U Ç Ã O ............................................................................................................ I 5 1. C O N C EIT O E IM PO RTÂN CIA DOS P R IN C ÍP IO S ....................... 19 2. O D IREITO PEN A L N O ESTADO D EM O CRÁ TICO DE D IREI T O ............................................................................................................................... 25 3 . BEM JU R ÍD IC O -P E N A L ................................................................................ 24 3 .1 C onceito e n oções gerais .................................................................. 2 l) 3 .2 Relação do bem ju ríd ico co m os princípios con stitu cio nais p e n a is .............................................................................................. 30 3 .3 Bem ju ríd ico-p en al e C o n stitu ição ............................................. 32 3 .4 Bem ju ríd ico -p en al d ifu so............................................................... 3 3 4 . PRIN C ÍPIO DA D IG N ID AD E DA PESSOA H U M A N A ................. 35 4 .1 N oções in tro d u tó ria s ......................................................................... 35 4 .2 Dignidade hum ana e direito p e n a l............................................. 40 4 .3 A dignidade hum ana e o sistem a carce rá rio ......................... -II 4 .4 A dignidade da pessoa hum ana na fase de investigação crim inal: o papel exercido pela m íd ia .................................... 4 ^ 4 .5 D ign id ade h u m an a e crim e s se x u a is . A Lei 1 2 .0 1 5 / 2 0 0 9 ............................................................................................................ 47 4 .6 A questão do bullying à luz da dignidade h u m a n a ............ 49 4 .7 O D ireito Penal do inim igo à luz da dignidade hum ana. Aplicabilidade no D ireito Penal b rasileiro?......................... 5 5 - 5 . PRIN C ÍPIO DA IG U A L D A D E ................................. 5 .1 N oções in tro d u tó ria s ....................................... 5 .2 C onceito e real significado da igualdade 59 "W f>0 1 2 | PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS 5 .3 Isonom ia form al e isonom ia m aterial...................................... 6 3 5 .4 A igualdade na individualização da p e n a ................................ 6 4 5 .5 A Lei M aria da Penha (Lei 1 1 .3 4 0 /2 0 0 6 ) ................................ 6 5 5 .6 A Lei de D iscrim inação Racial (Lei 7 .7 1 6 /1 9 8 9 ) ................. 6 9 5 .7 Análise crítica da redação da Lei de T ortu ra.......................... 7 0 5 .8 A p roteção penal das pessoas portad oras de deficiência física ............................................................................................................ 71 5 .9 A parte crim inal do E statu to do ín d io ....................................... 75 5 .1 0 Dos p roced im en tos investigativos da Lei do C rim e O r gan izad o.................................................................................................... 7 7 6. PRIN CÍPIO S DA LEG A LID A D E E DA A N T ER IO R ID A D E .... 8 3 6 .1 N oções in tro d u tó ria s .......................................................................... 8 3 6 .2 O princípio da legalidade ao longo da história no B ra sil .................................................................................................................. 8 4 6 .3 Significados do princípio da legalidade.................................... 8 6 6 .4 Breves con sid erações sobre a origem h istó rica .................... 8 8 6 .5 Postulados do princípio da leg alid ad e ..................................... 8 8 6 .6 O princípio da legalidade na teoria geral do c r im e ........... 9 0 6 .7 C aracterísticas do tipo penal. A questão dos tipos penais abertos e das norm as penais em b ra n co ................................ 91 7. PRIN CÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA LEI P E N A L ............ 9 5 7.1 N oções in tro d u tó ria s ......................................................................... 9 5 7 .2 A lei processual p e n a l ........................................................................ 9 7 7 .3 Lei penal benéfica em período de vacatio le g i s .................... 9 8 7 .4 A questão referente à Lei 1 1 .4 6 4 /2 0 0 7 ..................................... 1 0 0 7 .5 A Súm ula V inculante 2 6 do S T F ................................................. 103 7 .6 A questão da Lei de D ro g a s ............................................................ 1 0 4 7 .7 A retroatividade da lei benéfica e a execu ção p e n a l ......... 1 0 7 7 .8 A retroatividade da lei penal nos crim es p erm an en te e co n tin u ad o .............................................................................................. 1 0 7 8. PRIN CÍPIO DA PERSO N ALID AD E DA P E N A .............................. 109 8 .1 N oções g e ra is ...................................................................................... 109 8 .2 Os efeitos da sanção penal perante terceiros. O aspecto inform al do princípio da personalidade da p en a.............. 1 1 0 9. PRIN CÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA P E N A ...................... 113 9 .1 N oções in tro d u tó ria s ...................................................................... 113 9 .2 Visão geral das etapas da individualização da p en a ....... 1 1 4 9 .3 Individualização legislativa......................................................... 115 9 .4 Individualização ju d icial............................................................... 1 16 9 .5 Individualização e x e cu tó ria ........................................................ 123 9 .6 O princípio da coculpabilidade no con texto da aplicação da p e n a ...................................................................................................... 1 24 10. PRIN CÍPIO DA H U M A N ID A D E............................................................ 1 27 1 0 .1 N oções in tro d u tó rias ....................................................................... 1 27 1 0 .2 A spectos h is tó rico s .......................................................................... 128 1 0 .3 O p eríodo hum anitário do D ireito Penal. O papel de B eccaria na defesa de um Direito Penal hum anizado e p rop orcional........................................................................................... 130 1 0 .4 O princípio da hum anidade das penas em relação ao Regim e Disciplinar D iferenciado (R D D )............................... 133 Quadro sinótico dos princípios constitucionais penais e x p líc ito s ......................................................................................... 1 36 11. PRIN CIPIO DA IN TERV EN ÇÃ O M ÍN IM A ....................................... 13 7 1 1 .1 N oções in tro d u tó ria s ....................................................................... 137 1 1 .2 O princípio da fragm entariedade.............................................. 1 38 1 1 .3 A Lei de C ontravenções Penais à luz dos princípios da in terven ção m ínim a e da fragm entariedade........................ 139 1 1 .4 Aspectos da Política Criminal atual. A influência da mídia e do clam or públicona elaboração de leis penais............ 141 12 . PRIN C ÍPIO DA A LT E R ID A D E ................................................................. 147 12 .1 N oções in tro d u tó ria s ........................................................................ 147 SUMÁRIO | 1 3 1 4 | PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS 1 2 .2 O p rincípio da alteridade e a a u to le sã o ................................... 1 4 8 1 2 .3 A questão da Lei de D ro g a s ............................................................ 1 4 8 13. PRIN CÍPIO DA C U LPA B ILID A D E......................................................... 151 1 3 .1 N oções in tro d u tó ria s ......................................................................... 151 1 3 .2 Significados distintos da culp abilid ad e................................... 151 1 3 .3 N exo de ca u sa lid a d e .......................................................................... 1 5 3 1 3 .4 E x ce çõ e s ao princípio da cu lp ab ilid ad e................................. 1 5 3 1 3 .5 Responsabilidade penal da pessoa ju r íd ic a .......................... 1 5 4 1 3 .6 A questão da em b ria g u e z ................................................................ 1 5 7 14. PRIN CÍPIO DA PRO PO R C IO N A LID A D E.......................................... 15 9 1 4 .1 N oções in tro d u tó ria s ......................................................................... 1 59 1 4 .2 Das proibições de excesso e p roteção in su ficien te........... 161 1 4 .3 C onteúdo do princípio da proporcionalid ad e..................... 1 62 1 4 .4 Proporcionalidade e razoabilid ad e............................................ 1 6 4 1 4 .5 A p ro p o rcio n alid ad e em re lação à P arte E sp ecia l do Código P en al.......................................................................................... 1 6 6 15. PRIN CÍPIO DA LESIVID AD E O U O FEN SIV ID A D E.................... 1 6 9 1 5 .1 N oções g e ra is ......................................................................................... 1 6 9 1 5 .2 Os crim es de perigo a b stra to ......................................................... 1 7 0 16. PRIN C ÍPIO DA IN SIG N IFIC Â N C IA ..................................................... 1 7 5 17. PRIN CÍPIO DA A D EQ U A ÇÃ O S O C IA L ............................................. 181 Q uadro sinótico dos princípios con stitu cionais penais im plí c ito s ..................................................................................................................... 1 83 R EFER ÊN C IA S BIBLIO G RÁFICA S.................................................................. 185 INTRODUÇÃO O Direito Penal pode ser apontado como o ramo do ordena mento jurídico que tem o poder de impor as mais árduas sanções em face do indivíduo, uma vez que a prática da infração penal possibilita a aplicação de reprimendas que se voltam diretamente à liberdade do ser humano. Em virtude dos elevados índices de criminalidade, a inter venção do Direito Penal é diariamente defendida para combater as referidas estatísticas. Há que se ressaltar que, muitas vezes, discussões desta estirpe são desenvolvidas por pessoas despre paradas, que não apresentam ligação alguma com a área jurídica e, tampouco, com o Direito Penal. A influência da mídia e do clamor público no Direito Penal m ostra-se cada vez mais intensa, fato que propicia tratamento um tanto singelo e leviano acerca de assuntos de grande com plexidade. Devido à grande repercussão provocada pelo crime, os meios de comunicação investem cada vez mais no jornalism o especia lizado em discutir questões ligadas à criminalidade. Porém, nem sempre as discussões observam o conteúdo da Constituição e da legislação ordinária, desenvolvendo-se, portanto, em nível su perficial e, muitas vezes, equivocado diante dos dogmas previstos pelo ordenamento jurídico. Rogério Greco segue a mesma linha de pensamento, ao afir mar que “as discussões travadas são as mais bisonhas e grotescas possíveis. Todos se intitulam especialistas no assunto. A fim de acabar com as práticas criminosas, propõem soluções sempre ligadas à neocriminalização ou a neopenalização, ou seja, as pro- A lição do mencionado autor retrata que o Direito Penal tradicional pode se mostrar insuficiente para resguardar determi nados bens jurídicos, notadamente aqueles que ostentam natureza difusa e coletiva. Assim sendo, a observância inegociável aos direitos e garan tias fundamentais pode se mostrar um óbice ao combate em face de formas modernas de criminalidade. Não se trata de ignorar o catálogo de direito previstos na Constituição, mas, na realidade, de uma flexibilização a determinados direitos, para que, desta forma, seja possível reprimir comportamentos que exigem postura mais rigorosa por parte do Estado. I I , ru iN t ll'l( )M ON STITUCIONAIS PENAIS PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA S u m á r i o : 4.1 Noções introdutórias-4.2 Dignidade humana e di reito penal -4.3 A dignidade humana e o sistema carcerário-4.4 A dignidade da pessoa humana na fase de investigação criminal: o papel exercido pela mídia - 4.5 Dignidade humana e crimes sexuais. A Lei 12.01 5/2009 - 4.6 A questão do bullyinga luz da dignidade humana - 4.7 O Direito Penal do inimigo à luz da dignidade humana. Aplicabilidade no Direito Penal brasileiro? 4 4.1 Noções introdutórias A Constituição brasileira de 1988 foi elaborada após longo período em que o País ficou sob os ditames da ditadura militar, lendo representado considerável avanço no sentido de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana. De fato, a edição de um novo Texto Constitucional repre senta, na verdade, a criação de um novo Estado;que passa a ser regido por novas diretrizes. O cenário sociopolítico da época é bem exposto pelo historiador Boris Fausto. Vejamos: “A Assembleia Nacional Constituinte começou a se reunir em 1 ,° de fevereiro de Í9 8 7 . As atenções e as esperanças do País voltaram-se para a elaboração da nova Constituição. Havia um anseio de que ela não só fixasse os direitos dos cidadãos e as instituições básicas do País, como resolvesse muitos proble mas fora de seu alcance. (...) A Constituição de 1988 refletiu o avanço ocorrido no País na área da extensão dos direitos sociais e políticos aos cidadãos em geral”. O mesmo autor conclui seu raciocínio afirmando que “a Constituição de 1988 pode ser vista com o o m arco que pôs fim aos últimos vestígios form ais do regime au toritário” .l (destacamos) A Lei Maior de 1988 transparece em suas características o m om ento h istó rico em que foi elaborada, em virtude de consagrar vasto elenco de direitos e garantias fundamentais, de modo a afastar o autoritarism o que imperava no período anterior a 1988. A Constituição atual diferencia-se dos textos anteriores em sua própria estrutura, uma vez que trata dos direitos fundamentais antes mesmo de abordar o próprio Estado, lição que é trazida por Flávia Piovesan. Confira-se: “Note-se que as C onstituições anteriores primeiramente tratavam do Estado, para, somente então, disciplinarem os di reitos. Ademais, eram petrificados temas afetos ao Estado e não a direitos, destacando-se, por exemplo, a Constituição de 1967, ao consagrar como cláusula pétrea a Federação e a República. A nova topografia constitucional inaugurada pela Carta de 1988 rellete a mudança paradigmática da lente ex parte príncipe para a lente ex parte populi. Isto é, de um Direito inspirado pela ótica do Estado, radicado nos deveres dos súditos, transita-se para a um Direito inspirado pela ótica da cidadania, radicado nos direitos dos cidadãos (...). Assim, é a sob a perspectiva dos direitos que se afirma o Estado e não soba perspectiva do Estado que se afirmam os direitos’'.2 No Estado Democrático de Direito instituído pelo consti tuinte de 1988, a dignidade da pessoa humana ostenta status de princípio fundamental, de modo a constituir diretriz obrigatória a todos os operadores do Direito. 3 6 PRIN CÍPIOS CON STITUCIO N AIS PENAIS 1. F a u s t o , Boris. H istória concisa do B rasil. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2009 . p. 288-289 . 2. P io v iísa n , Flávia. D ireitos hum anos e d ireito constitucional in tern a c ion a l 10. ed. São Paulo: Saraiva, 20 0 9 . p. 33. PRIN CÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA 3 7 Nas palavras de Dalmo de Abreu Dallari, “não é uma verda- i Ir 11 a C Constituição uma lei que tenha o nome de Constituição, mas i|iic apenas imponha regras de comportamento, estabelecendo iima ordem arbitrária que não protege igualmente a dignidade de todos os indivíduos e que não favorece a sua promoção”.3 Pode ser considerado o principal fundamento da República I rclerativa do Brasil, de observância obrigatória para alcançar os próprios objetivos traçados pelo legislador constituinte. Com relação ao conteúdo do princípio da dignidade da I x ssoa humana, há que se constatar a dificuldade em estabelecer sru conceito, uma vez que, devido à sua magnitude, a tarefa de .i nletizá-lo em escassas palavras não é das mais simples. Contudo, acreditamos que o referido princípio esteja con- rcituado de forma competente nas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet, ora transcritas: “temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrín seca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz mere cedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em com unhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida”.4 Desta form a, resta-nos absolutam ente induvidoso que a dignidade da pessoa seja, de fato, um princípio superior, o qual 3 . D a l l a r i, Dalmo de Abreu. C onstitu ição e constituinte. 4 . ed. São Paulo: Saraiva, 2 0 1 0 , p. 29. 4. S a r l e t , Ingo Wolfgang. D ign id ad ed ap essoa hum ana e d ireitosfundam entais na C onstitu ição F ed eral d e 1988. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2 0 0 9 , p .67. 3 8 ' PRIN CÍPIO S CON STITUCIO N AIS PENAIS acaba por nortear todos os demais princípios ju ríd icos e, por conseqüência, todo o ordenamento jurídico positivo. Todavia, poucas vezes a doutrina fornece critérios objetivos para se verificar o desrespeito à dignidade do ser humano. Em outras palavras, este verdadeiro pilar estruturante da República Federativa do Brasil não pode constar apenas na letra fria da Constituição, sendo necessário concretizá-lo no cotidiano de cada indivíduo. O constituinte estabeleceu uma série de objetivos fundamentais a se alcançar. Todavia, passados mais de vinte anos de vigência do Texto Constitucional, muitos deles ainda carecem de efetividade, constituindo-se em meras normas programáticas ã espera de efetiva concretização. De acordo com o art. 3.° da Lei Magna, constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: Art. 3.°, I, da CF/1988 Construir uma sociedade livre, justa e so lidária. Art. 3.°, II, da CF/1988 Garantir o desenvolvimento nacional. Art. 3.°, III, da CF/1988 Erradicar a pobreza e a marginalização e re duzir as desigualdades sociais e regionais. Art. 3.°, IV, da CF/1988 Promover o bem de todos, sem precon ceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Além disso, a Constituição consagra vasta gama de direitos fundamentais, dentre os quais merecem destaque os direitos so ciais encartados no art. 6.°. Diante das referidas metas, conclui-se que a inobservância de determinados padrões mínimos dentro de uma sociedade inviabiliza a própria dignidade humana. Neste sentido, Celso Antonio Pacheco Fiorillo desenvolve posicionam ento relevante, ao apresentar a ideia de um “piso m ínim o norm ativo” ou “piso vital m ínim o”, como prefere parte da doutrina. Na importante lição do mencionado autor, “para que a pessoa liumana possa ter dignidade (CF, art. 1.°, 111), necessita que lhe m iiiiii assegurados os direitos sociais previstos no art. 6 o da Carta Miigna (educação, saúde, trabalho, lazer, segurança, previdência m u ml, proteção à m aternidade e à infância e assistência aos desam parados) como ‘piso mínimo normativo’, ou seja, com o direitos básicos".5 (destacamos) Síntese: Concretização da Dignidade HumanaI Devem ser assegurados os direitos básicos do ser humano, em especial aqueles previstos no art. 6.° da Constituição. PRIN CÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA j 3 9 Sem que sejam assegurados os direi tos básicos do ser humano, não se pode falar em dignidade da pessoa humana, que passa a ser, apenas e tão somente, uma previsão constitu cional carente de efetividade. Trata-se de posicionamento que busca a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, por meio do cum primento efetivo das disposições garantidoras instituídas pelo próprio legislador constituinte. Somente com o cumprimento das metas estabelecidas pelo constituinte é que se pode falar em respeito à dignidade do ser Educação J Saúde Trabalho Lazer Segurança etc. 5. F io rillo , Celso Antonio Pacheco. O direito de antena em fa c e do direito am bien ta l no B rasil. São Paulo: Saraiva, 2000 . p. 14. 4 0 PRIN CÍPIO S CON STITUCIO N AIS PENAIS humano. Caso contrário, o rico conteúdo do referido princípio ficará absolutamente desprovido de efetividade, o que, sem dúvida alguma, não foi o objetivo do legislador constituinte de 1988. 4.2 Dignidade humana e direito penal A despeito de se irradiar por todo o ordenamento jurídico, não há como negar que o princípio da dignidade humana exerce especial influência no contexto do Direito Penal, tendo em vista que se trata do ramo do Direito que invade de forma mais severa a liberdade do indivíduo, tendo a possibilidade de lhe aplicar as sanções mais rígidas que o arcabouço jurídico pátrio contempla. Tal incidência não permite, contudo, considerar a dignidade humana como princípio especificamente penal. Conforme ensina Guilherme de Souza Nucci, “a dignidade da pessoa hum ana é uma m eta a ser atingida pelo Estado e pela sociedade brasileira, nada tendo a ver com um prin cípio penal específico. Quem pratica um homicídio, por exemplo, m erecendo punição, ofendeu a dignidade da pessoa humana. Logo, todas as normas penais estão, em conjunto, protegendo o respeito ao ser humano e seus valores fundamentais. N ão se trata de um princípio penal, mas de um fundam ento do Estado D em ocrático de Direito”.6 (destacamos) Diante da forte influência entre o Direito Penal e a dignidade humana, Guilherme de Souza Nucci caracteriza esta como um princípio regente do Direito Penal, do qual jam ais pode prescindir o legislador ao edificar leis penais e tampouco o magistrado, ao aplicar o conteúdo da norma abstrata ao caso concreto.7 A influência da dignidade humana não se restringe ao Direito Penal, sendo certa a sua relevância no sistema criminal como um 6. Nucci, Guilherme de Souza. M anual d e d ireito penal. í>. ed. São Paulo: Ed. R T ,2010. p. 84. 7. Nucci, Guilherme de Souza. P rincípios constitucionais p en ais e processuais pen ais. São Paulo: Ed. RT, 20 1 0 . p. 39. P R IN C ÍP IO DA D IG N ID A D E DA PESSO A H UM ANA 4 1lodo. Assim, tam bém rege o processo penal e a execução penal, rsl a última em im portantes aspectos, tais com o a situação existente no sistem a carcerário. Importante: Não se pode confundir o princíp io da dignidade da pessoa humana (art. I.", III, da CF/1988) com o princíp io da hum anidade das penas (art. 5.°, XLVI1, da CF/1988). Apesar da íntima relação entre os princípios, o primeiro lem caráter geral, aplicando-se a todos os ramos do Direito, ao passo que o segundo é princíp io específico do D ireito Penal. Nos tópicos subsequentes, buscaremos abordar alguns aspec- tos nos quais se verifica a relação concreta da dignidade humana com o Direito Penal. 4.3 A dignidade humana e o sistema carcerário Quando se fala em afronta ao princípio da dignidade da pessoa hum ana, o tema relacionado ao sistem a carcerário é de abordagem obrigatória. A falta de efetividade das disposições previstas pela Constitui ção e pela legislação ordinária pode ser apontada como um sério problema a ser combatido, sendo certo que as condições apresenta das pelo cárcere no Brasil se encontram nessa triste estatística. Não raras vezes, a solução de determinado problema é buscada por meio da edição de novas leis, quando, na realidade, o simples cumpri mento das disposições vigentes já seria apto a resolver a situação. Além de princípios penais fundamentais, o art. 5.° da Consti tuição Federal de 1988 também dedicou alguns dispositivos para abordar especificam ente a questão penitenciária. A Lei Magna prevê que “a pena será cumprida em estabele cim entos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado” (art. 5.°, XLVIII, da CF/1988), garante aos presos “o respeito à integridade física e moral” (art. 5.°, XLIX, da CF/19 8 8 ), além de estabelecer que “às presidiárias serão assegu radas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação” (art. 5.°, L, da CF/1988). 5 8 PRIN CÍPIO S CON STITUCIO N AIS PENAIS e garantias fundamentais em face do acusado, conforme defende a teoria de G üntherjakobs. Como dito de in ício , há posições no sentido de apontar resquícios do Direito Penal do inimigo no direito brasileiro. Os exemplos costumeiramente citados são a Lei dos Crimes Hedion dos, o Regime Disciplinar Diferenciado, dentre outros. A nós não parece que assim seja, uma vez que não se pode confundir Direito Penal do inimigo com hipóteses nas quais o Estado atua de maneira mais severa, ainda que os contornos de sua atuação possam ser contestados. Desta forma, não há como vigorar no Brasil sistema idêntico ao previsto para o Direito Penal do inimigo, pois seria completamente incompatível com a ordem jurídica vigente. PRINCÍPIO DA IGUALDADE 5 S u m á r i o : 5.1 Noções introdutórias-5.2 Conceitoe real significado da igualdade - 5.3 Isonomia formal e isonomia material - 5.4 A igualdade na individualização da pena - 5.5 A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006)-5.6A Lei de Discrim inação Racial (Lei 7.71 6/1 989)-5.7 Análise crítica da redação da Lei deTortura-5.8 A proteção penal das pessoas portadoras de deficiência fís ica-5.9 A parte criminal do Estatuto do Indio - 5.10 Dos procedimentos investigativos da Lei do Crime Organizado. 5.1 Noções introdutórias A igualdade enlre os seres humanos encontra-se consagrada cm diversos dispositivos do Texto Constitucional de 1988. Em seu art. 5.°, caput, dispositivo inaugural do catálogo de direitos e garantias fundamentais, a Lei Maior dispõe que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à proprieda de...". (destacamos) Em seu art. 3.°, a Constituição trata dos objetivos fundamen tais da República Federativa do Brasil e, dentre estes, podemos destacar a busca pela erradicação da pobreza e a marginalização e a redução das desigualdades sociais c regionais (art. 3.°, 111, da CF/1988), além da missão de prom over o bem de todos, sem pre conceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras form as de discrim inação (art. 3.°, IV, da CF/1988). Importante De forma semelhante à dignidade humana, a igualdade não pode ser aponta da como um princípio penal, fato que não diminui sua importância no refe rido contexto, já que seu conteúdo pode ser observado em temas de grande relevância, tais como a aplicação da pena e a discussão instalada acerca da Lei de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Lei 11.340/2006). Antes de apontarmos aspectos concretos da igualdade no Direito Penal, cumpre-nos tecer alguns comentários acerca da adequada interpretação do referido princípio, uma vez que sua exegese nem sempre é feita da maneira adequada. 5.2 Conceito e real significado da igualdade A Constituição Federal de 1988 estabelece a igualdade de todos perante a lei. Questiona-se, porém, acerca da intenção do constituinte ao estabelecer referida igualdade. Teria buscado vedar, de forma absoluta, todo e qualquer tipo de distinção entre os seres humanos? Por certo que não, já que seres hum anos e situações fáticas se mostram distintos por natureza, inviabili zando a aplicação absolutamente igualitária da lei a todos os seus destinatários. Tal consideração serve de alerta para que o estudioso do Direito não desenvolva interpretação equivocada acerca da apli cabilidade do princípio da igualdade, uma vez que o mesmo não acarreta inexorável igualdade de tratamento a todos os indivíduos e a todos os fatos ocorridos no mundo fenomênico. Na realidade, conforme pontifica Celso Antônio Bandeira de Mello, “o princípio da igualdade interdita tratamento desuniforme às pessoas. Sem embargo, consoante se observou, o próprio da lei, sua fu n ção precípua, reside exata e precisam ente em dispensar tratam entos desiguais. Isto é, as nonnas nada mais fazem que discri m inar situações, à m oda que as pessoas com preendidas em umas ou em outras vêm a ser colhidas p or regimes diferentes" -1 (destacamos) 6 0 PRIN CÍPIO S CON STITU CIO N A IS PENAIS i . B a n d e i r a d e M e l l o , Celso A ntônio. C on teú d o ju r íd ic o do p r in c íp io da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2 0 0 8 . p. 12. PRIN CÍPIO DA IGUALDADE 6 1 A atenção às diferenças existentes entre os indivíduos e entre as situações de fato abarcadas pelo Direito se mostra essencial I >ara que o ditame ora abordado seja de fato observado. Posto isto, pode-se afirmar o já consagrado postulado de que a igualdade significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades, visando, assim, a atingir ,i isonomia real e não meramente formal. A busca por critérios que auxiliem o intérprete da Cons- titu ição e das leis a com preender os exatos co n torn o s do princípio da igualdade se im põe, posto que a sim ples in ter pretação gram atical do Texto C onstitucional não conduz a tal entendim ento. Não resta dúvida de que a lei deve constatar as situações que ?.e encontrem em desigualdade e buscar equilibrá-las. Todavia, são necessários alguns critérios aptos a responder as seguintes perguntas: • Quem são os iguais e quem são os desiguais? • Quais discriminações podem ser consideradas compatí veis com o princípio da igualdade? Note-se que o exegeta incorre em erro ao desenvolver inter pretação exageradamente simplista do princípio da igualdade, abstendo-se da verificação do contexto em que a situação sob análise se insere. Nas palavras de Bandeira de Mello, “supõe-se, habitualm ente, que o agravo à isonomia radica- se na escolha, pela lei, de certos fatores diferenciais existentes nas pessoas, mas que não poderiam ter sido eleitos como matriz do discrímen.Isto é, acredita-se que determinados elementos ou traços característicos das pessoas ou situações são insuscetíveis de serem colhidos pela norma como raiz de alguma diferenciação, pena de se porem às testilhas com a regra da igualdade. Assim, imagina-se que as pessoas não podem ser legalmente desequi- paradas em razão da raça, ou do sexo, ou da convicção religiosa (art. 5.°, caput, da Carta C onstitucional) ou em razão da cor dos olhos, da com pleição corporal etc. D escabe, totalm ente, buscar a í a barre ira insu perável d itada p e lo prin cíp io da igu a ldade" .2 (destacam os) Assim, a interpretação meramente relacionada com o elemen to tomado como fator de discriminação pode levar a constatações inteiramente equivocadas. A discriminação, por exemplo, pautada em critério racial não será, em toda e qualquer hipótese, violadora do princípio da igualdade. Exemplificando a situação exposta, Celso Antônio Bandeira de Mello vislumbra um “concurso público para seleção de candi datos a exercícios físicos, controlados por órgãos de pesquisa, que sirvam de base ao estudo e medição da especialidade esportiva mais adaptada às pessoas de raça negra. É óbvio que os indivíduos de raça branca não pod erão concorrer a este certam e. E nenhum agravo existirá ao princípio da isonom ia na exclusão de pessoas de outras raças que não a negra”.3 (destacamos) Destacado estudioso da igualdade, o mesmo autor ensina que o reconhecimento das diferenciações que não podem ser feitas sem quebra da igualdade se divide em três questões.4 São elas: • A primeira relaciona-se com o elemento tomado como fator de discriminação. • A segunda diz respeito à correlação lógica abstrata exis tente entre o supramencionado fator erigido como cri tério de discrímen e a disparidade estabelecida no trata mento jurídico diversificado. • A terceira exige a consonância desta correlação lógica com os interesses consagrados na Constituição Federal. 6 2 j PRIN CÍPIO S CON STITU CIO N A IS PENAIS 2. Iclem.p. 15. 3. Idem ,p. 16. 4. Idem, p. 21. ► PRINCÍPIO DA IGUALDADE ! 6 3 Segundo o mesmo autor, “tem -se que investigar, de um l.ulo, aquilo que é adotado como critério discrim inatório; de milro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, 1111 idamento lógico, para, à vista do traço desigualador acolhido, • M i ibuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se ,i correlação ou fundamento abstratamente existente é, in con- t icto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional”.5 O simples fato de uma lei escolher o critério cor, idade ou sexo como fator discriminatório não significa, por si só, que exista .i I i onta ao princípio da igualdade. Essa polêmica poderá ser obser vada quando da análise da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), í ontestada por parte da doutrina que alega afronta à igualdade constitucional. Assim sendo, não se cogita em afronta à igualdade quando exista pertinência entre o elem ento diferenciador escolhido raça, por exemplo - e o tratamento distinto que se pretende atribuir. S.3 Isonomia formal e isonomia material A falta de efetividade das disposições constitucionais e in- I raconstitucionais pode ser apontada como um dos maiores problemas a serem enfrentados na atualidade. Não raras vezes, a norma traz a previsão adequada para regulamentar a vida em sociedade, sendo fácil constatar, todavia, diferenciado cenário no campo prático. A garantia de tratamento igual a todos apenas como previsão positivada na Constituição não basta para que este postulado seja, de fato, observado. 5. Idem ,p. 21 -2 2 . PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DAANTERIORIDADE S u m á r i o : 6.1 Noções introdutórias-6.2 O princípio da legalidade ao longo da história no Brasil - 6.3 Significados do princípio da legalidade - 6.4 Breves considerações sobre a origem histórica - 6.5 Postulados do princípio da legalidade- 6.6 O princípio da legalidade na teoria geral do crime - 6.7 Características do tipo penal. A questão dos tipos penais abertos e das normas penais em branco. 6 6.1 Noções introdutórias Previstos tanto pela Constituição Federal (art. 5.°, XXXIX) quanto pelo Código Penal (art. 1.°), os princípios da legalidade e da anterioridade traduzem-se no postulado de que “não há crim e sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia co- minação legal”. Trata-se de ditame constitucional do mais alto relevo, já que atribui unicamente à lei a tarefa de criar tipos penais e, consequen temente, estabelecer a sanção penal correspondente. Seu conteúdo mostra-se “indispensável à segurançajurídica e à garantia da liberdade de todas as pessoas, impedindo que alguém seja punido por um com portamento que não era considerado delituoso à época de sua prática, bem como evitando que a pena aplicada seja arbitrária, impondo a ela prévios limites”.1 1 . D e l m a n t o , Celso e outros. C ódigo P enal com en tado. 8 . ed. São Paulo: Saraiva, 20 1 0 . p. 76. Síntese No contexto do Estado Dem ocrático de Direito, o indivíduo terá a garan tia de que somente será processado crim inalmente caso o comportamento proibido esteja delimitado pela lei penal. Além disso, referida lei deverá ser anterior ao fato, visando a evitar que o indivíduo seja surpreendido pelo Estado. 6.2 O princípio da legalidade ao longo da história no Brasil A legislação penal que por mais lempo vigorou no Brasil não era brasileira, uma vez que, com o descobrimento, o País passou a ser regido pela legislação portuguesa, merecendo destaque as Ordenações do Reino. Do contexto das Ordenações do Reino, ganha destaque o conteúdo das Ordenações Filipinas, que vigoraram no Brasil por mais de 200 anos. A parte criminal era prevista no Livro V, caracterizado pela crueldade de suas sanções e pela falta de mo deração entre crime e pena. Na lição de Aníbal Bruno, “baseadas na ideia da intimidação pelo terror, como era comum naqueles tempos, distinguiam-se as Filipinas pela dureza das punições, pela (requência com que era aplicada a pena de morte e pela maneira de executá-la, morte por enforcamento, morte pelo fogo até ser o corpo reduzido a pó, morte cruel precedida de tormentos cuja crueldade ficava ao arbítrio do ju iz; mutilações, marcas de fogo, açoites abundantemente aplicados, penas infamantes, degredos, confiscações de bens”.2 Trata-se de legislação marcada por traços muito distintos dos atualmente verificados, uma vez que não havia qualquer compro metimento com a humanização das penas, fato evidenciado pela imposição da pena de morte a inúmeras hipóteses. 8 4 j PRIN CÍPIOS CON STITU CIO N A IS PENAIS 2 . B r u n o , Aníbal. D ireito p en al - P arte geral. 3 . ed. Rio dejaneiro: Forense, 1 9 6 7 . 1 . 1 , p . 1 7 4 . PRIN CÍPIO S DA LEGALIDADE E DA AN TER10RIDADE 8 5 Dentre os princípios fundamentais ignorados ou pouco ob servados pelo Livro V das Ordenações Filipinas, há que se destacar o princípio da legalidade, conforme preleciona José Henrique Pierangeli, “Nas Ordenações não vigia o que hoje denominamos de princípio da legalidade: nullum crimen n ullapoenasinelege. Por tal razão, compreende-se que para alguns delitos fosse cominada a chamada pena crime arbitrária, exatamente aquela que ficava ao talante do julgador, que a fixava como ‘lhe bem, e direito parecer, segundo a qualidade da malícia, e a prova que dela houver (Livro V, Tit. CXVIII, parágrafo l . 0)’”.5 No ano de 1822, o Brasil tornou-se independente de Por tugal, tendo sido elaborada, no ano de 1824, a primeira Cons tituição da história brasileira. A partir do referido marco histó rico, o princípio da legalidade passou a receber maior atenção, conform e ensina N élson Hungria, ao afirmar que“no Brasil independente, o nullum crimen, nulla poen a sine lege tem sido, tradicionalm ente, um princípio constitucional e uma norma de direito penal”.4 O primeiro Código genuinamente brasileiro foi o Código Criminal do Império de 1830. O art. 1.° consagrava a legalidade, ao prever que “não haverá crime ou delicto (palavras synonimas neste Codigo) sem uma lei anterior que o qualifique”. O Código Penal Republicano de 1890 também trazia a pre visão do princípio já em seu artigo inaugural, ao prever que “nin guém será punido por fa c lo que não tenha sido anteriormente qualificado crime, e nem com penas que não estejam previamente estabelecidas”. 3 . P ie r a n g e l i , José Henrique. C ódigos Penais do Brasil. Evolução histórica. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 20 0 4 . p. 58. 4. H u n g r ia , Nélson; F r a g o s o , Heleno Cláudio. C om entários a o C ódigo Penal - P arte g era l. 6. ed. Rio dejaneiro: Forense, 1980. vol. 1, t. I,p . 47. 8 6 PRIN CÍPIO S CON STITUCIO N AIS PENAIS 6.3 Significados do princípio da legalidade O princípio ora em comento possui três significados distin tos, a saber: • significado político; • significado jurídico em sentido amplo; • significado jurídico em sentido estrito ou penal. Em seu sentido político, o princípio representa uma garantia do cidadão em face da atuação estatal. Nas palavras de Francisco de Assis Toledo, o princípio da legalidade “constitui uma real limitação ao poder estatal de interferir na esfera das liberdades individuais. Daí sua inclusão na Constituição, entre os direitos e garantias fundamentais”.5 Sob o enfoque jurídico, o princípio da legalidade, como já elen- cado anteriormente, pode se traduzir em sentido amplo ou estrito. Em sentido amplo, significa que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, conforme dispõe o art. 5.°, II, da Constituição Federal. Vale destacar que neste momento o princípio recebe inter pretações distintas no Direito Privado e no Direito Público. Sob o regime ju ríd ico de Direito Privado, ao particular é permitido fazer tudo aquilo que a lei não proíbe. Ao revés, no âmbito do Direito Público só se permite a reali zação daquilo que estiver expressamente autorizado por lei. Assim sendo, mesmo no contexto dos atos discricionários, é necessário ressaltar que a margem de liberalidade atribuída ao Poder Públi co para agir deverá ser ancorada nos limites legais, tratando-se, desta forma, de uma discricionariedade vinculada às limitações estabelecidas em lei. 5 . T o l e d o , Francisco d e Assis. P rincípios bá s ico s de d ireito p en al. 5. e d . São Paulo: Saraiva, 20 0 8 . p. 21. Já em seu sentido estrito ou penal, o princípio traduz a ideia de que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, norma prevista tanto pelo art. 1.° do Có digo Penal, quanto pelo art. 5.°, XXXIX, do Texto Constitucional de 1988. No que diz respeito ao último sentido mencionado (jurídico), a doutrina costuma estabelecer discussão no seguinte sentido: seria a legalidade uma expressão sinônima de reserva legal? Po deriam os referidos termos ser confundidos? Na verdade, conforme os ensinamentos de Fernando Capez, “o princípio da legalidade é gênero que compreende duas espécies: reserva legal e anterioridade da lei penal”. Assim, o princípio da legalidade “contém, nele embutido, dois princípios diferentes: o da reserva legal, reservando para o estrito campo da lei a existência do crime e sua correspondente pena (não há crime sem lei que o defina, nem pena sem cominação legal), e o da anterioridade, exigindo que a lei esteja em vigor no momento da prática da in fração penal (lei anterior e prévia com inação)”.6 A com petência para legislar em matéria penal é da União (art. 2 2 ,1, da CF/1988), sendo certo que a criação de tipos penais só pode ocorrer por meio de lei em sentido estrito. Vale registrar que o parágrafo único do art. 22 da Constituição dispõe que “lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre ques tões específicas das matérias relacionadas neste artigo”. Outro aspecto que outrora provocou polêmica na doutrina residia na possibilidade de Medida Provisória tratar de matéria penal. Trata-se de discussão superada, já que a Emenda Consti tucional 32/2001 foi expressa em vedar essa possibilidade (art. 62, § 1.°, b, da CF/1988). PRIN CÍPIO S DA LEGALIDADE E DA ANTERIORIDADE j 8 7 6 . C a p e z , Fernando. C urso de d ireito p en al - Parte geral. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2 0 1 0 . p. 57. 8 8 PRIN CÍPIO S CON STITUCIO N AIS PENAIS 6.4 Breves considerações sobre a origem histórica A doutrina costuma indicar a Magna Carta de 1215 como a raiz histórica do princípio da legalidade. Neste histórico docu m ento, encontra-se a regra de que “nenhum homem pode ser preso ou privado de sua propriedade a não ser pelo julgam ento de seus pares ou pela lei da terra”. Porém, conforme bem pontua Luiz Luisi, “a lição mais notá vel e clara se encontra no Dos Delitos e das Penas, o pequeno grande livro de Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria, ‘só as leis’ - diz o nobre Lombardo - ‘podem decretar as penas para os delitos’. Esta autoridade não pode residir senão no legislador, que representa toda a sociedade organizada por um contrato social”.' De fato, a obra do Marquês de Beccaria representa marco histórico para o Direito Penal, em virtude de ter sustentado a apli cação de princípios fundamentais ao sistema penal vigente à época, que, por sua vez, era caracterizado pelo rigor e pela crueldade. Conforme veremos no momento oportuno, a obra de Cesa re Bonesana ainda permanece extremamente atual no contexto jurídico-penal, em que pese ter sido elaborada no ano de 1764. 6.5 Postulados do princípio da legalidade O princípio da legalidade, tradicionalmente representado pela expressão nullum crimen, nulla poena sine lege, desdobra-se em quatro importantes postulados, que estabelecem as características obrigatórias das leis penais. Vejamos quais sejam: 1. nullum crimen, nulla poen a sine lege previa; 2. nullum crimen, nulla poena sine lege scripta; 3. nullum crimen, nulla poen a sine lege stricta; 4. nullum crimen, nulla poen a sine lege certa. 7. L u is i , Luiz. Os princíp ios constitucionais p en a is .*'2. ed. Porto Alegre: Safe, 2003 . p. 19-20. O primeiro dos postulados indicados diz respeito à necessida de de ser a lei penal prévia ao fato delituoso. Trata-se do princípio da anterioridade da lei penal, que serve para conferir efetividade ao princípio da legalidade. A necessária anterioridade da lei penal garante o importante postulado da segurança jurídica, assegurando que o indivíduo não seja surpreendido com a sua posterior incriminação por uma conduta que, quando com etida, era aceita pelo ordenamento jurídico. A segunda característica elencada sustenta que a lei penal deva ser escrita, afastando a incidência dos costumes para a fun damentação ou agravação da pena. Em que pese os costumes não terem o condão de criar nem revogar tipos penais, não há como não reconhecer sua importância no contexto da interpretação da norma penal. Assim, a verificação dos costumes pode contribuir para uma posterior modificação da ordem jurídica, servindo, assim, de importante instrumento que possui o legislador. Além de prévia e escrita, a lei penal também deve ser estrita, característica a qual afasta a admissibilidade da analogia, como regra, no âmbito do Direito Penal. Apenas em caráter excepcional, quando venha a trazer algum benefício ao acusado e, além disso, quando houver lacuna na lei, é que o referido meio supletivo de lacuna poderá ser admitido. Por fim, há a exigência de que a lei penal seja certa, isto é, clara, precisa, de maneiraque possa ser corretamente compreen dida por seus destinatários. Conforme ensina Fleleno Cláudio Fragoso, a presente ca racterística proíbe “a incriminação vaga e indeterminada, que não permite saber de forma exata qual é a conduta incriminada (...). Trata-se, como se percebe, de exigência dirigida ao legisla dor, proibindo a formulação de tipos imprecisos, de contornos incertos. Estando, no entanto, o princípio da Reserva Legal ins- PRIN CÍPIO S DA LEGALIDADE E DA ANTERIORIDADE j 8 9 PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL S u m á r io : 7.1 Noções introdutórias-7.2 A lei processual penal - 7.3 Lei penal benéfica em período de vacatio legis - 7.4 A questão referente à Lei 11.464/2007 - 7.5 A Súmula Vinculante 26 do S T F -7.6 A questão da Lei de Drogas-7.7 A retroatividade da lei benéfica e a execução penal - 7.8 A retroatividade da lei penal nos crimes permanente e continuado. 7 7.1 Noções introdutórias O estudo que ora se inicia acerca do princípio da irretroa- tividade da lei penal apresenta íntima correspondência com os postulados do princípio da legalidade, já desenvolvidos em tópico antecedente. Segundo Aníbal Bruno, “há um princípio que regula superior mente o conflito de leis sucessivas em geral. É o da não retroativi dade da lei, princípio de garantia e estabilidade da ordem jurídica, sem o qual faltaria a condição preliminar de ordem e firmeza nas relações sociais e de segurança dos direitos do indivíduo”.1 O conteúdo do princípio é previsto pelo ordenamento jurídico da seguinte maneira: • Art. 5.", XL, da CF/1988: "a lei penal não retroagirá, salvo para be neficiar o réu". 1 . B r u n o , Aníbal. Direito penal - Parte geral. 3. ed. Rio dejaneíro: Forense, 1 9 6 7 .1.1, p. 261 . • Art. 2.°, parágrafo único, do CP: "a lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado". Em regra, a lei penal não retroagirá. Todavia, deverá retroagir quando trouxer algum benefício ao réu. Em regra, adota-se o princípio do tempus regit actum, ou seja, a aplicação da lei vigente à época dos fatos. Dentre suas exceções encontra-se a aplicação da lei penal mais benéfica a fatos ocorridos antes de sua vigência. A lei penal nova terá natureza benéfica em duas hipóteses: 1. A bolitio criminis: Ocorre quando o legislador ordinário deixa de considerar uma determinada conduta como criminosa, configurando-se, desta forma, uma causa extintiva da punibilidade do agente, de acordo com o art. 107, III, do CP. Como exemplo, podemos citar a Lei 11.106/2005 que revogou, dentre outras condutas, o adultério (art. 240 do CP). Vale registrar um alerta relacionado à Lei 12.015/2009, que alterou de forma significativa a disciplina dos crimes sexuais. Dentre várias alterações realizadas no Código Penal, a referida lei revogou o art. 214, que tratava do crime de atentado violento ao pudor, tendo sido a referida conduta incorporada ao delito de estupro. Assim sendo, não há que se falar em abolitio criminis em rela ção ao atentado violento pudor. Na verdade, tal comportamento deixou, apenas, de ser punido de forma autônoma pela lei, tendo sido integrado, contudo, ao art. 213, relativo ao crime de estupro. 2. Novatio legis in mellius: Ao contrário da hipótese anterior, a conduta continua a ser considerada crim inosa. Contudo, o legislador ordinário traz algumas condições mais benéficas ao sentenciado, tais como a possibilidade de progressão de regime, a diminuição de pena etc. 9 6 j PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS I xcmplo: Lei 11.343/2006, que deixou de prever a imposição de pena privativa de liberdade para a conduta relativa ao porte de drogas para consumo próprio (art. 28). Im portante m encionar que determinadas leis costumam irr seu caráter benéfico contestado pela doutrina. É o caso, por e xemplo, da Lei 11.464/2007, que passou a permitir a concessão de progressão de regime para criminosos hediondos. Como veremos, i c ferido diploma penal provocou muita polêmica na doutrina e na jurisprudência brasileira, situação que somente se pacificou com a edição da Súmula Vinculante 26 do STE 7 .2 A lei processual penal Pelo exposto até o m om ento, pudemos definir que a lei penal poderá retroagir caso seja favorável ao réu. Neste sentido, cumpre-nos responder à seguinte indagação: a disciplina aplicada cm relação à Lei Penal também pode ser aplicada no contexto da Lei Processual Penal? A resposta ao questionamento proposto é negativa, uma vez que o Direito Processual Penal ostenta regramento diferente. De acordo com o art. 2.° do CPP, “a lei processual aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior”. Segundo Fernando Capez, “isso significa que o legislador pátrio adotou o princípio da aplicação imediata das normas processuais: o ato processual será regulado pela lei que estiver em vigor no dia em que ele for praticado ( tempus regit actum ). Quanto aos atos anteriores, não haverá retroação, pois eles permanecem válidos, já que praticados segundo a lei da época. A lei processual só alcança os atos prati cados a partir de sua vigência (dali para frente)”.2 PRIN CÍPIO DA IRRETROATIV1DADE DA LEI PENAL ' 9 7 2. C a p e z , Fernando. C urso de processo penal. 1 / .ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 88. “A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência”. A regra contida na Súmula 711 do Supremo Tribunal Federal justifica-se em razão da própria natureza prolongada tanto do crime permanente, quanto do crime continuado. O primeiro é aquele em que a consumação prolonga-se no tempo. Exemplo: seqüestro. Já o segundo ocorre quando o agen te, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro. Exemplo: indivíduo que, semanalmen te, com ete furtos, utilizando-se do mesmo modus operandi, na Zona Leste da cidade de São Paulo. Portanto, caso haja a entrada em vigor de uma lei mais gra- vosa ao agente, durante o andamento de um crime de seqüestro, o sujeito ativo deverá responder com base nesta lei nova, ainda que mais grave, em respeito ao que reza a Súmula 711 do STF A situação definida pela citada súmula pode ser ilustrada pelo seguinte exemplo: 1 0 8 j PRIN CÍPIO S CO N STITUCIO N AIS PENAIS Tício seqüestra M évio no dia 1.° de agosto de 2009, tendo a vítima sido liber tada apenas no dia 10de agosto do mesmo ano. Nesse ínterim, imaginemos que o Código Penal tenha sot'rido alteração no dia 5 de agosto, consistente no aumento da pena em abstrato para o crime de seqüestro e cárcere privado. Nesse caso, conforme orientação da Súmula 711 do STF, Tício deve res ponder pela nova redação da lei, mesmo que mais gravosa, uma vez que o seqüestro é crime permanente, ou seja, prolonga-se no tempo em razão do comportamento do próprio sujeito ativo do delito. PRINCÍPIO DA PERSONALIDADE DA PENA S u m á r i o : 8.1 Noções gerais - 8.2 Os efeitos da sanção penal perante terceiros. O aspecto informal do princípio da persona lidade da pena. 8 8.1 Noções gerais O art. 5.°, XLV, da Constituição Federal prevê que nenhuma pena passará da pessoa do condenado, salvo nos casos de repara ção dos danos e da decretação do perdimento de bens, hipóteses nas quais a obrigação poderá ser estendida aos sucessores, até o limite da herança. Para Guilherme de Souza Nucci, “trata-se de outra conquista do direito penal moderno, impedindo que terceiros inocentes e totalmente alheios ao crime possam pagar pelo que não fizeram, nem contribuírampara que fosse realizado”.' Não resta dúvida de que o conteúdo do princípio da perso nalidade seja absolutamente consagrado nos tempos atuais, não havendo dificuldade alguma em se concluir que a reprimenda penal não poderá ultrapassar a pessoa do condenado. Contudo, a situação que atualmente nos parece natural por muito tempo não foi observada, já que, em tempos remotos, verificava-se a 1. Nucci, Guilherme de Souza. M anual de d ireito penal. 6. ed. São Paulo: Ed. RT, 20 1 0 . p. 79. transferência da responsabilidade penal para terceiros que em nada haviam colaborado para a prática criminosa. Em legislações remotas, como o Código de Hamurabi, en contramos exemplos expressos neste sentido. Em seu art. 229 está previsto que “se um arquiteto constrói para alguém e não o faz solidamente e a casa que ele construiu cai e fere de morte o proprietário, esse arquiteto deverá ser morto”. No dispositivo subsequente há a seguinte previsão: “Se fere de morte o filho do proprietário, deverá ser morto o filho do arquiteto”. O caráter pessoal da reprimenda penal foi, de fato, um impor tante avanço do Direito Penal moderno, afastando, desta forma, a indesejável transferência de responsabilidade para terceiros, total mente alheios ã prática criminosa geradora da imposição da pena. Como visto, no regramento estabelecido pela Constituição da República, o caráter personalíssimo da pena somente poderá ser minimizado para duas finalidades, nas quais determinados efeitos podem atingir terceiros. Vejamos: • Dever de reparar o dano: a prática do delito gera o dever de reparar o dano, situação que atinge o terceiro até o limite da herança deixa da pelo agente do delito. • Perdimento de bens: trata-se do confisco pelo Estado dos produtos do crime. A medida diz respeito, portanto, ao patrimônio ilícito do agente, não se confundindo com a pena restritiva de direitos relativa à perda de bens e valores, que recai sobre o patrimônio lícito do agente. As hipóteses acima destacadas constituem efeitos da conde nação, previstos no art. 9 1 , 1 e II, do CP. 8.2 Os efeitos da sanção penal perante terceiros. O aspecto informal do princípio da personalidade da pena Os conceitos até aqui desenvolvidos permitem-nos concluir que a pena, no direito penal moderno, é destinada apenas e tão somente àquele indivíduo que, com sua conduta, colaborou para 1 1 0 j PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS a consumação de uma infração penal. Quanto a isto, portanto, não há controvérsias. Contudo, acreditamos que uma reflexão seja necessária neste sentido. Naturalmente que, no âmbito jurídico, a resposta penal do Estado não ultrapassa a pessoa do condenado. Contudo, não há como negar que a imposição de pena acaba, de forma indireta, acarretando prejuízos consideráveis a terceiros, principalmente aos familiares do condenando. Neste sentido, Rogério Greco ensina que o princípio da per sonalidade pode ser abordado sob um aspecto informal, distinto, portanto, da previsão expressa da Constituição de 1988. Segundo o autor, “sob o aspecto informal, o princípio perde a sua natu reza absoluta, pois sabemos que quando alguém é condenado, segregado temporariamente do convívio familiar, a pena estende o seu raio de ação àquelas pessoas que, embora não tivessem praticado o delito, sentem a força da sanção penal em razão da separação daquele que, por exemplo, mantinha a subsistência da fam ília”.2 A reflexão não tem a intenção de defender a não aplicação da pena. Na verdade, busca reforçar a ideia de que a resposta do Estado por intermédio da pena criminal somente deve ocorrer nos casos realmente necessários, demonstrando, nas palavras de Rogério Greco, “a necessidade de sua aplicação somente aos casos mais graves, realmente intoleráveis socialmente, em decorrência do seu efeito devastador”.3 Destaca-se, portanto, a relação existente entre o princípio da personalidade e o caráter subsidiário do Direito Penal, isto PRIN CÍPIO DA PERSONALIDADE DA PENA I 1 1 1 2. G r e c o , Rogério. D ireito p en al do equ ilíbrio. 4. ed. Niterói: Impetus, 2009 . p. 10 5 -1 0 6 . 3. Idem, p. 28. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA 16 O princípio da insignificância sustenta que nao deve o Direito Penal levar em consideração ínfimas lesões ao bem jurídico. Trata-se de princípio que ainda gera muita divergência no tocante à sua incidência, sendo certo que muitos Tribunais no Brasil ainda demonstram resistência à sua aplicação. Segundo Francisco de Assis Toledo, o princípio da insig nificância “permite, na maioria dos tipos, excluir os danos de pouca importância”. O referido autor prossegue seu raciocínio afirmando que “o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. N ão se deve ocupar de bagatelas V (destacamos) Ao que nos parece, para a adequada aplicação do princípio da insignificância, é necessária a verificação, em cada caso concreto, se a conduta do agente merece ou não receber uma resposta penal por parte do Estado. No mesmo sentido, posiciona-se Fernando Capez, ao sustentar que “o princípio da insignificância não é aplicado no plano abstrato (...). O furto, abstratamente, não é uma bagatela, mas a subtração de um chiclete pode ser. Em outras palavras, nem toda conduta subsumível ao art. 155 do Código Penal é alcançada por este princípio, algumas sim, outras não. É um princípio aplicável no plano concreto, portanto”.2 1. T o l e d o , Francisco de Assis. P rincípios básicos d e direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2 0 0 8 . p. 133. 2. C a p e z , Fernando. C urso de d ireito p en al - P arte geral. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2 0 1 0 . p. 30. O crime, segundo a teoria tripartida, é um fato típico, ilícito e culpável. Já para os adeptos da visão bipartida, é fato típico e ilícito, sendo a culpabilidade um pressuposto para a aplicação da pena. Independentemente do conceito adotado, não resta dúvida de que a tipicidade é elemento indispensável no conceito de crime, seja qual for a posição adotada. O fato típico, isto é, aquele previsto em lei como criminoso, é formado pela conduta, pelo resultado, pelo nexo de causalidade entre aquela e este e, por fim, pela tipicidade. Esta, por sua vez, é o encaixe perfeito entre o fato concreto e a norma abstrata. Trata-se, na verdade, do fenômeno da subsunção. Como bem ensina Cezar Roberto Bitencourt, “a tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico”.3 Isto posto, constatada a insignificância da lesão ao bem jurídico, afasta-se a tipicidade da conduta, excluindo-se, conse quentemente, o delito. A explicação acima desenvolvida diz respeito às diferentes facetas da tipicidade, que se subdivide em fo rm a l e m aterial. A primeira é representada pela simples adequação do fato concreto ao conteúdo da norma abstrata, configurando, em tese, o delito previsto pela lei penal. Contudo, no contexto do Estado Democrático de Direito, não se pode exigir apenas a tipicidade formal da conduta, sendo necessária a demonstração de que, além de forma de crime, existe conteúdo de crime, traço verificado na tipicidade material. Em outras palavras, exige-se um mínimo de lesividade do comporta mento humano, de maneira a afastar a interpretação meramente literal do dispositivo penal. 1 7 6 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS 3. B it e n c o u r t , Cezar Roberto. Tratado d e d ireito p en al - P arte geral. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006 . vol. I, p. 26. PRINCIPIO DA INSIGNIFICÂNCIA 1 7 7 O princípio da insignificância, como dito de início, não goza de pacífica aceitação na jurisprudência brasileira, fato que muito se deve em razãode não se saber, com exatidão, quais seriam os contornos desse princípio. Em outras palavras, como saber se determinada conduta é ou não insignificante? Não basta afirmar que o Direito Penal não deve se ocupar de condutas insignificantes, sendo necessário estabelecer critérios idôneos a constatar, no caso concreto, a natureza ínfima da lesão ao bem jurídico. Em virtude da falta de previsão legal expressa do princípio, os critérios aludidos devem ser buscados na jurisprudência, es pecialmente nas decisões do Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, pedimos vênia para transcrever as palavras do Ministro Celso de Mello, relator do HC 98152-M G : “O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circuns tância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam re sultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens ju ríd icos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo im portante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. O princípio da insig nificância qualifica-se como fator de descaracterização material da tipicidade penal. O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada esta na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Precedentes. Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo ma terial da tipicidade penal, a presença de certos valores, tais como 1 7 8 I PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PENAIS (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de repro- vabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecim ento de que o caráter subsidiário do sis tema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O fato insignificante, porque destituído de tipicidade penal, importa em absolvição criminal do réu. A aplicação do princípio da insig nificância, por excluir a própria tipicidade material da conduta atribuída ao agente, im porta, necessariam ente, na absolvição penal do réu (CPP, art. 386, III), eis que o fato insignificante, por ser atípico, não se reveste de relevo jurídico-penal. Precedentes” (STF, HC 98152-M G , 2 .a T., rei. Celso de Mello, 19 .05 .2009). O acórdão transcrito mostra-se bastante elucidativo, já que fornece uma série de critérios im portantes para o reconheci mento do princípio da insignificância no caso concreto. Diante dos elementos propostos, vale estabelecer um roteiro acerca do princípio em estudo: • O princípio da insignificância deve ser analisado em consonância com os princípios da intervenção mínim a e da fragm entariedade. • Deve ser analisado em cada caso concreto, não sendo possível seu reconhecim ento no campo abstrato. • Deve haver mínima ofensividade na conduta do agente. • Nenhuma periculosidade social do comportamento do agente. • Reduzido grau de reprovabilidade da conduta do agen te. • Inexpressividade da lesão jurídica provocada. • Não se deve avaliar o valor do bem jurídico apenas sob a ótica do agente, mas também sob o ponto de vista da vítima. Por vezes, algo que possa parecer insignificante para muitos representa considerável valor para a vítima. PRINCIPIO DA INSIGNIFICÂNCIA 179 A relação entre os princípios da insignificância e da inter venção mínima é flagrante e fundamental para a correta aplicação do primeiro princípio, uma vez que não se busca deixar nenhum bem jurídico desprovido de proteção, sendo necessário, apenas, avaliar em qual nível este deverá ser tutelado, se civil, adminis trativo ou penal. Desta forma, caso a conduta seja considerada penalmente insignificante, isso não significa que a vítima não deva ser reparada pelo prejuízo sofrido, ainda que de pequena monta. Nesse mo mento, a composição do dano na esfera cível mostra-se suficiente para pacificar a controvérsia, tornando-se dispensável a atuação do Direito Penal. Por fim, vale relembrar que o delito insignificante não pode ser confundido com o delito de m enor potencial ofensivo. Se gundo Capez, estes últimos “são definidos pelo artigo 61 da Lei 9.099/95 e submetem-se aosjuizados Especiais Criminais, sendo que neles a ofensa não pode ser acoimada de insignificante, pois possui gravidade ao menos perceptível socialmente, não podendo falar-se em aplicação desse princípio”.4 Assim sendo, não há razão para que sejam confundidos os conceitos acima abordados, sendo certo que o delito insignificante pode ser verificado em cada caso concreto, não havendo relação necessária destes com os delitos de menor potencial ofensivo. 4 . C a p e z , Fernando. C urso de d ireito p en al... cit., p. 30.
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