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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Ciências Sociais Faculdade de Direito Métodos e Técnicas da Pesquisa Jurídica – Prof.ª Bianca Tomaino Alan L. O. de Andrade – 2015.2 T/N 10.05.1996 Resumo do texto ‘’ O desafio de realizar pesquisa empírica no direito: uma contribuição antropológica’’, de Kant de Lima e Bárbara Baptista 1 – Uma proposta empírica: aproximar, através de pesquisas acadêmicas, os saberes jurídico e antropológico. No contexto atual, faz-se necessário no estudo da relação do Direito e suas instituições, o emprego de pesquisas empíricas de aspecto etnográfico e comparativo, devido à crise de legitimidade que o Poder Judiciário enfrenta, por conta do distanciamento entre as práticas em suas instituições e o direito idealizado sem qualquer compromisso com a realidade. Tal fato tem gerado problemas para a sociedade, que não consegue se ver amparada ou perto desse Direito, quando a ele recorre Neste sentido, é de suma importância a articulação entre Direito e Antropologia, por exemplo, pois esta, contribuiria de forma significativa na metodologia empregada na elaboração do saber jurídico. Diferente do fazer jurídico, o fazer antropológico trabalha com a relativização de verdades consagradas (esta incompatibilidade apresenta-se como um entrave ao diálogo entre os dois campos); aproximando os dois campos, a interdisciplinaridade passa a ser relevante para sanar os problemas dinâmicos da sociedade que, o Direito, atualmente, não pode solucionar, causando uma crise de legitimidade do Judiciário. Sendo assim, o presente trabalho busca destacar a necessidade de aproximação desses diferentes saberes, o do direito e da antropologia, feitas por via metodológica. Trata-se de uma tarefa árdua, devido ao rechaço à essa aproximação entre os dois campos, presente na área jurídica. A tradição na construção do conhecimento jurídico é essencialmente dogmática, sendo a antropologia, uma nova perspectiva para pensar o Direito, com uma pesquisa empírica, que tem como enfoque, a realidade de fato. O judiciário deve voltar-se para suas práticas, para uma autorreflexão, uma análise da relação entre a instituição e a sociedade que a ela recorre, mas que, frequentemente, vê-se frustrada diante de um Direito inalcançável. A antropologia é essencialmente descritiva e comparativa, métodos esses que devem ser utilizados nas pesquisas empíricas para a análise dessas práticas. Essa necessidade se faz necessária devido ao distanciamento em que a direito (teoria) e o judiciário (prática) se encontram. O diálogo entre o Direito e as Ciências sociais, que hoje já ganha contornos institucionais devido às políticas públicas empregadas em concurso e escolas de formação de magistrados, é uma tarefa a ser feita pelos pesquisadores do direito, para uma produção de conhecimento, ou seja, no campo da pesquisa, menos dogmática e com tradições incompatíveis com as referências acadêmicas da sociedade contemporânea. Repita-se: a contribuição da antropologia deve ser feita por via metodológica da empiria e da comparação, e não de outro modo. Isto é um desafio, pois os operadores do direito não estão acostumados a pensar o Direito fora dos ideais normativos apresentados na academia (o dever-ser), que acabam contribuindo para a rigidez nas práticas jurídicas, excluindo algumas práticas e rituais que contrariam tais aqueles normativos. Os operadores do direito utilizam da lógica do contraditório na ‘’ produção de conhecimento jurídico’’, excluindo a lógica da argumentação, que é voltada para consensualizações provisórias e sucessivas; sendo a empiria validada e estruturada sob consenso, esta seria inválida por esses operadores; tal método pressupõe que existam teses certas ou erradas, justas ou injustas, através de opiniões de terceiros. Na lógica do contraditório, em busca da verdade (na verdade, é a busca da legitimação de uma opinião), os pesquisadores valem-se de argumentos de autoridades de terceiros, para validar uma posição em detrimento de outra, diferente da autoridade dos argumentos, que é uma argumentação científica contemporânea, baseada na construção sucessiva de consensos temporários, sendo fundamentada em um suporte fático. É neste sentido que a prática da pesquisa empírica como método de construção do conhecimento é essencial para a reconstrução de um judiciário mais democrático e eficaz. 2 – O direito visto sob uma perspectiva empírica: um dilema para o campo. Os discursos produzidos pela dogmática são baseados essencialmente em opiniões, em vez de dados; eles sustentam a produção ‘’teórica’’ do Direito, sem encontrar nenhuma correspondência empírica. Deste modo, ler livros em manuais de direito não é adequado na construção de uma percepção adequada do campo jurídico e, muito menos, de compreender o sistema judiciário. É somente com a conjugação de diversos saberes produzidos no campo do direito (teóricos e empíricos) que se poderá tentar entende-lo melhor e, com isso, aprimorar seus mecanismos. Mostra-se importante o estudo das práticas judiciárias pelos seus operadores, que rechaçam tal ação, voltando-se para a manualização do conhecimento jurídico, e normalizando as condutas e categorias segundo conceitos idealizados e utópicos. Uma nova perspectiva sob as práticas judiciárias, com um aspecto antropológico, possibilitaria uma contribuição relevante ao conhecimento jurídico pelos operadores do direito, uma percepção mais completa e democrática, em oposição à uma construção tipicamente dogmática presente no campo do Direito. Para escapar dessa incompatibilidade entre as ideologias e valores das práticas judiciárias e o discurso dogmático, é essencial a utilização de pesquisas etnográficas, amparada por comparações e descrições dos dados presentes nas práticas supracitadas. A pesquisa empírica com métodos antropológicos no campo do direito é a análise minuciosa, detalhada, descritiva e comparativa da realidade social concreta presente nas práticas judiciárias, onde se presenciará (ou não) aquele Direito idealizado nos manuais; é verificado assim, como se dá a relação entre a sociedade e os operadores do Direito, como estes resolvem aquelas questões em que o Direito é falho ou, até mesmo, inalcançável na realidade. É uma pesquisa importante para evitar a dissociação entre o mundo jurídico e seu campo de atuação, pois o é ele também, parte integrante desse campo. O Direito sempre viu a empiria com desprestígio e menosprezava as percepções práticas que a mesma possibilitava, também vistas como conhecimento menos importante diante da dogmática tradicional. Hoje, é um erro que deve ser corrigido. Apesar disso, os próprios intelectuais do Direito não dominam aquele conhecimento que ‘’produzem’’, recorrendo frequentemente a terceiros para legitimar seu discurso, os já citados argumentos de autoridade. Ou seja, o que ocorre, não há uma produção de conhecimento propriamente dita, mas uma mera reprodução de discursos já consagrados, que vão servir na luta com discursos opostos na busca de um Direito ideal. Se se exige da própria antropologia uma autocrítica para evitar o conformismo, o mesmo ocorre com o Direito, onde uma reflexão acerca de suas práticas seria necessária para quebrar uma idealização proporcionada pela dogmática, que obscurece relações de poder, hierarquia e desigualdades, fazendo a realidade concreta ser negada. Conhecer é intervir, transformar, é tensionar, é problematizar, e isso o nosso Direito manualizado, dogmático, formalista e codificado não faz, e precisa aprender a fazer. (KANT DE LIMA; VARELLA, 2008) É justamente a constantemanualização do conhecimento jurídico que faz sua analise acrítica, irrefletida e reprodutora, impedindo uma forma diferente de pensar o Direito. A lógica do contraditório citada no inicio deste resumo não se confunde com o principio do contraditório, mas é usado como base para os operadores do direito, que o utilizam no processo judicial e na construção do saber jurídico. É tal logica fortemente presente nesse campo, que impede o uso do consenso e dissenso na construção do conhecimento, valendo-se assim, de correntes doutrinárias opostas, com interpretações diferentes de um assunto, para no fim, chegar a uma conclusão sem nenhum resquício da pesquisa empírica. Junta-se a isto, o fato do Direito brasileiro não se constituir de maneira unívoca, gerando um leque de interpretações literais sobre uma mesma norma jurídica, disputando uma maior aceitação. Assim é maior a preocupação desses doutrinadores em legitimar o seu saber do que com o conteúdo do que sustentam, restringindo o conhecimento jurídico a opiniões, baseadas na disputatio da escolástica medieval. Refutando a empiria, a relativização, a problematização, a desconstrução, a comparação e a descrição de suas práticas, o direito não construirá um espaço dinâmico crítico e reflexivo que permita efetivar mudanças necessárias para diminuir a problemática da legitimação que enfrenta hoje. 3 - Uma reflexão sobre como o Direito pode incorporar pesquisas empíricas O Direito deve-se valer de outras disciplinas para um melhor conhecimento do seu próprio campo e para uma reflexão mais crítica a respeito desse campo e de suas instituições (além de suas práticas), possibilitando uma construção de saber menos dogmática. Usando, mais especificamente, a antropologia como ferramenta crucial para a realização de pesquisas empíricas, haverá uma melhor descrição das práticas e rituais judiciárias, mostrando o que ocorre de fato na realidade concreta – o que é em oposição ao dever-ser - revelando esses fatos antes obscurecidos pela idealização dogmática e aproveitando-lhes na resolução da crise do Direito. As rotinas e práticas judiciárias não são analisadas e, quando o são, são feitas de modo idealizado, não tendo correspondência com o Direito que se realiza no cotidiano dos indivíduos que a ele recorre. É nesse sentido que, faz-se extremamente necessário a explicitação e descrição dessas práticas judiciárias, para diminuir o abismo entre o campo dogmático e empírico. As rotinas sempre devem ser repensadas e melhor analisadas, pois a naturalização de alguns aspectos presentes naquelas práticas pode engessar a atualização do Direito enquanto objeto de pesquisa. É a perspectiva antropológica que possibilitará o direito estranhar e desconstruir a si e suas práticas, a se desprender da prisão dogmática; ele deve permitir pesquisar e ser pesquisado, criticar e ser criticado, fora da lógica do contraditório. Essas transformações necessárias só serão efetivadas com a abertura do Direito a outras áreas do conhecimento, aprimorando a interdisciplinaridade e o contato com novas epistemologias cruciais ao crescimento desse campo. É o autoconhecimento do Direito pelo Direito, através da interlocução com outros campos do saber. 4 – Algumas possíveis conclusões • O que o texto se propôs é chamar a atenção para o fato de que a metodologia de pesquisa empírica, com base etnográfica, é a melhor forma de diagnosticar os problemas e obstáculos que impedem o bom funcionamento dessas instituições no país; • Enquanto pesquisas empíricas realizadas sobre as práticas e as instituições judiciarias, estas são ainda, muito tímidas e restritas a poucos espaços institucionais de produção do conhecimento cientifico; • No caso do Judiciário, a lógica do dever-ser impede que se perceba a realidade tal como ela é multiplamente passível de representações, que dependem de perspectivas empregadas na sua construção; • Estudar o Direito, suas práticas, instituições e tradições, sob uma perspectiva empírica é o que permitirá perceber, como inúmeras pesquisas apontaram, que o Direito que se pratica esta muito distante daquele que se idealiza. • Olhar para essa realidade permitirá que, sem negar ou criminalizar eventuais discrepâncias, se verifique o que será necessário para alterar esse quadro tão problemático, através de outro viés, que possibilite as transformações necessárias a serem usufruídas pelos Tribunais e pela sociedade.
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