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O Enfermeiro

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O Enfermeiro –Machado de Assis.
No caso do enfermeiro, é estranha a exigência de que seu relato só possa ser divulgado
depois de sua morte, tal condição, de início, aponta para umsegredo ou algo que não se deva saber antes de sua morte. Mas ele está desenganado, se fixar a atenção no significante “desenganado”. Embora “desenganado” signifique um estado perto da morte, quando não há mais ilusões ou mentiras sobre o estado do narrador, o radical “engano” está presente. Ele está desenganado e não precisa mais enganar. O personagem confessa sua culpa, culpa de ter assassinado o doente que estava sob seus cuidados. Procópio mesmo se incrimina dizendo a verdade desde o inicio, quando descreve se como teólogo, corrigindo-se em seguida: “fiz-me teólogo, – quero dizer, copiava os estudos de teologia de um padre de Niterói, antigo companheiro de colégio, que assim me dava, delicadamente, casa, cama e mesa.” Observando como Procópio faz
sua apresentação na narrativa não há duvidas de suas palavras, apenas nota-se seu tom
defensivo, sua pressa em denegrir o paciente, estratégia necessária para quem vai contar
um crime. Mas o relato é de um crime? Houve mesmo um crime? Voltando ao relato, logo nos deparamos com a descrição do doente, o coronel Felisberto, necessitado de cuidados, por sua idade avançada e pela moléstia que o limitava, prendendo-o em casa, às vezes no quarto ou na cama. A descrição não é neutra, como se pode esperar de uma narrativade primeira pessoa. Felisberto era de temperamento difícil, rabugento, “era homem insuportável estúrdio, exigente, ninguém o aturava”. Além de tudo, era mau, de mau caráter desde a infância, menino mimado de família rica. Por isso mesmo, por ser rico, dava-se o direito sádico de maltratar e humilhar os coitados que o serviam, quando deles mais precisava.
Relembrando a noite do acontecimento, “Acordei aos gritos do coronel, e levantei-me estremunhado. Ele que padecia delirar, continuou nos mesmos gritos, eacabou por lançar mão da moringa e arremessá-la contra mim. Não tive tempo de desviar-me; a moringa bateu-me na face esquerda, e tal foi a dor que não vi mais nada; atirei-me ao doente, pus-lhe as mãos ao pescoço, lutamos e esganei-o”. Quando voltou a consciência do que estava fazendo, recuou amedrontado e gritou por ajuda, tentou chama-lo a vida mas o aneurisma do mesmo arrebentara, assim causando a morte do Coronel Felisberto.
Entretanto, será mesmo que o enfermeiro matou o velho ou se defendeu do doente
tresloucado, vítima de demência senil? imagina-se o estado de espírito de Procópio em face dos despautérios do velho que o chamava de “burro, camelo, pedaço d’asno, idiota, moleirão”. E que acordara “estremunhado” com seus gritos naquela noite, o que fazpensar em susto e atos precipitados e involuntários. Os sentimentos do enfermeiro depois da ocorrência da morte apontam para medo de que o descobrissem e para a culpa que sentia. Entretanto, sabe-se hoje pela psicanálise que há culpa mesmo que não se concretize ato criminoso ou pecaminoso: a culpa pelo desejo destrutivo está lá na cabeça do pecador. Tempo depois do episodio do crime, continuou com a culpa pesando os seus dias, para tentar amenizar a culpa por tê-lo provocado a morte, tentou fazer uma imagem boa de Felisberto, apesar de todos o conhecerem e saberem que era uma má pessoa mesmo antes da doença.
Procópio, antes de saber da herança, torturado pela culpa, confessa: “Dobrei a espórtula do padre e distribuí esmolas à porta, tudo por intenção dofinado Não queria embair os homens; a prova é que fui só. Para completar este ponto, acrescentarei que nunca aludia ao coronel, que não dissesse: “Deus lhe fale n’alma!” E contava dele algumas anedotas alegres, rompantes engraçados...” Informado sobre a herança, de início pensou em doá-la, como “modo de resgatar o crime por um ato de virtude,” ficando com as contas saldadas. Em seguida Procópio acaba duvidando do próprio crime (crime ou luta?), dando apenas parte da herança aos pobres, à Santa Casa, e à matriz da vila, aos poucos racionaliza e justifica seu crime, acreditando mesmo que não houve crime, mas apenas um desentendimento maior, entre Felisberto e ele, que teve como corolário a morte, já anunciado pelas inúmeras doenças e ataques de que padecia o Coronel. Mas a morte de Felisberto era eminente, médicos o admiravam por ter resistido por tanto tempo.
Com a leitura do conto podemos concluir que o citado enfermeiro Procópio agiu com imprudência, devido as circunstancias que o envolviam, desorientado pela dor e o sono o levaram a crer que estava em legitima defesa contra os abusos do Coronel Felisberto, Procópio não teve a intenção de matar Felisberto, apenas se defender das suas agressões. Houve mesmo um forte esganamento ou aconteceram apenas gestosdefensivos de luta, como Procópio pensará mais tarde.
Concluindo que se trata de um homicídio culposo, dado que o próprio Procópio confessara, o resultado demorte não era previsto pelo o autor.

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