Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
FORMAÇÃO DE TRIBUTARISTA -- Planejamento Tributário -- 2012 Módulo VI 163 MÓDULO VI E PRÁTICA DO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO 4. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL1 Feitas as considerações necessárias sobre o conceito de planejamento tributário, finalidades e conteúdo, passamos a discorrer sobre o planejamento tributário internacional, que não é um instituto jurídico, mas um conjunto coordenado de comportamentos tendentes a criar relações e situações jurídicas orientadas à otimização da carga fiscal. Um procedimento a serviço da decisão privada em investimentos transnacionais. Em vista disso, uma reconstrução sistemática do conceito de planejamento tributário internacional não é algo simples, precisamente porque ele deve servir para oferecer linhas de ação para um complexo de situações jurídicas que, consideradas no âmbito do planejamento, em conjunto, assumem relevância própria, à medida que contribuem para lograr a otimização da carga tributaria final. Por isso é que um dos mais graves defeitos que pode haver, na análise e controle do planejamento tributário internacional, é querer apreciar situação por situação, relação por relação, isoladamente. Ocorre que o planejamento tributário internacional toma em conta dois ou mais ordenamentos jurídicos distintos, o que exige uma comparação das características dos conceitos e formas estabelecidos em cada um dos sistemas jurígenos, a identificação do regime jurídico aplicável a cada situação pretendida, bem como os efeitos e a carga tributária final decorrentes da atuação com ambos os ordenamentos. E quanto maiores forem as diferenças 1 DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL: Planejamento Tributário e Operações Transnacionais. Heleno Tôrres. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2001, pp. 51/62. Módulo VI 164 entre os ordenamentos, mais cresce de importância o planejamento tributário internacional. Corolário dessas atribuições, o nível do planejamento tributário internacional refletirá, em muito, o grau de aperfeiçoamento do sistema tributário para o qual venha a ser formulado. Decerto, um sistema com regras primárias na designação dos conceitos e na determinação dos controles sobre a elisão2 facilitará a elaboração do planejamento tributário internacional. Da mesma forma que a ampliação da complexidade do sistema e da sua interação com outros sistemas exige que o profissional do direito passe a ter de dominar institutos, normas conceitos e formas de outras searas, assim como um bom conhecimento das normas alienígenas e de direito internacional. São razões como essas que demonstram o quanto o planejamento deve oferecer em termos de uma descrição fidedigna da estrutura legislativa e administrativa dos países envolvidos, para que a decisão do interessado possa refletir-se o mais próximo possível da realidade dos sistemas. Por isso, qualquer definição que se busque para o planejamento tributário internacional deverá sempre destacar a pertinência do elemento de estraneidade, como a fixar a existência de operações com repercussões transnacionais, em face do envolvimento de mais de um ordenamento jurídico no âmbito de considerações do planejamento. Daí Alberto Xavier classificar as modalidades de elisão fiscal internacional em função da natureza do elemento de conexão utilizado, porque revelador do respectivo elemento de estraneidade. Desse modo, temos a elisão fiscal subjetiva, que se verifica quando os objetivos elisivos defluem do aproveitamento de regimes mais favoráveis em função da utilização abusiva dos critérios de residência, domicílio ou nacionalidade da pessoa interessada; ou objetiva, que se perfaz através de elementos de conexão objetivos, como o 2 O autor utiliza originariamente o termo elusão, o qual foi substituído em todo o texto. Módulo VI 165 local onde se situa a fonte de produções ou de pagamento, qualificação do rendimento (juros, dividendos etc.), transferência de preços etc. Dependendo do tipo de planejamento que se esteja pretendendo organizar, inúmeras variáveis devem ser consideradas, não somente quanto ao país de origem, mas principalmente quanto ao país de destino do investimento, sendo relevantes os seguintes aspectos: - seleção do país de destino do investimento e dos países intermediários. - análise da legislação dos distintos países envolvidos. - a própria estrutura do sistema tributário nacional de cada país (aplicação do princípio da territorialidade ou da universalidade, progressividade de alíquotas, tributos incidentes, tributos adicionais ou especiais sobre investimentos internacionais etc.); - eleição da forma jurídica que deverá assumir o investimento; - os critérios da residência adotados nos países envolvidos; - deveres instrumentais ou formais (obrigações acessórias); - espécie de retenções na fonte (dividendos, royalties, juros etc.); - regras sobre as transferências de ativos para o exterior, ou no exterior; - presença de medidas unilaterais para evitar a dupla tributação (isenções, créditos de impostos, deduções, tax deferral, tax sparing, tax reduction, investiment credit etc.) pelo estado de residência; - existência de convenção para evitar a dupla tributação internacional e o respectivo regime jurídico que ela contempla; - normas de controle sobre treaty shopping; - regras para o controle de transfer price; - regras para o controle de thin-capitalization; - regime jurídico-tributário aplicável às opções de constituir uma filial (ou qualquer outra forma de estabelecimento permanente); ou subsidiária (controlada ou coligada). Módulo VI 166 - Modelos para estruturação do grupo empresarial, analisando as formas societárias mais adequadas. Todavia, quando o âmbito operativo da atividade de planejamento, o momento fundamental está constituído pelas análises das diferenças entre os ordenamentos envolvidos e, em especial, das distintas qualificações que os ordenamentos utilizam , tais como "residência", "estabelecimento permanente” etc., bem como o regime jurídico adotado para as operações típicas do planejamento tributário internacional, como são as de reorganização, constituição de sociedades (base companies, holdings, joint-ventures, partnerships etc.), investimentos de não residentes, preços de transferência, capitalização de empresas, etc. Seja como for, o contraste entre as normas pertencentes a ordenamentos distintos pode depender de uma definição precisa de semelhantes institutos jurídicos (nem sempre análogos), de compatibilidade quanto à hierarquia das fontes normativas, de uma diferença na qualificação de atos e negócios, com respeito aos institutos de referência, e finalmente de uma diferente interpretação das normas que regulam institutos iguais. Na avaliação de tais elementos, as empresas, ao planejarem suas atividades transnacionais, com referência às normas do ordenamento ao qual estão submetidas, vêem-se ainda condicionadas pelo necessário respeito, nas relações entre os diferentes ordenamentos, aos princípios do direito internacional que exigem queas relações entre pessoas de direito internacional estejam reguladas com base nos princípios de reciprocidade, de boa-fé, do pacta sunt servanda, que constituem a essência da cooperação entre os estados, com o fim de proteger a obtenção das finalidades almejadas. Nesta implicação, vão sendo criados instrumentos planejados, para efeito do contraste entre as normas, que podem ser fisiológicos ou patológicos. Módulo VI 167 Fisiológicos, quando compatíveis com a disciplina dos ordenamentos envolvidos; e patológicos; quando pretendem superar os controles dos ordenamentos envolvidos para a implantação dos mecanismos de atendimento aos objetivos perseguidos (contra um ou mais ordenamentos). De um modo geral, dentre as mais importantes, temos as seguintes possibilidades organizativas no planejamento tributário internacional: - uso de países com tributação favorecida - os paraísos fiscais (tax havens); - transferências de preços entre empresas vinculadas (transfer price); - uso de acordos internacionais (treaty shopping ou rule shopping); - transparências de sede social ou administrativa para o exterior; - reorganizações societárias internacionais (fusões, cisões, incorporações) - subcapitalização de empresas (thin-capitalization); - transferências de ativos para o exterior ou no exterior. Desse modo, o planejamento tributário internacional deve ter como objetivo analisar a incidência dos ordenamentos envolvidos e os efeitos que esta interação pode provocar sobre os bens ou rendimentos. Não se deve resumir a um estudo dos ordenamentos estrangeiros, portanto, numa simples disposição do direito estrangeiro aplicável à espécie, mas buscar servir como um modelo de ação para o contribuinte, constituindo formas de economia tributária. 4.1. LIMITES DO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL A legitimidade do planejamento tributário internacional se expressa na compatibilização da tutela dos interesses dos estados com a dos interesses dos investidores, desde que estes, no uso dos instrumentos mais vantajosos oferecidos pelos ordenamentos, respeitem as normas de controle à elisão e à Módulo VI 168 fraude fiscal. Assim, supondo que o fim é a otimização da carga e qual tal fim, por si só, não pode ser considerada em oposição aos interesses dos ordenamentos envolvidos, a sua legitimidade só pode residir na composição dos interesses protegidos dos estados e dos interesses protegidos dos contribuintes. O planejador não deve ter em mente apenas o atendimento aos interesses do contribuinte, devendo tomar em consideração também os interesses dos estados, de intervirem para proteger os ordenamentos contra violações e, ao mesmo tempo, para vir respeitados alguns princípios fundamentais da tributação nas atividades transnacionais, como a não discriminação, a neutralidade tributária, a necessidade de evitar dupla tributação, fazendo-os, ademais, compatíveis com previsões normativas especiais, tendentes a incentivar investimentos estrangeiros. Ademais, para que o planejamento tributário internacional seja plenamente legítimo, ele deve ser compatível com todos os ordenamentos envolvidos. Quer dizer, mesmo sendo lícito para um dos ordenamentos, o seu objeto, talvez não o seja para os demais ordenamentos, sendo suficiente que se manifeste ilícito apenas em face de um dos ordenamentos para que o planejamento tributário internacional já não pode ser definido como legítimo. Do contrário, poderemos estar diante de um planejamento tributário elisivo3. Uma definição muito usada pelos autores de direito internacional tributário para a elisão fiscal internacional foi dada por Wisselink, para quem a elisão consiste numa “reduction or annihilation of tax liability through the movement of persons (individual or legal) or of bodies without separate legal personality or of funds (money or other assets) across tax boundaries by legal or legitimate methods”. Como se percebe, esta definição tem valor descritivo mais empírico do que propriamente científico. 3 O autor utiliza a expressão elusivo, a qual foi substituída em todo o texto. Módulo VI 169 Para definir o conceito de elisão tributária internacional, mister destacar a imprescindibilidade da presença de elementos de estraneidade, ou seja, a verificação de relacionamentos com elementos subjetivos ou materiais localizados em outros ordenamentos, bem como a constituição de fatos jurídicos, estrategicamente organizados para a utilização abusiva dos meios de redução ou eliminação da dupla tributação internacional, para efeito de reduzir ou excluir a carga tributária incidente. Alberto Xavier prefere dizer que o fenômeno da elisão tributária internacional assenta-se num duplo pressuposto: a existência de dois ou mais ordenamentos tributários, dos quais um ou mais favoráveis que o outro ou outros; e a faculdade de opção ou escolha voluntária pelo contribuinte do ordenamento tributário aplicável, pela influência voluntária na produção do fato ou fatos geradores em termos de atrair a respectiva aplicação. Discordamos dessa opinião porque a elisão tributaria internacional não necessariamente decorrerá da ordem jurídica mais favorável, podendo decorrer, por exemplo, do uso das disposições de um acordo internacional; ou, mesmo sendo a ordem jurídica mais desfavorável, mas por ser o país de residência do operador, e por conceder qualquer benefício (isenção, crédito de imposto, tax sparing etc.), aquele sujeito se organiza para um uso abusivo desses benefícios. Ademais, a escolha voluntária do contribuinte não determina qualquer anormalidade que mereça controle ou desconsideração dos negócios praticados. Os resultados distorcidos aos quais podem chegar alguns planejamentos, transformando-se em formas elisivas, por vezes, decorrem da combinação de mais um regime jurídico. É o caso de um contribuinte querer combinar um regime de direito interno com o que esteja previsto numa dada convenção internacional para evitar a incidência total sobre um dado rendimento. O desfecho pode não ser o que o ordenamento espera. É Módulo VI 170 patológico, contrário às congruentes expectativas de conduta pelo direito positivo vigente. A elisão fiscal internacional tem a sua máxima expressão eficacial justamente na hipótese de evitar a incidência de qualquer ordem tributária sobre o fato econômico de interesse (quando um estado considera que deva ser o outro estado envolvido o competente para tributar o imponível, e vice- versa). Desse modo, seja qual for a forma abusiva escolhida, o resultado será sempre o mesmo: redução do ônus fiscal, que não se verificaria caso o sistema impositivo houvesse sido aplicado sem qualquer interferência tática do contribuinte. A notável intensificação das atividades econômicas, financeiras e comerciais internacionais ocorrida nas últimas décadas tem servido como fértil terreno para o surgimento de inúmeros planos e artifícios voltados para obtenção lícita ou ilícita de vantagens e economias tributárias. Na busca desse intento, vários têm sido os estratagemas utilizados, como a transferência da situação territorial de uma operação para reduzir o impacto dos tributos. Dentre as inúmeras possibilidades elisivas, no âmbitointernacional, a título de exemplo, temos as seguintes: i) desvios de lucros, como acontece com o transfer price, usados para concentrar rendimentos em países de menor pressão fiscal; ii) extradição de lucros, de uma jurisdição de maior carga tributária para outra de menor impacto, mediante o uso de intangíveis (patentes, licenças, nomes comerciais, know-how etc.), arrendamentos financeiros, pesquisas e desenvolvimento, despesas com serviços profissionais, de gestão, financeira etc.; iii) distribuição disfarçada de lucros, através da transferência de ativos, mudanças de residência, a capitalização de reservas e redução de capital social, liquidação de sociedades filiais e sucursais etc.; iv) uso indevido de tratados internacionais; v) dedução por impostos não pagos (tax sparing), crédito por imposto subjacente (underlying Módulo VI 171 tax credit); vi) uso de terceiros países, third (stepping – stone) countries, uso de companhias de canalização (conduit-companies) etc. Todos esses atos podem ser reduzidos às possibilidades de transferência ou repartição dos rendimentos por vários territórios distintos, concentrando-os nos de regimes mais favoráveis ou para diferimento (tax deferral) do pagamento do tributo para o futuro (quando da eventual distribuição de lucros). De modo inconteste, o repertório (conjunto de normas) do ordenamento jurídico de cada nação envolvida no planejamento fiscal deve ser respeitado. Mas se internamente essa identificação é possível, quando no âmbito transnacional isso é quase impraticável, principalmente em face das ditas step by step trasactions, porquanto não possa a administração controlar todos os atos da cadeia, aqui alhures, no âmbito dos demais ordenamentos, por lhe faltar jurisdição para tanto. Todavia, devemos atentar para o fato de que a maior parte dos modos de elisão possíveis, no planejamento tributário internacional, decorre de artificiosas manobras para gozar dos benefícios concedidos pelos estados para evitar a dupla tributação. Faça-se um teste. Afastemos os mecanismos de redução ou eliminação de hipóteses de dupla tributação, medidas bilaterais (convenções internacionais para evitar a dupla tributação) e perceba-se o que resta: praticamente nenhuma chance para as formas de planejamento tributário internacional elisivo. Quer dizer, o ordenamento concede isenções, créditos de impostos, redução de base de calculo e de alíquotas, atribui a equiparação de resistência para não residentes (para que estes possam gozar de deduções e deixem de pagar imposto sobre o rendimento bruto, no regime de “não residentes”), tudo isso para evitar que os investimentos internacionais e o capital estrangeiro sofram uma dupla incidência de tributos, pelo mesmo fato jurídico tributário de produção de rendimentos. Com isso, o sistema de direito positivo concede aos Módulo VI 172 operadores cujos rendimentos enquadrem-se em tais situações e qualificações o direito subjetivo de gozo a tais benefícios. Perceba-se: este não é o regime ordinário aplicável à espécie de rendimento, mas um regime privilegiado, como forma de garantir uma eqüidade de tratamento. Assim, todas as vezes que o contribuinte dotado desse direito subjetivo a um regime mais vantajoso, procura superar a este, mediante um jogo coordenado de mutações de critérios qualificativos, confrontando-o com os regimes aplicados pelo Estado da fonte de produção do rendimento, exclusivamente para obter uma vantagem indevida, artificiosa, não se pode deixar de observar que, nesse caso, se configura um uso indevido de “direito subjetivo público” (aos benefícios para evitar a dupla tributação e, desse modo, um autêntico “abuso de direito”, que pode ser perfeitamente controlado pelo Fisco). Por isso é que os limites às atividades de planejamento tributário internacional das empresas estão constituídos pelas normas contra a elisão contida nos ordenamentos internos ou em tratados celebrados pelos estados. Segundo Kruse, numa função fundamental do sistema tributário consiste na prevenção dos comportamentos elisivos da norma tributária. Tomando em conta as experiências alcançadas nos diferentes ordenamentos jurídicos e as normas existentes neles, qualquer que seja o esquema jurídico adotado, elisão, abuso de direito, fraus legis, business purpose ou step transactions doctrine, e a terminologia utilizada para identificar o comportamento como elisivo, na essência, são similares, bem como os instrumentos técnicos, legislativos ou judiciais adotados para combater os fenômenos de elisão em suas variadas manifestações. Módulo VI 173 Resumindo, para conter a fraude tributária internacional, os países passam a aplicar o princípio da universalidade. Ocorre que esta opção gera a possibilidade de formação de concursos de pretensões tributárias pluriimpositivas (dupla tributação internacional). Para evitar todos os transtornos que este fenômeno enseja para os operadores jurídicos e para os Estados, estes adotam medidas unilaterais ou bilaterais (acordos internacionais), como isenção, créditos de imposto, redução de base de cálculo e de alíquotas, atribui a equiparação de residência para não residentes (para que estes possam gozar de deduções e deixem de pagar impostos sobre o rendimento bruto, no regime de “não residentes”), tudo isso para evitar que os investimentos internacionais e o capital estrangeiro sofram uma dupla incidência de tributos, pelo mesmo fato jurídico tributário de produção de rendimentos. Com isso, o sistema de direito positivo concede aos operadores, cujos rendimentos se enquadrem em tais situações e qualificações, o direito subjetivo de gozo a tais benefícios. Desse modo, todas as vezes que o contribuinte, dotado desse direito subjetivo a um regime mais vantajoso, busca obter uma vantagem indevida, artificiosa, mediante o uso conjugado de critérios do Estado da fonte com critérios do país de residência, não se pode deixar de observar que, nesse caso, se configura um uso indevido de “direito subjetivo público” (aos benefícios para evitar a dupla tributação) e, desse modo, um autêntico “abuso de direito”, que pode ser perfeitamente controlado pelo Fisco.
Compartilhar