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RITUAIS DE CURA PELOS INDÍGENAS POTIGUARAS DA PARAIBA KLEBER AFONSO DE CARVALHO INTRODUÇÃO Muito se fala e se escreve sobre os cuidados à saúde no Brasil e no mundo durante muito tempo. A literatura especializada sobre o tema é ampla, quase todos os dias deparamo-nos com matérias através dos meios de comunicação falada ou escrita, sobre o caos no sistema de saúde e os transtornos por ele causados. A crise econômica atual, com o alto preço dos medicamentos industrializados e o difícil acesso da população à assistência médica e farmacêutica são os prováveis fatores responsáveis pelo uso de práticas religiosas de cura, realizadas por rezadores, que através de rezas sanadoras de diversos males, utiliza-se de conhecimentos sobre as propriedades curativas dos vegetais, animais e minerais, presentes na “Natureza” e no “Mundo Desconhecido” “Encantado” cheios de rituais de cura através do saber empírico herdado de seus antepassados e que fazem parte do saber popular, neste caso a literatura especializada é escassa quase nula. “Conhecimento este baseado na transferência de informações de geração para geração, inerente à experiência acumulada, arraigados na imitação” segundo LAKATOS (1991 apud FAVILLA e HOPPE, 2011, p.469). “Tachadas de superstições, as rezas proferidas por estes rezadores (as) ou benzedores (as) integram um vasto campo da religiosidade popular criadas com resíduos e às margens das instituições religiosas tradicionais” (VILHENA, 2005, p.91). Em busca da cura, pessoas às vezes desesperadas recorrem a estes rituais como única fonte de socorro, sentem-se melhores e mais protegidas, por ter recebido cuidados especiais junto às forças desconhecidas, místicas e com a promessa de cura capaz de reordenar a harmonia perdida nas funções corporais e até mesmo no convívio social. O foco desta pesquisa procura abranger o ritual de cura, o processo de aprendizagem passado geração pós-geração, os tipos de doenças, as rezas e as curas realizadas pelas rezadeiras/rezadores e/ou benzedeiras/benzedores indígenas Potiguaras da Paraíba. São eles quem realiza as benzeduras e orações em rituais de cura, termo que abrange um grande repertório material e simbólico. Para executar a prática, geralmente são acionados conhecimentos herdados de seus antepassados, como “súplicas” e “rezas”, com o objetivo de restabelecer o equilíbrio material ou físico e espiritual das pessoas que buscam a sua ajuda, além do uso de ervas e plantas medicinais. E antes de entrar no foco da pesquisa é importante saber um pouco da origem dos índios Potiguaras da Paraíba, os indígenas que mais combateu a invasão européia no continente brasileiro na época do descobrimento e que foram massacrados quase dizimados, mas sobreviveram e procuram manter viva sua origem ainda na luta pela retomada de suas terras, em briga constante com usineiros. OBJETIVOS O principal objetivo deste artigo é conhecer os rituais de cura realizados pelos rezadores (as) /benzedores (as) de etnia indígena Potiguara da Paraíba e as formas de uso de espécies de plantas medicinais nestes rituais com base em relatos encontrados em livros, artigos, periódicos e publicações online sobre os povos indígenas em questão. METODOLOGIA O conjunto de estudos analisados foi identificado através de pesquisa bibliográfica sistemática, cuja principal fonte foi às bases de dados pesquisados no Google Acadêmico (acessados no período de 20 de outubro de 2011 a 22 de janeiro de 2012), como critérios de inclusão foram escolhidos artigos originais a partir das expressões Indígenas, Potiguara, Paraíba. Na busca bibliográfica geral nas bases de dados buscou-se apenas a temática: Índios Potiguaras da Paraíba, rezadeiras/rezadores, benzedoras/benzedores, rituais de cura e plantas medicinais. QUEM SÃO OS POTIGUARAS Potiguara palavra de origem tupinambá de vários significados como: “pescadores de camarão”, “catadores de camarão” ou “criadores de camarão”. “Conhecidos historicamente desde 1501, os Potiguara já ocupavam um território que se estendia pela costa do nordeste, entre as cidades de Fortaleza/CE até João Pessoa/PB. Na Paraíba, ocupava todo o vale do rio Mamanguape, litoral norte, desde a Baia da Traição até a atual Serra da Raiz (na época Serra da Cupaoba). De acordo com cronistas portugueses, possuíam 50 aldeias na „terra do caju azedo‟, também conhecido como Acajutibiró, hoje Baía da Traição” (BARCELLOS, 2005 pag.08). Mesmo tendo passado por um processo de extinção, quase dizimados, os Potiguaras da Paraíba resistiram, escaparam do extermínio e conseguiram sobreviver como povo indígena que hoje ocupa o litoral norte do estado. São poucas aldeias que mais parecem vilas diante a influencia do homem branco e a modernidade, casa de alvenaria com água e luz em algumas aldeias saneamento básico No estudo de Barcellos (2005) pude observar que os Potiguaras resistiram à invasão dos europeus por mais de 500 anos em seus territórios. Vários estudos mostram como foi violenta essa presença forçada do europeu, somada posteriormente com a chegada dos escravos vindos da África e de outros povos dos demais continentes. O litoral brasileiro foi palco de diversas e sucessivas batalhas travadas pelos brancos com os habitantes que aqui viviam, para apropriarem-se de suas terras. É um dos poucos exemplos de povos indígenas que se fixaram na “mãe terra” e conseguiram que sua etnia e suas tradições culturais e religiosas fossem relativamente preservadas, mesmo com toda imponência do invasor. Ainda hoje é um desafio para os Potiguaras permanecerem na terra devido à cobiça dos latifundiários e usineiros. Quanto à religião Potiguara, quase todos são católicos: “Como grande parte dos brasileiros professam uma religião sem obediência ao culto católico; é muito mais social, faz parte dos costumes locais, apesar de existir algumas denominações evangélicas nas aldeias”, (BARCELLOS, 2005). Essa religião sem obediência ao culto traz certa impressão de liberdade vou quando posso ou quando quero, devemos repensar o conceito desse povo, de sua cultura e sabedoria acerca do conhecimento do fenômeno religioso, integrar-se a sociedade sem perder sua identidade, suas raízes. As origens históricas de suas tradições religiosas perdem-se nos tempos da história da humanidade. Seus mitos transmitidos oralmente geração a geração são revividos por meios dos ritos , sofrem influencia do catolicismo e das congregações evangélicas, o toré é um exemplo de resgate da cultura, mas não é aceito completamente por influencia religiosa. “A língua atual que todos falam é o idioma português. Um grupo de professores terminou o curso de Tupi antigo em 2002. Nem todos que moram na reserva indígena são indígenas, mas, outros genuinamente indígenas moram na cidade, ou em outros locais distantes de suas aldeias de origem” (BARCELLOS e PAIVA, 2002). A ideia do resgate da língua vem dando certo, hoje o Tupi é obrigatório em todas as escolas do ensino fundamental nas aldeias, fato importante que resgata através da linguagem a cultura de seu povo. SABEDORIAS EMPÍRICAS E PLANTAS MEDICINAIS Evidência da sabedoria empírica é percebida no conhecimento das plantas medicinais pelos índios: “Nesse processo, os povos indígenas reconstituem suas identidades num processo que não apenas recupera sua história e sua memória, suas identidades coletivas e suas práticas tradicionais, mas também recoloca para eles, a necessidade de reconfigurar o ser diante da globalização econômica” (LEFF, 2002 apud FAVILLA e HOPPE, 2011, p.469).As pesquisas iniciam-se a partir do conhecimento popular em sua grande parte dos costumes e tradições indígenas, dando o pontapé inicial para as descobertas de novas formas de tratamentos e cura de doenças, usando a sabedoria milenar indígena com a tecnologia do homem moderno, mas com os desmatamentos e invasões de terras as comunidades migram para os grandes centros deixando para traz a tradição no uso das plantas medicinais. “A relação entre o conhecimento popular e o científico pode ser enquadrada dentro da visão dialética que prevê a transformação e a educação das idéias. O conhecimento popular, por um lado, associado com plantas curadoras e religiosas, leva a questionamentos na tentativa de dar-se uma compreensão racional ao método terapêutico. Por outro lado, o conhecimento científico procura ser racional entre o uso das plantas medicinais e a cura das doenças. O resumo entre esses dois pontos de vista é alcançado quando os pesquisadores, em busca de novas fontes de substâncias biologicamente ativas, vão até a população fazer levantamentos etnobotânicos para realizarem pesquisas laboratoriais” texto descrito por CASTRO et all (2001 apud FAVILA E HOPPE, 2011, p.469). Enquanto os cientistas procuram ser racionais através das pesquisas, testes e mais testes em cobaias (ratos de laboratórios), a sabedoria popular funciona pelo conhecimento herdado geração pós geração, de forma verbal eternizado através deste saber empírico. O inicio das pesquisas e das descobertas cientificas na sua maioria das vezes se dão a partir do conhecimento popular, do lambedor expectorante contra tosse, gripe e resfriado faz-se surgir o famoso xarope exposto em farmácias e drogarias em todo o mundo. MITOS, RITOS E MEMÓRIA. “A dimensão religiosa é parte constitutiva no cotidiano da vida Potiguara e, sem ela, o indígena não vive. A espiritualidade indígena, cálice inesgotável de sabedoria, é conservada e perpetuada por meio dos mitos, dos ritos e da memória” (BARCELLOS, 2005, p.25). Os Potiguaras tem uma rica dimensão religiosa, percebidos em vários espaços e nas situações e partilha, seja na igreja ou qualquer outro lugar. [...] Os mitos são fundamentais porque contribuem para dar o significado da vida, da práxis cotidiana dos povos, delimitam territórios, trazem memórias das gerações antigas, dos conflitos, das guerras, das desgraças e de tudo o que nos aconteceu diferentes períodos históricos. Em suma, solidificam, perpetuam a identidade étnica, pois, através do mito, o povo primeiramente se vê a si mesmo, relaciona-se com o outro, com a cultura, com a natureza, com a dimensão sagrada e consegue descobrir o equilíbrio e a plenitude da vida (BARCELLOS, 2005, p.28). Os mitos fazem parte da história do índio, mito e história complementam as formas das sociedades indígenas lerem a realidade, tendo a história (mito) como referência para vida. [...] Quando uma história (mito) está em sua mente, você percebe sua relevância para com aquilo que esteja acontecendo em sua vida. Isso dá perspectiva ao que está acontecendo. Com a perda disso, perdemos efetivamente algo, porque não possuímos nada semelhante para pôr no lugar. (CAMPBELL, 1990, p. 14-15) Os rituais se aproximam dos mitos atualizando seus significados e conteúdos. [...] Os ritos têm uma proximidade com os mitos porque fazem parte do legado cultural de um povo e atualizam os significados e conteúdos dos mitos. Durante as cerimônias rituais, os participantes têm a consciência de reproduzir, nos mínimos detalhes, os atos exemplares dos Ancestrais e dos heróis, assim como estes os executaram em “illo tempore” (ELIADE, 1973, p. 78). Através dos ritos, exterioriza-se e se manifesta publicamente a espiritualidade, se expressa a fé na divindade. Nas crenças, nos ritos, nos mitos, na celebração da presença de Deus, está presente a espiritualidade Potiguara (BARCELLOS, 2005, p. 29). O ritual tem conotação do passado e do presente, ou seja, é tanto a expressão de atos construídos no passado como uma edificação do presente. (BARCELLOS, 2005, p. 30). O ritual procura mostrar que o que foi ensinado permanece vivo e na memória perpetua-se geração pós-geração e permanecerá vivo amanhã. [...] Todo ritual tem um modelo divino, um arquétipo. Dizem os adágios hindus: devemos fazer o que os deuses fizeram no princípio; assim fizeram os deuses, assim também fazem os homens [...] os poderes diante do ritual e da palavra, que os sacerdotes possuíam, deviam-se ao fato de estes imitarem o gesto primordial [...] os atos da criação. (ELIADE, 1974, p. 44). Para Vilhena (2005), essas práticas rituais de certa forma são herdadas, elas são ensinadas de pais para filhos, são ensinadas no contexto familiar ou em relações primarias, quando as mães passam para suas filhas mais velhas e os pais para seus primogênitos, mestres sem escolas para seus discípulos que ensinam passo a passo tudo que aprenderam. Segundo Vilhena (2005), esses rituais não são de domínio público, mas, referem-se a uma dimensão na vida social, posto que eles sejam conhecidos pela comunidade e aglutinam a sua volta pessoas que necessitam de seus serviços e acreditam em seus poderes. Apesar de não ser de domínio publico a população de um modo geral tem conhecimento desses rituais e de seu poder de cura e vão a busca de alguém que possa realiza-lo e acabam por assim indicar para outras pessoas que vão em busca da cura. De acordo com Barcellos (2005), o rito é a categoria que estará mais presente nas práticas educativo-religiosas dos Potiguaras uma vez que aparece em praticamente todos os rituais indígenas cristãos e não cristãos, neste caso, também presente no ritual de cura. Além dos mitos e dos ritos existe a Memória que para ele, [...] a memória é freqüentemente utilizada pelos índios para passar de geração a geração seus ensinamentos. Através do ato de rememorar e de relembrar, as pessoas tornam-se infinitamente ricas em suas manifestações. Isso porque a memória reacende as utopias e os sonhos de um tempo vivido no passado; relembra valores, costumes, hábitos e práticas do cotidiano; revigora toda a vida afetiva e emocional; revivem situações de lazer, trabalho, lutas, vitórias. [...] Os grupos estão sempre se transformando porque novos indivíduos vão aderindo, outros se afastando ou se isolando e, mesmo na família, esse movimento é constante por causa do nascimento de novos membros, dos casamentos que vão surgindo e das separações que vão ocorrendo. Não se tem a precisão de quando uma memória coletiva desaparece, uma vez que, ficando alguém do grupo social, ela sempre estará sendo reatualizada. Concordo com Barcelos (2005) quando ele afirma que a memória, além dos mitos e dos ritos, é essencial para manter viva a tradição indígena Potiguara e que passar os ensinamentos de geração em geração é a melhor forma de o conhecimento popular seja mantido. MEDICINA INDÍGENA, RITUAIS DE CURA A medicina indígena, a religião e a cosmologia do grupo constituem o cerne da “ciência do índio.”. [...] a primeira forma de transmissão da “ciência do índio”, os saberes sagrados e médicos ancestrais, dá-se através da manifestação dos “encantados” nos rituais - pajelança e toré, em sonhos, estados extáticos, etc., vivenciados pelos especialistas. A segunda forma de transmissão é realizada através da socialização dos conhecimentos da “ciência do índio” [...] A troca de ensinamentos, tanto realizada pelos “encantados” quanto pelos especialistas mais experientes, representa a nutrição do sistema médico Xukuru [...]SOUZA (2004 apud BARCELLOS,2005, p.213). È importante saber o que será analisado através dos artigos é as práticas educativo-religiosas utilizadas pelos rezadores e rezadoras Potiguaras para a cura dos mal estares e das doenças causadas por fatores físicos, psíquicos, subjetivos, bem como espirituais. Os indígenas são povos de uma fundamentação mística milenar, acreditam no contato com os espíritos da natureza, dos encantados e de seus ancestrais. Cada história (mito) indígena conta sobre a criação do universo, dos astros, da Terra, deixa um ensinamento para a vida ou como nasceu um determinado alimento, uma ligação com os elementos da natureza. “As rezadeiras Potiguara realizam, de forma muito discreta, mas de fundamental importância para a etnia, curas de muitas doenças, mal-estares e diversos incômodos como: dor de cabeça, dor de dente, dor no estômago, dor no braço, erisipela (vermelhão), febre, diarréia, “espinhela caída”, “ventre caído”, “mau olhado”, íngua, “terçol”, “cobreiro” (herpes zoster), quebranto, males provocadas por catimbozeiros, picadas de bicho, entre outras” (BARCELLOS, 2005, p.214). [...] espíritos; agressão de catimbozeiro; sentimentos como inveja, raiva e ódio; conduta moral desviante; não cumprimento da vítima de sua “missão” estabelecida pela “Natureza”; desobediência a restrições alimentares; picadas de cobras e de outros insetos; esforços físicos; condições naturais como frio, calor, ventos, sereno, etc. [...] SOUZA (2004, apud BARCELLOS, 2005, p. 214). As rezadeiras Potiguaras são consideradas como um misto de médica e terapeuta espiritual pelas comunidades nas quais atuam. Não cobram por seus serviços, as rezadeiras atuam na proteção e cura de males de origem física ou espiritual. É importante perceber que um doente que procura uma rezadeira não o faz apenas por fatores sociais e econômicos, mas por aquela prática possuir respaldo cultural para tanto. “Essas nosologias são curadas através de rezas e com a utilização de remédios caseiros feitos com ervas do mato e/ou dos quintais, bem como, em rituais religiosos realizadas somente pelos rezadores na aldeia sem a presença do biomédico. Tanto nos Potiguara como no Xukuru.” (BARCELLOS, 2005, p.214). [...] as noções de corpo, doença e cura estão intimamente ligadas à cosmologia, religião, organização social, política, economia, história, entre outras esferas da vida social do grupo. O aparecimento de uma doença pode ser desencadeado pela conjunção de inúmeros fatores pertencentes às dimensões física, social e espiritual. SOUZA (2004 apud BARCELLOS, 2005, p. 214,215). Todo aquele que opta pela cura na medicina popular o faz de acordo com seu entendimento de enfermidade e saúde inseridas em sua cultura, se um determinado indivíduo crê que o chamado “erisipela (vermelhão)” é uma enfermidade não passível de ser curada pelo médico, mas sim pela rezadeira; ou se outro acredita que a depressão, tristeza de seu filho não é outra coisa senão "quebranto", então ambos irão procurar a rezadeira. Não há de dúvida, pois, para aquele doente, a medicina popular é a única apta a curar os chamados "males da alma", e a medicina “Dos Brancos”, os "males do corpo". Obviamente que a dificuldade de acesso a recursos e informações de saúde pesa quando se pensa em um suposto distanciamento da medicina "Oficial" por parte desse paciente. Porém, sem dúvida, é equivocado definir que o ofício de rezadeira persista até os dias de hoje, mesmo em ambientes urbanos, por conta da ineficiência do sistema de saúde. É o fator cultural que age como fator decisivo na opção entre ir ao médico ou a rezadeira, no caso dos Potiguaras, não há uma hierarquia de especialista em cura como no caso de algumas tribos no amazonas que existe o Pajé como a grande autoridade religiosa, e do sistema médico nativo, [...] o Pajé é aquele que detém a ciência e a tradição indígena, conhecedor dos segredos da cura e do encontro com as forças da “mata sagrada‟, erigindo-se muitas vezes como símbolo focal da identidade étnica ativa na manutenção da fronteira que define o grupo[...], MAGALHÃES (2004, apud BARCELLOS, 2005, p.215). Para Vilhena (2005), as rezas proferidas pelos benzedores ou benzedeiras integram o vasto campo da religiosidade popular construída com resíduos e às margens das instituições religiosas tradicionais, que, preconceituosamente, as tacam de superstições. A cultura impele a crer que aquela é a única opção, o único caminho pelo qual ele obterá a cura. Esses rituais que utilizam as plantas medicinais e rezas, são revestidos de sacralidade, são rituais sérios que lhes conferem simbolismo e significado cultural que são capazes de reordenar a harmonia perdidas nas relações sociais e funções corporais. RITUAIS E O USO DE PLANTAS MEDICINAIS PELOS POTIGUARAS Em meio a toda essa discussão sobre quem tem o poder de curar? médicos, rezadeiras (ou ambos), as práticas complementares e alternativas se misturam, em um verdadeiro caldeirão de saberes, com as técnicas formais, medicamentosas, conhecidas como “oficiais”. É como encontrar, em um mesmo espaço, clínicos gerais indicando remédios alopáticos e outros profissionais tentando curar através de massagens, rezas, lambedores, ervas, conversas, pelo toque ou afeto. As rezadeiras Potiguaras realizam suas práticas no período diurno mas, podem abrir exceções para qualquer hora da noite. Algumas preferem não rezar em determinadas horas. Em conversa com Barcellos a Pajé Fátima (set. 2003) disse que: “tem horas que são mais poderosas para se rezar alguém, como às seis da manhã, ao meio-dia, às seis da tarde e também à meia noite”. [...] Muitas vezes, além das rezas, são necessários banhos de ervas para a pessoa ficar curada. Existe o “banho pra limpeza”, feito com plantas cheirosas: rosa branca, manjerona, manjericão, colônia, alecrim do tabuleiro. Mas há também o “banho do descarrego”, feito com sal grosso e com outros tipos de plantas: pião roxo (Jatropagossypifolis), manjerioba, piqui, etc. Para preparar esse banho, colocam-se sete pedras de sal grosso, sete folhas de cada planta, de seis qualidades de mato diferentes [...](BARCELLOS, 2005, p.216). [...] Muitas vezes, é preciso também dar um defumador na casa com chifre, amescla (planta), bejuim, para fazer a limpeza de tudo o que é nocivo. Se pega um fogareiro com brasa e se colocam umas lascas de chifre para incensar toda a casa. Para cada situação, é dada uma orientação de como a pessoa deve proceder para ficar boa e purificada [...] (BARCELLOS, 2005, p.216). Visto que certas concepções biomédicas, já difundidas no senso comum, não sejam capazes de reconhecer nesse amplo conjunto de práticas e saberes sua especificidade e eficácia, as rezadeiras e rezadores têm papel significativo no tratamento de diversas doenças seja física, espiritual ou social. De acordo com os artigos pesquisados, as rezadeiras ou rezadores Potiguaras são vistos pelo seu povo não só como agentes religiosas, mas também terapêuticas detentoras do conhecimento da cura através do uso de plantas medicinais fornecidos pela mãe natureza. [...] Além da reza, dos banhos e do defumador, muitas rezadeiras aconselham a pessoa a tomar determinados tipos de chá de plantas medicinais. Muitos são conhecidos também fora da aldeia, como o chá do broto da goiabeira, para disenteria; chá da folha da laranjeira, para insônia; sabugueiro, para febre alta; romã, para dor de garganta; cajueiro roxo, para ferimentos. Mas existem conhecimentos de certas plantas só utilizadas na hora de fazer certos lambedores e mesinhas (garrafadas). Há casos de “doençasdesenganadas” pelos médicos que são curadas na aldeia. Quando acontece uma cura, cresce a procura das pessoas da aldeia e de outros lugares pela rezadeira [...] (BARCELLOS, 2005, p.216). Entre os Potiguaras, as rezadeiras preparam-se antes do atendimento para não ficarem carregadas com os males que as rondam. Elas precisam fortalecer suas defesas para livrarem-se de todos os males, e mesmo assim, há situações em que são atingidas. Alguns depoimentos confirmam essa assertiva: [...] Ave Maria, tem vez que vem assim, uma pessoa pra gente rezar, tá arriado, a gente pensa que é olhado, mas não é. É outras coisas invisível, aí pronto a gente pega os carregos forte. Quando a pessoa chega doente, a pessoa na reza encontra, se está pesadão ou não. Eu mesmo encontro. Quando eu encontro, eu rezo; se é uma coisa que eu puder tirar na reza, aí eu rezo. Quando eu não posso, eu mando sair fora [...]. (Maria das Neves, Aldeia Camurupim, abr. 2003). (BARCELLOS, 2005, p.217). [...] Quando a gente está rezando se percebe que a pessoa está com espírito, carregado, a gente já sabe que não é coisa boa. Aí se começa a rezar logo com a força do credo. Aí prende o que for três vezes. Aí começa a rezar, pronto. Ninguém erra mais não. A força do credo espanta qualquer coisa, nada resiste [...]. (Cacique Aníbal, Aldeia Jaraguá, jan. 2005) (BARCELLOS, 2005, p.217). Pela linguagem religiosa o rezador Potiguara consolida o seu ser no seu mundo. Expressa sua linguagem por meio do sagrado, a experiência pode ser vivida por sua comunidade e vizinhanças. Há varias formas de o índio rezar, seja com ramos ou com as mãos e se preciso for a pessoa será tocada. “Existem diversas maneiras do índio rezar, ou com ramos ou com as mãos. Em algumas rezas, utilizam-se determinados tipos de galhos de plantas, denominados de ramos, como pinhão roxo (mais usado), manjerioba, vassourinha, alecrim do tabuleiro etc. Em outros casos, coloca-se a mão sobre o local onde irá rezar. Se for necessário toca-se na pessoa corrigir a postura, como no caso da “espinhela caída” (BARCELLOS, 2005, p.219). Há unanimidade entre as rezadeiras, quando afirmam que o “mau olhado” só acontece por causa da maldade, gente de maus olhos, que quer o mal, que só pede derrota pros outros e fica mal também. (BARCELLOS, 2005, p. 220). Há sempre este encontro entre o bem e o mal e uma mistura de rituais indígenas, afrodescendentes e católicos. Os Potiguaras utilizam-se de diversas formas para terem a proteção de um santo de devoção. Terços, imagens, sinal da cruz, água benta, ramo santo para livrar da maldade. No estudo de Barcellos (2005) as rezas, o sinal da cruz e o pronunciado de palavras milagrosas são capazes de parar com mau olhado e quebrante além de retirar todo mal de cima das pessoas. “Estando a pessoa perturbada, inquieta, impaciente, pode estar com um encosto no corpo. Dona Maria da Luz, da Aldeia Camurupim, afirma que se reza uma única vez a oração do anjo Custódio, e os sintomas desaparecem. Se a pessoa estiver com dor de cabeça, ela reza a Oração de São Bartolomeu, colocando a mão sobre a cabeça da pessoa e pedindo para que a mesma pense em Jesus”. (BARCELLOS, 2005). Muitas orações são conhecidas para benzer as pessoas que estão afetadas por algum mal. No que concernem as bênçãos são estratégias do saber popular indígena Potiguara significados por sua cultura, a saber, dos conhecimentos sobre plantas medicinais, simpatias, lambedores, garrafadas, medicamentos caseiros que se corporificaram nas concepções terapêuticas das rezadeiras na busca pela extirpação das doenças do corpo e da alma. De acordo com Barcellos (2005) muitas das informações sobre as rezas não foram repassadas por serem segredos da etnia. Quando perguntados A ALGUMAS lideranças potiguaras, elas disseram que não poderiam responder. As orações católicas predominam nas rezas pesquisadas, assim como o culto aos santos católicos,e as citações de passagens bíblicas, que sempre estão presentes nas orações dos Potiguaras. Outras orações são criadas pelos rezadores. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo salientou a relevância dos rituais de cura indígena Potiguara, principalmente através da reza e do uso de plantas medicinais pelos rezadores (as), bem como as mudanças que se vêm passando entre as gerações. A capacidade e a possibilidade de ajudar através da reza e do saber empírico das plantas medicinais, de participar como sujeito ativo nas interações, promovendo resultados positivos na saúde, principalmente na saúde física e espiritual de seu povo. Ainda são poucas publicações sobre o povo indígena em questão e sobre o tema abordado fica mais difícil de ser encontrada, a tese do professor Dr. Lusival Antônio Barcellos é a melhor e mais completa sobre o assunto. Espero de certa forma ter contribuído e que este estudo suscite o despertar de novas pesquisas sobre o povo Indígena em questão, enriquecendo cada vez mais as produções acadêmicas sobre os povos indígenas paraibanos e que a sabedoria proveniente das diversas formas de experiências vivenciadas pelas rezadeiras potiguaras e seu saber empírico possa acarretar no acumulo de práticas necessárias para que esse povo possa intervir em várias situações que acometem a sua população e vizinhanças, elaborando estratégias necessárias ao menos para tranquilizar os enfermos e assegurar sua existência desta prática de cura para as gerações futuras. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, M.B.M.; ARRUDA, S. M., Modelo de Artigo de periódico baseado na NBR 6022 , 2003. Disponível em http://read.ea.ufrgs.br/enviar_artigo/ArtigoCientifico.pdf acessado em: 03/01/ 2012. BARCELLOS, Lusival Antonio. As Práticas Educativo-religiosas dos Índios Potiguara da Paraíba. 2005. 310 f. principalmente il. color. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2005. ___________, PAIVA, Marlúcia. O Ressurgir dos Potiguaras. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2002. CAMPBELL, Joseph. O Poder do Mito, com Bill Moyeres. São Paulo: Palas Athena, 1990. ELIADE, Mircea. Mito e Realidad. Ed. Perspectiva S. A. São Paulo, 1972. FAVILLA, M.A.C.; HOPPE, J.M., As Plantas Medicinais Como Instrumento de Educação Ambiental. Revista Eletrônica do Curso de Especialização em Educação Ambiental da UFSM, vol.3, n°3, p. 468– 475, 2011. VILHENA, Maria Angela. Ritos: expressões e propriedades. (Coleção Temas do Ensino Religioso).São Paulo: Paulinas, 2005. KLEBER AFONSO DE CARVALHO Licenciatura Educação Física FIRP – Faculdades Integradas de Ribeirão Pires - SP Bacharelado Educação Física FIRP – Faculdades Integradas de Ribeirão Pires – SP Capacitação Personal Trainner CEFE – Centro de Estudos em Fisiologia do Exercício – UNIFESP/SP Capacitação PILATES Clássico do Brasil CECC – Centro de Estudos Cândida Cintra – Recife – PE Especialização – Gerontologia FIP – Faculdades Integradas de Patos – Polo João Pessoa – PB Aluno Especial PPGCR PPGCR- UFPB/ João Pessoa – PB.