Buscar

A Permissividade Brasileira ao Racismo

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

UFRRJ 
Língua Portuguesa no Direito II 
Professora: 
Aluno: Rafael Gomes Surgek 
Matrícula: 
 
Avaliação I 
 
A Permissividade Brasileira ao Racismo 
 Ao analisarmos os padrões de comportamento do brasileiro, percebe-se uma 
incoerência patente, quase que sólida, quando o tema do racismo e seus confrades menos 
importantes (como a injúria racial) é confrontado com a sociedade hodierna. É que se forma 
uma bifurcação na esteira do discurso do brasileiro, onde ora defende-se que o racismo é 
abominável, pernicioso, ora o mesmo é abrigado e considerado válido, a depender da situação 
em que ele é aplicado e a como e quem foi o autor/receptor do discurso racista. 
 Vejamos, por exemplo, o caso recente envolvendo o goleiro Mário Lúcio Duarte Costa, 
conhecido pelo pseudônimo Aranha, atualmente defendendo o escudo santista. No dia 28 de 
agosto, em partida do torneio Copa do Brasil (Grêmio x Santos), transmitida via TV e rádio para 
todo o Brasil, na Arena do Grêmio, o goleiro foi vítima de ofensas pelas torcida, que imitava 
sons de símios e gritava a palavra “macaco”, ambos claramente direcionados ao goleiro, que 
pediu ao árbitro que tomasse uma atitude; este, por sua vez, deu seguimento ao jogo. O caso 
ganhou ainda maior repercussão quando, ao proferir a injúria, a torcedora e odontóloga 
Patrícia Moreira foi focada em primeiro plano por uma das câmeras da emissora Globo, que 
transmitia o jogo em rede nacional. Pela atitude da torcida, o clube sulista foi eliminado da 
competição. 
 Desnecessário dizer, a jovem de 28 anos tornou-se uma figura simbólica do caso, 
atraindo para si de maneira passiva todas as atenções da mídia, sociedade e, sem dúvida, da 
turba revoltosa de torcedores gremistas. Teve sua casa apedrejada e foi alvo de ataques 
verbais, precisando mesmo mudar-se. Após o desenrolar destes fatos, o debate sobre a 
existência ou não de racismo, injúria racial, enfim, crimes contra a personalidade do goleiro (e 
de todos os negros que se sentiram tocados pelo ocorrido) foi novamente trazido à baila por 
todos os meios de comunicação, redes sociais, conversas informais etc. 
 Assustadoramente, grande parte dos brasileiros que se prestaram a dar sua opinião 
sobre o caso mostrou-se favorável à atitude dos torcedores e de Patrícia, chegando a bradar 
que o goleiro devia ter se calado e não “tentado aparecer”, causando tantos danos a uma 
moça tão trabalhadora, que só estava se divertindo em um jogo, repetindo o que todos diziam. 
Outros, ainda, falavam que o falso moralismo era o motor das reclamações, uma vez que nas 
piadinhas sobre gays, deficientes e outras minorias, ninguém se manifestava; que não era 
racismo, era liberdade de expressão. 
 Ora, usar esta estrutura de raciocínio como alicerce argumentativo é, evidentemente, 
sustentar-se de fontes provenientes do mais nocivo senso comum, aquele que substitui dados 
e afirmações distintamente absorvidas na realidade social cientificamente analisada por 
experiências pessoais e velhos preconceitos arraigados no ser cultural do brasileiro. É o mesmo 
que negar o sucesso de cotas e políticas sociais, simplesmente por negar, quando na verdade 
elas foram responsáveis por triplicar o acesso aos negros nas universidades de todo o país 
(Inep). 
 A sua liberdade de expressão deve respeitar a personalidade do próximo, e afirmo isto 
não somente pela previsão legal, mas por prezar liberdade e coerência em seu exercício. Não é 
possível que, ao lavar meu quintal, eu exija molhar toda a casa de meu vizinho. Não se pode 
abusar de um direito seu por pura e simples liberdade. 
 Quanto aos ataques insensatos à atitude do goleiro, no Brasil vilaniza-se o negro 
quando ele tenta fugir das amarras sociais que o oprimem, mas faz-se isso de maneira 
covarde, onde estas amarras tentam passar-se por nylon quase invisível, cabos bem 
escondidos por trás de um palco obscuro de alijamentos e segregações. Aranha foi um 
incômodo para a sociedade que não enxerga seu próprio racismo, e é daí que surge toda a 
incoerência sólida mencionada anteriormente – nosso povo preza pela liberdade, quando ele 
nem mesmo distingue o que o liberta e o que o limita. 
 O goleiro foi o protagonista por 15 minutos de uma luta diária, e não abaixou sua 
cabeça, como Pelé, para a atitude racista que lhe foi imposta. Nas palavras brilhantes de 
Matheus Pichonelli, “Pelé, em seu tempo, não parou o jogo, o racismo voltou para debaixo do 
tapete, e a fatura segue nas costas de Aranha e seus contemporâneos, que hoje tentam 
interromper uma partida que deveria ter sido parada há muito tempo.” 
 A outro giro, não é, de forma alguma, razoável crer que as atitudes agressivas voltadas 
à Patrícia em momento algum devem ser endossadas – ela deve passar pelo processo legal que 
lhe cabe, não ser julgada por padrões morais tão avessos e incoerentes (por exemplo, não é 
admissível que a eliminação em torneio de um clube para o qual você torce o leve a causar 
dano a quem “causou sua eliminação”.). Defender qualquer posicionamento acerca de atos 
violentos contra ela afirma uma posição irrefletida e equivocada. 
 Por derradeiro, é necessário que a sociedade reeduque seus padrões comportamentais 
no tocante aos temas que limitam liberdades para que seja respeitada a própria liberdade. 
Não se pode defender, em meio social, comportamentos e discursos de ódio baseados pura e 
simplesmente em senso comum e hipocrisia moralista. Nessa órbita de valores, é alvejante 
que não se encontra o menor espaço para o pluralismo e para a diversidade dentro da 
sociedade brasileira. 
 
PICHONELLI, M. Aranha faz história. A torcida do Grêmio, não. Carta Capital, 2014. Disponível 
em <http://www.cartacapital.com.br/sociedade/aranha-faz-historia-a-torcida-do-gremio-nao-
4942.html>

Continue navegando