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Universidade Federal do Recôncavo da Bahia Curso - Biologia Componente Curricular - Anatomia Humana Professor - Gabriel Ribeiro Atividade de Aprendizagem LOCALIZAÇÃO DAS FUNÇÕES CEREBRAIS: DEBATES DO SÉCULO XIX Data: _____/_____/______ Nome: _______________________________ Nome: _____________________________ Nome: _______________________________ Nome: _____________________________ Nome: _______________________________ OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Re(construir) conhecimentos sobre a morfofunção do sistema nervoso; Re(construir) visões sobre a natureza da ciência; Desenvolver capacidades de cooperação. INTRODUÇÃO A presente atividade de aprendizagem está orientada para a consecução dos objetivos de aprendizagem acima assinalados. Consiste na interpretação um texto sobre a História da Ciência, acerca do sistema nervoso, a partir de um conjunto de questões orientadoras que estão localizadas após a apresentação desse texto. MODELOS DE LOCALIZAÇÃO CEREBRAL FUNCIONAL NO INÍCIO DA NEUROCIRURGIA MODERNA1 INTRODUÇÃO O artigo de Victor A. H. Horsley (1857-1916) publicado em 1886 (29) foi um marco para a neurocirurgia. As melhorias na técnica asséptica e a anestesia permitiram procedimentos cirúrgicos mais seguros, ao mesmo tempo em que a localização cortical deu o suporte necessário para alcançar lesões no cérebro (37). Naquela época, dois pontos de vista antagonistas (de Gall e Flourens) apoiaram diferentes teorias sobre organização do cérebro, mas as falhas conceituais de ambos os lados prolongaram o debate por décadas. O objetivo deste trabalho é rever os modelos de organização cortical no final do século XIX, destacando teorias e controvérsias por trás deles. Uma melhor compreensão deste momento histórico é essencial para apreciar o debate entre holistas e localizacionistas que agitaram os neurocientistas em todo o mundo na primeira metade do século XX. FRANZ J. GALL (1758-1828) E A FRENOLOGIA Franz Gall, enquanto ainda estava na juventude, notou que vários de seus pares podiam recitar facilmente textos de memória [“de cabeça”] e ligou essa habilidade inata a um tipo peculiar de órbita2. Durante sua vida ele desenvolveu uma doutrina, localizando atividades psíquicas (como percepção, compreensão, imaginação ou julgamento) nas circunvoluções cerebrais3. Ele publicou sua teoria em um tratado de seis volumes (23), propondo que indivíduos com habilidades especiais ou traços de personalidade tinham hipertrofia4 nas áreas do cérebro relacionadas a essas características. Acreditava-se, por sua vez, que a assimetria do cérebro criava protuberâncias no crânio. E inversamente, a análise do crânio, portanto, poderia fornecer informações importantes sobre o formato do cérebro e, consequentemente, sobre as habilidades e o comportamento do indivíduo. A ciência de estudar a cabeça para avaliar os traços de personalidade de uma pessoa, conhecida como frenologia, ganhou ampla aceitação popular (11). 1 Traduzido por Gabriel Ribeiro – fonte: ALMEIDA, Antônio Nogueira; ALHO, Joaquim Eduardo; TEIXEIRA, Manoel Jacobsen (2014). Models of Functional Cerebral Localization at the Dawning of Modern Neurosurgery. World Neurosurgery, v. 81, p. 436–440. Observações: (1) o resumo do trabalho foi subtraído; (2) todas as notas de rodapé não fazem parte do artigo original. 2 A órbita é uma cavidade do esqueleto da face em forma de pirâmide onde estão inseridos o bulbo do olho, músculos, nervos, vasos e o aparelho lacrimal. 3 Circunvoluções cerebrais são as concavidades e saliências que o cérebro possui. 4 Desenvolvimento ou crescimento excessivo de um órgão ou de parte dele devido a um aumento do tamanho de suas células constituintes; hipergênese. Referindo-se a seus colegas de infância, Gall concluiu que a fala deve estar localizada em regiões anteriores do cérebro, acima da órbita, cujo crescimento levaria à forma característica dos olhos (Figura 1) (49). Para sustentar essa afirmação, ele descreveu vários pacientes com lesões penetrantes na parte anterior do crânio que posteriormente desenvolveram dificuldades em nomear. Apesar de tirar conclusões erradas, vários dos seus pressupostos foram baseados em estudos elegantes de anatomia (41). No entanto, a maior contribuição de Gall foi chamar a atenção para o fato de que as funções mentais superiores (até então consideradas como atributos da alma) eram processadas em áreas específicas do cérebro. Sua posição materialista produziu atrito com a Igreja, aspecto que levou ao seu exílio da Áustria. Figura 1. (A) Mapa frenológico que descreve sobre o couro cabeludo áreas relacionadas a diferentes tipos de habilidades. (B) Forma característica dos olhos relacionados à fluência verbal (área 33). (Ilustrações anteriormente publicadas por Vago AL: Frenologia Ortodoxa. Londres: Simpkin, Marshall; 1871 [49].) JEAN P. FLOURENS (1794-1867) E O CÓRTEX EQUIPOTENTE Vários autores contestaram ferozmente a frenologia. Um dos seus primeiros, e mais francos, oponentes foi Jean Flourens, que escreveu que “toda a doutrina de Gall está contida em duas proposições fundamentais, das quais a primeira indica que a compreensão reside exclusivamente no cérebro, e a segunda, que cada faculdade particular da compreensão é fornecida no cérebro por um órgão adequado a esta faculdade. Agora, dessas duas proposições, certamente não há novidade na primeira e, talvez, nada verdadeiro na segunda” (p. 18) (22). Flourens empregou ablações [extrações] progressivas e estimulação do sistema nervoso para definir a função de cada uma de suas partes constituintes, seguindo o mesmo método usado por Luigi Rolando (1773-1831), na Itália, alguns anos antes (44). As descobertas de Flourens foram publicadas em seu livro clássico de 1824 (21). O autor avaliou seis componentes do sistema nervoso: nervos periféricos, medula espinal, medula oblongada (do tronco encefálico), corpos quadrigêmeos (do tronco encefálico), cerebelo e hemisfério cerebral. Ele relatou que a estimulação de nervos periféricos, medula espinal, tronco cerebral e corpos quadrigêmeos desencadeava o movimento dos músculos. Por outro lado, os hemisférios cerebrais não reagiram à estimulação. Flourens concluiu assim que esta região seria responsável por sentimentos, compreensão e vontade. Finalmente, acreditava-se que o cerebelo coordenava os movimentos do corpo. De acordo com este esquema, os centros responsáveis pela função motora e razão ocupavam diferentes locais no sistema nervoso. De acordo com este modelo, as faculdades mentais eram indivisíveis e localizadas de forma difusa ao longo dos hemisférios cerebrais. Na opinião de Flourens, a capacidade intelectual estava diretamente relacionada ao volume do cérebro. Portanto, se parte do cérebro fosse retirada, todas as suas funções permaneceriam intactas, embora menos eficientes (equipotencialidade cortical). Embora as duas escolas (a teoria holística de Flourens e a frenologia de Gall) tenham compartilhado o mesmo período da história, a posição de Flourens foi mais respeitada na academia por sua metodologia científica. A FALA COMO UMA FUNÇÃO MOTORA Influenciado por Gall, Jean Baptiste Bouilaud (1796-1881) compilou estudos pós-morte para localizar a área da fala no cérebro. Ele coletou vários casos de pacientes com lesões no lobo frontal, que apresentavam distúrbios da fala. Bouilaud, como fez Gall, acreditava que os lobos frontais eram o que distinguia os homens dos animais, sendo o centro responsável por habilidades intelectuais superiores, como a escrita, a aritmética e a capacidade de tomada de decisão. No entanto, seusestudos ganharam pouca aceitação em círculos científicos. Em 1861, um debate na Sociedade de Antropologia de Paris mudaria essa história. Nesta reunião, Louis Pierre Gratiolet (1815-1865) estava defendendo a teoria da equipotencialidade cerebral quando Ernest S. A. Auburtin (1825-1893) (genro e seguidor de Bouilaud) pediu provas clínicas da localização cortical funcional. Poucos dias após o debate, Paul P. Broca (1824-1880), também presente na reunião, viu um paciente com transtorno da fala em sua clínica e chamou Auburtin para avaliar o caso. Uma vez que o paciente estava se deteriorando, foi a oportunidade que eles estavam buscando para produzir uma correlação clínico-patológica (47). Na avaliação, o paciente conseguiu entender o que lhe foi dito, mas foi incapaz de gerar palavras (pronunciando apenas o som “tam”). Além disso, o paciente não apresentava anormalidade em seu aparato de fala [laringe, faringe, cavidade oral, músculos da língua etc.]. Assim, Auburtin hipotetizou o envolvimento do lobo frontal e na autópsia Broca encontrou uma lesão que afetou a porção posterior da terceira convolução frontal do hemisfério esquerdo (6). Ele chamou esse distúrbio da linguagem associado ao dano ao lobo frontal de afemia. Mais tarde, Armand Trousseau (1801-1867) mudaria esse termo para afasia (48). De acordo com Trousseau, Homer usou o termo afasia duas vezes em seu trabalho, com o significado de perda da capacidade de falar, sem compromisso da inteligência, uma denominação que correspondia melhor ao estado clínico desses pacientes (pág. 93) (3). Infelizmente, o primeiro debate científico sobre a localização cortical foi centrado na complexa função da linguagem (10). No entanto, deve-se notar que, neste momento inicial, apenas o aspecto motor da linguagem foi levado em consideração. No entanto, houve uma preocupação em enfatizar a preservação da inteligência nesses pacientes. De acordo com John Frederic Bateman (1810- 1889) “a inteligência não é afetada... as ideias são formadas, mas os meios de comunicação com o mundo externo não existem” (pág. 94) (3). Essa suposição facilitou a aceitação nos círculos conservadores, que tinham uma visão enraizada no papel do espírito na essência intelectual do indivíduo. Assim, as lesões que causam perda da fala deveriam afetar uma região do cérebro onde está localizada a memória das palavras ou a memória dos movimentos necessários para articular as palavras. Théodule A. Ribot (1839-1916) comparou este modelo de organização do cérebro com letras do alfabeto. Metaforicamente, cada célula seria capaz de salvar uma letra. A união de letras geraria então qualquer palavra. Embora a fala seja mais complexa do que o alfabeto, o autor ponderou que havia seiscentos milhões de células para armazenar tantos elementos quanto fosse necessário para reproduzir qualquer experiência de vida (pág. 28) (43). Algumas vozes dissidentes desafiaram esses conceitos. John Hughlings Jackson (1835-1911), considerado muito à frente de seu tempo para ser entendido (27), defendeu que a linguagem era uma expressão de inteligência (tanto emocional quanto intelectual), envolvendo amplas áreas do córtex (30). Na opinião dele, a área de Broca era apenas parte de um circuito maior (31). Apesar das controvérsias, o novo conceito tomou raízes e a hipótese de Broca tornou-se quase um dogma entre os estudiosos (16). A FALA COMO UM CIRCUITO Em 1868, o médico americano Edward C. Seguin (1848-1898) elaborou uma compilação da literatura corrente e relatou que cerca de dois terços das 52 autópsias em pacientes com afasia apresentavam lesões fora da área de Broca (página 41). Assim, ele concluiu que a lesão na terceira convolução não era essencial para produzir tal distúrbio de linguagem (46). No entanto, ele descobriu que quase 95% das 535 autópsias de pacientes afásicos apresentaram lesões no lobo frontal do lado esquerdo (46). As evidências clínicas a favor e contra a teoria de Broca não eram claras. Os vários tipos de afasia (e as dificuldades naturais de correlação clínico- patológica) impediram o progresso dos pesquisadores no campo. Além disso, as ablações e estimulações corticais foram insuficientes para avaliar as funções cognitivas e a linguagem não pôde ser testada em animais de laboratório (13). Assim, foi necessário definir quais aspectos da linguagem eram relevantes para a sua compreensão e avaliação. Duas linhas de pensamento desenvolveram-se neste momento, uma que sustentava que a linguagem era resultado de áreas específicas do córtex e outra que considerava a linguagem como uma extensão da inteligência, ou seja, resultante da interação de grandes áreas corticais (28). No primeiro grupo, que se tornou o pensamento dominante no final do século XIX, a linguagem geralmente era representada de forma didática como diagramas com áreas e conexões bem definidas (Figura 2). Figura 2. Superfície lateral do hemisfério esquerdo com uma representação diagramática dos centros envolvidos na recepção e produção da fala publicado pelo Elder (17). Os círculos mostram centros superiores da fala: A, área de Wernicke; B, área de Broca; C, área de Dejerine; e D, área de Exner. As cruzes são colocadas nas áreas sensitivas (sensações auditivas e visuais) e motoras (que produzem palavras). As áreas receptivas e motoras são os portões pelos quais os centros da fala mais altos alcançam o mundo externo. Figura 3. O diagrama clássico de Lichtheim descreve a função cerebral como um arco reflexo. O estímulo sensorial iria para o cérebro através da seta a’ e um estímulo motor iria atravessar a seta m’. Letras maiúsculas representam áreas de Wernicke (A) e Broca (M). Entre eles, há o ponto B que representa a parte onde os conceitos são elaborados. Este diagrama representa o fluxo de circuitos da fala. São representados sete pontos de interrupção capazes de gerar diferentes tipos de distúrbios da fala nos caminhos nele assumidos. Ilustração publicada anteriormente por Lichtheim (34). Em 1874, Carl Wernicke (1848-1905) publicou um estudo de dez pacientes (quatro com autópsia), descrevendo a linguagem como um sistema formado por áreas corticais discretas com funções específicas conectadas entre si (50). Curiosamente, todas as ilustrações de seu livro mostraram os componentes da linguagem no hemisfério direito. Wernicke aproveitou o modelo de Theodor H. Meynert (1833-1892), onde os aferentes [informações neurais que partem da periferia em direção ao centro] sensoriais atingiram o cérebro através dos lobos temporais e occipitais, para inferir que havia uma área perto do centro responsável pela audição que processava a linguagem escutada. A conexão desta área, localizada na convolução temporal superior posterior (agora conhecida como área de Wernicke) com o lobo frontal (área de Broca) formou um circuito entre linguagem escutada e falada. Note-se que Meynert foi um forte defensor de uma divisão cortical de funções (39). OS CRIADORES DE DIAGRAMAS Após Wernicke, Ludwig Lichtheim (1845-1928) tornou-se outra voz importante na defesa da localização cortical, no final do século XIX. Seu livro, publicado em inglês [ele era polonês] como um artigo em 1885, tornou-se uma pedra angular do movimento. A intenção de Lichtheim era “determinar as conexões e a localização das vias de inervação subservientes à linguagem e suas funções correlacionadas ... para determinar o lugar exato de qualquer solução de continuidade [leia-se ruptura] nessas vias e explicar suas manifestações sintomáticas com a mesma precisão que nós temos para as paralisias motoras ou sensoriais relacionadas a uma lesão dos nervos periféricos”, mas acrescentou: “todos concordam que ainda não atingimos esse ponto” (34). O paradigma em desenvolvimento considerou o cérebrocomo uma máquina mecânica. “Acima do arco reflexo, que é constituído a partir dos dois neurônios periféricos, há como um segundo arco, formado pelos neurônios sensoriais e motores centrais, juntamente com suas vias de conexão no córtex cerebral” (p.64) (32). A linguagem teria um centro sensorial, onde as palavras ouvidas seriam compreendidas, e um centro motor, onde a fala seria produzida (Figura 3). No diagrama de Lichtheim, os estímulos sensoriais podem atingir a área da fala incessantemente. Assim, a diferença entre o arco reflexo cortical e o espinhal seria mais uma questão de complexidade do que de modus operandi [modo de operação]. A lógica, considerando uma ligação direta entre a linguagem ouvida e falada, não era o consenso. Adolph Kussmaul (1822-1902), por exemplo, acreditava que a fala envolvia mecanismos reflexos, mas o conteúdo da linguagem era o resultado de um raciocínio que deveria passar por amplas áreas corticais. De acordo com Kussmaul, “[palavras] expressam as concepções inteligentes... Ao falar, vemos concepções, sentimentos, intuições sensoriais e entrelaçamentos entre estes elementos, de uma maneira extraordinariamente intrincada” (pág. 594) (33). Um elemento frequentemente citado nos diagramas era um centro onde os conceitos são concebidos, embora os autores não tenham avançado neste tópico (Figura 4). Figura 4. O diagrama publicado por Osnato e Tilney (40) da formação de conceito mostra a integração de estímulos receptivos (visual, auditivo e cheiro) em uma área F (feelings = “sentimentos”). A fala representa a resposta motora do circuito. Figura 5. Modelo de Dejerine para cegueira de palavras ilustrado por Bastian (2). Uma lesão perto do corpus caloso interrompe as conexões entre o centro da palavra visual esquerdo (LVWC) e ambas as áreas visuais primárias. Tal lesão impede a interpretação do estímulo gramatical recebido nos lobos occipitais, mas preserva a saída gramatical do LVWC para as áreas motoras, permitindo que o paciente escreva. Sigmund Exner (1846-1926) relatou um centro de escrita na segunda convolução frontal do hemisfério dominante em 1881 (18). Apesar de um pequeno número de casos, seu livro foi amplamente discutido pela comunidade científica (45). Em 1891, Joseph Jules Dejerine (1849-1914) colocou o centro para o reconhecimento de palavras escritas no giro angular do hemisfério dominante (14). De acordo com essa teoria, uma lesão que afeta o giro angular5 causaria um transtorno de linguagem em que o paciente seria incapaz de reconhecer ou reproduzir a linguagem escrita. Um ano depois, Dejerine descreveu outro paciente em quem o giro angular estava intacto, mas suas conexões com ambos os lobos occipitais foram afetadas (15). Neste segundo caso, o paciente poderia escrever (uma vez que as conexões entre o centro da linguagem escrita e a área motora foram preservadas) mas foi incapaz de ler (7). Usando a mesma lógica, Hugo K. Liepmann (1863-1925) descreveu que as lesões que desconectam o lobo parietal das áreas motoras gerariam uma descoordenação entre a vontade e os movimentos (um distúrbio ideomotor que chamou de apraxia) (35). Jean-Martin Charcot (1825-1893), professor de e Salpêtrière6, retomou a ideia e produziu uma revisão didática dos circuitos de linguagem, reunindo conceitos de outros autores contemporâneos (5). Embora ele realmente não tenha contribuído com novos dados, suas palestras se tornaram amplamente conhecidas na Europa e América do Norte e influenciaram uma geração de estudantes e pesquisadores (9). Estudos de Dejerine, Liepmann e Wernicke formaram a base do paradigma da conexão cortical. Sob este modelo, algumas áreas corticais especializadas possuíam informações necessárias para interpretar as entradas sensoriais ou as saídas motoras do sistema nervoso. As áreas relacionadas à fala foram considerados centros que abrangem informações sobre aspectos da linguagem. A área de Broca tinha memórias de movimentos fonéticos, a área de Wernicke sons da fala e a área de Déjérine imagens gráficas das palavras. A linguagem teria que passar por essas áreas para ser decodificada antes de ser interpretada ou falada. Seguindo essa lógica, se um estímulo não atingiu a área cortical para decodificação, o cérebro não poderia usá-lo corretamente. Um processo semelhante, portanto, ocorreria no lado motor. Assim, uma lesão na área de descodificação não era necessária para produzir sintomas porque a desconexão entre as áreas motoras ou sensoriais primárias e a área de descodificação resultaria no mesmo déficit. Como tal, a leitura exigiria a interação entre áreas contendo a memória de elementos gráficos da linguagem (neste caso, o giro angular) com áreas visuais. A escrita exigiria a conexão do giro angular com as áreas motoras (2). Assim, lesões no giro angular ou nas fibras de conexão do circuito produziriam déficits semelhantes (Figura 5). As descobertas no campo da histologia também ajudaram a fortalecer o conceito de áreas funcionais corticais (20). A melhoria dos microscópios permitiu que Jules Baillarger (1809-1890) descrevesse as seis camadas do córtex (1). Alguns anos depois, Wladimir Betz (1834-1894) (4) realizou uma extensa investigação dessas camadas e dividiu o cérebro em 11 áreas diferentes. Betz acreditava que essas diferenças histológicas constituíam o substrato anatômico para a localização de funções no cérebro. Nos anos que se seguiram, autores como David Ferrier (1843-1928), Harvey Cushing (1869-1939) e Fedor Krause (1857-1937), entre outros, provaram 5 Localizada no lobo parietal, próximo a parte superior do lobo temporal, e imediatamente posterior ao giro supramarginal. 6 Hospital, posteriormente transformado em instituto de neuropatologia. a organização somatossensorial7 da área central tanto em animais como em humanos através da estimulação cortical (19). Assim, o modelo de áreas corticais que se ligam para produzir função passou a ser amplamente aceito na segunda metade do século XIX (26). CONCLUSÃO Durante a primeira metade do século 20, as tentativas de estabelecer áreas corticais relacionadas a comportamentos específicos tornaram-se mais frequentes, levando a um intenso debate sobre a localização das funções cognitivas superiores na comunidade científica. Em torno da década de 1950, a maioria dos autores não se atrevia a propor uma localização precisa para funções além das atividades motoras e sensoriais. Em sua monografia, em 1951, Margaret Reinholds resumiu o conhecimento de seu tempo como “uma doença orgânica... que se encontra posterior à fissura central de Rolando, dá origem a uma variedade de distúrbios específicos de função que... prejudica o comportamento cognitivo,” embora “não exista uma teoria satisfatória que defina os processos de desintegração que afetam o comportamento cognitivo” (42). Como resultado, houve uma sensação emergente de frustração porque o localizador tenta mapear funções cognitivas e é levado para um “beco sem saída” e teorias holísticas não fornecem as bases necessárias ao prosseguimento da investigação científica (36). Para restaurar a teoria da localização cortical, Geschwind (1926-1984) revisitou alguns conceitos antigos e mudou outros (8). Considerando as conexões corticais, ele revisou a afirmação de Fleshsig de que “nenhum sistema de associação longo, conhecido liga, duas zonas primárias que devem ser consideradas como centros sensoriais” (24). Como consequência, estímulos alcançando as áreas (primárias8) de mielinização tem que passar por áreas secundárias para se manifestar. Portanto, as lesões em áreas secundárias tornaram-se tão importantes como lesões de áreas primárias em relação aos sintomas. Além disso, Geschwind relatoua existência de áreas de associação cortical em primatas. Assim, os centros corticais funcionais (como o giro angular) mudaram de um local onde as memórias de palavras foram armazenadas para se tornar uma área de associação de multimodalidade conectando áreas corticais amplas. A ideia de diferentes centros de associação (enterrando o conceito de células como um reservatório de memórias, mantendo a ideia de localização cortical de funções) ajudou a diminuir as diferenças entre as teorias. Na opinião de Geschwind, holistas e localizacionistas “de fato, concordam muito mais do que discordam” (25). As novas perspectivas influenciaram uma geração inteira de cientistas e neurologistas cognitivos que evoluíram e melhoram sua teoria (12). Abordagens usando técnicas modernas de imagem também confirmaram a maioria dos pensamentos de Geschwind e ajudaram a chegar ao paradigma atual da organização cortical (38). REFERÊNCIAS 1. Baillarger J: Research on the anatomy, Physiology and pathology of the nervous system [in French]. 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London: Simpkin, Marshall; 1871. 50. Wernicke C: The aphasic symptom complex. A psychological study on an anatomical basis [in German]. Breslau: Max Cohn & Weigert; 1874. Questões Orientadoras 1. Em que consistia a frenologia? 2. Analisem o vídeo presente no canal do YouTube (https://www.youtube.com/watch?v=ubAYaIqTH8U) e expliquem porque a frenologia forneceu bases para o racismo científico. 3. Elaborem um glossário composto por 10 estruturas anatômicas que fazem parte do sistema nervoso e estão presentes no artigo. 4. Por que a metodologia científica empregada por Flourens contribuiu para que as suas ideias tivessem maior reconhecimento pela comunidade científica quando comparadas com as de Gall? 5. Diferencie a fala, como uma função motora, da fala, como um circuito. 6. Qual a diferença básica entre os holistas e os localizacionistas? 7. Expliquem com suas palavras o que seria o paradigma da conexão cortical. 8. Analise a seguinte frase extraída do texto: Na opinião de Geschwind, holistas e localizacionistas “de fato, concordam muito mais do que discordam.” Explique, com base no texto, esta opinião de Geschwind.
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