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Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado

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Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado – Louis Althusser: uma resenha
O ensaio Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado[1], de Louis Althusser merece ser objeto de nossa preocupação e estudo não só pelo valor que tem como início de uma teoria do Estado marxista, mas também pela importância que tem na obra de Michel Pêcheux, ao inserir o conceito de ideologia levado a cabo pelo analista do discurso.
É interessante, pois, observar a maneira com que Althusser chega ao problema da Ideologia em geral e das ideologias particulares, assim como, sua resolução para o problema da reprodução das relações de produção.
Reprodução das condições materiais de produção
De início, o autor relembra noções fundamentais do marxismo. A primeira delas: uma formação social precisa reproduzir suas condições de produção para conseguir sobreviver, “a condição última da produção é portanto a reprodução das condições da produção”[2]. A reprodução das condições de produção pode ser resumida em: 1) reproduzir as forças produtivas e 2) reproduzir as relações de produção existentes.
Toda formação social releva um modo de produção dominante. Os processos de produção deste modo de produção dominante põem em movimento as forças produtivas (a força de trabalho e os meios de produção) e as relações de produção definidas por este modo de produção (como a relação de trabalho específica do capitalismo atual expressa na Consolidação das Leis do Trabalho).
Tem-se, como resultado, que é impossível a manutenção de uma sociedade sem a reprodução das condições materiais da produção, que é, por sua vez, a reprodução dos meios de produção. Os meios de produção são as condições materiais de produção. Essa reprodução, diz Althusser[3], não deve ser pensada como um acontecimento interno a uma fábrica: a reprodução dos meios de produção envolve todo o sistema capitalista, já que o proprietário de uma fábrica não é o produtor de suas próprias máquinas, por exemplo – e o produtor das máquinas não é produtor de suas próprias ferramentas, assim, quase infinitamente.
Althusser explica[4] que o que distingue os meios de produção das forças produtivas é a força de trabalho. Sua reprodução é “assegurada dando à força de trabalho o meio material de se reproduzir: o salário. O salário figura na contabilidade de cada empresa, como ‘capital mão de obra’ e de modo algum como condição da reprodução material da força de trabalho”[5].
O salário é apenas parte da força de trabalho gasta pelo trabalhador e deve servir para que a força de trabalho assalariada se reproduza: para que o trabalhador tenha uma casa para viver, comida, água encanada, roupas e todas as condições necessárias para que possa estar pronto ao trabalho. Essas condições, sublinha Althusser, são históricas, não são determinadas por um mínimo biológico necessário, como uma condição mínima que o corpo pede para sobreviver; “Marx sublinhava: é preciso cerveja para os operários ingleses e vinho para os proletários franceses”[6].
A força de trabalho, por sua vez, não deve ser reproduzida cegamente. Para que seja realmente força de trabalho, é necessário que seja reproduzida com suas devidas “competências” e, assim, dar conta de mover o sistema do processo de produção. Isso significa que o desenvolvimento das forças produtivas num dado momento histórico obriga que a força de trabalho seja diversamente qualificada e reproduzida a partir dessa diversidade, “segundo as exigências da divisão social-técnica do trabalho, nos seus diferentes ‘postos’ e ‘empregos'”, através do sistema escolar e outras instituições[7].
Aqui, Althusser inicia sua crítica ao sistema escolar: é lá que cada sujeito aprende a ler, escrever, contar, dependendo de sua trajetória, também terá conhecimentos específicos por ser escolarizado no ensino básico (assim, exercer funções de alguém com tal escolarização), no ensino técnico ou universitário (com seus aprendizados que servem às suas respectivas funções). O que se aprende, diz Althusser, são “saberes práticos”[8].
Para além dos saberes práticos, a escola também ensina as regras dos bons costumes, o tipo de comportamento que, em seu lugar na divisão do trabalho, cada sujeito deve cumprir. O exemplo brasileiro mostra que a religião cristã é inserida goela abaixo nos interstícios de toda disciplina: há algumas institucionalizadas, como os estudos sociais e a antiga educação moral e cívica, praticada nos anos de ditadura militar. Aos futuros operários, é ensinado “obedecer bem”, aos futuros capitalistas, “mandar bem”.
Enunciando este facto numa linguagem mais científica, diremos que a reprodução da força de trabalho exige não só uma reprodução da qualificação desta, mas, ao mesmo tempo, uma reprodução da submissão desta às regras da ordem estabelecida, isto é, uma reprodução da submissão desta à ideologia dominante para os operários e uma reprodução da capacidade para manejar bem a ideologia dominante para os agentes da exploração e da repressão, a fim de que possam assegurar também, “pela palavra”, a dominação da classe dominante.[9]
Dito isso, entende-se que a reprodução da força de trabalho tem como pressuposto e condição de eficácia a reprodução da qualificação da força de trabalho e também a reprodução da sujeição à ideologia dominante. Ambas não andam em paralelo, ou seja, “juntas porém separadas”: é justamente através das formas de sujeição à ideologia dominante que a reprodução da qualificação da força de trabalho acontece.
A metáfora do edifício
Após abordar a reprodução das condições materiais de produção e da força de trabalho, Althusser precisa explicar como se dá a reprodução das relações de produção. Para isso, sua jornada vai de encontro com a metáfora marxista do edifício para representar a estrutura social. Marx concebe dois níveis para explicá-la, sendo um deles a infraestrutura, que comporta a base econômica, as relações de produção; e o outro a superestrutura, que permite a existência de dois outros níveis, o jurídico-político, que corresponde o Estado e o direito, e a ideologia, que corresponde às ideologias moral, familiar, religiosa e etc.
A metáfora do edifício tem um funcionamento perfeito quando imaginada com a base do edifício sendo a infraestrutura e a parte superior sendo a superestrutura. Ela representa a “determinação em última instância do que se passa nos ‘andares’ (da superestrutura) pelo que se passa na base econômica”[10]. A superestrutura, mesmo sendo determinada em última instância pela infraestrutura, também tem seu próprio índice de eficácia (ou de determinação), que é pensado na medida em que 1) há uma autonomia relativa da superestrutura em relação à infraestrutura e 2) há uma ação de retorno da superestrutura sobre a base. Ambos os apontamentos revelam uma dinâmica de base e superestrutura que não deixa de considerar a determinação em última instância da base sobre a superestrutura.
Althusser argumenta que a metáfora é boa por permitir ver base e superestrutura sob o olhar da determinação (ou do índice de eficácia), que coloca a base como determinante em última instância, porém, ao mesmo tempo, é boa ao dar oportunidade de observar a ação de retorno da superestrutura sobre a base. Mas, para isso, é necessário pensar a partir da reprodução o que caracteriza a própria superestrutura, que até agora só foi apresentada num nível descritivo.
O Estado e os aparelhos
O filósofo francês escolhe o Estado como primeiro alvo de análise para passar do descritivo para a teoria sob o ponto de vista da reprodução.
A tradição marxista é peremptória: o Estado é explicitamente concebido a partir do Manifesto e do 18 Brumário (e em todos os textos clássicos ulteriores, sobretudo de Marx sobre a Comuna de Paris e de Lenine sobre o Estado e a Revolução) como aparelho repressivo. O Estado é uma ‘máquina’ de repressão que permite às classes dominantes (no século XIX à classe burguesa e à ‘classe’ dos proprietários de terras) assegurar a sua dominação sobre a classe operária para a submeter ao processo de extorsão da mais-valia (quer dizer,à exploração capitalista).[11]
O Estado, assim, é um aparelho de Estado que se define na luta de classes como arma da burguesia e seus aliados contra o proletariado. Esta é sua função fundamental. Sua existência, no que lhe concerne, dentro do aparelho de Estado, só faz sentido “em função do poder de Estado“[12]. Ou seja, a luta de classes política gira em torno da tomada do poder de Estado. O poder de Estado não se confunde com o aparelho de Estado, mas tomar o poder de Estado é visar controle sobre o aparelho de Estado, apesar de ser possível tomar o poder de Estado sem modificar o funcionamento de parte do aparelho estatal, como Lênin denunciou após a revolução de 1917.
Junto do aparelho (repressivo) de Estado, há também os aparelhos ideológicos de Estado (AIE). Como podemos distinguir os AIE do aparelho de Estado (AE)? O último funciona através da violência, compreende “o Governo, a Administração, o Exército, a Polícia, os Tribunais, as Prisões, etc., que constituem aquilo a que chamaremos a partir de agora o Aparelho Repressivo de Estado. Repressivo indica que o Aparelho de Estado em questão ‘funciona pela violência’, – pelo menos no limite (porque a repressão, por exemplo, administrativa, pode revestir formas não físicas)”[13]. Já o primeiro, os AIE, são compostos por um certo número de realidades que se apresentam ao observador como instituições distintas. Althusser enumera alguns:
O AIE religioso, que é o sistema das diferentes igrejas;
O AIE escolar, que compreende o sistema das diferentes escolas públicas e particulares;
O AIE familiar;
O AIE jurídico;
O AIE político, que compreende o sistema político com os diferentes partidos que o jogam;
O AIE da informação, como a imprensa, o rádio, a televisão e etc;
Entre diversos outros.
Os AIE não se confundem com o aparelho (repressivo) de Estado. Primeiramente, os AIE são plurais, já o AE é único. Depois, é possível constatar que, enquanto o aparelho (repressivo) de Estado pertence ao domínio público, os AIE se dispersam (em sua aparente dispersão) no domínio privado.
Cabe agora uma observação importante de Althusser: o fato dos AIE serem de domínio privado não implica em seu funcionamento não ter o viés da classe dominante, que detém o poder estatal. A separação de público e privado como a conhecemos é feita dentro do direito burguês, mas o Estado (burguês) escapa ao direito, na medida em que é condição de existência do direito (burguês).
Acima, falamos que os aparelhos repressivos de Estado funcionam pela violência e que essa é sua característica. Os AIE, por sua vez, funcionam pela ideologia. Esse funcionamento não é exclusivo: um aparelho repressivo funciona predominantemente pela violência, mas também em menor grau, através da ideologia, como a violência e a coerção ideológica praticada pelo aparelho policial. Ao mesmo tempo, as escolas, aparelhos ideológicos por excelência, funcionam através da ideologia, mas dispõem de uma gama de métodos de exclusão e castigo para reformar seus rebeldes.
A detenção durável do poder de estado envolve o exercício da hegemonia sobre os AIE. Não é possível, sendo assim, continuar detendo o poder de estado sem controlar eficientemente os AIE. Inclusive, por não ser unificado e centralizado numa unidade de comando, os AIE são campos de contradições da luta de classes mais aparentes e neles é possível ver o resultado do choque das classes em luta.
A questão suscitada mais acima, sobre a reprodução das relações de produção, pode ser agora explicada: ela é assegurada majoritariamente pela superestrutura. Essa resposta ainda é atrasada e utiliza a metáfora descritiva que o autor deixou de lado para desenvolver sua interpretação a partir da reprodução. Pode-se, então, modificar a afirmação acima para: a reprodução das relações de produção é assegurada através do exercício da hegemonia da classe dominante feito pelo uso do Aparelho Repressivo de Estado e dos Aparelhos Ideológicos de Estado.
Os Aparelhos Repressivos de Estado funcionam pela violência para garantir, em última instância, a reprodução das relações de exploração no Estado capitalista e, também, para garantir as condições políticas do funcionamento dos Aparelhos Ideológicos de Estado. Este, por sua vez, asseguram a maior parte da reprodução das relações de produção, protegidos pelo Aparelho repressivo de Estado. É através da ideologia dominante que o AE e os AIE mantêm uma certa harmonia que garante a proteção de um pelo outro.
Segundo Althusser, na sociedade capitalista atual, o aparelho de Estado dominante é o Aparelho Ideológico Escolar[14]. O autor diz que esta tese pode parecer paradoxal, na medida em que a classe dominante prefere ser vista aos olhos da sociedade (ou seja, aos olhos dela própria e da classe dominada) como sendo fortalecida fundamentalmente pelo aparelho político, o sistema democrático parlamentar nascido do sufrágio universal que coloca em luta diversos partidos.
Mas a história mostra que o capitalismo convive muito bem com regimes diferentes do democrático parlamentar, diz Althusser. Seus exemplos são o Império, a Monarquia da Carta, a Monarquia parlamentar e, em seguida, o sistema democrático presidencialista, todos na França [15].
O filósofo enumera de maneira pedagógica:
Todos os Aparelhos Ideológicos de Estado competem pelo mesmo objetivo: a reprodução das relações de produção, ou seja, na reprodução das relações de exploração capitalistas.
Cada aparelho o faz à sua maneira. O aparelho político assujeita os indivíduos à ideologia política de Estado, “democrática”; já o aparelho de informação, através de jornais, televisão, rádio e, hoje, mídias sociais, assujeita os indivíduos com doses de moralismo, liberalismo e, no Brasil, uma dose extra de cordialidade, assim por diante.
Todos esses aparelhos servem a um mesmo objetivo (a reprodução das relações de produção capitalistas, ou seja, a reprodução das relações de exploração em última instância), mas a harmonia aparente de seus objetivos pode ser perturbada com alguma contradição com a classe proletária, restos das antigas classes dominantes. Os AIE, como já dito, são locais de choque frequente.
Dentro desta harmonia de aparelhos ideológicos, há um que tem papel preponderante: a escola.
A escola recolhe todas as crianças de todas as classes sociais desde muito cedo, desde o período em que ela está mais vulnerável, e inculca-lhes os saberes práticos que a ideologia dominante tem como fundamentais (como a língua portuguesa, matemática, as ciências e as lições morais). No Brasil, logo depois do Ensino Fundamental, uma grande massa de crianças sai da escola e entra na produção, são os subempregados, trabalhadores da camada mais baixa do mercado de trabalho. Os que seguem na jornada de estudos do aparelho escolar, terminam o Ensino Médio e se transformam em trabalhadores, médios, às vezes operários especializados com cursos técnicos, às vezes trabalhadores mal-remunerados de escritórios. Os que conseguem avançar para o ensino superior se transformam no grupo especializado de proletários ou os gerentes fabricados para utilizar a voz de comando contra os operários.
Cada leva de indivíduos que deixam o caminho e entram na produção estão recheados da ideologia que lhes é necessária para exercer a função destinada a eles dentro da sociedade de classes, “papel de explorado (com ‘consciência profissional’, ‘moral’, ‘cívica’, ‘nacional’ e apolítica altamente ‘desenvolvida’)”[16].
Althusser afirma,
Ora, é através da aprendizagem de alguns saberes práticos (savoir-faire) envolvidos na inculcação massiva da ideologia da classe dominante, que são em grande parte reproduzidas as relações de produção de uma formação social capitalista, isto é, as relações de explorados com exploradores e de exploradores com explorados.[17]
E o autor diz que os mecanismos que envolvem a reprodução das relações de produção são envolvidos pela ideologia da escola universal, livre de qualquer tipo de ideologia (não é de esquerda, não é de direita, não é progressista, não é conservadora),libertadora (já que os professores não podem desrespeitar a liberdade intrínseca que as crianças têm, não é papel deles influenciar qualquer tipo de opinião e decisão) e, claro, exemplar, na medida em que as crianças se tornam boas cidadãs na medida em que aprendem com o exemplo dos adultos e dos conhecimentos virtuosos e libertadores que lhes são dados.
Ideologia enquanto prática
A primeira ação de Althusser é separar dois tipos de ideologia: a Ideologia, com I maiúsculo, e as ideologias. A primeira, é a ideologia em geral, já a segunda é o conjunto de ideologias particulares.
As ideologias particulares (religiosa, moral, política) exprimem, em sua particularidade, posições de classe. A Ideologia em geral é definida pelo contrário: não há posição relativa, ela não pode ser definida através das modificações, nascimentos e destruição que as ideologias particulares tiveram ao longo da história, ela é definida a partir de um funcionamento que está presente em todos os momentos, a ideologia não tem história[18].
A ideologia em geral não tem história, mas não é pura negatividade, como uma enganação ou um sonho. Ela não tem história, mas este não ter história é uma positividade, uma prescrição de seu funcionamento e estrutura, que fazem da ideologia em geral uma realidade não histórica, portanto, omni-histórica[19]. O funcionamento e estrutura da ideologia em geral estão presentes na história inteira, sendo a história como definida por Marx, no Manifesto, a história da luta de classes, portanto, das sociedades de classes. Para terminar esta observação, a ideologia, por não ter história e ter seu funcionamento presente em toda a história, é eterna, mas não é eterna no sentido metafísico, mas somente no sentido de ser trans-histórica.
Primeiro, entendemos que a ideologia é eterna, não tem história, seu funcionamento e estrutura atravessam toda história. Mas qual é seu funcionamento e sua estrutura?
A primeira tese de Althusser é: “a ideologia representa a relação imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência”[20].
Imaginária porque não corresponde à realidade: os indivíduos vivem em ideologias, a que chamam de “concepções de mundo”, que não correspondem à realidade. Elas são, assim, ilusão, mas, ao mesmo tempo, também se referem à realidade, ou seja, fazem alusão à realidade, de maneira que basta interpretá-las para conseguir chegar até a própria realidade que a concepção de mundo engana. Desta forma, ideologia é ilusão e alusão.
No fim, quando olha a si próprio, “homens se representam sob uma forma imaginária as suas condições de existência reais”[21]. Mas, por que os homens precisam deste salto imaginário, porque não veem sua realidade como ela é?
A primeira resposta é mecanicista: os culpados são os líderes, as elites, a classe dominante, a intelectualidade, que confabula contra o povo.
A segunda resposta é a do jovem Marx: a alienação material dos homens é a condição de sua alienação com a realidade. As condições de existência, alienadas, são as condições de existência com a presença do trabalho alienado.
Ambas as interpretações partem do princípio de que os homens, através da ideologia, representam suas condições materiais de existência. O que Althusser corrige neste pressuposto é o tipo de representação que a ideologia exerce, pois, para o filósofo, os homens não representam as condições reais de existência através da ideologia, mas sim sua relação com as condições de existência.
O centro da representação ideológica é preenchido com a representação da relação dos homens com suas condições reais de existência.
A segunda tese Althusseriana é de que a ideologia tem uma existência material. Não é a mesma materialidade que uma pedra ou uma cadeira, mas a matéria se expressa em vários sentidos, em última instância ancorados na matéria física.
A materialidade observada na ideologia de um indivíduo está em rituais praticados com devida frequência, em locais específicos, com atos específicos a serem praticados numa ordem determinada. As ideias na cabeça de um indivíduo têm existência material garantida através das práticas que essa ideias acarretam, por sua vez, também definida pelo aparelho ideológico de Estado.
Portanto, a ideologia cristã não funciona somente enquanto conjunto de ideias, mas também no deslocamento até a igreja, no ato de se ajoelhar, no gesto do sinal da cruz, nas frases, orações, penitências e contrições, olhares e afastamento de pessoas de fora, até mesmo na conversa moral e religiosa que o sujeito tem com sua própria consciência.
Surge assim que o sujeito age enquanto é agido pelo seguinte sistema (enunciado na sua ordem de determinação real): ideologia existindo num aparelho ideológico material, prescrevendo práticas materiais, reguladas por um ritual material, às quais (práticas) existem nos actos materiais de um sujeito agindo em consciência segunda a sua crença.[22]
Daí, após a descrição do funcionamento da ideologia como representação da relação imaginária do indivíduo com suas condições de existência reais e do funcionamento material da ideologia, Althusser afirma que só há prática através da ideologia. Ou seja, todas as práticas são intermediadas pela ideologia, não há prática neutra, limpa, longe da ideologia. Ao mesmo tempo, só existe ideologia através e para sujeitos, porque o funcionamento da ideologia depende da existência do sujeito que irá ser meio para a ideologia se materializar em prática.
A categoria sujeito existe em toda ideologia, ao mesmo tempo “a categoria de sujeito só é constitutiva de toda a ideologia, na medida em que toda a ideologia tem por função (que a define) ‘constituir’ os indivíduos concretos em sujeitos”[23]. O homem, portanto, “é, por natureza, um animal ideológico”. E essa natureza evita o questionamento da própria possibilidade de não sermos sujeitos. Porque é tão evidente para nós que sejamos sujeitos? Este é o efeito ideológico elementar.
Quando reconhecemos na rua alguém do nosso (re)conhecimento, mostramos que o reconhecemos (e que reconhecemos que ele nos reconheceu) dizendo “olá” e apertando-lhe a mão (prática ritual material do reconhecimento ideológico da vida quotidiana.[24]
Este reconhecimento é exemplificado alegoricamente por Althusser na prática da interpelação. A ideologia, para ele, interpela os indivíduos concretos em sujeitos concretos, através do próprio funcionamento da categoria de sujeito e, assim, da evidência de que somos sujeitos provocada pelo efeito ideológico elementar. A interpelação, no exemplo acima, se desenrola no reconhecimento e no ritual do “olá” e aperto de mão. O sujeito reconhecido é reconhecido como sujeito e se entrega como sujeito ao reconhecimento.
A ideologia, desta forma, tem como funcionamento básico recrutar sujeitos concretos entre os indivíduos concretos. E todos são recrutados (já que a evidência óbvia de que se é sujeito é efeito ideológico elementar). O recrutamento de sujeitos entre os indivíduos, ou a transformação de indivíduos concretos em sujeitos concretos, acontece por meio do ato de interpelação, que é representado por Althusser através da ação banal de interpelação feita pela polícia, “Ei! você!”.
Ao ser chamado na rua por policiais e responder o chamado se virando para a viatura e, assim, reconhecendo que o chamado foi feito para si, o indivíduo concreto se converte em sujeito. O reconhecimento de si enquanto sujeito que pode ser interpelado pela polícia é um reconhecimento efetivo, prático, real, não é especular.
Enquanto constituinte do sujeito, a ideologia não é um local em que se pode estar fora. Inclusive, um dos efeitos da ideologia é denegar o caráter ideológico da ideologia, assim, ela tenta não ser ideologia quando é acusada de ser ideológica, na medida em que o acusador, aquele que aponta onde a ideologia está, parte do princípio de que não está na ideologia (a não ser que seja marxista ou espinozistas, vai dizer Althusser).
Isso quer dizer que “a ideologia não tem exterior (a ela), mas ao mesmo tempo é apenas exterior (para a ciênciae para a realidade)”[25].
Em resumo, a ideologia interpela os indivíduos como sujeitos. Já sabemos que a ideologia é eterna. Isso significa, então, que a ideologia sempre-já interpelou os indivíduos como sujeitos. Ou seja, os indivíduos são sempre-já sujeitos interpelados pela ideologia e são sempre indivíduos abstratos em relação ao status de sujeito que sempre-já são.
A interpelação acontece em nome de um Sujeito Único e Absoluto. Um Sujeito a que os sujeitos são submetidos e, ao mesmo tempo, veem nele sua segurança existencial de ocuparem uma posição e de terem esse lugar como garantia do presente e do futuro, além de ser uma explicação possível do passado. Quando o sujeito é interpelado pela ideologia, ele vê no Sujeito a que se submete sua própria imagem e, por sua vez, a ideologia interpela uma infinidade de indivíduos à sua volta numa dupla relação especular tal que submete os sujeitos ao Sujeito.
Portanto, enumerando os pontos principais, a ideologia assegura:
A interpelação dos indivíduos como sujeitos;
A submissão desses sujeitos ao Sujeito;
O reconhecimento triplo: do sujeito e o Sujeito, entre os sujeitos, e do sujeito por ele mesmo.
Por fim, ela garante que tudo está sob controle: o reconhecimento mútuo entre sujeitos, Sujeito e o auto reconhecimento asseguram que tudo correrá bem quando um sujeito conduzir o outro.
O interessante desta dinâmica é o resultado da constituição do sujeito. O sujeito formado tem a experiência de ser, ao mesmo tempo, livre, centro de iniciativas e responsável por seus atos, no entanto, sua emergência envolve ser submetido a uma autoridade e ficar desprovido de qualquer liberdade verdadeira, tirando aquela de aceitar sua própria submissão.
Assim, a ideologia funciona neste moldes:
o indivíduo é interpelado como sujeito (livre) para que se submeta livremente às ordens do Sujeito, portanto, para que aceite (livremente) a sua sujeição, portanto, para que “realize sozinho” os gestos e os atos da sua sujeição. Só existem sujeitos para e pela sua sujeição. É por isso que “andam sozinhos”.[26]
Por trás de todo este mecanismo de constituição do sujeito através da interpelação feita pela ideologia, o que está em jogo é justamente a reprodução das relações de produção, no caso de uma sociedade capitalista, a reprodução das relações de exploração que devem ser reproduzidas para que a formação social se mantenha, e uma dessas relações é a percepção de que se é livre e de que todos são livres – ainda mais, de que a liberdade é o centro do sujeito interpelado pela ideologia, desta forma, de que é impossível um sujeito sem liberdade.

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