Prévia do material em texto
1UNIDADE 1O que é Filosofia do Direito? Objetivos de aprendizagem Identificar o conceito, o objeto de estudo e a concepção de método da Filosofia do Direito. Compreender conexões da Filosofia do Direito com ciências afins. Seções de estudo Seção 1 Filosofia, Direito, Filosofia do Direito e áreas afins Seção 2 Reflexões sobre a Metodologia e a Epistemologia da Filosofia do Direito Carlos Euclides Marques filosofia_do_direito.indb 15 12/07/12 13:31 ____________________ Pacheco, Leandro Kingeski. O que é Filosofia do Direito? In: Filosofia do Direito: livro didático – 1. ed. rev. – Palhoça: UnisulVirtual, 2011. 16 Universidade do Sul de Santa Catarina Para início de estudo Você deve estar perguntando-se: por que mais uma disciplina de Filosofia? Eis uma pergunta importante, pois ela deve produzir reflexão sobre o sentido de sua formação acadêmica e do seu agir profissional, seja hoje ou no futuro. Tal reflexão é, particularmente, para aqueles que visualizam o exercício de sua profissão como algo meramente técnico, no sentido de que este é um paradigma a ser quebrado. Como você verá em vários momentos deste livro, o exercício profissional no âmbito do Direito envolve uma série de questionamentos sobre princípios, deveres, normativas, assim como, a valoração de ações e a argumentação nos processos. Dito isto, você já pode perceber que uma reflexão mais apurada acerca destas e outras noções (ou conceitos) e definições é importante para seu exercício profissional. O estudo de conceitos, suas definições e fundamentos últimos e mecanismos mentais do agir humano — e teorizar é um modo do agir humano — é tema, por excelência, do exercício filosófico. Nesta unidade, você terá algumas noções de Filosofia e de Direito, recuperando, talvez, parte do que tenha estudado na disciplina Filosofia da primeira fase. A partir deste estudo, você verá configurar-se a noção de Filosofia do Direito. Então, pronto(a) para começar? Seção 1 – Filosofia, Direito, Filosofia do Direito e áreas afins Você está lembrado(a) dos conteúdos de Filosofia vistos anteriormente? Antes de iniciar seus estudos sobre Filosofia do Direito, proponho-lhe o seguinte exercício: Embora haja diferenças entre os termos conceitos e noções, para evitar, aqui, grandes digressões, tome-os como sinônimos. Tais termos têm, filosoficamente, uma carga mais absoluta, trata-se da essência de algo, de seu interior. O termo definição se refere ao preenchimento dado a certo conceito (ou noção), ou seja, é a exteriorização deste. Nesta medida, o conceito não passa, necessariamente, por uma verbalização; já a definição, sim. Pode-se dizer que a definição recorta, delimita, determina algo. filosofia_do_direito.indb 16 12/07/12 13:31 17 Filosofia do Direito Unidade 1 Tente recuperar possíveis definições de Filosofia que você já tenha estudado. Agora, elabore uma definição. Atente, na sequência, para alguns aspectos que envolvem a definição de filosofia. 1. A etimologia, ou seja, a origem da palavra: já pensou de onde ela vem? Provavelmente, você já deve ter lido ou ouvido falar que a filosofia é grega. Por que isto? Tal afirmação não deve levar a pensar que a filosofia é algo difícil, incompreensível para o homem comum, como verificado na expressão popular: “Para mim, você está falando grego.” Tal compreensão acerca da Filosofia é um equívoco. Ela pode exigir um pouco mais de nosso raciocínio, mas não é algo inalcançável. Se fosse assim, não estaríamos aqui, certo? Descartada esta possibilidade, voltemos à razão de ela ser grega. Primeiro, é importante você saber que a Filosofia nasceu na Grécia Antiga, por volta do século VI a.C. Logo, trata-se de um tipo de conhecimento datado em termos de origem. filosofia_do_direito.indb 17 12/07/12 13:31 18 Universidade do Sul de Santa Catarina Atribui-se a Pitágoras de Samos — conhecido por seu Teorema de Pitágoras — a cunhagem, ou seja, criação da palavra. Ela é formada por dois radicais gregos: philos – amante, amigo; e sophia — sabedoria. Então, em oposição ao sophés — sábio — que caracterizava uma tradição anterior ao aparecimento da Filosofia — a tradição mítica, Pitágoras se diz philosofos, quer dizer, amigo da sabedoria, e não sábio. Contudo este sentido, tomado em sua plenitude, não resolve nosso problema, pois qualquer ser humano preocupado com a busca do conhecimento de forma apaixonada seria um filósofo. Tal sentido retrata mais uma propensão para o filosofar, comum a todo ser humano. O que indica, em princípio, sermos todos filósofos. 2. Há também a noção de que filosofia é uma reflexão. Mas, o que é refletir? Tal palavra vem do latim re-flectere, que significa dobrar-se novamente sobre algo, curvar-se novamente. Esta palavra indica um movimento de olhar algo posto a nossa frente, de forma a vê-lo com mais atenção, detalhadamente, digredindo. Ora, você dirá, mas isto eu também faço, quando analiso um processo! Correto, então, temos mais uma noção que, por si só, não dá conta do que seja filosofia. 3. Acompanhando a reflexão, não raramente aparece a expressão rigoroso, ou seja, ao conceito de Filosofia está associada a ideia de uma reflexão rigorosa. Você pode estar perguntando-se: “Mas ser rigoroso não é uma atributo do conhecimento científico? Filosofia e Ciência são similares, então?” Esta sua inquietação está correta, uma vez que o rigor é algo próprio também da ciência e, mesmo, de outros tipos de conhecimento. Entretanto não quer dizer que Filosofia e Ciência sejam a mesma coisa. 4. Também é comum ouvirmos que a Filosofia trata-se de uma reflexão radical. Mas o que significa radical? Você já pensou nisso? Radical está empregado aqui no sentido de que vai à raiz do problema. Mas você ainda poderia dizer que a investigação policial que dá elementos para o processo de julgamento, é, ou deveria ser, radical e rigorosa. E você está certo(a)! filosofia_do_direito.indb 18 12/07/12 13:31 19 Filosofia do Direito Unidade 1 5. Há quem diga que aquilo que diferencia a Filosofia de outras formas de conhecimento é trabalhar com conceitos e definições, construindo-os e fundamentando-os. Eis algo mais próprio da Filosofia e que envolve todos os aspectos apresentados anteriormente. Ainda assim, você dirá, por exemplo: mas, ao tomar uma decisão, o juiz utiliza-se de conceitos e fundamenta-os. Correto, contudo a fundamentação deste ou daquele conceito, não raramente, é tomada desta ou daquela corrente filosófica. Porém, quando dizemos Filosofia do Direito, temos outro termo implicado: o Direito. Então o que é Direito? Eis uma questão de caráter filosófico-ontológico. Você deve estar perguntando-se: mas o que é isso? Calma, vamos à explicação! Ontologia é a parte da filosofia que estuda o Ser. Ontos, em grego, quer dizer ser. Logos quer dizer discurso, tratado. Então, a pergunta ontológica, aqui, é: “O que é isto, Direito?” Certamente, você pode encontrar em algumas doutrinas jurídicas a resposta a estas perguntas, mas uma discussão rigorosa e profunda sobre a natureza e os fundamentos do Direito é própria da Filosofia do Direito. filosofia_do_direito.indb 19 12/07/12 13:31 20 Universidade do Sul de Santa Catarina Neste sentido, faça uma pesquisa (pode ser na internet), e liste algumas definições de Direito, antes de continuar. Você pode usar o espaço abaixo para fazer suas anotações. Veja no quadro algumas definições de Direito: Emmanuel Kant Direito é o conjunto de condições pelas quais o arbítrio de um pode conciliar-se com o arbítrio do outro, segundo uma lei geral de liberdade. Eugen Ehrlich O direito é ordenador e o suporte de qualquer associação humana e, em todos os lugares, encontramoscomunidades porque organizadas. Hans Kelsen [...]o direito se constitui primordialmente como um sistema de normas coativas, permeado por uma lógica interna de validade que legitima, a partir de uma norma fundamental, todas as outras normas que a integram[...] Quadro 1.1 – Definições de Direito Fonte: Penha (2001). Fazendo um pequeno desvio quanto à definição, mas não saindo do dilema que ela envolve, é importante destacar que, no geral, você verá nos manuais que procuram dar conta da definição de direito a oposição entre duas vertentes, as quais, em dados momentos da história, são opostas, mas nem sempre. Trata-se do debate entre o Direito Natural e Direito Positivo. filosofia_do_direito.indb 20 12/07/12 13:31 21 Filosofia do Direito Unidade 1 Direito Natural - esta primeira abordagem toma algo que está para além ou acima da norma escrita. Direito Positivo - pauta-se somente pela norma escrita e procura caracterizar o Direito como uma ciência. Há diferentes matizes tanto para o Direito Natural ou Jusnaturalismo como para o Direito Positivo ou Juspositivismo. Não entraremos, aqui, nestas diferenças, que serão apresentadas, direta ou indiretamente, em outros estudos. Então, em que bases podemos propor tal debate? Quando se tenta estabelecer um critério de cientificidade para determinada área de conhecimento, particularmente para as tendências positivistas e neopositivistas, procura-se retirar do conhecimento científico os juízos de valor, ficando-se apenas com os juízos de fato e o aspecto descritivo e experimental do fenômeno. Você pode perguntar: qual a distinção entre esses conceitos? Face ao mundo em que está, o ser humano produz juízos de realidade. Estes podem ser tanto juízos de fato como juízos de valor: Juízos de fato – têm caráter descritivo, objetivo; Juízos de valor – a subjetividade é a principal característica. Leia o texto no quadro a seguir e procure compreender como esta questão é “resolvida” do ponto de vista do Direito Positivo. Podemos tomar, como será trabalhado mais a frente, respeito irrestrito à norma escrita como correlata de legalidade. Assim, o Direito natural busca, muito mais, a legitimidade, a justiça, para além da mera aplicação da lei. filosofia_do_direito.indb 21 12/07/12 13:31 22 Universidade do Sul de Santa Catarina Juízo de fato e juízo de valor Segundo Norberto Bobbio, o Positivismo Jurídico é resultado do esforço de se transformar o estudo do direito numa verdadeira ciência, que tivesse as mesmas características das ciências matemáticas. Sua característica fundamental deveria ser então a avaloratividade, isto é, a separação entre juízos de fato e juízos de valor, sendo que a ciência trabalha somente com juízos de fato, excluindo do seu âmbito tudo que se relacione com juízos de valor. Esta exclusão se deve à natureza distinta destes dois tipos de juízos. O juízo de fato é uma ponderação sobre algo real. Ele representa uma tomada de conhecimento da realidade. Sua formulação tem como finalidade apenas informar, pois se trata de uma constatação objetiva. O juízo de valor, ao contrário, é subjetivo, pois os valores são pessoais. A definição de valores, como o belo, o bom, o justo, difere de pessoa para pessoa, pois representam uma tomada de posição frente à realidade. Assim, a formulação de um juízo de valor possui a finalidade não da informação, mas sim da persuasão. A ciência do direito, então, na busca pelo conhecimento puro e objetivo, deve afastar de seu estudo os juízos de valor, pois estes são subjetivos e pessoais. Segundo Austin, o positivista jurídico estuda o direito tal qual é, e não tal qual deveria ser. É o direito como fato, e não como valor, devendo se excluir de suas definições qualquer tipo de qualificação, do tipo: este direito é justo ou injusto. O juspositivista estuda o direito real, sem se perguntar se, além deste, há um direito ideal, e esta atitude é o que caracteriza a diferença entre o positivismo e o jusnaturalismo. Para que se torne clara essa distinção, é preciso compreender os conceitos de validade do direito e de valor do direito. A validade de uma norma jurídica qualifica esta norma como pertencente ao ordenamento jurídico, isto é, uma norma válida é aquela que existe no mundo jurídico. Já o valor de uma norma indica sua qualidade de ser compatível com o direito ideal, isto é, o valor de uma norma somente existe, se ela for justa. Para o jusnaturalista, uma norma somente é válida se for justa. Já, para o juspositivista, uma norma é justa pelo único fato de ser válida. Porém Norberto Bobbio afirma que esse tipo de positivista extremo é raro, sendo que a grande maioria dos positivistas típicos apenas separa conceito de validade de valor, não negando a existência deste desvinculada da validade, mas apenas sustentando que tal questão não deve ser tratada pelo direito, e sim pela filosofia. Fonte: Santos (2008). filosofia_do_direito.indb 22 12/07/12 13:31 23 Filosofia do Direito Unidade 1 Importante! Muitas das correntes não positivistas, no entanto, defendem que esta separação entre juízos de fato e juízos de valor não é tão simples. Isso acontece porque, de acordo com essa vertente, o Direito não é uma ciência do ser, mas do ‘dever ser’. Leia com atenção a tirinha a seguir: Figura 1.1 – Tirinha Mafalda Fonte: Quino (1991). Depois desta digressão, voltemos às definições de direito. No “Dicionário de Filosofia”, Nicolas Abbagnano (1982, p. 260) define: DIREITO (gr. Δίκαιο lat. Jus; ingl. Law; franc. Droit; al. Recht). Em sentido geral e fundamental, a técnica da coexistência humana, isto é, a técnica voltada a tornar possível a coexistência dos homens. Como técnica, o D. se concretiza em um conjunto de regras (que nesse caso são leis, ou normas); e tais regras têm por objeto o comportamento intersubjetivo, isto é, o comportamento recíproco dos ho mens entre si. Na história do pensamento filosófico e jurídico sucederam-se ou entrecruzaram-se quatro concepções fundamentais quanto à validade do D.: 1.ª a que considera o D. posi tivo (isto é, o conjunto dos D. que as várias sociedades humanas reconhecem) como fundado em um D. natural eterno, imutável e necessário; 2.ª a que julga o D. fundado na moral e o con sidera, portanto, uma forma diminuída ou imperfeita de moralidade; 3.ª a que reduz o D. à força, isto é, a uma realidade histórica poli ticamente organizada; 4.ª a que considera o D. como uma técnica social. filosofia_do_direito.indb 23 12/07/12 13:31 24 Universidade do Sul de Santa Catarina Assim sendo, tomando algo já dito por Demerval Saviani (1996, p. 16-21) e complementando, “a filosofia é uma reflexão radical, rigorosa de conjunto e conceitual sobre os problemas que a realidade apresenta”. Com isto poderemos definir: Filosofia do Direito é uma reflexão radical, rigorosa de conjunto e conceitual sobre os problemas que a realidade do Direito apresenta. Que tipos de problemas são estes, veremos mais a frente. Para ilustrar e complementar o que foi dito acima, leia a passagem do livro “Filosofia do Direito”, de Paulo Nader (2006, p. 6) e reflita sobre ela: 2.3 Conhecimento Filosófico. O conhecimento filosófico representa um grau a mais em abstração e em generalidade. O espírito humano não se satisfaz, em um plano de existência, com as explicações parciais dadas pelas diversas ciências isoladas. Os fenômenos científicos não se dispõem em compartimentos incomunicáveis, estranhos entre si, e, por isso, o homem quer descobrir a harmonia, a concatenação lógica, os nexos de adaptação e de complementação que governam toda a trama do real. Visando a estabelecer princípios e conclusões, ele toma por base de análise a universalidade dos fatos edos fenômenos e, com fundamental importância, a própria vida humana. Esse objetivo é alcançado através do saber filosófico. Spencer, ao comparar este conhecimento com os de segundo e primeiro graus, considera-o “um saber totalmente unificado, em contraposição ao saber parcialmente unificado (científico), e ao saber não unificado (vulgar).” Na Jurisprudência, o conhecimento filosófico tem por objeto de reflexão o conceito do Direito, os elementos constitutivos deste, seus postulados básicos, métodos de cognição, teleologia e o estudo crítico-valorativo de suas leis e institutos fundamentais. Por hora, podemos dizer, resumidamente e parafraseando Nader, que Filosofia do Direito é uma pesquisa conceito acerca do que é próprio do âmbito jurídico e de suas implicações lógicas, buscando seus princípios mais elevados, que se pauta numa reflexão crítico-valorativa das instituições jurídicas. filosofia_do_direito.indb 24 12/07/12 13:31 25 Filosofia do Direito Unidade 1 O estudo da definição do Direito, de sua origem, fundamento e desenvolvimento é o tema da filosofia do Direito, concebida às vezes como um dos ramos da filosofia e às vezes como a parte básica de uma ciência autônoma do Direito. (MORA, 2000, p. 750). Embora seja possível encontrar várias definições prontas, você viu que definir Direito é uma tarefa complicada. Ao tentar dar conta de tal definição, o estudioso toma diferentes recortes em conjunto ou prioriza um em detrimento de outro: 1. Quando o Direito é entendido como ciência, temos que recorrer à Epistemologia para entendê-lo, pois esta discute o que fundamenta uma ciência, seus critérios e avalia seus métodos e resultados. 2. Definindo Direito como conjunto de normas coercitivas dadas pelo Estado, estabelecemos interseções com a Filosofia Política, pois temos que dar conta de questões como: qual a origem do Estado? ; qual a melhor forma de governo? ; qual a relação entre leis e justiça? Etc. 3. Ao pensar o Direito como algo que implica honestidade, dever, consciência e liberdade, estamos, também, no campo da Ética ou Filosofia Moral. 4. Estudando as regras de validade de um raciocínio jurídico, estamos no campo da Lógica. Como você pode ver, as contribuições de certas áreas da Filosofia para o estudo do Direito são de extrema importância. Porém existem contribuições de outras áreas claramente ligadas ao estudo do Direito: 5. Para ter uma visão mais ampla do Direito, temos que compreender que este se trata de um fenômeno histórico e, como tal, sofreu (e sofre) alterações temporais, portando, nesta medida, valores ideológicos. Para dar conta das modificações e aplicações do Direito ao longo do tempo e das diferentes sociedades, temos que recorrer à História. filosofia_do_direito.indb 25 12/07/12 13:31 26 Universidade do Sul de Santa Catarina 6. Se a noção de Direito implica a noção de Estado, precisamos, também, da Ciência Política, da Antropologia Social. 7. A Psicologia também contribui com o entendimento do fenômeno jurídico, na medida em que lida com os comportamentos humanos. Para melhor ilustrar tais interseções, de forma breve, apontemos dois temas centrais neste estudo: a relação Ética e Direito; a relação Direito e Justiça. Veja a seguir a explicação de cada uma dessas relações. Ética e Direito Como indica Vázquez (1975, p. 80-84), há entre o Direito e a Moral muitos aspectos em comum. São eles: 1. ambos constituem normas que regulamentam a vida humana, postulando, assim, condutas obrigatórias e devidas; 2. são imperativas, “[...] têm a forma de imperati vos; por conseguinte, acarretam a exigência de que se cumpram, isto é, de que os indivíduos se comportem necessariamente de uma certa maneira”; 3. respondem a uma mesma necessidade social, a saber, “regulamentar as relações dos homens visando a garantir certa coesão social”; 4. mudam historicamente. Vázquez também aponta algumas diferenças. Acompanhe. filosofia_do_direito.indb 26 12/07/12 13:31 27 Filosofia do Direito Unidade 1 1. Enquanto as normas morais implicam uma adesão íntima do indivíduo, no sentido de agir conforme sua consciência e razão, a norma jurídica é exterior ao agente. Ilustrativamente, quando o indivíduo respeita uma dada regra por, conscientemente, considerá-la válida, tomando-a para si como um imperativo de sua ação, dizemos ser esta uma atitude moralmente boa; já, para o Direito, o que importa é o cumprimento da norma, não implicando, necessariamente, a consciência da norma. Assim, se um indivíduo, mesmo a contragosto, por coação, respeitar as regras jurídicas postas, age corretamente do ponto de vista do Direito; “a interiori zação da norma, essencial no ato moral, não o é, pelo contrá rio, no âmbito do direito”. 2. Correlatamente à diferença supracitada, tem-se o papel da coação: no caso da Moral, trata-se de uma coação interior; já, no Direito, ela é exterior. “Nada e ninguém nos pode obrigar internamen te a cumprir a norma moral. Isso quer dizer que o cumprimento das normas morais não é garantido por um dispositivo exterior coercitivo que possa prescindir da vontade.” Diferente do Direito que dispõe de um organismo estatal para impor tais normas. 3. Enquanto as normas jurídicas se encontram, em sua maioria, codificadas, as normas morais, no geral, não. 4. A moral é mais ampla que o Direito, pois abarca uma infinidade de relações humanas, enquanto o Direito se restringe àquelas “mais vitais para o Estado, para as classes dominantes ou para a sociedade em seu conjunto”. 5. A Moral é anterior ao Direito, pois ela se constitui antes do advento do Estado, quanto o Direito está ligado ao aparecimento do Estado. Podemos falar de sociedades moralmente regradas, mas sem Estado, mas, dificilmente, podemos falar de Direito sem Estado. Particularmente nas sociedades contemporâneas, podemos falar da convivência de múltiplas morais numa mesma sociedade; algo difícil no campo do Direito, pois: filosofia_do_direito.indb 27 12/07/12 13:31 28 Universidade do Sul de Santa Catarina [...] como depende necessariamente do Estado, existe somente um direito ou sistema jurídico único para toda a sociedade, ainda que este direito não conte com o apoio moral de todos os seus membros. Conclui-se, portanto, que na sociedade dividida em classes anta gônicas existe somente um direito – porque existe somente um Estado –, ao passo que coexistem duas ou mais morais diver sas ou opostas. (VÁZQUEZ, 1975, p. 83). Isto não quer dizer, no entanto, que o Direito não prescreva o respeito às diferentes morais: O campo do direito e da moral [...] possuem um caráter histórico. A es fera da moral se amplia às custas do direito, à medida que os homens observam as regras fundamentais da convivência voluntariamente, sem necessidade de coação. Esta ampliação da esfera da moral com a conseqüente redução da do direito é, por sua vez, índice de um progresso social. A passagem para uma organização social superior acarreta a substituição de certo com portamento jurídico por outro, moral. De fato, quando o indi víduo regula as suas relações com os demais não sob a ameaça de uma pena ou pela pressão da coação externa, mas pela íntima convicção de que deve agir assim, pode-se afirmar que nos encontramos diante de uma forma de comportamento moral mais elevada. Vê-se, assim, que as relações entre o direito e a moral, historicamente mutáveis, revelam num certo momento tanto o nível alcançado pelo progresso espiritual da humani dade, quanto o progresso político-social que o torna possível. (VÁZQUEZ, 1975, p. 83-84). Particularmente as semelhanças levaram alguns pensadores a considerar o Direito como fundado na Moral, sendo uma forma diminuta da moralidade.Tal tese pode ser fundamentada, também, na história do Direito ou da constituição de códigos escritos. Geralmente, os primeiros códigos normativos escritos carregam consigo preceitos morais. Algumas constituições de cidades gregas na Antiguidade, por exemplo, prescreviam o respeito aos mais velhos e cortar os cabelos de determinada forma, ou seja, prescrições do âmbito moral ou do trato social, não jurídicas no sentido mais estrito da palavra. Para entender melhor, consulte: Art. 5°, Inciso VI - “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. (Constituição Brasileira de 1988). Consulte também: Art. 20 - “Praticar, induzir ou incitar a iscriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Pena: reclusão de um a três anos e multa. (Lei Nº 9.459, de 13 de Maio de 1997.) filosofia_do_direito.indb 28 12/07/12 13:31 29 Filosofia do Direito Unidade 1 Evidentemente, esta é apenas uma das perspectivas filosóficas acerca do Direito. Mais à frente, você se dará conta de outras. Justiça, Lei e Direito Outro debate bastante instigante que tomaremos aqui para ilustração de temas filosófico-jurídicos, os quais envolvem a interseção de várias áreas da Filosofia, é o da relação entre Lei e Justiça. Na antiguidade grega, a Justiça é vista como medida ou ordem natural das coisas. Partindo desta concepção, podemos entender a definição de justiça encontrada no diálogo A República, quando Platão afirma: quando “[...] cada pessoa fizer uma só coisa, de acordo com a sua natureza e na ocasião propícia deixando em paz as outras” (PLATAO, 2002, 370e, p. 57), temos a justiça. Ou, mais claramente, noutra passagem: “[...] a justiça será que cada um exerça uma só função na sociedade, aquela para a qual, por natureza, foi mais dotado” (PLATAO, 2002, 433a, p. 128-129). Velhas máximas da mitologia grega que foram tomadas pelos filósofos desta época também marcam esta noção. É o caso da seguinte ideia: “Nada em demasia.” Em certa medida, ainda pensamos assim quando estabelecemos proximidades entre lei e ordem, ou quando dizemos que certa ação é justa por ter restabelecido a ordem das coisas. Você já deve ter ouvido alguém dizer que está devendo um favor a outro, ou que não pode ir a uma festa de aniversário sem levar um presente, pois o aniversariante lhe deu um no seu aniversário. Este costume de retribuir remonta a velhas práticas, que remetem à recomposição da ordem com justiça natural. Há antigas questões, retomadas no Direito contemporâneo, que se pautam pela justiça distributiva e reparatória (retomando Aristóteles), pretendendo repor diretos a cidadãos que historicamente têm seus direitos negados e, assim, impossibilitados de ascensão social. É o caso do debate sobre as cotas e as normas contra os preconceitos étnicos. Nestas antigas concepções, entretanto, se está pensando a Lei como modelo universal e, como tal, trata-se de uma idealização da lei. Tal postura pode facilmente considerar como correlatas Lei e Justiça, Direito e Justiça, Ordem e Justiça. Contudo, no âmbito do mundo prático, constata-se que nem toda lei é justa e nem filosofia_do_direito.indb 29 12/07/12 13:31 30 Universidade do Sul de Santa Catarina todo ato justo é legal. Assim sendo, ao se tomar o Direito como prescrição coercitiva do Estado, podemos debater a relação entre leis, estabelecimento da ordem e justiça, legalidade e legitimidade. Você já pensou sobre isto: será que tudo que é legal é legítimo? Pense na seguinte situação: dado Estado totalitário, para estabelecer a ordem social, impõe leis que proíbem a livre associação de trabalhadores ou classes sociais, e dispõem prender e torturar com o objetivo de desmontar os movimentos contrários à ordem estabelecida. O cumprimento de tais leis por parte dos funcionários do Estado pode ser legal, ou seja, estar dentro das leis estabelecidas. Mas você acha que isso seria justo? Como juridicamente condenar ou absolver um tirano que usou de tortura e mandou matar muitos cidadãos, se este agia dentro da ordem legal (jurídica) estabelecida? Eis um debate que envolve a questão dos Direitos humanos e internacionais. Outro dilema: é justo que uma assembleia constituinte estabeleça nas normativas maiores de uma nação cláusulas que proíbam a gerações futuras reformular ou revogar determinadas cláusulas constitucionais? Este é o caso do debate sobre a legitimidade das cláusulas pétreas na constituição brasileira. É importante você compreender que legitimidade remete a consenso, a uma aceitação pública. Nesta medida, a imposição de leis não é legítima, pelo menos num regime democrático, se não passa pela aceitação e justificação da vontade geral. Para ilustrar tal debate, leia o artigo Reflexões acerca da legitimidade das cláusulas pétreas, de Frederico Augusto Leopoldino Koehler, professor e Juiz Federal do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em Recife-PE, do qual transcrevemos o Resumo: “O presente ensaio tem o intuito de desenvolver reflexões críticas sobre a legitimidade das cláusulas pétreas nos regimes democráticos. Para tanto, o autor inicia o artigo com um breve histórico das cláusulas pétreas no direito estrangeiro. Após, são averiguadas as razões que comumente motivam a sua criação. O texto analisa o instituto no ordenamento jurídico brasileiro e, mais adiante, destaca os pontos positivos e negativos das limitações materiais ao poder de reforma. Aborda então a teoria da dupla revisão e o paradoxo das cláusulas pétreas. Por fim, questiona a legitimidade dessa figura jurídica no regime democrático e o papel do Supremo Tribunal Federal como intérprete central do instituto e definidor do seu sentido e alcance, apontando as conclusões atingidas.” Fonte: Koehler (2009). filosofia_do_direito.indb 30 12/07/12 13:31 31 Filosofia do Direito Unidade 1 A passagem abaixo, é bastante esclarecedora: 1. Introdução “Nem tudo que é ilegal é ilegítimo”. Esta frase, difundida no senso comum, é de grande importância nos estudos filosófico-jurídicos. A partir dela, insere-se na doutrina jurídica um termo bem menos conhecido que a legalidade: a legitimidade. A história das instituições jurídicas brasileiras consolidou a ideologia positivista, sobre a qual a legalidade é o principal fundamento de validade das condutas dos indivíduos na sociedade. O positivismo deu origem à ideologia legalista, ideologia falsificadora da realidade, estratégia autoritária, que passa longe dos marcos de justiça. A noção de legitimidade virá, portanto, para romper com essa ideologia. 2. Definições de legalidade e legitimidade Wolkmer (1994, p. 180) assinala que “a legalidade reflete fundamentalmente o acatamento a uma estrutura normativa posta, vigente e positiva”, e que a legitimidade “incide na esfera da consensualidade dos ideais, dos fundamentos, das crenças, dos valores e dos princípios ideológicos”. Sua aplicação envolve, como concepção do direito, “a transposição da simples detenção do poder e a conformidade do justo advogados pela coletividade”. A legalidade está relacionada à forma, enquanto a legitimidade está relacionada ao conteúdo da norma. A legalidade, como acatamento a uma ordem normativa oficial, não possui uma qualidade de justa ou injusta. A ideologia legalista, por sua vez, parte da noção de legalidade para distorcê-la e, aí sim, servir como instrumento de injustiça. (MOREIRA, 2008). filosofia_do_direito.indb 31 12/07/12 13:31 32 Universidade do Sul de Santa Catarina Nas palavras finais, o mesmo artigo indica uma tendência. Veja: 10. Conclusão À guisade conclusão, procurou-se abordar dois termos essenciais à filosofia jurídica, a legalidade e a legitimidade, chegando até as distorções de cada um. Demonstrou-se que não há neutralidade na aplicação do direito, e que a ideologia legalista está impregnada na formação do pensamento jurídico brasileiro. Conclui-se que é preciso verificar a legitimidade do direito, em vez olhar apenas para sua legalidade. Assim, encontra-se plenamente aplicável a máxima “nem tudo que é ilegal, é ilegítimo”. A ruptura com o legalismo e com a legitimação leva à afirmação de uma nova legitimidade, como parâmetro de aplicação do direito, a legitimidade conforme os interesses e necessidades das classes populares. (MOREIRA, 2008). Veja no quadro abaixo uma resposta a respeito deste debate que é bem esclarecedora: O Princípio da Legitimidade A legitimidade tem exigências mais delicadas, visto que levanta o problema de fundo, questionando acerca da justificação e dos valores do poder legal. A legitimidade é a legalidade acrescida de sua valorização. É o critério que se busca menos para compreender e aplicar do que para aceitar ou negar a adequação do poder às situações da vida social que ele é chamado a disciplinar. No conceito de legitimidade entram as crenças de determinada época, que presidem à manifestação do consentimento e da obediência. filosofia_do_direito.indb 32 12/07/12 13:31 33 Filosofia do Direito Unidade 1 A legalidade de um regime democrático, por exemplo, é o seu enquadramento nos moldes de uma constituição observada e praticada; sua legitimidade será sempre o poder contido naquela constituição, exercendo-se de conformidade com as crenças, os valores e os princípios da ideologia dominante, no caso a ideologia democrática. Do ponto de vista filosófico, a legitimidade repousa no plano das crenças pessoais, no terreno das convicções individuais de sabor ideológico, das valorações subjetivas, dos critérios axiológicos variáveis segundo as pessoas, tomando os contornos de uma máxima de caráter absoluto, de princípio inabalável, fundado em noção puramente metafísica que se venha a eleger por base do poder. A legitimidade inquire acerca dos preceitos fundamentais que justificam ou invalidam a existência do título e do exercício do poder, da regra moral, mediante a qual se há de mover o poder dos governantes para receber e merecer o assentimento dos governados. Vale ressaltar a importância que tem o entendimento sociológico da legitimidade, a qual implica sempre uma teoria dominante do poder. A legitimidade abrange, por último, duas categorias de problemas: 1) A necessidade e a finalidade mesma do poder político que se exerce na sociedade através principalmente de uma obediência consentida e espontânea, e não apenas em virtude da compulsão efetiva ou potencial de que dispõe o Estado (instrumento máximo de institucionalização de todo o poder político). Vista debaixo desse aspecto, a legitimidade do poder só aparece contestada nas doutrinas anárquicas, nomeadamente no marxismo. 2) Saber se todo poder é legal e legítimo ao mesmo tempo e quais as hipóteses configurativas de desencontro desses dois elementos: legalidade e legitimidade. Fonte: Oliveira (2011). filosofia_do_direito.indb 33 12/07/12 13:31 34 Universidade do Sul de Santa Catarina Seção 2 – Reflexões sobre a Metodologia e a Epistemologia da Filosofia do Direito Como todo tipo de conhecimento, a Filosofia do Direito também tem seus métodos. O que a diferencia de outras formas de conhecimento são, em parte, as características destes procedimentos metodológicos. Preste atenção no exemplo a seguir: Um homem comum, ao fazer seu trabalho, que, no caso, é capinar o quintal, também tem um procedimento metódico, aprendido por observação e prática. Desta forma, esse homem sabe que seu intento terá maior resultado, caso segure a enxada de determinada forma, se começar por determinado ponto e não outro, se medir os gestos e a força dos movimentos, embora, evidentemente, possa apreender e executar isto de forma aleatória. Como muitos tipos de conhecimento, tal processo não se aprende de imediato, mas, depois de um tempo, dão-se por hábito e são tomados por naturais. Algo semelhante poderia ser dito de seu processo de aprendizagem para exercer certas funções que lhe serão pertinentes com o título de bacharel em Direito. No começo, você terá que observar outros profissionais com maior experiência; com muita frequência, terá de consultar os códigos e as normativas jurídicos, os pareceres e súmulas de outros processos para fundamentar suas tratativas. Com o passar do tempo, suas respostas serão mais rápidas e gastará menos tempo em pesquisas, pois, na prática, foi adquirindo um repertório básico necessário para o exercício de sua função. Evidentemente, isto não quer dizer que, com o tempo, você possa vir a dispensar a pesquisa, a consulta aos códigos e normativas, mesmo porque, como já foi dito, o Direito é mutável. Talvez você esteja a se perguntar: Então, os métodos do senso comum são similares aos da Filosofia do Direito ou da Ciência do Direito? Cabe lembrar que estes esquemas mentais e metodológicos podem ser criticados. Você verá isto mais adiante. Por enquanto, fique com ideias básicas, que você deve ter visto na disciplina de Ciência e Pesquisa. filosofia_do_direito.indb 34 12/07/12 13:31 35 Filosofia do Direito Unidade 1 Não, o que temos são alguns procedimentos iniciais que aproximam, ou seja, dão margem a estabelecermos certas semelhanças entre estes tipos de conhecimento. Os procedimentos filosóficos e científicos utilizados pelas Ciências Jurídicas são mais sistemáticos, exigindo outras estratégias que não aparecem, ao menos sistematicamente, no senso comum. Por outro lado, a Filosofia trabalha mais com critérios racionais e menos com procedimentos empírico-experimentais, como é o caso da Ciência. Para avançarmos nesta questão sobre a metodologia da Filosofia do Direito, tomemos Nader (2006, p.11): Como estudo reflexivo, que aspira à compreensão do Direito dentro de uma visão harmônica da realidade, a Filosofia Jurídica dispõe de um amplo temário de análise que se divide em dois grandes planos de reflexão: um de natureza epistemológica, onde se pesquisa o conceito do Direito e assuntos afins, e outro de caráter axiológico, no qual se submetem as instituições jurídicas a um exame crítico-valorativo. Nader (2006) indica que a primeira tarefa da Filosofia do Direito é mais geral e procura esclarecer uma definição de Direito e seus correlatos. Tal tarefa, evidentemente, não é simples e depende, também, de posicionamentos e inclinações de natureza ideológica. Esta posição se contrapõe à noção de neutralidade defendida por um positivismo jurídico. No dizer do autor, “[...] o exercício dessa liberdade cultural pressupõe a experiência jurídica e o conhecimento das alternativas filosóficas.” (NADER, 2006, p.12). Assim, podemos dizer que: Uma cultura geral, aliada a um grande conhecimento da especificidade do saber jurídico, é importante para formular definições de Direito, em si determinantes, por vezes, para a fundamentação da tomada de decisões no campo jurídico. filosofia_do_direito.indb 35 12/07/12 13:31 36 Universidade do Sul de Santa Catarina O segundo caráter da Filosofia do Direito é apresentado como sendo de natureza mais prática, consistindo em valorizar leis e instituições jurídicas. Aqui, julgamos os valores das leis partindo de parâmetros maiores: humanos e sociais. Lembre-se do exemplo hipotético apresentado anteriormente, quanto à possibilidade de julgar um ditador que, mesmo diante a legalidade vigente, poderia ser condenado por certos crimes. Tal alternativaapenas seria possível, se avaliássemos a conduta deste governante à luz de princípios humanísticos, os quais estariam acima da legalidade circunscrita a determinada constituição. A investigação epistemológica, por ser mais geral, conceitual e abstrata, é de maior interesse dos jurisprudentes e dos filósofos do direito. Já a axiológica “[...] que se concentra em torno do Direito como regulamentação concreta de fatos sociais, no propósito de ajustá-lo à natureza positiva das coisas, é matéria de interesse também do homem simples do povo, na qualidade de destinatário do Direito Positivo e como ente capaz de se posicionar valorativamente.”(NADER, 2006, p.13). Como lembra Nader (2006, p.16), não devemos confundir o método com a busca da verdade, pois este, geralmente, é um procedimento que visa “[...] indicar o caminho mais apropriado para a obtenção de resultados positivos.” Nesta medida, o procedimento a ser adotado deve levar em conta o objeto de estudo e inclinações do pesquisador. Quando o procedimento adotado é mais empirista, ou seja, considera que a base do conhecimento vem da experiência, atentará mais para um procedimento indutivo. Quando for mais racionalista, atentará mais para um procedimento dedutivo ou aqueles que usam mais a razão. Axiologia é a parte da Filosofia que discute a questão do valor. É sinônimo de Filosofia dos Valores. filosofia_do_direito.indb 36 12/07/12 13:31 37 Filosofia do Direito Unidade 1 Nader (2006) ainda caracteriza os métodos em discursivos e intuitivos, dividindo o discursivo em dedutivo e indutivo. Veja isto com mais atenção a seguir. Os métodos discursivos se caracterizam, particularmente, por serem produtores de discursos e, para tanto, passar por etapas que vão de um estágio inicial, que consiste em sair de uma inércia quanto ao assunto ou temática, passando para um desenvolvimento, onde se dá conta do objeto em questão e levantam-se as hipóteses de trabalho, aplicando-se regras e métodos, gerando a conclusão, “[...] momento culminante do processo, quando se forma o juízo, afirmando-se ou negando-se algo sobre o objeto (final).” (NADER, 2006, p. 16). O procedimento intuitivo se caracteriza por ser imediato, ou seja, chegamos ao objeto de conhecimento sem uma mediação - captamos, obtemos conhecimento do objeto instantaneamente, de modo direto e acrítico: a) sensível: neste caso, a possibilidade dá-se, quando o conhecimento é estimulado pela realidade exterior, material, a partir dos sentidos; b) espiritual: neste caso, o conhecimento é fruto do próprio espírito. O conhecimento, por sua vez, pode ser subdividido em intelectual, emocional e volitivo, ou seja, conforme sua origem, respectivamente, a razão, emoção ou vontade. Basicamente, o procedimento descrito já deve ser seu conhecido, se já trabalhou com algum tipo de pesquisa científica, mesmo as mais básicas. filosofia_do_direito.indb 37 12/07/12 13:31 38 Universidade do Sul de Santa Catarina A seguinte passagem de Rodrigues (2005) salienta a importância deste procedimento: Talvez seja menos comum falar-se em conhecimento intuitivo, em especial em um trabalho construído na e para a academia. Mas não se pode omiti -lo. Estudos contemporâneos reforçam a existência desse sexto sentido do ser humano. A intuição faz sentir, perceber que algo existe ou não existe, é ou não é de uma determinada forma. Essa percepção não se dá através dos cinco sentidos; ela aparece como uma sensação. É importante que se aprenda e escutar essas sensações, pois podem levar a grandes descobertas. A intuição pode ser o ponto de partida para a pesquisa, inclusive a científica. Ou seja, a intuição oferece um determinado caminho; mas a comprovação da sua autenticidade tem que ser buscada através de instrumentos técnicos ou científicos. Para reforçar, no âmbito da prática você pode ter certa intuição sobre qual o sentido de determinado conjunto de normas legais, mas, de início, não tem como provar tal intuição-hipotética. Para efeito de prova, deverá usar os outros procedimentos. Mas, note, você começou com uma intuição. Passemos para a diferenciação entre o procedimento dedutivo e o procedimento indutivo. 1. Procedimento dedutivo - trata-se, basicamente, de um raciocínio que vai de um enunciado, regra ou princípio geral ou universal para um particular ou singular, seguindo o critério da coerência. Para a coerência deste tipo de procedimento, é importante tomarmos o enunciado geral, universal como verdadeiro. Caso contrário, toda a possibilidade de validade lógica fica anulada. Tomemos um exemplo: partindo do princípio de que “A justiça se pauta pela igualdade”, podemos verificar se dada situação é justa ou injusta. Assim, se a igualdade se estabelece, dando condições mínimas de sobrevivência e dignidade, o fato de alguns seres humanos passarem fome é uma injustiça, pois uma desigualdade. Nader apresenta outro exemplo e esclarece as inferências do raciocínio. Vejamos: filosofia_do_direito.indb 38 12/07/12 13:31 39 Filosofia do Direito Unidade 1 Se afirmamos que a liberdade é um bem do homem, por inferência, extensão lógica, devemos reconhecer que a ele deve ser garantido o poder de ir e vir, de manifestar o seu pensamento. Estes são princípios mais específicos, revelados dedutivamente de um princípio geral. Entre o suposto racional e a conseqüência, mais do que uma relação, deve haver um nexo de subordinação e dependência, em razão do qual os princípios deduzidos apresentam o mesmo grau de virtudes e de defeitos que a máxima geral. A importância da conseqüência decorre não apenas da coerência que deve haver entre os dois termos, mas também do valor do suposto. Assim, se a regra geral for uma conjetura, a conclusão derivada somente terá valor conjetural. (NADER, 2006, p. 16-17). No exercício profissional,você se deparará, por diversas vezes, com tal procedimento, tendo que derivar de princípios gerais princípios específicos. 2. Procedimento indutivo – opera de forma inversa do dedutivo, pois parte de enunciados particulares, que dão conta de situações, fatos, experiências específicas, e produz conclusões gerais, universais. Quando um promotor procura na vida do réu outras atitudes que indiquem índole criminosa, está a juntar fatos particulares que poderão produzir um juízo geral. Por exemplo: se o réu é um criminoso compulsivo, só lhe cabe a exclusão social permanente, ou um atento tratamento psicológico em instituições prisionais próprias para tal situação. Ambos os procedimentos apresentam problemas. No caso do procedimento dedutivo, o problema já foi indicado: tomar a premissa — o enunciado geral — como verdadeira. Poderíamos perguntar: que garantias temos disto? No caso do procedimento indutivo, temos um problema lógico, a saber, não podemos inferir verdade de um conjunto de proposições particulares, no máximo temos uma probabilidade. Mas probabilidade não é verdade. Assim, por determinados elementos de um dado conjunto terem filosofia_do_direito.indb 39 12/07/12 13:31 40 Universidade do Sul de Santa Catarina certas características, não significa que todos os elementos tenham as mesmas características. Exemplificando rasteiramente: se o réu costuma frequentar lugares onde se praticam crimes de exploração sexual, isto não significa, necessariamente, que ele seja um criminoso sexual. Em primeira instância, ele é apenas suspeito. Há mesmo a ideia de que se existem dúvidas quanto ao fato de ser ou não o réu um criminoso, que ele deva ser absolvido. É importante salientar que, seja no processo judicial, seja no estudo teórico do Direito, ambos os raciocínios são utilizados, pois nossa mente não trabalha apenas com um ou outro somente. Eles sãocomplementares na elaboração de conhecimento. Para ilustrar as etapas de uma pesquisa, tomemos o esquema do professor Horácio Wanderlei Rodrigues, a seguir: MOMENTO PREPARATÓRIO (Planejamento da pesquisa) MOMENTO OPERACIONAL (Execução da pesquisa e estruturação das idéias) MOMENTO REDACIONAL E COMUNICATIVO (Apresentação dos resultados da pesquisa) Escolha do tema Especiÿcação e delimitação do tema Formulação do problema, das hipóteses e das variáveis (quando for o caso) Levantamento inicial de dados, documentos e bibliograÿa Elaboração do projeto de pesquisa Levantamento complementar de dados, informações, documentos e bibliograÿa Análise de dados e documentos e leitura da bibliograÿa Crítica dos dados, documentos e bibliograÿa; re°exão pessoal Redação inicial do relatório/trabalho Revisão do relatório/trabalho Redação deÿnitiva do relatório/trabalho Defesa pública do relatório/trabalho, quando for o caso Publicação dos resultados da pesquisa MOMENTO PREPARATÓRIO (Planejamento da pesquisa) MOMENTO OPERACIONAL (Execução da pesquisa e estruturação das idéias) MOMENTO REDACIONAL E COMUNICATIVO (Apresentação dos resultados da pesquisa) Escolha do tema Especiÿcação e delimitação do tema Formulação do problema, das hipóteses e das variáveis (quando for o caso) Levantamento inicial de dados, documentos e bibliograÿa Elaboração do projeto de pesquisa Levantamento complementar de dados, informações, documentos e bibliograÿa Análise de dados e documentos e leitura da bibliograÿa Crítica dos dados, documentos e bibliograÿa; re°exão pessoal Redação inicial do relatório/trabalho Revisão do relatório/trabalho Redação deÿnitiva do relatório/trabalho Defesa pública do relatório/trabalho, quando for o caso Publicação dos resultados da pesquisa Quadro 1.2 – Etapas da pesquisa Fonte: Rodrigues (2005). filosofia_do_direito.indb 40 12/07/12 13:31 41 Filosofia do Direito Unidade 1 Como salienta o professor Wanderlei Rodrigues, há uma prática formalista dentro do sistema acadêmico contemporâneo, que privilegia os momentos inicial e final da metodologia da pesquisa, descaracterizando aquilo que é de mais importante: a pesquisa em si. Evidentemente, a produção material e formal — aqui, principalmente os relatórios de pesquisa, os artigos, os pareceres publicados, etc. — são importantes para o conhecimento e difusão da pesquisa científica. Entretanto isto não é o essencial para entendermos o procedimento científico. Tal alerta do professor Rodrigues serve para chacoalhar nossa acomodação acadêmica, nossa ideia de que as coisas já estão prontas e dadas, que as leis e o Direito são imutáveis e seguros. Muito pelo contrário, tudo isto envolve constante reflexão. Os procedimentos apresentados acima estão inseridos no debate epistemológico e remetem ao problema da verdade científica. Epistemologia e Direito Ainda é muito comum pensar o conhecimento científico como verdadeiro em termos absolutos. Poderíamos discutir o que é verdade e suas diferentes vertentes. Entretanto, para o momento, vamos pensar nos sentidos contemporâneos de ciência. Tal investigação é importante para desfazermos certa compreensão, ainda muito forte, de que o Direito, como Ciência, é um conhecimento verdadeiro acerca de um objeto, aprendido a partir de um determinado método. Esta compreensão é derivada de uma forte influência positivista que persiste. Hoje falamos mais de ‘testabilidade’ como uma das características principais do conhecimento científico. Assim, como diz Rodrigues (2005), o conhecimento científico “[...] tem que ser público quanto aos resultados, às hipóteses testadas e aos métodos utilizados para sua obtenção, de forma que sua produção possa ser produzida em qualquer outro lugar por qualquer outro cientista, sendo então confirmado ou refutado.” Este pensamento, diz o autor, fundamenta-se na visão de Popper. Acompanhe: Para esta temática, leia o capítulo 3. A verdade, do livro de Marilena Chaui, Convite à filosofia. filosofia_do_direito.indb 41 12/07/12 13:31 42 Universidade do Sul de Santa Catarina Ora, eu sustento que as teorias científicas nunca são inteiramente justificáveis, mas que, não obstante, são suscetíveis de se verem submetidas a prova. Direi, consequentemente, que a objetividade dos enunciados científicos reside na circunstância de eles poderem ser intersubjetivamente submetidos a teste. (POPPER, 2002, p. 46). Popper quer significar que a ciência é essencialmente teoria, e as teorias científicas são construções lógicas que, com maior ou menor grau, se adéquam àquilo que chamamos realidade. Nesta medida, se uma teoria resiste às críticas mantém-se como plausível, aceitável. Mais ainda, para Popper, uma teoria que não pode ser refutada não é científica, mas dogmática. O que vemos é uma provisoriedade das teorias científicas e uma crítica severa ao positivismo. Assim, tomar a Ciência do Direito ou mesmo as Leis como um conjunto de verdades irrefutáveis não seria, do ponto de vista popperiano, agir cientificamente, mas dogmaticamente. Outro pensador contemporâneo que faz crítica severa à posição positivista é Thomas S. Kuhn. Ele trabalha com a noção de paradigma científico. Cada época teria seu paradigma o qual sustentaria uma determinada concepção científica. Este paradigma tem aceitabilidade social, o que garante, durante certo tempo, o desenvolvimento da ciência. Ao longo da história, há certos momentos em que o paradigma entra em crise: aqui, temos a ciência revolucionária. Desta forma, um dado modelo científico é posto em xeque. Isto acontece, porque certas observações não se encaixam mais no modelo (paradigma) estabelecido. Elas produzem anomalias. Num primeiro momento, estas anomalias são adaptadas aos paradigmas vigentes, mantendo-os. Contudo, em certo momento — o revolucionário — o número de anomalias é tão grande que se passa a desconfiar do paradigma, aparecendo, assim, outras teorias, modelos explicativos. Estes modelos explicativos vão, aos poucos, tendo uma aceitabilidade coletiva, passando um deles a se tornar um novo paradigma, o qual desenvolverá um novo caminhar da ciência. Veja com Thomas S. Kuhn (1975, p.13) define paradigma: “Considero ‘paradigmas’ as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de participantes de uma ciência.” (1975, p. 13). filosofia_do_direito.indb 42 12/07/12 13:31 43 Filosofia do Direito Unidade 1 Por meio desta perspectiva, visualiza-se o desenvolvimento científico como descontínuo e não cumulativo, diferente da visão popperiana que pensa a ciência como eliminação contínua dos erros do passado. Outro aspecto importante refere-se ao fato de Kuhn conceber a ciência como a tentativa de resolver um quebra-cabeça. Além disso, ele se questiona sobre o como e o porquê de determinados cientistas passarem a ver certos fenômenos investigados a partir de outra perspectiva. Acompanhe: Cientistas individuais abraçam um novo pa radigma por toda uma sorte de razões e normalmente por várias delas ao mesmo tempo. Algumas dessas razões — por exemplo, a adoração do Sol que ajudou a fazer de Kepler um copernicano — encontram-se intei ramente fora da esfera aparente da ciência. Outros cien tistas dependem de idiossincrasias de natureza autobio gráfica ou relativas a sua personalidade. Mesmo a na cionalidade ou a reputação prévia do inovador e seus mestres podem desempenhar algumas vezes um papel significativo. Em última instância, portanto, precisa mos aprender a colocar essa questão de maneira dife rente. Nossa preocupação não será com os argumentos que realmente convertemum ou outro indivíduo, mas com o tipo de comunidade que cedo ou tarde se re-for ma como um único grupo. (KUHN, 1975, p. 193). Observe que isto implica dizer que há fatores subjetivos ‒ psicológicos e sociológicos ‒ no desenvolvimento da ciência. Outra concepção contemporânea que serve para desfazer a noção de que a ciência é algo que produz verdades absolutas é a Teoria Crítica de base marxista. Para a Teoria Crítica, há um movimento histórico-dialético entre as “acomodações” do debate entre Direito Natural ou Jusnaturalismo e Direito Positivo ou Juspositivismo. Assim sendo, não se trata de dizer que esta ou aquela estejam erradas, mas sim que são incompletas. filosofia_do_direito.indb 43 12/07/12 13:31 44 Universidade do Sul de Santa Catarina A Teoria Crítica propõe que o estudo do Direito não fique apenas na análise interpretativa de enunciados jurídicos, mas que incorpore os juízos de valores constitutivos da ideologia social, procurando não, simplesmente, mantê-la, como também servir-se destes estudos para fazer uma crítica do sistema, e, com isto, alargar os horizontes da prática jurídica em direção à justiça. Tal perspectiva aborda, também, um pluralismo jurídico e um Direito que deve ser reconhecido para além das instâncias jurídicas do Estado. De acordo com Bray (2005): A Teoria Crítica no Direito, analisada sob este aspecto, assume a forma de uma Teoria Jurídica Crítica, pois questiona e rompe com o que está disciplinarmente ordenado e oficialmente consagrado, opondo-se tanto em relação ao positivismo jurídico, como em relação ao jusnaturalismo. No campo das propostas, a teoria jurídica crítica oferece novos paradigmas, propondo formas diferenciadas, não repressivas e emancipadoras de prática jurídica, a exemplo das práticas de natureza comunitário- participativa-informal, que assumem a forma de negociação, mediação, conciliação, arbitragem, conselhos e tribunais populares, e que se desenvolvem em ambiente plurais e conflitantes. (BRAY, 2005). Como você pode ver, essas perspectivas teóricas contemporânea têm aspectos comuns — são contrárias à visão dogmática — e complementares em certos aspectos, embora possam se contrapor em outros. Há outras vertentes ou especificidades na tonalidade desta ou daquelas perspectivas apresentadas. Mas, por hora, esta introdução cumpre o papel de deixá-lo(a) alerta para a caminhada que tem a frente, apontando-lhe problemáticas que despertam para a riqueza e a importância do estudo filosófico- jurídico que tem pela frente. filosofia_do_direito.indb 44 12/07/12 13:31 45 Filosofia do Direito Unidade 1 Síntese Nesta unidade, você pôde acompanhar uma introdução a noções de Filosofia, Direito e Filosofia do Direito. Neste sentido, teve a oportunidade de estudar algumas relações entre a Filosofia do Direito e outras áreas de conhecimento, particularmente as filosóficas. As exemplificações são as discussões temáticas em torno da relação Ética e Direito; Justiça, Lei e Direito, passando pelas noções de Legalidade e Legitimidade. Você vislumbrou alguns aspectos metodológicos da Filosofia do Direito e da pesquisa científica, no geral. Tal apresentação teve o objetivo de levá-lo(a) a pensar sobre certas correntes epistemológicas contemporâneas e sobre o debate a respeito dos fundamentos da Ciência do Direito. Atividades de autoavaliação Você realizará atividades de autoavaliação ao final de cada unidade, com o objetivo de desenvolver a sua aprendizagem. No final do livro didático, há um gabarito, mas esforce-se para resolver as atividades sem a ajuda deste. 1) Leia atentamente o fragmento abaixo: “Não há, em suma, um direito justo no céu dos conceitos platônico, e um direito imperfeito e injusto no nosso pobre e imperfeito mundo sublunar. O problema do Direito Natural não é descobrir esse celestial livro de mármore onde, gravadas a caracteres de puro ouro, as verdadeiras leis estariam escritas, e que, ao longo dos séculos, sábios legisladores terrenos não conseguiram vislumbrar.” (CUNHA, Paulo Ferreira da. O ponto de Arquimedes: natureza humana, direito natural, direitos humanos. Coimbra: Almedina, 2001. p. 94) Considerando as reflexões contidas no texto, assinale com um “X” a afirmação correta sobre os direitos humanos na atualidade: filosofia_do_direito.indb 45 12/07/12 13:31 46 Universidade do Sul de Santa Catarina a) ( ) a afirmação histórica dos direitos humanos, desde o jusnaturalismo, se iniciou apenas muito recentemente, no final do século XX, por isso ainda são desconhecidos dos juristas. b) ( ) o grande problema dos direitos humanos é que não estão positivados, por isso não são efetivados. c) ( ) o problema atual dos direitos humanos é o de que, apesar de positivados e constitucionalizados, carecem de ser efetivados. d) ( ) o problema atual dos direitos humanos é o de sua fundamentação lógica, na medida em que ainda são considerados deduções teológicas ou frutos de conjunturas econômicas. e) ( ) os direitos humanos são, em todas as suas manifestações, garantias negativas da cidadania, por isso não carecem nenhum tipo de prestação econômica por parte do Estado. Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (2006, p. 10). 2) Do trecho abaixo retiramos algumas palavras e as substituímos por números. Leia o texto e depois enumere a coluna seguinte de acordo com o texto. Se dissermos: “Está chovendo”, estaremos enunciando um acontecimento constatado por nós e o juízo proferido é um (1). Se, porém, falarmos: “A chuva é boa para as plantas” ou “A chuva é bela”, estaremos interpretando e avaliando o acontecimento. Nesse caso, proferimos um (2). (1) são aqueles que dizem o que as coisas são, como são e por que são. Em nossa vida cotidiana, mas também na metafísica e nas ciências, os (1) estão presentes. Diferentemente deles, os (2), avaliações sobre coisas, pessoas, situações, são proferidos na moral, nas artes, na política, na religião. (2) avaliam coisas, pessoas, ações, experiências, acontecimentos, sentimentos, estados de espírito, intenções e decisões como bons ou maus, desejáveis ou indesejáveis. Os juízos éticos de valor são também (3), isto é, enunciam normas que determinam o dever ser de nossos sentimentos, nossos atos, nossos comportamentos. São juízos que enunciam obrigações e avaliam intenções e ações segundo o critério do correto e incorreto do (4). Os juízos éticos de valor nos dizem o que são o bem, o mal, a felicidade. Os juízos éticos normativos nos dizem que sentimentos, intenções, atos e comportamentos devemos ter ou fazer, para alcançarmos o bem e a felicidade... Enunciam também que atos, sentimentos, intenções e comportamentos são condenáveis ou incorretos. filosofia_do_direito.indb 46 12/07/12 13:31 47 Filosofia do Direito Unidade 1 Como se pode observar, (5) e consciência moral são inseparáveis da vida cultural, uma vez que esta define para seus membros os valores positivos e negativos que devem respeitar ou detestar. a) ( ) normativos b) ( ) senso moral c) ( ) juízo de fato d) ( ) ponto de vista moral e) ( ) juízos de valor Fonte: Adaptado de Chauí (2000, p. 431-432). 3) Pautando-se naquilo que você estudou sobre a diferença entre Moral e Direito, leia atentamente as afirmações abaixo: I – A Moral é anterior ao Direito. II – A Moral visa à abstenção do mal e a prática do bem. O Direito visa evitar que se lese ou prejudique a outrem. III – Na Moral a coerção é dada por regras exteriores; no Direito, por regras interiores. IV – Ambas regulam atos dos seres livres e têm por finalidade o bem- estar do ser humano em sociedade. V – A Moral não comporta sanções internas (arrependimento, remorso) e externas (isolamentodo grupo social). Agora, assinale a alternativa correta. a) ( ) Apenas a alternativa I está incorreta. b) ( ) As alternativas II e V estão corretas. c) ( ) Apenas a alternativa II é correta. d) ( ) As alternativas I, II e IV estão corretas. e) ( ) As alternativas I, II e V são corretas. filosofia_do_direito.indb 47 12/07/12 13:31 48 Universidade do Sul de Santa Catarina Saiba mais Você quer saber mais sobre os assuntos tratados nesta unidade? Então consulte as seguintes referências: BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. 4. ed. Brasília: Edunb, 1992. DUTRA, Delamar José Volpato. Manual de filosofia do direito. Caxias do Sul, RS: Educs, 2008. FAGÚNDES, Paulo Roney Ávila. (org.) A crise do conhecimento jurídico: perspectivas e tendências do direito contemporâneo. Brasilia: OAB editora, 2004. LYRA FILHO, Roberto. O que é direito. 17. ed. São Paulo: Brasiliense, 1995. MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. A ciência do direito: conceito, objeto, método. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. MORA, José Ferrater. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1994. NADER, Paulo. Filosofia do Direito. 15. ed. Rio de Janeiro: Florense, 2006. VÁZQUEZ, Adolfo Sanches. Ética. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1986. Você pode complementar os estudos desta unidade assistindo o seguinte filme: A Busca pela Justiça (Heavens Fall). Ano 2006 (EUA). Direção: Terry Green filosofia_do_direito.indb 48 12/07/12 13:31 49 Filosofia do Direito Unidade 1 Análise do Filme A Busca Pela Justiça RESUMO O filme “A busca pela justiça” se passa na década de 30 e é baseado na história verídica de nove jovens afro-descendentes, com idade entre 12 e 20 anos, que costumavam viajar clandestinamente em um trem de carga. Em uma dessas viagens, também se encontravam a bordo do trem duas moças brancas e um rapaz. Ao irromper uma briga, o trem para e os nove jovens afro-descendentes são retirados, presos e acusados de terem estuprado as duas mulheres brancas. O julgamento dá-se de forma rápida, e os jovens são condenados à cadeira elétrica. A notícia dessa condenação gera grande polêmica e faz com que a Corte Suprema dos Estados Unidos faça um novo julgamento. Um advogado nova-iorquino, jovem e idealista, acostumado com as vitórias nos tribunais, é convidado a defender os acusados nesse novo julgamento. Alguns colegas, amigos e familiares tentam dissuadi-lo da ideia, pois seu trabalho seria dificultado, dadas as circunstâncias e o local onde supostamente acontecera o crime. Nesse intermédio, um jornalista afro-descendente de Chicago, também decide cobrir o novo julgamento. O advogado passa a reunir provas que inocentam os acusados, e o promotor, que dependendo do resultado do julgamento pode ser indicado a concorrer às eleições para o governo do estado, decide manter as mesmas testemunhas e provas do julgamento anterior. O veredicto é dado, e o principal acusado é novamente condenado. O juiz, achando injusta a condenação em vista das provas apresentadas pela defesa, resolve anular o julgamento. Um novo julgamento acontece, e o jovem é novamente condenado. Aguardando o dia da sua execução em uma penitenciária, o jovem arquiteta sua fuga e consegue escapar do seu cruel destino. ANÁLISE A intolerância racial no sul dos EUA remonta ao período da Guerra de Secessão ou Guerra Civil Americana, quando os estados do norte obtiveram sua vitória, resultando na libertação dos escravos afro-descendentes que trabalhavam na lavoura. Um dos maiores ícones dessa intolerância foi (ou ainda é) uma organização chamada Ku Klux Klan. Esse grupo foi formado, inicialmente, por veteranos do exército confederado sulista, os Em seguida veja a análise do filme e sua relação com o conteúdo desta unidade: filosofia_do_direito.indb 49 12/07/12 13:31 50 Universidade do Sul de Santa Catarina quais pretendiam impedir a integração social dos afro-americanos recém- libertados, desejavam não permitir que estes pudessem adquirir suas próprias terras e trabalhar nelas, ou mesmo que tivessem os mesmos direitos básicos de outros cidadãos, como votar, por exemplo. Essa intolerância racial no sul dos Estados Unidos pode ser apontada como o principal fator na condenação dos nove jovens. A história contada no filme nos mostra de uma maneira bem clara, as dificuldades enfrentadas pelo advogado de defesa em conseguir o mínimo de cooperação que assegurasse a realização do seu trabalho e ainda algumas represálias a que é submetido por estar em defesa de réus afro- descendentes. Até mesmo um jornalista que pleiteia um lugar no tribunal, para que possa cobrir a história nos dias do julgamento, tem dificuldades em colher as assinaturas necessárias: os cidadãos de sua mesma etnia, a quem recorre num primeiro momento, demonstram certo receio em fornecer tais assinaturas. Outro aspecto demonstrado pelo filme e que também pode ser apontado como responsável pela acusação e consequentemente a condenação dos jovens, diz respeito à ética e à moral. Duas jovens brancas, viajando clandestinamente em um trem de carga, acompanhadas de um jovem era algo considerado amoral naqueles dias. No intuito de não ser acusada de um crime menor (Vadiagem nos EUA é crime e pode levar o indivíduo a pagar multa ou à prisão), acusa outros de um crime maior, e tanto as jovens como seus companheiros sustentam essa versão mesmo em um novo julgamento. Por parte da acusação, aparentemente, temos a mesma questão ética e moral. Cabe aqui deixar uma interrogação com relação ao verdadeiro intuito por trás do ferrenho empenho em acusar os jovens. Seria o verdadeiro objetivo a intenção de se alcançar a justiça? Seria o objetivo alcançar essa justiça por questões raciais? Seria o objetivo levar os jovens à mesma condenação do julgamento anterior, visando assim ser visto com bons olhos pelo poder político local, e obter a indicação do seu nome para as eleições estaduais? Mas ambas as questões ética e moral também se fazem presente de outra maneira nessa triste história. O magistrado que, durante todo o julgamento, se mostra um homem que faz bom juízo de ponderação, após um veredicto um tanto obscuro diante das provas e testemunhas apresentadas decide anular o julgamento, mesmo sabendo que sofreria sanções tanto por parte do poder da sociedade como do poder judiciário. “A busca pela justiça” é um título sugestivo que nos leva a ponderar sobre as condições onde o suposto crime aconteceu, sobre seus supostos envolvidos, sobre as características da sociedade envolvida nesse julgamento e na busca por essa justiça. Poderia essa sociedade tão atrelada aos costumes locais, com raízes fincadas na intolerância racial -- e, como sabemos, o costume é uma importante fonte do Direito, poderia ela produzir e alcançar a verdadeira justiça? filosofia_do_direito.indb 50 12/07/12 13:31 51 Filosofia do Direito Unidade 1 A verdadeira justiça não poderia ser alcançada, pois, como apresentado pela defesa:, segundo a legislação norte-americana, qualquer pessoa que tenha pelo menos 18 anos de idade, tenha uma reputação idônea, seja alfabetizada e não tenha sido condenado por nenhum crime, pode ser membro de um júri, mas um tribunal que, aparentemente, por discriminação racial, nunca permitiu que cidadãos afro-descendentes ocupassem um lugar no corpo de jurados, jamais poderia alcançar tal escopo. Levando em consideração todas as condições mencionadas acima, e que a credibilidade na sua palavra em relação à palavra dos nove jovens seria maior, essa jovem, no intuito de não ser acusada de um crime menor acusa outros de um crime maior. Uma jovem que, podemos dizer, possui um espíritolivre e que está à frente de seu tempo, sai de casa à procura de trabalho e, como apresentado pela defesa, vive uma vida liberta e sem preconceitos sexuais, mas que esconde isso da sociedade em questão e utiliza-se do poder judiciário como uma espécie de cortina de fumaça para que isso não ganhe relevância em detrimento da vida e dignidade de jovens trabalhadores. Temos ainda a condição da sua companheira de viagem que, na mesma situação, corrobora a versão, mas que decide voltar atrás e revelar a verdadeira versão da história. Seria suficiente para a absolvição dos acusados, no que diz respeito ao crime de estupro, trazer à luz fatos duvidosos e provas forjadas inclusive por meio de tortura no julgamento anterior, somando-se a isso as provas apresentadas pela defesa, Mas o veredicto é unânime, e o primeiro réu é condenado à pena de morte. No ultimo esforço, buscando o último fio de esperança para que a justiça seja alcançada, o magistrado, fazendo uso de um incrível e corajoso juízo de ponderação, que leva em consideração os princípios fundamentais da sociologia jurídica, anula o julgamento, a fim de conceder uma outra chance ao jovem condenado injustamente pela segunda vez. Isso nos leva a refletir como estudantes do Direito, sobre tudo o que está em jogo quando se trata de vida, dignidade, destino, tanto dos envolvidos diretamente num caso como esse, quanto dos familiares, amigos e da sociedade em geral. A sociedade produz muitas vezes homens de caráter idôneo, cultos, cumpridores de seus deveres cívicos, mas alguns desses ainda continuam com suas ideias enraizadas em costumes que desfocam seu discernimento e julgamento, levando assim a uma falsa ideia de justiça. O jovem condenado à pena de morte acabou por fazer sua própria justiça, fugindo da prisão, mas como terá sido sua vida, sua sobrevivência depois de um trauma como esse e sendo fugitivo da justiça. Mesmo livre terá contribuído para sociedade? E terá a sociedade contribuído com ele? Fonte: Adaptado de Fredson (2009). filosofia_do_direito.indb 51 12/07/12 13:31