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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS UFAL FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO FAU GRUPO DE PESQUISA: URBE ESTUDOS DA CIDADE ORIENTADOR: AUGUSTO ARAGÃO DE ALBUQUERQUE PESQUISADOR(A): INGRID PONTES VILLAR FICHAMENTO: KUHN, T. S; A Estrutura das Revoluções Científicas; 5ª edição. São Paulo: Editora PERSPECTIVA S.A, 1998; 257p. Palavraschave: Filosofia da Ciência; História da Epistemologia; Desenvolvimento Científico; O ensaio “A estrutura das Revoluções Científicas” é voltado para a filosofia da ciência. Ele causou grande repercusão por ter uma inovadora percepção da história da epistemologia. Esta é diferente da visão tradicional (proveniente das noções do positivismo lógico) pois ela procura entender uma teoria pelo seu contexto histórico, isto é, da época em que foi criada, e não pela referência de mundo atual. Além disso, a estrutura que Kuhn desenvolveu para explicar o progresso científico não é cumulativa e linear como a anterior, indo em direção a um objetivo pré estabelecido pela natureza. A acumulação acontece somente em certos momentos na ciência. O progresso ocorre sobretudo pela revolucionária substituição de paradigmas, visando o aprimoramento de cada novo estágio de desenvolvimento científico. O desenvolvimento cientifico é um processo complexo e longo que envolve algumas etapas (período pré paradigmático, ciência normal, crise, revolução científica e resolução) para ser plenamente sucedido. Tais etapas são ilustradas no esquema abaixo e serão abordadas ao longo fichamento, assim como o progresso científico por elas gerado: 1. PARADIGMA “Considero ‘paradigmas’ as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” (p.13). “Com a escolha do termo pretendo sugerir que alguns exemplos aceitos na prática científica real — exemplos que incluem, ao mesmo tempo, lei, teoria, aplicação e instrumentação — proporcionam modelos dos quais brotam as tradições coerentes e específicas da pesquisa científica” (p.30) “Por exemplo, na Gramática, “amo, amas, amat” é um paradigma porque apresenta um padrão a ser usado na conjugação de um grande número de outros verbos latinos” (p. 44). Para Kuhn, as características imprescíndiveis para qualquer paradigma são a sua singularidade (comparada a predecessores) e sua abertura aos problemas do dado campo de estudo a serem solucionados. Segundo Kuhn, não é possível definir com precisão os elementos que formam um paradigma, porque o conhecimento do paradigma é, em parte, implícito, adquirido somente com a prática da ciência determinada pelo próprio paradigma. São os paradigmas que fornecem fundamentos para a prática das atividades científicas de seus seguidores e futuros seguidores (estudantes). Tais fundamentos estão contidos nos manuais científicos, documentos norteadores da metodologia a ser seguida e dos problemas a serem resolvidos no campo de estudo específico. Os paradigmas dão origem à ciência normal. Segundo Kuhn, “[...]ciência normal significa a pesquisa firmemente baseada em uma ou mais realizações científicas passadas” (p. 29). Para melhor compreender o significado de ciência normal, entenderemos primeiramente de onde ela surge. Para toda ciência normal baseada em um paradigma, existe uma préhistória dessa ciência, um período pré paradigmático. 2. PERÍODO PRÉ PARADIGMÁTICO Segundo Kuhn, neste período não há a existência de paradigmas, apenas uma disputa entre diversas escolas, cada qual com sua linha de pensamento. O comprometimento e o consenso da comunidade científica para com apenas uma teoria (fundamental para o estabelecimento de um paradigma) não existe. Parte disso se dá porque cada escola tem um conhecimento a priori diferente da outra. Consequentemente, cada uma irá interpretar fatos científicos comuns de maneira diferente, e até mesmo selecionar problemas diferentes, com base no seu contato anterior com outros eventos. O processo de escolha de paradigma é longo e complexo, mas após a coleta de fatos científicos, as escolas os analisam a partir de seu conhecimento a priori (crenças, dogmas, etc.). Há um longo período de debate, avaliação e crítica para a seleção de um único pensamento, o qual proporcionará a um campo de estudo virar uma ciência, dando origem à etapa de ciência normal. 3. CIÊNCIA NORMAL “A ciência normal, atividade que consiste em solucionar quebracabeças, é um empreendimento altamente cumulativo, extremamente bem sucedido no que toca ao seu objetivo, a ampliação contínua do alcance e da precisão do conhecimento científico.” (p.77). Segundo Kuhn, existem três focos normais para a investigação científica dos fatos, nem sempre distintos: 1. “[…] classe de fatos que o paradigma mostrou ser particularmente reveladora da natureza das coisas”. Ao empregálos na resolução de problemas, o paradigma tornouos merecedores de uma determinação mais precisa, numa variedade maior de situações.”(p.46). 2. “[…] fatos que podem ser diretamente comparados com as predições da teoria do paradigma… Aperfeiçoar ou encontrar novas áreas nas quais a concordância possa ser demonstrada coloca um desafio constante à habilidade e as imaginações do observador e experimentador”.(p.47) 3. “[…] experiências e observações […] Consiste no trabalho empírico empreendido para articular a teoria do paradigma, resolvendo […] suas ambigüidades residuais e permitindo a solução de problemas que anteriormente apenas havia chamado a atenção” (p.48)” 3.1. “[...] aos problemas teóricos da ciência normal, que pertencem aproximadamente à mesma classe que os da experimentação e da observação” (p.51) Segundo Kuhn, “Existem também problemas extraordinários [...] emergem apenas em ocasiões especiais, geradas pelo avanço da ciência normal”.(p.55) Com isso, entendese que: a ciência normal não tem como principal interesse “[...]produzir grandes novidades, seja no domínio dos conceitos, seja no dos fenômenos.” (p.57) “[...] a gama de resultados esperados (e portanto assimiláveis) é sempre pequena se comparada com as alternativas que a imaginação pode conceber.”(p.58) O resultado da experiência na pesquisa científica que “[...]coincide com essa margem estreita de alternativas é considerado apenas uma pesquisa fracassada, fracasso que não se reflete sobre a natureza, mas sobre o cientista.” (p.58). Entendese que mesmo que a prática dessa atividade gere muitas vezes fracassos, seu exercício é essencial. “Pelo menos para os cientistas, os resultados obtidos pela pesquisa normal são significativos porque contribuem para aumentar o alcance e a precisão com os quais o paradigma pode ser aplicado.” (p. 58). “Resolver um problema da pesquisa normal é alcançar o antecipado de uma nova maneira: Isso requer a solução de todo o tipo de complexos quebracabeças instrumentais, conceituais e matemáticos.(p.59) “ A pesquisa normal [...]deve seu sucesso à habilidade dos cientistas para selecionar regularmente fenômenos que podem ser solucionados através de técnicas conceituais e instrumentais semelhantes às já existentes” (p.130) Segundo Kuhn, quebracabeças podem ser entendidos como: ● “[...] categoria particular de problemas que servem para testar nossa engenhosidade ou habilidade na resolução de problemas.” (p.59) ● “O valor intrínseco não é critério para um quebracabeça. Já a certeza de que este possui uma solução pode ser considerado como tal. “(p.60) “Uma das razões pelas quais a ciência normal parece progredir tão rapidamente é a de que seus praticantes concentramse em problemas que somente a sua falta de engenho pode impedir de resolver.” (p.60) “Para ser classificado como quebracabeça, não basta a um problema possuir uma solução assegurada.Deve obedecer a regras que limitam tanto a natureza das soluções aceitáveis como os passos necessários para obtêlas.”(p.61) Kuhn identifica “regra” como “ponto de vista estabelecido” ou “concepção prévia”. (p.62) Para Kuhn, o quebracabeças só sairá bem sucedido se conseguir comprovar uma teoria já existente, além disso, o cientista deve visar outras regras adicionais em sua resolução. “Tais regras proporcionam uma quantidade de informações adicionais a respeito dos compromissos que os cientistas derivam de seus paradigmas.”(p.63) O autor expõe quatro tipos de regras adicionais que “[...]auxiliam na formulação de quebracabeças e na limitação das soluções aceitáveis”(p.63): ● “[...]enunciados explícitos das leis, conceitos e teorias científicos.” (p.63) ● “[...]tipos de instrumentos preferidos e a maneiras adequadas para utilizálos.” (p. 64) ● Compromissos Metafísicos e Metodológicos ● “[...]perscrutar com grande minúcia empírica algum aspecto da natureza.” (p.65) “A existência dessa sólida rede de compromissos ou adesões — conceituais, teóricas, metodológicas e instrumentais — é uma das fontes principais da metáfora que relaciona à ciência normal à resolução de quebracabeças” (p.65) . Contudo, Kuhn atentase para o fato de que: “As regras, segundo minha sugestão, derivam de paradigmas, mas os paradigmas podem dirigir a pesquisa mesmo na ausência de regras.” (p.66) “A ciência normal pode ser parcialmente determinada através da inspeção direta dos paradigmas. Esse processo é freqüentemente auxiliado pela formulação de regras e suposições, mas não depende dela. Na verdade, a existência de um paradigma nem mesmo precisa implicar a existência de qualquer conjunto completo de regras” (p.69) “A falta de uma interpretação padronizada ou de uma redução a regras que goze de unanimidade não impede que um paradigma oriente a pesquisa.”(p.69) “Os paradigmas podem ser anteriores, mais cogentes e mais completos que qualquer conjunto de regras para a pesquisa que deles possa ser claramente abstraído.” (p.71) Kuhn cita 4 razões do motivo pelo qual os paradigmas poderiam determinar a ciência normal sem a intervenção de regras que podem ser descobertas: 1. Dificuldade para descobrir as regras que guiaram tradições específicas da ciência normal: A pesquisa científica não tem “de satisfazer as exigências de algum conjunto de regras, explícito ou passível de uma descoberta completa... em lugar disso, podem relacionarse por semelhança ou modelandose numa ou noutra parte do corpus científico que a comunidade em questão já reconhece como uma de suas realizações confirmadas.”(p.70) 2. Natureza da educação científica: Os cientistas trabalham a partir de modelos adquiridos através da educação ou da literatura a que são expostos posteriormente, muitas vezes sem conhecer ou precisar conhecer quais as características que proporcionaram o status de paradigma comunitário a esses modelos.”(p.70) 3. Avanço da ciência normal sem regras somente enquanto a comunidade científica relevante aceitar sem questões as soluções de problemas específicos já obtidas: Quando os cientistas não estão de acordo sobre a existência ou não de soluções para os problemas fundamentais de sua área de estudos, então a busca de regras adquire uma função que não possui normalmente. (p.73) 4. A prioridade dos paradigmas, quando comparados com as regras e pressupostos partilhados por um grupo científico: Um paradigma “pode dar origem simultaneamente a diversas tradições da ciência normal que coincidem parcialmente, sem serem coexistentes.” (p.75).“Mesmo os que, trabalhando no mesmo campo de estudos ou em campos estreitamente relacionados, começam seus estudos por livros e realizações científicas idênticos, podem adquirir paradigmas bastante diferentes no curso de sua especialização profissional.”(p.74) Segundo Kuhn, novos fatos científicos são descobertos com frequência, pondo em cheque a atividade central da ciência normal que é a solução de quebracabeças. Para o autor, tais novos fatos revelam uma peculiaridade oculta da ciência normal: “Se queremos conciliar essa característica da ciência normal com o que afirmamos anteriormente, é preciso que a pesquisa orientada por um paradigma seja um meio particularmente eficaz de induzir a mudanças nesses mesmos paradigmas que a orientam” (p.78) As mudanças advém , em parte, segundo Kuhn, das descobertas científicas (novidades relativas a fatos).(p.78) “A descoberta começa com a consciência da anomalia, isto é, com o reconhecimento de que, de alguma maneira, a natureza violou as expectativas paradigmáticas que governam a ciência normal.”(p.78) Para o autor, anomalia é “[...] um fenômeno para o qual o paradigma não preparara o investigador.” (p.84) “[...] anomalias que conduzem a uma mudança de paradigma afetarão profundamente os conhecimentos existentes.”(p.92) Segundo Kuhn, elas podem vir a serem percursoras de crises da ciência nomal. “[...]a descoberta de um novo tipo de fenômeno é necessariamente um acontecimento complexo, que envolve o reconhecimento tanto da existência de algo, como de sua natureza” (p.81). Segundo Kuhn, o processo é longo, pois o cientista precisa primeiro estar atento ao fato, para que então, tanto ele como sua teoria passem por uma observação, seguida de uma conceituação, para que então o fenômeno seja assimilado pelas pesquisas científicas. Kuhn observa que por vezes a orientação para a descoberta de muitos desses fenômenos é traçada por outros cientistas, permitindo a percepção da novidade (a descoberta científica não pode estar ligada a uma pessoa ou tempo determinado). “Quanto maiores forem a precisão e o alcance de um paradigma, tanto mais sensível este será como indicador de anomalias é, conseqüentemente de uma ocasião para a mudança de paradigma” (p.92) “Ao assegurar que o paradigma não será facilmente abandonado, a resistência garante que os cientistas não serão perturbados sem razão”. (p.92) 4. CRISE Segundo Kuhn, a ciência normal “[...]é um empreendimento altamente cumulativo” (p.77), mas não o é em todas as situações. A explicação de um maior número de fenômenos e ou sua acuidade, somente foi possível com a assimilação da descoberta pelos cientistas e consequentemente pela rejeição e substituição de enunciados paradigmáticos que não se observavam mais como coerentes pela descoberta. “Tal avanço somente foi possível porque algumas crenças ou procedimentos anteriormente aceitos foram descartados e, simultaneamente, substituídos por outros.” (p.93) Para o autor, existem transformações mais rigorosas na ciência normal quando comparadas a substituição de enunciados paradigmáticos, porporcionados pela descobertas científicas. Tais transformações envolvem a mudança do paradigma pela sua teoria, sendo muito impactante no seu campo de atuação, desde novas linhas de pesquisa a criação de novos campos de estudo. “A emergência de novas teorias é geralmente precedida por um período de insegurança profissional pronunciada, pois exige a destruição em larga escala de paradigmas e grandes alterações nos problemas e técnicas da ciência normal. Como seria de esperar, essa insegurança é gerada pelo fracasso constante dos quebracabeças da ciência normal em produzir os resultados esperados. O fracasso das regras existentes é o prelúdio para uma busca de novas regras.” (p.95) Kuhn demonstra que a ciência normal só considera admissível os resultados previstos pelo paradigma, mas há um ponto em que este não explica uma série de anomalias com a devida precisão de resultados, com isso as anomalias passam a ser sequentes e em diversas tradições do estudo científico. A crise da ciência normal surge exatamente pela falta de uma teoria que consiga prever e explicar tais anomalias. Os quebracabeçasfracassam em seu papel natural, de prever e gerar soluções para o paradigma. Seguese então, segundo o autor, a fase de insegurança dos períodos pré paradigmáticos, onde várias teorias passam a concorrer para melhor tentar explicar tais anomalias. A “[...]proliferação de versões de uma teoria é um sintoma muito usual de crise” (p.99). Os cientistas experimentais tentam explicar as anomalias através da articulação do paradigma vigente (natural, pois a ciência normal busca a atualização e comprovação do mesmo). Com isso o paradigma vigente passa a ficar cada vez mais complexo, sem no entanto ficar preciso. Percebese nesse processo, como a ciência normal é resistente à mudanças, ela o é para garantir que a comunidade se atente somente para um determinado conjunto de problemas préestabelecidos e para impedir o surgimento de teorias inconsistentes. “As crises são uma précondição necessária para a emergência de novas teorias” (p.107). Elas têm longa duração e muito acontece entre o declínio do antigo paradigma e a aceitação do novo. Segundo Kuhn, em tempos de crise os cientistas não renunciam ao paradigma (mesmo com sua fé abalada), “não tratam as anomalias como contraexemplos do paradigma”.(p.107) Os cientistas ao se depararem com uma anomalia não rejeitarão de imediato o paradigma vigente por um novo, pois a ciência normal o reconhecerá apenas como um quebra cabeças do mesmo. Eles trabalharão incessantemente para solucionar o fenômeno com o paradigma vigente. Pelo fato da ciência normal procurar sempre estreitar a relação entre teoria e fatos, seu propósito é justamente solucionar os quebracabeças estabelecidos pelo paradigma (sua existência o comprova). Contudo quando o mesmo não é solucionado, a teoria não é prontamente derrubada, o cientista é que não é levado a sério. Segundo Kuhn, no momento inicial, os primeiros testes e questionamentos seguem as regras do paradigma vigente, mas se e a medida que a anomalia não é resolvida, mais articulações (que não entram em consenso) vão sendo criadas e as regras vão ficando cada vez mais “fracas”. Seguese ,então, durante o período de crise (similar ao período pré paradigmático), a coexistêcia de várias versões do paradigma “enfraquece as regras de resolução dos quebracabeças da ciência normal, de tal modo que acaba permitindo a emergência de um novo paradigma” (p.110), surgindo desse conflito nenhum ou vários contraexemplos. “A esta altura, embora ainda exista um paradigma, constatase que poucos cientistas estarão de acordo sobre qual seja ele.” (p.114) Mesmo soluções de problemas que anteriormente eram aceitas passam a ser questionadas. “A transição de um paradigma em crise para um novo, do qual pode surgir uma nova tradição de ciência normal, está longe de ser um processo cumulativo obtido através de uma articulação do velho paradigma”.(p.116)Para Kuhn, implica em um processo de profundas transformações na percepção de um campo de estudo, em sua metodologia e seus objetivos. Segundo Kuhn, somente quando (por consenso) uma das teorias propostas for mais bem sucedida que as outras (todas são sucedidas) é que a comunidade a aceitará como um paradigma. “O juízo que leva os cientistas a rejeitarem uma teoria previamente aceita, baseiase sempre em algo mais do que essa comparação da teoria com o mundo. Decidir rejeitar um paradigma é sempre decidir simultaneamente aceitar outro e o juízo que conduz a essa decisão envolve a comparação de ambos os paradigmas com a natureza, bem como sua comparação mútua” (p.108) “A emergência de uma nova teoria rompe com uma tradição da prática científica e introduz uma nova dirigida por regras diferentes, situada no interior de um universo de discurso , também diferente, que tal emergência só tem probabilidades de ocorrer quando se percebe que a tradição anterior equivocouse gravemente” (p.117) “A transição para um novo paradigma é uma revolução científica” (p.122) Kuhn fala que em tempos de crise, “Tal como os artistas, os cientistas criadores precisam, em determinadas ocasiões, ser capazes de viver em um mundo desordenado — descrevi em outro trabalho essa necessidade como “a tensão essencial” implícita na pesquisa científica.” (p.109) Um paradigma não é capaz de resolver todos os problemas que sua comunidade irá encontrar. “Os raros paradigmas que pareciam capazes disso [...] em pouco tempo deixaram de produzir quaisquer problemas relevantes para a pesquisa [...] Excetuandose os que são exclusivamente instrumentais, cada problema que a ciência normal considera um quebracabeça pode ser visto de outro ângulo: como contraexemplos e portanto como uma fonte de crise.”(p.110) Um quebracabeças pode ser considerado um contraexemplo e viceversa, tudo dependerá da interpretação e do tempo de exposição do cientista ao fenômeno. Kuhn atentase para o fato de que não existe uma linha divisória definida entre quebracabeças e contra exemplo, contudo, mesmo se a crise for instaurada ela não transformará o quebra cabeça em um contraexemplo. Com isso, o aparecimento de anomalias na ciência normal não implica necessariamente uma crise. “Para uma anomalia originar uma crise, deve ser algo mais do que uma simples anomalia”(p.113). Segundo Kuhn, quando “[...] uma anomalia parece ser algo mais do que um novo quebracabeça da ciência normal, é sinal de que se iniciou a transição para a crise e para a ciência extraordinária. (p.113114). Ela passa então a receber atenção e maior investigação por parte dos cientistas. A ciência extraordinária é voltada para regras flexíveis e beira o empirismo. Ela também é orientada para “a análise filosófica como um meio para resolver as charadas de sua área de estudos” (p.119). Através dela, “as crises fazem freqüentemente proliferar novas descobertas.”(p.120) “ A proliferação de articulações concorrentes, a disposição de tentar qualquer coisa, a expressão de descontentamento explícito, o recurso à Filosofia e ao debate sobre os fundamentos, são sintomas de uma transição da pesquisa normal para a extraordinária” (p.123) Segundo Kuhn, não há como um cientista concluir prontamente se a anomalia é um simples quebracabeças que a ciência normal pode resolver, ou se ela é um contraexemplo que incitará uma crise no campo de estudo. Entretanto, ele cita alguns exemplos ao longo do ensaio: “Algumas vezes uma anomalia colocará claramente em questão as generalizações explícitas e fundamentais do paradigma [...] ou [...] uma anomalia sem importância fundamental aparente pode provocar uma crise, caso as aplicações que ela inibe possuam uma importância prática especial [...] ou [...] o desenvolvimento da ciência normal pode transformar em uma fonte de crise uma anomalia que anteriormente não passava de um incômodo” (p.113) Existem dois efeitos da crise que parecem universais segundo Kuhn: ● “Todas as crises iniciam com o obscurecimento de um paradigma e o conseqüente relaxamento das regras que orientam a pesquisa normal” (p.115) ● “As crises podem terminar de três maneiras” (p.115): ○ “[...] a ciência normal acaba revelandose capaz de tratar do problema que provoca crise” (p.115) ○ “[...] nenhuma solução para o problema poderá surgir no estado atual da área de estudo” (p.116) ○ “[...] uma crise pode terminar com a emergência de um novo candidato a paradigma” (p.116). Este pode emergir: ■ “[...] antes que uma crise esteja bem desenvolvida ou tenha sido explicitamente reconhecida”(p.117) ■ “[...] decorre um tempo considerável entre a primeira consciência do fracasso do paradigma e a emergência de um novo”(p.118) 5. REVOLUÇÃO CIENTÍFICA Kuhn atesta que revoluções científicas são “[...] aqueles episódios de desenvolvimento nãocumulativo, nos quais um paradigma mais antigo é total ou parcialmente substituído porum novo, incompatível com o anterior.” (p.125) Seu caráter revolucionário, contudo, não necessariamente significa que representa uma grande mudança. Só afeta aqueles paradigmas que foram mudados pelas novas teorias. Por que usar o termo revolução (palavra estreitamente ligada com o campo político)? “Tanto no desenvolvimento político como no científico, o sentimento de funcionamento defeituoso, que pode levar à crise, é um prérequisito para a revolução.” (p.126) Além disso, segundo Kuhn, nos períodos em que ocorre competição entre paradigmas para a escolha de um só, há um envolvimento de critérios exteriores à própria ciência para a eleição de valores que determinarão o novo paradigma. “[...] a escolha entre paradigmas em competição demonstra ser uma escolha entre modos incompatíveis de vida comunitária” (p.127). “ Por ter esse caráter, ela não é e não pode ser determinada simplesmente pelos procedimentos de avaliação característicos da ciência normal, pois esses dependem parcialmente de um paradigma determinado e esse paradigma, por sua vez, está em questão.” (pág 127) Segundo Kuhn, o debate entre paradigmas visando a eleição de um único é “[...] necessariamente circular” (p.128). A argumentação proferida por cada escola para defesa de seu paradigima é feita através do mesmo, ela dá uma pequena mostra de como será cada campo de estudo (lógica, metodologia, normas, etc) se a mesma for aceita. Essa argumentação é necessariamente persuasiva. Através dela, da lógica e da natureza do problema em questão é que se convence a comunidade científica a adotála como novo paradigma. “[...] a circularidade resultante não torna esses argumentos errados ou mesmo ineficazes”(p.128) Logo, entendese que: as escolhas de paradigmas em competição não podem ser determinadas pelos procedimentos de avaliação característicos da ciência normal porque “Nos argumentos parcialmente circulares que habitualmente resultam desses debates, cada paradigma revelarseá capaz de satisfazer mais ou menos os critérios que dita para si mesmo e incapaz de satisfazer alguns daqueles ditados por seu oponente” (p.144) e, além disso, “[...] visto que nenhum paradigma consegue resolver todos os problemas que define e posto que não existem dois paradigmas que deixem sem solução exatamente os mesmos problemas, os debates entre paradigmas sempre envolvem a seguinte questão: quais são os problemas que é mais significativo ter resolvido? Tal como a questão dos padrões em competição, essa questão de valores somente pode ser respondida em termos de critérios totalmente exteriores à ciência e é esse recurso a critérios externos que — mais obviamente que qualquer outra coisa — torna revolucionários os debates entre paradigmas.” (p.144) Segundo Kuhn, há diferentes percepções históricas da natureza do desenvolvimento da ciência, provenientes da mudança de um paradigma para outro. A linha tradicional de desenvolvimento sugeriria a cumulativa como a correta. O autor define cumulativa como :“[...] um novo fenômeno poderia emergir sem refletirse destrutivamente sobre algum aspecto da prática científica passada [...] uma nova teoria não precisa entrar necessariamente em conflito com qualquer de suas predecessoras [...] a nova teoria poderia ser simplesmente de um nível mais elevado do que as anteriormente conhecidas, capaz de integrar todo um grupo de teorias de nível inferior, sem modificar substancialmente nenhuma delas [...] Na evolução da ciência, os novos conhecimentos substituiriam a ignorância, em vez de substituir outros conhecimentos de tipo distinto e incompatível.” (p.129) Segundo, Kuhn o processo cumulativo de fato ocorre em alguns casos onde o paradigma não apresenta relevância para outros. “A aquisição cumulativa de novidades, não antecipadas demonstra ser uma exceção quase inexistente à regra do desenvolvimento científico.”(p.130) Contudo, ele defende uma visão onde o paradigma anterior e seu sucessor são incompatíveis. Portanto, o processo não poderia ser cumulativo, aconteceria pela substituição de um pelo outro. “[...] a importância da descoberta resultante será ela mesma proporcional à extensão e à tenacidade da anomalia que a prenunciou.” (p.131) Segundo Kuhn:“Existem, em princípio, somente três tipos de fenômenos a propósito dos quais pode ser desenvolvida uma nova teoria” (p.131): ● “[...] fenômenos já bem explicados pelos paradigmas existentes” (p.131): “Tais fenômenos raramente fornecem motivos ou um ponto de partida para a construção de uma teoria. Quando o fazem [...] as teorias resultantes raramente são aceitas, visto que a natureza não proporciona nenhuma base para uma discriminação entre as alternativas.”(p. 131) ● “[...] fenômenos [...] cuja natureza é indicada pelos paradigmas existentes, mas cujos detalhes somente podem ser entendidos após uma maior articulação da teoria” (p.131): segundo Kuhn, é o mais comum entre o trabalho de cientistas, visa a articulação do paradigma, não a invenção de novos. ● “[...] as anomalias reconhecidas, cujo traço característico é a sua recusa obstinada a serem assimiladas aos paradigmas existentes”(p.131): somente este, segundo Kuhn, é capaz de criar novas teorias Kuhn chama a atenção do leitor para o fato de que a comunidade científica (de seu tempo) ainda está focada numa percepção cumulativa. “Essa interpretação, estreitamente associada com as etapas iniciais do positivismo lógico e não rejeitada categoricamente pelos estágios posteriores da doutrina, restringiria o alcance e o sentido de uma teoria admitida, de tal modo que ela não poderia de modo algum conflitar com qualquer teoria posterior que realizasse predições sobre alguns dos mesmos fenômenos naturais por ela considerados” (p.132). Ou seja, através dessa interpretação, o paradigma nunca poderia entrar em conflito com seus fenômenos especiais e as aplicações do mesmo deveriam limitarse àqueles fenômenos já determinados (pelo mesmo paradigma), buscando a articulação através de uma acuidade. Mas como explicar a descoberta de anomalias que levam a crise? Tal acumulação, segundo Kuhn, não acontece no desenvolvimento da ciência, pois a todo momento, a história registrou o aparecimento e estudo de fenômenos que fugiam ao paradigma e levaram a crises. Logo, mesmo possuindo um mecanismo de defesa (quebracabeças) contra a descoberta de anomalias, a ciência normal leva inevitavelmente e em algum momento a crise que tenta tanto evitar. Além disso, “[...] as diferenças entre paradigmas sucessivos são ao mesmo tempo necessárias e irreconciliáveis“ (p.137). “Embora uma teoria obsoleta sempre possa ser vista como um caso especial de sua sucessora mais atualizada, deve ser transformada para que isso possa ocorrer”(p.137). Segundo Kuhn, paradigmas não diferem somente em questões substantivas, “[...] a recepção de um novo paradigma requer com freqüência uma redefinição da ciência correspondente” (p.138). “Alguns problemas antigos podem ser transferidos para outra ciência ou declarados absolutamente ‘nãocientíficos’. Outros problemas anteriormente tidos como triviais ou nãoexistentes podem converterse, com um novo paradigma, nos arquétipos das realizações científicas importantes” (p.138) Logo, “A tradição científica normal que emerge de uma revolução científica é não somente incompatível, mas muitas vezes verdadeiramente incomensurável com aquela que a precedeu.” (p.138) Segundo Kuhn, com a ascensão de um novo paradgima, os cientistas passam a ter uma percepção diferente de mundo. “Guiados por um novo paradigma, os cientistas adotam novos instrumentos e orientam seu olhar em novas direções” (p.145), mais importante que isso, passam a olhar para experimentos (feitos com instrumentos familiarizados) “em outro mundo”. Para Kuhn, o aluno leigo só passa a entrar no mundo dos cientistas apenasquando passa a enxergar o mundo como tal e a falar como tal. Este mundo “[...] é determinado conjuntamente pelo meio ambiente e pela tradição específica de ciência normal na qual o estudante foi treinado.” (p.146). É por isso que quando a tradição muda, muda também a maneira que o cientista tem sobre seu meio ambiente. “Depois de fazêlo, o mundo de suas pesquisas parecerá, aqui e ali, incomensurável com o que habitava anteriormente.” (p.146) “O que um homem vê depende tanto daquilo que ele olha como daquilo que sua experiência visualconceitual prévia o ensinou a ver. Na ausência de tal treino, somente pode haver o que William James chamou de ‘confusão atordoante e intensa’ ” (p.148) “[...] nas ciências, se as alterações perceptivas acompanham as mudanças de paradigma, não podemos esperar que os cientistas confirmem essas mudanças diretamente.”( p.149). “Devemos antes buscar provas indiretas e comportamentais de que um cientista com um novo paradigma vê de maneira diferente do que via anteriormente.”(p.150) Que tipos de transformações no mundo do cientista podem ser descobertos pelo historiador que acredita em tais mudanças? Para Kuhn, a alteração do modo de ver um fenômeno científico provém tanto do gênio do cientista como pela exploração das possibilidades abertas provocadas por uma alteração do paradigma dominante. E esta mudança de percepção de mundo induzida por paradigma se torna importante para o desenvolvimento da ciência normal. Contudo essa alteração não necessita ser pela visão, pode manifestarse de outras formas. Segundo Kuhn, o paradigma epistemológico tradicional apresenta uma concepção equivocada sobre o que acontece quando os cientistas mudam sua maneira de pensar a respeito de assuntos fundamentais. O dito paradigma sugere que: “ [...]o que muda com o paradigma é apenas a interpretação que os cientistas dão às observações que estão, elas mesmas, fixadas de uma vez por todas pela natureza do meio ambiente e pelo aparato perceptivo” (p.156) As diversas pesquisas que estão sendo realizadas em diversos campos do saber , citados por Kuhn, sugerem que o paradigma tradicional está equivocado. “Além disso, essa incapacidade para ajustarse aos dados tornase cada vez mais aparente através do estudo histórico da ciência” (p.156). “O que ocorre durante uma revolução científica não é totalmente redutível a uma reinterpretação de dados estáveis e individuais.” (p.157) Segundo Kuhn, primeiramente porque o dados não são estáveis , segundo porque o processo não é de simples interpretação, justamente pela instabilidade dos dados. O cientista que abraça um novo paradigma não é um interprete de anomalias. “Defrontado com a mesma constelação de objetos que antes e tendo consciência disso, ele os encontra, não obstante, totalmente transformados em muitos de seus detalhes” (p.157) Segundo Kuhn, o ato de interpretar, por ser característico da ciência normal, não pode corrigir o paradigma, só o articula. A ciência normal culmina, por fim, em anomalias e crises. “Essas terminam, não através da deliberação ou interpretação, mas por meio de um evento relativamente abrupto e nãoestruturado semelhante a uma alteração da forma visual.”(p.158). Nenhum dos termos habituais de interpretação está ligado a essa iluminação ( semelhante alteração de forma visual), através da qual emerge um paradigma. Para o autor, embora essas iluminações dependam das experiências, “[...] tanto autônomas como congruentes, obtidas através do antigo paradigma, não estão ligadas, nem lógica, nem fragmentariamente a itens específicos dessas experiências, como seria o caso de uma interpretação. “ (p.158) Em lugar disso as iluminações “[...]reúnem grandes porções dessas experiências e as transformam em um bloco de experiências que, a partir daí, será gradativamente ligado ao novo paradigma e não ao velho.” (p.158) Segundo Kuhn, os paradigmas possuem traços perceptíveis que são notáveis (natureza e paradigma) e que revelam suas regularidades quase imediatamente (experiência imediata). Contudo, esses mesmos traços mudam por causa do compromisso do cientista ao paradigma (experimentos e debates para a comprovação e confirmação do mesmo). O paradigma epistemológico tradicional acredita que a experiência imediata não é a fonte principal de onde procede a pesquisa científica. Tais origens proveriam dos dados nãoelaborados ou da experiência bruta. E , então, Kuhn faz os seguinte questionamentos: “Mas a experiência dos sentidos é fixa e neutra? Serão as teorias simples interpretações humanas de determinados dados?” (p.161) Segundo Kuhn, o paradigma epistemológico tradicional respondeas afirmativamente. Num primeiro momento o autor concebe impossível abandonála (a teoria tradicional). “Todavia ela já não funciona efetivamente e as tentativas para fazêla funcionar por meio da introdução de uma linguagem de observação neutra parecemme agora sem esperança.” (p.161) Sobre o empreendimento científico pela obtenção de operações e medições, Kuhn afirma que: “A ciência não se ocupa com todas as manifestações possíveis no laboratório. Ao invés disso, seleciona aquelas que são relevantes para a justaposição de um paradigma com a experiência imediata, a qual, por sua vez, foi parcialmente determinada por esse mesmo paradigma” (p.162). Ou seja, o cientista visa somente coletar informações que comprovem o estreitamento entre a teoria e a natureza. A interpretação que ele terá dessas informações será altamente influenciada pelo mesmo paradigma que está tentando comprovar. Kuhn afirma que na ciência não há uma linguagem de observação pura. Experimentos estão sendo feitos para ver se tal linguagem seria possível. O que se descobriu foi que o ser humano a partir de um mesmo paradigma pode “ver” coisas diferentes, também que pode ver a mesma coisa a partir de paradigmas diferentes. Mas ainda assim, “Nenhuma das tentativas atuais conseguiu até agora aproximarse de uma linguagem de objetos de percepção puros, aplicável de maneira geral.” (p.162). As que mais são bem sucedidas partem do pressuposto de um paradigma e tentam purificálo “ [...]de todos os seus termos nãológicos ou nãoperceptivos (p.162163) Nessas circunstâncias, Kuhn sugere que “[...] o cientista que olha para a oscilação de uma pedra não pode ter nenhuma experiência que seja, em princípio, mais elementar que a visão de um pêndulo. A alternativa não é uma hipotética visão ‘fixa’, mas a visão através de um paradigma que transforme a pedra oscilante em alguma outra coisa”(p.164), porque somente “ [...]quando todas as categorias conceituais e de manipulação estão preparadas de antemão”(p.164) é que se faz possível para o cientista “ver” aquilo com que “parece ver”. “Os paradigmas determinam ao mesmo tempo grandes áreas da experiência.” (p.165) “Contudo, é somente após a experiência ter sido determinada dessa maneira que pode começar a busca de uma definição operacional ou de uma linguagem de observação pura.”(p.165) “[...] embora elas sejam sempre legítimas e em determinadas ocasiões extraordinariamente frutíferas, as questões a respeito das impressões da retina ou sobre as conseqüências de determinadas manipulações de laboratório pressupõem um mundo já subdividido perceptual e conceitualmente de acordo com uma certa maneira. Num certo sentido, tais questões são partes da ciência normal, pois dependem da existência de um paradigma e recebem respostas diferentes quando ocorre uma mudança de paradigma.” (p.165) Logo, podemos concluir que o cientista que se encontra e um período pósrevolucinário está vendo o mesmo mundo, mas trabalha em outro. Tal fato se deve, como já foi dito, porque o novo paradigma inevitavelmente tem laços com o antigo. As experiências em laboratório após a substituição de teorias, obviamente, não será mais a mesma,as manipulações e medições de um determinado fato passam a ser descartadas, mas as mudanças desse tipo nunca são absolutas. “Não importa o que o cientista possa então ver, após a revolução o cientista ainda está olhando para o mesmo mundo. Além disso, grande parte de sua linguagem e a maior parte de seus instrumentos de laboratório continuam sendo os mesmos de antes, embora anteriormente ele os possa ter empregado de maneira diferente”(p.165) “Em conseqüência disso, a ciência pósrevolucionária invariavelmente inclui muitas das mesmas manipulações, realizadas com os mesmos instrumentos e descritas nos mesmos termos empregados por sua predecessora prérevolucionária. Se alguma mudança ocorreu com essas manipulações duradouras, esta deve estar nas suas relações com o paradigma ou nos seus resultados concretos.” (p.165166) Para Kuhn,as revoluções científicas são omitidas pelo modelo pedagógico adotado pelos manuais científicos (promovem a ideia de que o desenvolvimento científico é cumulativo). Segundo o autor, os manuais científicos, juntamente com os textos de divulgação e obras filosóficas moldadas naquele, são fonte de autoridade da ciência normal. “Referemse a um corpo já articulado de problemas, dados e teorias e muito freqüentemente ao conjunto particular de paradigmas aceitos pela comunidade científica na época em que esses textos foram escritos.”(p.174) Os manuais “ [...] pretendem comunicar o vocabulário e a sintaxe de uma linguagem científica contemporânea”(p.174). “As obras de divulgação tentam descrever essas mesmas aplicações numa linguagem mais próxima da utilizada na vida cotidiana. E a Filosofia da Ciência [...] analisa a estrutura lógica desse corpo completo de conhecimentos científicos” (p.174). “Todas elas registram o resultado estável das revoluções passadas e desse modo põem em evidência as bases da tradição corrente da ciência normal.”(p.174) Segundo Kuhn, os manuais são veiculos pedagogicos perpetuadores das tradições da ciência normal, logo, caso haja uma revolução científica, ele deve ser imediatamente mudado para aceitar o novo paradigma. Ao abraçar a revolução científica, os manuais dissimulam inevitavelmente o papel desempenhado e a existência da mesma. Esses manuais compactuam com a ideia linear e cumulativa de desenvolvimento científico. “[...] os cientistas são mais afetados pela tentação de reescrever a história, em parte porque os resultados da pesquisa científica não revelam nenhuma dependência óbvia com relação ao contexto histórico da pesquisa e em parte porque, exceto durante as crises e as revoluções, a posição contemporânea do cientista parece muito segura.” (pág 176) Segundo Kuhn, a mudança na reformulação de perguntas e repostas, para aproximar o paradigma velho ao novo (mesmo sendo incompatíveis) é a chave na construção da percepção de um desenvolvimento linear e cumulativo. Para o autor, a causa eminente dessa reformulação é a invisibilidade das revoluções científicas. “[...] existem grandes possibilidades de que essa técnica cause a seguinte impressão: a ciência alcançou seu estado atual através de uma série de descobertas e invenções individuais, as quais, uma vez reunidas, constituem a coleção moderna dos conhecimentos técnicos.” (p.178) “ Muitos dos quebracabeças da ciência normal contemporânea passaram a existir somente depois da revolução científica mais recente. Poucos deles remontam ao início histórico da disciplina na qual aparecem atualmente. As gerações anteriores ocuparamse com seus próprios problemas, com seus próprios instrumentos e cânones de resolução. E não foram apenas os problemas que mudaram, mas toda a rede de fatos e teorias que o paradigma dos manuais adapta à natureza,” (p.179) 6. RESOLUÇÃO As revoluções científicas, período onde ocorre a substituição de um paradigma por outro, segundo Kuhn, são comumente proporcionadas por cientistas que passaram a ter uma nova percepção de sua tradição científica e da natureza. Normalmente são jovens cujo pouco tempo dedicado ao exercício da ciência normal não os comprometeu tanto quanto seu colegas mais velhos às percepções de mundo e regras que o velho paradigma ditava. Kuhn atentase para o fato de que: na busca pela elucidação de quebracabeças, o cientista pode testar abordagens alternativas, elegendoas ou descartandoas, visando o estreitamento entre enunciado e natureza. Ao fazer essas tentativas, não significam que cientista testou o paradigma, “[...] testam a si mesmas e não as regras do jogo” (p.184), pois elas partem do próprio paradigma. “Por isso, o teste de um paradigma ocorre somente depois que o fracasso persistente na resolução de um quebracabeça importante dá origem a uma crise. E, mesmo então, ocorre somente depois que o sentimento de crise evocar um candidato alternativo a paradigma” (p.184). Para o autor, o teste representa parte da competição entre dois paradigmas distintos pelo posto de paradigma dominante. Segundo Kuhn, essa competição de paradigmas evoca teorias contemporâneas sobre a verificação dos mesmos. A verificação não tem o objetivo de questionar se a teoria foi verificada, mas sim a sua probabilidade. Durante a competição, as escolas têm que testar a habilidade de suas teorias para explicar fenômenos que a elas são propostos. A teoria que consegue persuadir a comunidade é aceita, ela (a teoria) passa a ditar as diretrizes da então nova ciência normal e “[...] indica uma das direções pelas quais deverão avançar as futuras discussões sobre o problema da verificação.”(p.185) “Entretanto, nas suas formas mais usuais, todas as teorias de verificação probabilísticas recorrem a uma ou outra das linguagens de observação puras ou neutras discutidas” (p.185) usualmente pela: ● Comparação da teoria científica em exame com todas as outras teorias imagináveis que se adaptem ao mesmo conjunto de dados observados ● Construção imaginária de todos os testes que possam ser concebidos para testar determinada teoria Contudo, para Kuhn, não existe uma linguagem de observaçao pura ou neutra, esse sistema de verificação é também pressuposto de um paradigma. “Conseqüentemente, as teorias probabilísticas dissimulam a situação de verificação tanto quanto a iluminam.”(pág 185) Popper, um filósofo da ciência rejeita tais procedimentos de verificação. Ao invés disso ele propõe um teste a base da falsificação, “[...]isto é, do teste que, em vista de seu resultado negativo, torna inevitável a rejeição de uma teoria estabelecida”. (pág 185). Apesar desse enfoque lembrar muito o que Kuhn dá as anomalias, este duvida de tal procedimento por falsificação. Segundo Kuhn, todas as teorias tem problemas para resolver seus quebracabeças e mesmo aquelas que tem soluções, muitas não são bem resolvidas (razões da própria existência de quebracabeças). Logo, todas as teorias deveriam ser rejeitadas por fracassar, em algum momento, na tentativa de adequar uma teoria. Segundo Kuhn, tanto a verificação quanto a falsificação são etapas de um processo conjunto da escolha de novos paradigmas. “[...] é nesse processo que a comparação probabilística das teorias desempenha um papel central” (p.187). Quando analisada individualmente poucas questões podem ser postas se uma teoria se adequa aos fatos, mas quando analisamos duas teorias em competição parece muito mais lógico levantar a questão de qual das duas melhor se adequa aos fatos. Para Kuhn, tal questão, contudo, não é tão fácil como parece. Como já foi dito anteriormente, tais escolas iniciam um “debate circular”. As teorias diferem entre si tanto nos enunciados como no conjunto de problemas científicos que tais enunciados visam responder. “Embora cada um deles possa ter a esperança de converter o adversário à sua maneira de ver a ciência e a seus problemas, nenhum dos dois pode ter a esperançade demonstrar sua posição. A competição entre paradigmas não é o tipo de batalha que possa ser resolvido por meio de provas” (p.188) “Coletivamente, essas razões foram descritas como a incomensurabilidade das tradições científicas normais, pré e pósrevolucionárias”(p.188). Valese lembrar, entretanto, que os novos paradigmas surgem dos antigos, “[...] incorporam comumente grande parte do vocabulário e dos aparatos, tanto conceituais como de manipulação, que o paradigma tradicional já empregara”(p.189). Contudo, os aplicam de uma maneira nada tradicional, fazendo surgir o que Kuhn chama de de “um malentendido entre as duas escolas competidoras”. São características da incomensurabilidade: ● “[...] os proponentes de paradigmas competidores discordam seguidamente quanto à lista de problemas que qualquer candidato a paradigma deve resolver.”(p.188) ● “Seus padrões científicos ou suas definições de ciência não são os mesmos”. (p.188) ● “[...] os proponentes dos paradigmas competidores praticam seus ofícios em mundos diferentes” (p.188) Segundo Kuhn, para que o diálogo entre os grupos seja estabelecido um tem que experimentar a conversão para o outro paradigma. Se sucedida ela ocorre subitamente (não necessariamente num instante) ou nunca acontecerá. Contudo, “A transferência de adesão de um paradigma a outro é uma experiência de conversão que não pode ser forçada”(p. 191). A resistência a mudança ,por parte de muitos cientistas, vem da convicção que a tradição da ciência normal pode solucionar todos os quebracabeças propostos pelo paradigma vigente. Logo, “[...] não é uma violação dos padrões científicos, mas um índice da própria natureza da pesquisa científica.” (p.191192). Para Kuhn, só através da ciência normal é que a comunidade obtém sucesso. Segundo Kuhn, a conversão vem pela aceitação ou persuasão dos cientistas ao novo paradigma, mesmo levando pelo menos uma geração para que a mudança se concretize, na história a comunidade acaba abraçando a transição.Ela (a conversão de cientistas) provém de muitos tipos de motivos e até mesmo vários deles. O só releva , contudo, os motivos coletivos que levam a adesão do novo paradigma. As alegações mais comuns da comunidade científica são: ● Capacidade de resolver os problemas que conduziram o antigo paradigma a uma crise: segundo Kuhn, é a mais eficaz de todas, quando legítima, se apresentar precisão quantitativa superior ao antigo paradigma, contudo muitas vezes não tem força suficiente ou não conseguem uma legitimação imediata (por vezes até mesmo nenhuma) . “Argumentos dessa natureza revelamse particularmente persuasivos, devido a seu impacto e porque, evidentemente, não estavam ‘incluídos’ na teoria desde o início.” (p.195) ● Argumentos, raras vezes completamente explicitados, que apelam, no indivíduo, ao sentimento do que é apropriado ou estético: segundo Kuhn é comum na matemática, muitas vezes leva tempo para que motivo de ser esteticamente apelativo seja desenvolvido. Provém de razões individuais de um grupo para que o paradigma se desenvolva “[...] os debates entre paradigmas não tratam realmente da habilidade relativa para resolver problemas [...] Ao invés disso, a questão é saber que paradigma deverá orientar no futuro as pesquisas sobre problemas.”(p. 198) A conversão para o paradigma, segundo Kuhn, é principalmente um ato de fé, porque nenhum paradigma pode resolver todos os problemas a que se propõem. A escolha de tentar alternativas diferentes para o teste de fenômenos da ciência normal é uma escolha do cientista que mais se baseia em promessas do futuro do que realizações passadas. Segundo Kuhn, para que um paradigma seja aceito deve conquistar alguns adeptos iniciais para o desenvolvimento do mesmo, até o ponto em que se produza argumentos objetivos. Não existe um único argumento que possa convencer todos os cientistas a adotaremo, contudo alguns eventualmente serão capazes de tal feito. “Mais que uma conversão de um único grupo, o que ocorre é uma crescente alteração na distribuição de adesões profissionais.” (p. 199) “Embora o historiador sempre possa encontrar homens […] que não foram razoáveis ao resistirem por tanto tempo, não encontrará um ponto onde a resistência tornase ilógica ou acientífica. Quando muito ele poderá querer dizer que o homem que continua a resistir após a conversão de toda a sua profissão deixou ipso jacto de ser um cientista.” (p. 200) 7. O progresso através de revoluções Para Kuhn, o progresso tanto em comunidades das ciências da natureza quanto em outras áreas é o resultado de um trabalho bem sucedido. Na ciência natural é facilmente observado em períodos de ciência normal (não em períodos revolucionários ou préparadigmáticos, que colocam o progresso em dúvida), já nas nãocientíficas não. Isso ocorre não porque não há progesso em escolas individuais, mas porque escolas competidoras as criticam a todo momento. Segundo Kuhn, diferentemente de outras áreas, as ciências naturais, não necessitam reexaminar seus fundamentos a todo o momento pois são parte de uma comunidade científica regida por um ou mais paradigmas. A comunidade científica se isola da sociedade, como consequência, o cientista está preocupado somente em resolver os problemas que julga importante para ele e sua comunidade. Visto que ela e o cientista tem crenças e valores semelhantes,a resolução de problemas se torna mais fácil porque ele não tem que se preocupar com o que outras escolas pensarão sobre seu trabalho. Já os cientistas sociais tendem a defender o objeto de estudo de seu trabalho, principalmente pelo valor do resultado para a sociedade. Segundo Kuhn, o isolamento da comunidade científica vem desde seu aprendizado. Os cientistas aprendem sua tradição científica através de manuais, livros escritos especialmente para estudantes. Já em outras áreas, o aprendizado se dá através da exposição à trabalhos de outros profissionais (literatura, música, artes gráfica), ou até mesmo da leitura de manuais, mas estes não são as únicas fontes de estudo, a leitura paralela é imprescindivel para o aprendizado (ciências sociais, história, filosofia). “Desse modo, no seu estado normal, a comunidade científica é um instrumento imensamente eficiente para resolver problemas ou quebracabeças definidos por seu paradigma. Além do mais, a resolução desses, problemas deve levar inevitavelmente ao progresso. ” (p.208) Além disso, segundo Kuhn, o progresso vem também pela revolução. Graças ao ponto de vista que o próprio cientista possui do desenvolvimento da ciência como algo evolutivo, cumulativo e linear. “Em suma, vê o passado da disciplina como orientado para o progresso. (pág 209) “A própria existência da ciência depende da delegação do poder de escolha entre paradigmas a membros de um tipo especial de comunidade” (pág 210) Kuhn afirmas que para ser membro de tal comunidade é necessário possuir algumas características: ● “[...] estar preocupado com a resolução de problemas relativos ao comportamento da natureza.” (p.210) ● “[...] os problemas nos quais trabalha devem ser problemas de detalhe.”(p.210) ● As soluções que resolvem problemas devem satisfazer a comunidade científica: “Os membros do grupo, enquanto indivíduos e em virtude de seu treino e experiência comuns, devem ser vistos como os únicos conhecedores das regras do jogo ou de algum critério equivalente para julgamentos inequívocos.”(p. 211) Segundo Kuhn, o progresso científicos inclui ganhos, já amplamente discutidos, e perdas: A comunidade fará o possível para garantir o crescimento contínuo dos dados coletados que está em condições de examinar com acuidade. Com isso alguns problemas antigos precisarão ser abandonados. “Além disso, comumente a revolução diminui o âmbito dos interesses profissionais da comunidade,aumenta seu grau de especialização e atenua sua comunicação com outros grupos, tanto científicos como leigos. Embora certamente a ciência se desenvolva em termos de profundidade, pode não desenvolverse em termos de amplitude. Quando o faz, essa amplitude manifestase principalmente através da proliferação de especialidades científicas e não através do âmbito de uma única especialidade”(pág 212) Kuhn afirma que apesar das perdas experimentadas por comunidades individuais, a natureza dos mesmos garantirá o aumento da relação de problemas a serem solucionados e da precisão das soluções individuais. “O processo de desenvolvimento descrito neste ensaio é um processo de evolução a partir de um início primitivo — processo cujos estágios sucessivos caracterizamse por uma compreensão sempre mais refinada e detalhada da natureza. Mas nada do que foi ou será dito transformao num processo de evolução em direção a algo.Estamos muito acostumados a ver a ciência como um empreendimento que se aproxima cada vez mais de um objetivo estabelecido de antemão pela natureza.” (p.213) “O resultado final de uma seqüência de tais seleções revolucionárias, separadas por períodos de pesquisa normal, é o conjunto de instrumentos notavelmente ajustados que chamamos de conhecimento científico moderno. Estágios sucessivos desse processo de desenvolvimento são marcados por um aumento de articulação e especialização do saber científico. Todo esse processo pode ter ocorrido [...] sem o benefício de um objetivo preestabelecido, sem uma verdade científica permanentemente fixada, da qual cada estágio do desenvolvimento científico seria um exemplar mais aprimorado.” (pág 215216)
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