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02 Direito Civil Contemporâneo

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- Direito Civil contemporâneo. Direito Civil Constitucional. 
- Aula G7 Jurídico (Professor Daniel Carnacchioni) 
- Complementado com o livro: Manual de Direito Civil – Volume Único, do professor Daniel Carnacchioni + Tartuce.
- Atualizado em 16/02/2018: questões de concurso.
PRINCÍPIOS DE DIREITO CIVIL, FUNDAMENTOS DO DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL
1. Direito Civil: como compreender? Direito Civil clássico x Direito civil contemporâneo.
O melhor método para entendermos o Direito Civil é entender as razões, as causas e os fundamentos do Direito Civil a partir do sistema em que ele está inserido. 
Em outras palavras, para termos uma ideia muito ampla de como trabalhar com o Direito Civil, partiremos da seguinte ideia (a partir de uma comparação): Direito Civil clássico x Direito Civil contemporâneo. 
Observação: Em relação ao Direito Civil clássico não há necessidade, efetivamente, de olharmos para o Direito Romano. Basta entendermos o Direito Civil após a Revolução Francesa, isto é, no Estado Liberal, no Estado Social e, agora, no Estado Democrático de Direito (ou Estado Constitucional de Direito).
A partir dessa comparação (Direito Civil clássico x Direito Civil contemporâneo) nós efetivamente compreenderemos o Direito Civil, pois o Direito Civil clássico tem alguns pilares de sustentação que o caracterizam. E o Direito Civil contemporâneo tem alguns pilares de sustentação e outros paradigmas que o caracterizam. 
No entanto, não seria mais fácil de, ao invés dessa comparação, simplesmente estudarmos o Direito Civil a partir da perspectiva do que ele é hoje, isto é, se ele é clássico ou contemporâneo? Não, pois o nosso Código Civil de 2002, obviamente, possui muito do que é o Código Civil contemporâneo, mas ele mescla muito do que nós conhecemos como Direito Civil clássico. Ou seja, embora nosso Direito Civil contemporâneo ele esteja muito afinado com os valores sociais constitucionais, como dignidade da pessoa humana, solidariedade social, igualdade substancial, função social e boa-fé objetiva, o nosso Código Civil ainda tem resquícios, muito evidentes, do Direito Civil clássico. 
Por isso é preciso identificar onde estão esses resquícios para compreendermos, pois o Código contém regras incompatíveis com o sistema que nós vivenciamos hoje, principalmente baseado numa fonte normativa, que é constitucional.
2. Direito Civil Clássico
2.1. Pilares do Direito Civil clássico:
a) Positivismo (Direito Civil é igual à lei) – sistema fechado. 
É a ideia de que o sistema, de que o Direito, de forma geral, é igual à lei.
b) Análise estrutural dos elementos de direito civil. 
O Direito Civil clássico ele se limita a trabalhar com conceitos, ou seja, uma ideia conceitual de Direito. Por isso sempre buscamos uma resposta pronta e acabada. E nessa análise conceitual, o que o Direito Civil clássico faz: simplesmente tenta responder a uma pergunta. O que é determinado instituto? O que é posse? O que é propriedade? O que é família? A partir dessa pergunta e da resposta, a qual ela remete você possui uma análise meramente estrutural. 
Por exemplo: o que é uma obrigação? É um vínculo jurídico onde um sujeito pode exigir de outro o cumprimento de uma prestação. Ou seja, nós temos os elementos estruturais de uma obrigação: sujeito, objeto e vínculo. Basicamente, isso é suficiente para que efetivamente tenhamos uma norma de Direito Civil.
c) Estado Liberal (Dissociação entre Estado e sociedade).
2.1.1.	Positivismo clássico e positivismo normativo
Não há um único conceito para positivismo. Não o compreender como uma ideia universal, assim como a democracia, os direitos humanos. Há, portanto, variações conceituais. O importante é compreender que há modelos de positivismo. Basicamente, são dois os modelos: o positivismo clássico e o positivismo normativo.
Positivismo clássico: o Direito Civil era basicamente conceitual e sequer se admitia a interpretação das normas. Como características podemos citar: a jurisprudência de conceitos, a escola de exegese francesa, os pandectistas alemães. Enfim, dentro do positivismo clássico há um imenso culto à lei.
Positivismo normativo: É mais flexível; baseado, fundamentalmente, na Teoria de Kelsen. Teríamos as seguintes ideias: o Direito associado à lei; o Direito é igual à lei. Mas, nesse positivamos normativo, nós temos a possibilidade buscar uma compreensão de Direito através de um processo de interpretação, ou seja, a hermenêutica faz parte do positivismo normativo.
No entanto, o que caracteriza, fundamentalmente, o Direito Civil nessa concepção clássica vinculada ao positivismo é que no positivismo havia uma dissociação muito clara entre moral e Direito. Ou seja, no positivismo, o Direito é considerado um sistema fechado, ou seja, ele não se relaciona com valores da sociedade. 
No positivismo, quando o legislador elabora a norma, há um juízo de valor, mas a partir do momento em que há uma norma e esta ingressa no sistema jurídico, não há mais possibilidade de valoração. No positivismo, basicamente a ideia de validade da norma é baseada na obediência de um processo legislativo formal devidamente cumprido. A grande questão positivista e, infelizmente no Brasil nós ainda temos arraigado na nossa cultura, é que nós não trabalhamos com questões morais, de justiça, dentro do sistema jurídico. Simplesmente temos uma norma, buscamos o significado dessa norma, mas há uma dissociação muito clara entre moral e direito. O sistema é fechado, é autossuficiente.
Esses pilares que caracterizam o Direito Civil clássico (pós-Revolução Francesa até a Constituição de 1988 - Brasil) estarão muito bem evidenciados no período citado. A partir da CF/88, inicia-se o trabalho com outro modelo de Direito (Direito Civil contemporâneo, fundamentado em valores constitucionais).
2.1.1.1. Finalidades do positivismo
Por que o positivismo foi arraigado à nossa cultura jurídica e até hoje possuímos dificuldade de trabalhar com esse novo modelo de direito e, inclusive, com os valores que fundamentam a Constituição? Em razão de duas finalidades do positivismo: segurança jurídica e objetivação do sistema jurídico.
O positivismo foi muito bem até o momento em que tínhamos uma sociedade mais estática onde as mudanças culturais eram mais lentas. Hoje vivenciamos uma sociedade complexa e heterogênea onde é impossível buscarmos objetividade, uma racionalidade a partir de regras. É óbvio que o Direito não acompanhará a realidade da vida. Claro que essa mudança social, política e cultural contribuiu para o questionamento do positivismo.
2.1.1.2. Questões positivistas que efetivamente influenciaram o Direito Civil clássico
a) Justiça está na lei: é justo porque a lei é válida sob o aspecto formal.
b) Moral dissociada de direito
c) Positivismo e princípios. Os princípios existiam no positivismo. A diferença é que no positivismo os princípios não eram fonte primária de Direito, mas fonte secundária, ou seja, destinavam-se ao preenchimento de lacunas. Assim, os princípios, no positivismo, serviam como uma norma subsidiária (fonte supletiva).
d) Crítica: ausência de critérios valorativos para aplicação da norma. Simplesmente se buscava o sentido da norma através de ideias constitucionais clássicas, como a vontade do legislador (processo de interpretação simplificado para aplicar e compreender a norma).
2.1.1.3. Exemplos
Exemplo 1: ao estudar a personalidade da pessoa natural verificamos duas teorias: a teoria natalista e a teoria concepcionista (principais teorias). Se tivermos uma compreensão da diferença entre os pilares que caracterizam o Direito Civil clássico daqueles que caracterizam o Direito Civil contemporâneo é possível compreender as teorias por uma questão simples: a teoria natalista possui uma identidade muito grande com esse modelo clássico de Direito Civil. Assim, quem é um defensor da teoria natalista é fortemente influenciado por esse modelo positivista de Direito. Por que a personalidade da pessoa natural começa com o nascimento com vida? Porque a leidiz. É uma concepção formal de personalidade. Por que se defende na teoria concepcionista que a personalidade da pessoa natural começa desde a concepção embora a lei diz que a personalidade começa com o nascimento com vida? Porque se faz uma análise dessa norma a partir de um novo paradigma de Direito (Direito Civil contemporâneo não é baseado, somente, em regras, mas fundamentalmente em valores, os quais são utilizados para buscar uma argumentação concreta para defender de que a personalidade possa começar desde a concepção embora a lei diga que comece desde o nascimento com vida). Assim, a teoria da concepção se identifica muito mais com esse modelo de Direito Civil contemporâneo.
Exemplo 2: teoria da incapacidade. O Código Civil, mesmo depois das alterações legislativas, no que tange às incapacidades, ainda é conectado a uma ideia clássica de Direito Civil. Por quê? Pois utiliza uma ideia formal de incapacidade. Quem é considerado incapaz? Os inseridos na lei. Muitos autores dizem que para uma pessoa ser incapaz não basta a incapacidade formal, isto é, estar efetivamente no rol dos artigos 3º e 4º do CC. Ele precisa ser material e concretamente incapaz, ou seja, no caso concreto ele precisa necessitar de proteção do Estado para ser considerado incapaz. Por que a teoria da incapacidade vem sendo questionada? Porque essa nova ideia de incapacidade, a qual restringe ainda mais a incapacidade, decorre dos novos modelos de Direito Civil.
2.1.2.	Estrutura – o que é e quais são os elementos que constituem cada instituto
O segundo pilar que caracteriza o Direito Civil clássico é a questão estrutural, a qual está vinculada ao positivismo.
O que significa a ideia de estrutura? O Direito Civil clássico se caracteriza pela busca à resposta de uma pergunta (qual o conceito de determinado instituto). Assim, em uma concepção clássica de Direito Civil se busca estudar os elementos que constituem a estrutura desses institutos. 
Exemplos: quais são os elementos que caracterizam a estrutura de uma obrigação? Existência de um sujeito, de uma prestação e de um vínculo jurídico; quais são os elementos que caracterizam a estrutura de uma posse? Corpus e animus.
Assim, nesse modelo clássico, o Direito Civil se legitima, como norma e quanto à sua aplicação, com a descoberta e análise dos elementos que constituem os institutos. Ou seja, nesse modelo clássico não se busca a finalidade desses institutos. Os institutos de Direito Civil, sejam quais forem (contrato, família, sociedade) são fins em si mesmos. Hoje, no modelo contemporâneo, todos os institutos de Direito Civil são meios para algo. A única “coisa” que pode ser considerado um fim em si mesmo é a pessoa humana, pois todas as normas de Direito Civil têm um objetivo: são meios para concretização da dignidade dessa pessoa. 
Exemplo: uma ideia tradicional de família (fim em si mesmo) é totalmente diferente da família em uma concepção contemporânea (meio para concretizar a dignidade dos membros que compõe o núcleo familiar – família eudemonista).
Assim, a ideia trabalhada no tópico é: para que tenhamos um determinado instituto legítimo e para que esse instituto de Direito Civil possa ser aplicado e interpretado basta que esteja caracterizado todos os elementos que o caracterizando (dados pela norma jurídica). É uma ideia estrutural, pois busca-se uma conceituação abstrata, ou seja, a partir da análise da lei. Hoje, não. Busca-se o conceito no caso concreto. É claro que a norma nos dá sustentação, mas exige-se valoração, compreensão do problema para chegarmos a um conceito.
É claro que há uma finalidade nesse modelo clássico, mas tal finalidade não é condição de legitimidade do instituto. No modelo contemporâneo de Direito Civil a finalidade condiciona a legitimidade. 
Exemplo: uma obrigação, para ser legítima, deve conter todos os elementos estruturais. Mas, no modelo contemporâneo, se agrega, a essa questão estrutural, uma finalidade, a qual condicionará a legitimidade, pois esta passa a ser parte do conteúdo do instituto. Ou seja, uma obrigação sem função social não é uma obrigação; uma posse sem função social é uma não posse; um contrato sem função social não é um contrato. A finalidade é a causa de justificação da legitimidade.
2.1.3.	Estado Liberal
O modelo clássico de Direito Civil é produto da concepção liberal de Estado, o qual há uma dissociação muito clara entre Estado e sociedade.
O fundamento do Direito Civil é o Código Civil. A Constituição Federal trata de questões de Estado, mas não de questão que envolvam a sociedade. Não é por outro motivo que na França, a época do Código Civil Napoleônico, se dizia que o Código Civil era a Constituição dos cidadãos. E hoje, nesse novo modelo, é impossível se trabalhar com o Direito Civil sem conexão com as normas constitucionais. Até porque a nossa Constituição é a base de sustentação dessa finalidade que justifica os institutos de Direito Civil.
O Estado liberal, simplesmente, fez com que o Direito Civil ficasse isolado em relação à Constituição. O Direito Civil tornou-se um ramo autossuficiente para resolver questões da sociedade. Tanto é que os direitos fundamentais de primeira geração (liberdades públicas negativas) justamente evidenciavam a não intervenção do Estado na sociedade e as questões que envolviam a sociedade eram reguladas pelo Código Civil.
3. Direito Civil contemporâneo
Assim como no Direito Civil clássico, o Direito Civil contemporâneo também possui três pilares, os quais se inter-relacionam:
a) Pós-positivismo – o que significa este movimento?
b) Direito Civil é igual a estrutura mais função.
c) Estado Democrático de Direito – sistema aberto.
3.1. Pós-positivismo
A ideia do pós-positivismo, em termos universais, vem ganhando força, principalmente, após a 2ª Guerra Mundial, pois há um argumento para a mudança dos paradigmas que fundamentam as normas. 
Uma dessas alterações foi a mudança de movimento, ou seja, saindo de um sistema fechado para um sistema aberto. Por quê? Porque o positivismo, historicamente, foi utilizado como fundamento/justificativa para várias atrocidades praticadas, principalmente, pelos nazistas, no período da 2º Guerra Mundial. 
Três principais causas que levaram à revisão do modelo positivista e consequente surgimento do modelo pós-positivista:
a) A ideia de que o positivismo poderia acobertar injustiças (dissociação entre moral e direito).
b) Complexidade da sociedade contemporânea.
c) O positivismo, a pretexto de uma hermenêutica, estava levando a algumas arbitrariedades no âmbito da decisão judicial (decisionismo).
Questiona-se: O que significa esse movimento efetivamente? Se no positivismo havia uma separação muito clara entre moral e direito, no pós-positivismo apresenta-se como uma de suas grandes características, ou seja, a moral se inter-relaciona com o direito – o sistema é aberto fazendo com que os valores morais da sociedade ingressem no sistema jurídico. E como ingressam? Por meio de um outro tipo de norma: os princípios. No positivismo havia a possibilidade de uma lei injusta, porém válida (aspecto formal); no pós-positivismo, essa mesma lei, para ela ser válida, não basta a análise do aspecto formal. Ela também deve ser justa. E o que é ser justa? É estar de acordo com os valores que fundamentam a nossa sociedade, os quais se encontram na Constituição.
Os princípios, que no positivismo eram fontes secundárias ou supletivas, transformam-se, no pós-positivismo, em fonte primária de Direito. Por isso, os constitucionalistas, nos dias atuais, citam a norma como gênero e as regras e os princípios como espécies. Assim, o pós-positivismo trabalha, ainda, com a ideia de regra, mas ao lado dos princípios, os quais contêm valores e possuem força normativa.
Questiona-se: Qual a importância do tema? Não há como entender o Direito Civil atual sem compreender o movimento pós-positivista. Os valores que fundamentam o Direito Civil não estão no Código Civil. Estão na Constituição. O termo ou denominação “Direito Civil Constitucional”remete à ideia de que os institutos de Direito Civil devem buscar a concretização de valores sociais que estão estabelecidos e que são exigências da Constituição. Em outras palavras, é um Direito Civil que tem como fundamento valores e princípios de natureza constitucional. Os institutos de Direito Civil são meios para a concretização de finalidades e objetivos que são traçados pela Constituição. A estrutura está no Código Civil. O fundamento/finalidade está na Constituição.
O pós-positivismo fundamenta o neoconstitucionalismo, o qual será a base de sustentação do Código Civil.
3.1.1.	Movimento pós-positivista (características)
a) Moral se relaciona com o direito.
b) Valores socialmente relevantes são convertidos em normas jurídicas.
c) Parâmetros de justiça por ocasião da aplicação concreta do direito.
d) Valoração quando da concreção das normas não despreza o direito posto.
3.1.2.	Neoconstitucionalismo (CF como norma fundamental)
O pós-positivismo é o fundamento jusfilosófico do neoconstitucionalismo: para compreender o Direito Civil contemporâneo é preciso ter ciência das principais características do neoconstitucionalismo.
a) Constitucionalização do direito – irradiação das normas e valores constitucionais para todo o sistema. STF denomina de “eficácia irradiante”. Pós-positivismo: no Direito Civil contemporâneo é preciso buscar a justificação dos nossos institutos na CF e não no Código Civil.
b) Princípios com força normativa.
c) Reaproximação entre direito e moral.
d) Judicialização da política e das relações sociais.
e) Modificação da teoria das normas, fontes e interpretação (hermenêutica). O processo de hermenêutica passa por uma evolução. A hermenêutica clássica é relevante, mas não é suficiente para dar respostas adequadas.
f) Teoria dos direitos fundamentais – edificação sob a dignidade humana. É tão evidente a conexão do movimento pós-positivista e do movimento neoconstitucionalista com o Direito Civil contemporâneo que podemos dizer que o Direito Civil contemporâneo, como fruto desses movimentos, coloca a pessoa humana no centro do sistema jurídico civil. Tanto é que todos os institutos de Direito Civil não são mais fins em si mesmos, mas meios para a concretização de uma finalidade (dignidade da pessoa humana). A única que é um fim em si mesmo é a pessoa.
	Já caiu!
(DPES-2016-FCC): A “despatrimonialização” do Direito Civil, conforme sustentada por parte da doutrina, é reflexo da centralidade que o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais passam a ocupar no âmbito do Direito Privado, notadamente após a Constituição Federal de 1988.
3.1.3.	Qual a consequência do pós-positivismo para o Direito Civil?
É a abertura valorativa do sistema civil, isto é, as normas possuem valores e o sistema passa a permitir a valoração quando da concreção da norma. 
Em linhas gerais, se no positivismo o sistema era fechado e autossuficiente (aplicador não utiliza juízo de valor), no pós-positivismo ele se abre e os valores da sociedade passam a se inter-relacionar com o sistema jurídico. 
O pós-positivismo provocou um “choque” no sistema, gerando a seguinte consequência: a valoração que somente era realizada pelo legislador, no momento da elaboração da norma (positivismo), passa a ser realizada, também, pelo aplicador da norma (pós-positivismo). É uma valoração que parte da busca não apenas de uma validade formal da norma (positivismo), mas da validade material da norma (pós-positivismo) para verificar se a norma efetivamente é compatível com os valores sociais e constitucionais.
3.1.4.	Como se viabiliza essa abertura valorativa?
Através dos princípios, os quais são equiparados a normas jurídicas (passam a ter força normativa).
Impõe um constante diálogo do interprete com a norma jurídica (desse diálogo emerge a compreensão) e a funcionalização (finalidade) dos direitos subjetivos.
3.1.5.	Nova teoria da interpretação
A hermenêutica é alterada porque os métodos tradicionais de interpretação (hermenêutica clássica), embora importantes, não são mais suficientes para resolver esses problemas complexos de busca por uma argumentação adequada e pela concretização de uma justiça que só pode ser efetivamente concretizada com essa inter-relação do intérprete com a norma.
A compreensão da norma no pós-positivismo é feita em uma dimensão histórica. O intérprete não pode ignorar a concreta situação histórica em que se encontra. Em outras palavras, a aplicação do Direito Civil, como resultado desse modelo pós-positivista, só é possível se o intérprete levar em consideração o momento concreto histórico em que ele está vivendo. A partir desse contexto, dessa história, é possível construir uma decisão. Não basta para, no caso concreto, verificar se um contrato tem função social unicamente com base na sua estrutura. É preciso valorar tal situação.
3.1.6.	O conhecimento é falível e precário
Tudo é datado. O olhar é permeado pela historicidade e, portanto, sempre socialmente condicionado (filtrado por nossas vivências e tradições).
Não há neutralidades científicas. Os conceitos e compreensões se assentam em pré-conceitos e pré-compreensões.
As verdades são precárias e datadas.
3.1.7.	Princípios – como aplicar?
Todas as teorias de argumentação que trabalham com a aplicação de princípios possuem um objetivo: conferir racionalidade para as decisões.
As principais teorias são as teorias da argumentação desenvolvidas por Ronald Dworkin e Robert Alexy. 
A teoria de Robert Alexy colocou na prática o inverso do que ela pretendia. O objetivo, como citado, é conferir racionalidade às decisões judiciais. No entanto, desaguou no decisionismo/arbitrariedade/subjetivismo.
Robert Alexy: 1ª tentativa de aplicação dos princípios:
A estrutura racional da proporcionalidade e suas sub-regras (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito).
Premissa: possibilidade de colisão entre princípios.
Adequação e necessidade (limites fáticos) e proporcionalidade em sentido estrito (limite jurídico).
Teoria da argumentação jurídica que, se seguida, conduziria a decisões dotadas sempre de racionalidade.
Seria um critério racional de ponderação. 
Ronald Dworkin: 2ª tentativa de aplicação dos princípios:
Premissa: não há colisão, mas concorrência entre os princípios para um determinado caso.
Apenas pela análise das razões trazidas pelos participantes da discussão será possível compreender se a norma invocada funciona como regra ou princípio.
Ponderação como reflexão e não como método de aplicação.
Princípio: análise do caso concreto (integridade).
Interpretação construtiva (diálogo entre magistrado e sociedade).
A teoria de Ronald Dworkin é mais interessante para o Direito Civil, pois ela parte de um caso concreto. Não é uma ideia de ponderação, mas de reflexão.
3.1.8.	Direito Civil Constitucional (é o efeito do neoconstitucionalismo e do pós-positivismo)
Há ou deve haver uma aproximação e relacionamento entre direito e a justiça (moral). O pós- positivismo é a matriz jusfilosófica, que embasa as ideias neoconstitucionais ou a concepção teórica do neoconstitucionalismo. Ocorre, portanto, a abertura valorativa do sistema jurídico. As normas se dividem em regras e princípios e o Judiciário passa a ter papel preponderante neste novo sistema (criação de norma). 
Por outro lado, na visão positivista os valores são externos ao direito. Tais valores externos conduzem a atuação dos legisladores. A moral é externa ao direito e os valores ingressam nas normas tão somente por meio da atividade legislativa. Busca-se a vontade do legislador, sem qualquer aferição de justiça ou injustiça. 
No pós-positivismo os valores permeiam o sistema tanto no momento da confecção da norma como durante sua aplicação. Os valores servem-se dos princípios para oxigenar o sistema. Os princípios carregam os valores para essa concretização.
Direito Civil Constitucional: busca da compatibilização dos institutos de Direito Civil com os valores sociais constitucionais, osquais o fundamentam ou justificam, como o a dignidade da pessoa humana, valores sociais, função social, boa-fé objetiva, entre outros. [1: (MPT-2017): O Código Civil de 2002 positivou em seus artigos valores inerentes à pessoa humana, que passaram a orientar a interpretação de institutos do Direito Civil, como, por exemplo, a boa-fé objetiva como elemento das relações contratuais. Essa mudança de paradigma decorre do que se tem chamado de constitucionalização do Direito Civil. ]
Conclusão: Tal compatibilização será viabilizada por um processo de hermenêutica altamente sofisticado.
3.1.8.1. Valores sociais constitucionais como novos parâmetros hermenêuticos do Direito Civil
Só é possível interpretar o Direito Civil a partir dos valores sociais constitucionais.
É a irradiação das normas constitucionais e valores com a efetivação dos direitos fundamentais (normatividade dos princípios).
3.1.8.2. Efeitos da constitucionalização
I.	Submissão das normas de Direito Civil aos valores constitucionais.
II.	Nova concepção de família, posse, propriedade e contrato. Exemplo: uma família sem os parâmetros hermenêuticos constitucionais não será considerada uma família, mas uma reunião de pessoas.
III.	Funcionalização do Direito Civil: os direitos de natureza civil subjetivos servem a uma finalidade que o fundamentam e o legitimam.
3.2. Estrutura + função
No Direito Civil clássico, observamos apenas a estrutura, ou seja, o que é uma determinada estrutura. Hoje, como resultado dessa constitucionalização, os direitos subjetivos de natureza civil estão constitucionalizados. 
Então, não basta para que o instituto tenha legitimidade e esteja devidamente fundamentado, que todos os elementos estruturais estejam presentes. Deve-se questionar: “o que é e para que serve?” Agrega-se à ideia de estrutura a ideia de função, a qual nada mais é do que a finalidade.
A estrutura (elementos do instituto) é encontrada/baseada no Código Civil. A finalidade (compatibilização aos valores sociais) é encontrada/baseada nos valores sociais presentes na Constituição.
3.2.1. Parâmetros do Código Civil (Direito/função; poder/dever)
O Direito Civil passa a ser entendido como “direito/função”. 
Direito: estrutura/Código Civil. 
Função: funcionalidade/compatibilidade aos valores sociais constitucionais (realizada no caso concreto).
A finalidade e a funcionalidade passam a condicionar a legitimidade e a validade do próprio direito. 
Em suma:
	DIREITO
	FUNÇÃO
	PODER
	DEVER
Direito/Poder: Código Civil (elementos estruturais). Em razão do direito é conferido poder ao titular. Exemplo: a propriedade é um direito subjetivo. Em razão do direito de propriedade, o proprietário tem poderes (art. 1.228 CC). Até aqui nós estamos diante do Direito Civil clássico. 
No modelo contemporâneo, agrega-se ao Direito/Poder uma função e um dever. Em outras palavras, o direito subjetivo de natureza civil torna-se direito/função. A função integra o conteúdo desse direito e ao integrar o legitima e o condiciona. E ao poder corresponderá um dever. Exemplo: quem tem um direito tem poder; para que a propriedade seja propriedade deve ela ter uma função (afinada aos valores constitucionais que a justificam: função social). Para que essa propriedade tenha essa função e seja uma propriedade não basta que o proprietário tenha poderes. Para que ele tenha essa finalidade, é necessário, portanto, que cumpra deveres.
4. Resumo 
Os institutos de direito civil são meios para a concretização de direitos fundamentais da pessoa humana, em especial dignidade e seu núcleo essencial.
A pessoa humana foi colocada no centro do sistema jurídico. 
Objetivo do Direito Civil: garantia a todos de uma vida digna: eficácia positiva e negativa da dignidade. Pessoa humana como um fim em si mesmo.
5. Paradigmas do Código Civil em função do novo modelo contemporâneo.
Os paradigmas são desdobramentos do modelo contemporâneo de direito civil. São três paradigmas que serão a base de sustentação do direito civil (de autoria de Miguel Reale).
Repise-se que o estudo de tais princípios é fundamental para que se possam entender os novos institutos que surgiram com a nova lei privada.
5.1. Socialidade – função social.
O Código Civil de 2002 procura superar o caráter individualista e egoísta que imperava na codificação anterior, valorizando a palavra nós, em detrimento da palavra eu. Os grandes ícones do Direito Privado recebem uma denotação social: a família, o contrato, a propriedade, a posse, a responsabilidade civil, a empresa, o testamento.
A função social da propriedade já estava prevista na CF/1988, em seu art. 5.º, XXII e XXIII, e no seu art. 170, III, tendo sido reforçada pelo art. 1.228, § 1.º, do CC/02. Como novidade de grande impacto, a função social dos contratos passou a ser tipificada em lei, prevendo o art. 421 do CC/02 que “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Trata-se de um princípio contratual de ordem pública, pelo qual o contrato deve ser, necessariamente, visualizado e interpretado de acordo com o contexto da sociedade. Mesmo a posse recebe uma função social, eis que o atual Código consagra a diminuição dos prazos de usucapião imobiliária quando estiver configurada a posse-trabalho, situação fática em que o possuidor despendeu tempo e labor na ocupação de um determinado imóvel. A nova codificação valoriza aquele que planta e colhe, o trabalho da pessoa natural, do cidadão comum. Tais premissas podem ser captadas pela leitura dos arts. 1.238, parágrafo único, e 1.242, § único, do CC/02, que reduzem os prazos da usucapião extraordinária e ordinária, para 10 e 5 anos, respectivamente quando o possuidor tiver realizado no imóvel obras e serviços considerados pelo juiz de caráter social e econômico relevante.
5.2. Eticidade – princípio boa-fé objetiva
O Código Civil de 2002 se distancia do tecnicismo institucional advindo da experiência do Direito Romano, procurando, em vez de valorizar formalidades, reconhecer a participação dos valores éticos em todo o Direito Privado. 
O princípio da eticidade pode ser percebido pela leitura de vários dispositivos da atual codificação privada. Inicialmente, nota-se a valorização de condutas éticas, ou seja, da boa-fé objetiva.
Vejamos as três perspectivas/funções da boa-fé objetiva:
Função de interpretação/integração (CC, art. 113).
Função de controle – impor limites ao exercício concreto de direitos subjetivos e potestativos (CC, art. 187).
Função da integração/prestação – Em especial nas relações jurídicas obrigacionais (não apenas nesse caso), cria-se deveres anexos e colaterais (CC, art. 422).[2: (MPT-2017): A boa-fé objetiva materializa-se nas relações jurídicas obrigacionais por meio dos deveres anexos de conduta, entre eles os de proteção, de cooperação e de informação, que devem se preservar na relação jurídica.]
5.3. Operabilidade – simplicidade e cláusulas gerais. Perspectivas da operabilidade:
A operabilidade pode ser analisada sob duas perspectivas:
Busca pela tentativa de simplificação de algumas questões/institutos por meios de normas mais claras/objetivas. Exemplo: A especificação dos prazos de prescrição e decadência.[3: (DPEES-2016-FCC): “Darei apenas um exemplo. Quem é que, no Direito Civil brasileiro ou estrangeiro, até hoje, soube fazer uma distinção, nítida e fora de dúvida, entre prescrição e decadência? Há as teorias mais cerebrinas e bizantinas para se distinguir uma coisa de outra. Devido a esse contraste de idéias, assisti, uma vez, perplexo, num mesmo mês, a um Tribunal de São Paulo negar uma apelação interposta por mim e outros advogados, porque entendia que o nosso direito estava extinto por força de decadência; e, poucas semanas depois, ganhávamos, numa outra Câmara, por entender-se que o prazo era de prescrição, que havia sido interrompido! Por isso, o homem comum olha o Tribunal e fica perplexo. Ora, quisemos pôr termo a essa perplexidade, de maneira prática, porque o simples é o sinal da verdade,e não o bizantino e o complicado. Preferimos, por tais motivos, reunir as normas prescricionais, todas elas, enumerando-as na Parte Geral do Código. Não haverá dúvida nenhuma: ou figura no artigo que rege as prescrições, ou então se trata de decadência. Casos de decadência não figuram na Parte Geral, a não ser em cinco ou seis hipóteses em que cabia prevê-la, logo após, ou melhor, como complemento do artigo em que era, especificamente, aplicável”. (REALE, Miguel. O projeto de Código Civil: situação atual e seus problemas fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 11-12). Essa solução adotada no Código Civil de 2002 se vincula à diretriz fundamental da operabilidade, evitando dificuldades interpretativas.]
Cláusulas gerais.
A razão da opção legislativa pela inserção de cláusulas gerais no Código Civil: Com o pós-positivismo ocorreu uma abertura valorativa do sistema, ou seja, o sistema de direito se abre e os valores passam a ingressar no mundo jurídico, principalmente através dos princípios. Como a sociedade é muito dinâmica, o Código Civil não poderia ter, simplesmente, trabalhado com normas descritivas/fechadas, sob pena de haver uma total incompatibilidade entre o Código e o modelo contemporâneo de direito civil. Portanto, a opção por inserir no Código Civil cláusulas gerais é justamente para permitir ao intérprete que ele possa efetivamente integrar o conteúdo dessas normas para, dentro de uma margem razoável, poder aplicar a norma a um caso concreto.
As cláusulas gerais devem ser tratadas como gênero, dos quais seriam espécies, para fins didáticos, as cláusulas gerais propriamente ditas e conceitos jurídicos indeterminados. Diferença entre cláusula geral e conceito jurídico indeterminado:
Cláusula geral: A atividade do intérprete é dupla, ela envolve uma duplicidade de ação. Na cláusula geral, o intérprete realizará duas operações: 
1ª) integração do conteúdo da norma: Buscar a compatibilização da norma, com base na fundamentação do modelo civil contemporâneo, para aplicá-la no caso concreto.
Exemplo: Verificar se um contrato, concretamente, atende a finalidade da função social, a qual é a compatibilidade do contrato com os valores sociais-constitucionais.
2ª) Resultado: O intérprete, após o processo de integração, à luz do caso concreto, atribui ao caso a solução entendida como a mais adequada – o efeito é obtido via intérprete (a lei não o prevê).
Conceito jurídico indeterminado: Tem a apenas a primeira operação (integração). No entanto, ao contrário da cláusula geral, no conceito jurídico indeterminado, a resposta não é obtida via intérprete – é prevista em lei. 
Exemplos:
CC, art. 317. Conceito jurídico indeterminado: “motivo imprevisível”. Resultado (efeito): revisão.
CC, art. 157. Conceito jurídico indeterminado: “premente necessidade” e “inexperiência”. Resultado (efeito): invalidação.
Em conclusão, nas palavras de Flávio Tartuce, ao explicar sobre a visão filosófica do CC/02, refere que o PRINCÍPIO DA OPERABILIDADE, que tem dois significados. De início, há o sentido da simplicidade, uma vez o CC/02 segue tendência de facilitar a interpretação e aplicação dos institutos nele previstos. Como exemplo, pode ser citada a distinção que agora consta em relação aos institutos da prescrição e da decadência, matéria que antes trazia grandes dúvidas pela lei anterior, que era demasiadamente confusa. Por outra via, há o sentido da efetividade, ou concretude do Direito Civil, o que foi seguido pela adoção do sistema de cláusulas gerais.
6. Constituição do Direito Civil e Estrutura
A constitucionalização não alterou, em nada, a estrutura do direito civil (parte geral e parte especial).
Essência dos institutos (conteúdo e substância dos direitos que passam a ser integrados por normas e valores sociais: dignidade da pessoa humana, solidariedade e igualdade substancial).
A finalidade e a funcionalidade passaram a condicionar a legitimidade dos próprios direitos.
7. Princípios constitucionais relevantes que repercutirão no direito civil
a) Dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, inc. III).
A preservação da dignidade da pessoa humana como objetivo e fundamento do Estado Democrático de Direito.
Buscar a dignidade da pessoa humana, através dos institutos de direito civil, é garantir que essa pessoa tenha um mínimo de direitos, o qual lhe proporcionará um mínimo de dignidade.
Os institutos de direito civil passam, portanto, a serem meios para a concretização de um fim – garantir a pessoa humana um mínimo de dignidade (mínimo existencial). O mínimo existencial se concretiza no aspecto espiritual e material - teoria do patrimônio mínimo – ex.: CC, art. 549, 928, parágrafo único.
Os institutos de direito civil são meios para a concretização de direitos fundamentais da pessoa humana, em especial a dignidade e seu núcleo essencial. 
b) Solidariedade social (CF, art. 3º, inc. I)
Como a solidariedade social repercute para o direito civil? Transformando as relações jurídico-privadas em cooperativas, não mais hierarquizadas, subordinadas. Incidência no direito das obrigações e contratos.
Exemplo: Teoria do adimplemento substancial.
c) Igualdade substancial (CF, art. 5º).
Busca do equilíbrio concreto nas relações privadas. 
Exemplos: CC, arts. 157, 317 (teoria da revisão), 478 (teoria da onerosidade excessiva), 413.
3. Anotações sobre relação jurídica premissa para a parte geral
a) Conceito
Relação jurídica é o vínculo que o direito reconhece entre pessoas ou grupos, atribuindo-lhes poderes e deveres.
A relação jurídica dar-se-á entre pessoas (poderes e deveres previstos em lei) para a tutela de interesses (necessidade de ter bens jurídicos – razão da relação jurídica).
O reconhecimento jurídico traduz uma situação de poder e outra de dever ou de sujeição
b) Requisitos para uma relação jurídica
Material: comportamento dos indivíduos.
Formal: reconhecimento, pela ordem jurídica, que confere à relação de juridicidade.
c) Elementos da relação jurídica
Sujeito.
Objeto – bens (relação pode ser real ou obrigacional).
Vínculo – posição de poder e dever.
A relação jurídica se origina de fatos exteriores a essa relação entre pessoas (fatos jurídicos), o que faz gerar o vínculo - a relação jurídica e o direito, nela contido, nascem, modificam-se e se extinguem de fatos jurídicos.

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