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Pai de Botas e Mãe Santa

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Maria Catarina Daijó de Aguirra
Psicologia Aplicada ao Direito
1ºB – Matutino
Direito – PUCPR 
O PAI DE BOTAS E A SANTA MÃE: 
A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE EM CONFLITOS COM A LEI
Construções teóricas sobre os papéis familiares e o desenvolvimento da identidade
A adolescência é caracterizada por uma revolução biopsicossocial, sendo um processo que ocorre durante o desenvolvimento do indivíduo, seus comportamentos são influenciados pela cultura e sociedade em que está inserido.
A identidade é um processo contínuo de busca que se inicia no “encontro” da mãe com o bebê e só termina quando dissipa o poder de afirmação mútua do homem.
Quando o adolescente se deparar com a crise de identidade, reagirá de acordo com a maneira pela qual, na infância, integrou os diferentes elementos de identidade. 
Compreendemos o processo de construção da identidade como influenciado pela família do sujeito, assim, a família é entendida como a “matriz de identidade”. Com isso, para que este processo ocorra tranquila e adequadamente, é importante que pai e mãe consigam desempenhar bem seus papéis.
Se a mãe é reconhecida pelo filho desde seu nascimento, o pai precisa se impor e ocupar seu lugar no psiquismo do filho. A parentalidade se torna um processo difícil, pois requer muita maturidade emocional, em alguns casos, ambos os pais permanecem imaturos e os filhos ficam sozinhos na luta pela sobrevivência.
A agressividade ou a indiferença do “Pai de Botas” mascaram as dificuldades vividas nas famílias de origem, impedindo o estabelecimento de uma relação de intimidade e proximidade com os filhos.
A figura perene na constituição familiar é a mãe, que defende, protege, nutre e ama os filhos. Sua imagem é “santificada” pelo adolescente, uma vez que ela é vista como vítima de homens que a fizeram sofrer. Ela é a vítima de todos e uma santa que apanha do marido, trabalha parar sustentar a casa e sofre pelos filhos.
Assim, o adolescente fica dividido entre um pai/padrasto agressivo e uma mãe vítima, prejudicando a resolução adequada da sua crise de identidade. São pais e mães que não conseguem assumir seu papel parental, deixando ao filho com a tarefa de se auto educar. Então, a criança conta com recursos psicoafetivos muito pobres.
O contexto onde surgiram as metáforas do “Pai de Botas” e da “Mãe Santa”
Surgiram durante encontro semanais onde foi usada a metodologia de “oficina de ideias”. As ações propostas tiveram caráter investigativo, preventivo e de intervenção.
Foram trabalhados temas que eram definidos a partir dos conteúdos que os adolescentes traziam de suas vivências familiares, sociais e grupais. 
As atividades propostas buscavam colocá-los como protagonistas de suas histórias, buscando o entendimento sobre seus papéis sociais e alternativas de inclusão social.
O momento do surgimento das metáforas do “Pai de Botas” e da “Mãe Santa”
Houve o questionamento sobre algumas emoções como amor, carinho e outras.
As representações das emoções culminam no aparecimento da metáfora do “pai de botas”, quando um deles afirma: “Pai a gente encontra em qualquer esquina. Pai pra bater, tem em qualquer lugar. É um pai de botas”. Todos os outros concordaram e esclareceram que estavam se referindo à polícia que, ao invés de proteger, tem a função de bater, espancar e maltratar, como a maioria dos pais.
Depois, disseram que a emoção pode ser manifestada para a mãe, por quem é possível chorar e alguém que precisam respeitar. A questão do respeito é algo muito ressaltado entre os adolescentes. 
Além disso, a mãe é percebida como alguém a quem precisa proteger, cuidar, ouvir e ajudar. Eles a veem como uma fonte de suporte e cuidado. Portanto, os filhos são “parentalizados”, pois precisam assumir o papel de “homem da casa”. 
Trata-se, portanto, de um homem rígido que não pode se emocionar, que é rejeitado e encontrado na figura do “pai de botas”, o policial, e de uma mulher que ao tornar-se mãe, adquire o status de “santa”, intocável e frágil.
As relações “Pai de Botas”, “Mãe Santa”, adolescente e sua influência no processo de construção identitária
Uma maioria significativa dos adolescentes vivia apenas com as mães, tendo pouco ou nenhum contato com o pai, em alguns casos nem o conheceram. 
Como a relação afetiva do casal parental é a base da matriz de identidade, compreende-se a dificuldade de o filho absorver a lei simbólica e lidar com as figuras de autoridade.
A agressividade parece ser a linguagem encontrada pelos pais para lidarem com as dificuldades vividas nas relações familiares, e na impossibilidade de vivência da conjugalidade. 
A relação da mãe com o companheiro repete o padrão de violência e abandono, resultando em um grande sentimento de frustração, que trará como resultado uma relação ambivalente com o filho. A criança será o depositário de todas as esperanças e frustrações da mãe.
Esta configuração faz com que as relações sejam conflituosas e os papéis familiares confusos. A violência de seu pai é dirigida para toda a família.
Assim, o adolescente encontra-se preso na relação dos pais, num processo de lealdades invisíveis, que os impedem de significar a figura do pai sob outros aspectos, pois isso seria uma “traição” à mãe. 
Ao mesmo tempo que eles não querem ser identificados com este pai, esta é a única representação de masculinidade que têm. Os adolescentes não estão livres da identificação com o pai, mesmo que por aspectos negativos.
Da vivência familiar do “pai de botas” à vivência institucional da violência
Oriundos de ambientes familiares marcados pela violência, estes adolescentes, ao cometerem atos ilícitos e serem inseridos no contexto da justiça, encontram situações muito parecidas com aquelas já vividas no contexto familiar. 
Ou seja, os programas socioeducativos são marcados pela violência. As equipes usam do autoritarismo e da força para manter a ordem, ou ignoram os atos dos jovens para evitar conflitos. É a violência que não educa, mas deixa marcas afetivas e negligência que maltrata pela exposição à riscos psicológicos e físicos. 
Com isso, a repetição de atos que infringem a lei e a ordem, se dá numa tentativa de identificação pela reprodução do modelo que vem legitimar aquele que vivem no sistema familiar.
Semelhantemente ao que ocorreu nas suas famílias, as relações são conflituosas e os papéis dentro da instituição são confusos. Sem proteção institucional, se faz necessária a proteção pessoal.
O papel da justiça e das instituições socioeducativas: a contenção com continência
Estas instituições poderiam funcionar como modelos de relações pautadas na negociação e no respeito à individualidade e à peculiaridade destes jovens, ao mesmo tempo em que, na firmeza de ações coerentes e educativas. Isso implica na busca da autonomia como ser social do jovem, onde ele precisa discutir, negociar e entender as regras sociais.
No entanto, os educadores se recusam a perceber fatores importantes para o desenvolvimento afetivo-emocional dos adolescentes. Essa recusa se transforma em negligência e desconhecimento do indivíduo como um ser que pensa, sente, age e gera relações confrontadoras, permeadas de emoções negativas.
Como o senso comum é que adolescentes em medida socioeducativa são perigosos, os programas se reduzem à vigilância e à imposição da disciplina. O modelo autoritário se torna o ideal para isso. Esse processo trará consequências sérias para a construção identitária destes adolescentes.
As instituições introduzem elementos para que atores sociais as legitimem como detentoras do poder e do domínio: é a identidade legitimizadora como força de oposição à lógica de dominação, a identidade de resistência e a identidade de projeto que é fruto da construção pessoal na busca da redefinição do lugar social.
A Justiça falha como autoridade e como educadora, não cumprindo, também, sua função reparadora. Nesse processo, o adolescente vive as contradições da família que agride e se deixa agredir, encontrará uma Justiça também violenta.
Considerações finais
Asaída está na prevenção e na implantação de programas de atenção às famílias, dando-lhe condições de se entender como uma matriz de identidade, onde cada um de seus membros tem um papel afetivo e social na composição do grupo familiar. 
A partir daí, se poderá prevenir o ato delinquente.

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