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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rodrigo Khury RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO CURITIBA 2012 RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO Curitiba 2012 Rodrigo Khury RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel. Orientadora: Prof a . Claudia Beeck Moreira de Souza CURITIBA 2012 TERMO DE APROVAÇÃO Rodrigo Khury RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do titulo de Bacharel em Direito em no curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba, ___ de abril de 2012. ____________________________________ Professor Dr. Eduardo de Oliveira Leite Coordenador do Núcleo de Monografias ____________________________________ Orientadora: Professora Claudia Beeck Moreira de Souza Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito ____________________________________ Membro da Banca Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito ____________________________________ Membro da Banca Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito RESUMO A pena privativa de liberdade, cujo cumprimento se pode dar em regime fechado, semi-aberto e aberto, é cumprida em penitenciárias, sob a égide da Lei de Execuções Penais. Este dispositivo legal estabelece diretrizes de assistencialismo ao preso, direcionando o período em que está sob a custódia do Estado para o processo ressocializador, visando, assim, a integração do egresso à sociedade. São formas de assistencialismo o trabalho dentro das prisões, a educação do preso, o cuidado com sua saúde, acompanhamento de profissionais de saúde e de serviço social, bem como o contato com a família, por meio das visitas e correspondência. Todavia, diante da realidade vivida dentro da maioria dos estabelecimentos prisionais nacionais e dos índices de reincidência dos egressos pode-se afirmar que os objetivos de ressocialização do condenado não são alcançados. A criminalidade está presente dentro dos estabelecimentos prisionais, de modo organizado, existindo, inclusive, o comando de ações criminosas de dentro para fora das grades. Mesmo dentro dos presídios modelos, onde o assistencialismo é evidente, não e pode garantir a eficácia do processo de ressocialização, pois este somente pode ser medido a partir de índices de reincidência e integração do egresso ao meio social, mediante exercício de atividade lícita e integração familiar. Palavras-chave: Pena de prisão, ressocialização do preso, reincidência, integração familiar. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 6 2 BREVE HISTÓRICO DA PENA DE PRISÃO .......................................................... 8 2.1 A PENA DE PRISÃO NO BRASIL ....................................................................... 18 2.2 A PENA DE PRISÃO NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS ............................ 21 2.3 OS FINS DO CUMPRIMENTO DA PENA DE ACORDO COM A LEI DE EXECUÇÕES PENAIS .............................................................................................. 33 3 RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO ......................................................................... 37 3.1 O TRABALHO DO PRESO ................................................................................. 38 3.2 ASSISTÊNCIA MATERIAL .................................................................................. 41 3.3 SAÚDE DO PRESO ............................................................................................ 43 3.4 ASSISTÊNCIA JURÍDICA ................................................................................... 46 3.5 ASSISTÊNCIA EDUCACIONAL .......................................................................... 48 3.6 ASSISTÊNCIA SOCIAL E O CONTATO COM O MUNDO EXTERIOR .............. 50 3.7 ASSISTÊNCIA RELIGIOSA ................................................................................ 53 4 PANORAMA DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO E A RESSOCIALIZAÇÃO ................................................................................................ 55 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 63 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 65 6 1 INTRODUÇÃO A prisão é meio de contenção empregado desde os primórdios das civilizações. Inicialmente não era tida como uma pena, sendo que era executada somente como meio de se garantir que o criminoso estivesse presente no momento de seu julgamento. Modernamente, a concepção de prisão muda, juntamente com a sociedade nascente e passa a ser vista como o local para cumprimento de pena privativa de liberdade, ou seja, surge para substituir penas degradantes que incidiam sobre os corpos dos condenados. Os primeiros modelos de prisão para cumprimento de pena privativa de liberdade são o filadelfiano e auburiano instituídos nos Estados Unidos da América. A partir de então o sistema evoluiu, inclusive no sentido de humanização do preso, impondo ao Estado o dever de garantir a este, durante o cumprimento da pena, meios para se reintegrar na sociedade quando do término da pena. É o sistema ressocializador. Seguindo esta evolução de humanização das penas, a Constituição Federal de 1988, cuja redação não é inédita acerca da matéria, prevê garantias aos presos: a proibição de pena perpétua, de trabalho forçado, banimento e penas cruéis (artigo 5°, inciso XLVII, e suas alíneas); o respeito à integridade física e moral (artigo 5°, inciso XLVIII); e o direito à condições que permitam as presidiárias permanecerem com seus filhos durante o período de amamentação (artigo 5°, inciso L). Coube à Lei de Execuções Penais, Lei n° 7.210/84, disciplinar o cumprimento das penas. O artigo 1° deste Diploma Legal reza que ao Juízo da execução cabe efetivar os termos da sentença, bem como proporcionar condições 7 para harmônica integração social do condenado e do internado. Assim, ficou instituído o dever de ressocialização das penas no Brasil. Medidas assistenciais devem ser concretizadas durante o cumprimento da pena, de modo a preparar o condenado para o retorno à sociedade e reprimir o crime, dentre elas: assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa, todos nos termos do artigo 11, da Lei de Execuções Penais. Considerando tais informações, no presente trabalho, após breve exposição histórica acerca da prisão no decorrer dos séculos, tratar-se-á de cada uma destas formas de assistencialismo, expondo em que termos devem ser cumpridas e como podem, ou não, colaborar no processo de ressocialização. Diante do conhecimento teórico é necessário expor-se a realidade dos presídios brasileiros, as quais, adiantando-se,não são nada boas em termos gerais, para verificar se o processo de ressocialização está sendo efetivo, ou seja, se esta oportunizando ao egresso chances de convívio natural junto a sociedade que o recebe e se está prevenindo índices de reincidência. 8 2 BREVE HISTÓRICO DA PENA DE PRISÃO A prisão perde sua origem na história, de modo que a sua perpetuação não indica possibilidade de abolição, mas sim de reforma com passar dos séculos. Modernamente, é tida como um mal necessário, possuindo, em sua essência, contradições1 das quais não se pode libertar. (BITENCOURT , 2004, p. 459). Na antiguidade a privação da liberdade não foi conhecida como sanção penal, em que pese já se aplicasse prisão aos criminosos. Contudo, esta não era vista como pena, pois tinha a única função de manter o réu à disposição da autoridade até o seu julgamento, quando era condenado, geralmente, a uma pena de morte, a uma pena corporal (mutilações, por exemplo) ou a uma pena infamante (BITENCOURT , 2004, p. 460). A pena privativa de liberdade é uma forma punitiva recente na história das penas. Apenar da prisão ser conhecida, desde os primórdios da humanidade, esta não possuía caráter punitivo, tratando-se de um simples mecanismo de custódia de presos, durante o julgamento, como forma de se garantir, ao final, a aplicação da verdadeira pena, quase invariavelmente de morte ou corpórea. (BATISTA, 2005, p. 227). Na Grécia era prevista a possibilidade de contenção em cárcere do devedor civil até a realização do pagamento da dívida ou até quando ocorresse o julgamento. Nesta civilização a prisão também não era vista como pena, todavia Platão sugeria três tipos de prisões: 1 Um exemplo desta contradição está evidenciado no artigo de Andréa Almeida Torres: “Para THOMPSON a pena de prisão possui métodos contraditórios, pois pretende constituir-se como uma ação pedagógica ou terapêutico-reformativa, onde o seu real e principal fim é a segurança”. TORRES, Andréa Almeida. Críticas ao tratamento penitenciário e a falácia da ressocialização. Revista de Estudos Criminais, n. 26, p. 112, jul./set. 2007. 9 uma na praça do mercado (cárcere de custódia); outro (denominado sofonisterion) dentro da cidade e que serviria de correção; e um último, com finalidade de intimidação (caso de suplício), em local deserto e sombrio, afastado o mais possível do centro urbano. (DOTTI, 1988, p. 32). Os presos que aguardavam julgamento, nesta época, eram alojados em locais diversos, haja vista a inexistência de prisões específicas a este fim. Assim, eram depositados em calabouços, aposentos insalubres dentro de castelos, torres, conventos abandonados, ou seja, nos piores locais disponíveis na localidade. (BITENCOURT, 2004, p. 462). Luigi Ferrajoli, no mesmo sentido, argumenta que, embora a prisão seja uma instituição muito antiga, a pena privativa de liberdade é tipicamente burguesa. Naquela época, “a detenção propriamente dita não teve em geral uma função punitiva” (FERRAJOLI, 2006, p. 359). Ferrajoli prossegue ressaltando que “durante toda a Idade Média sua função continuou sendo precipuamente a cautelar de prender os imputados durante o tempo necessário para o processo, com o fim de confiá-los à justiça e impedir sua fuga” (2006, p. 359). Ou seja, a prisão como meio de acautelar o direito do credor é uma instituição com origens primitivas. Já a prisão como pena em razão da violação da autoridade estatal é, para o autor, uma criação moderna, assim como o próprio Estado. Com o fim da Idade Antiga, a partir da queda de Roma e de seus Impérios, a Idade Média apresenta novos delineamentos acerca da prisão, embora, esta continue a não ser vista como pena. Neste tempo, são criadas a prisão do Estado e a prisão Eclesiástica. A primeira abrigava inimigos do poder, do rei ou do senhorio, praticantes de crime de traição, ou os adversários políticos daqueles que governavam, e se apresentava em duas modalidades: “a prisão custódia, onde o réu espera a execução da verdadeira pena aplicada (morte, açoite, mutilações), ou 10 como detenção temporal ou perpétua, ou ainda, até receber o perdão real” (BITENCOURT, 2004, p. 463). São exemplos destas prisões a Torre de Londres e a Bastilha de Paris, as quais não possuíam, assim como as demais, instalações físicas, arquitetonicamente, adequadas para manutenção de presos, já que a sua destinação inicial era diversa (BITENCOURT, 2004, p. 463). A prisão Eclesiástica era direcionada aos integrantes da Igreja, abrigando clérigos rebeldes, e dentro de uma perspectiva de caridade e fraternidade da Instituição, o recolhimento tinha como objetivo a penitência e meditação. No ano de 1.000 relatou-se que estas prisões localizavam-se em locais subterrâneos, sendo o acesso por meio de uma escada, possibilitando a entrada de luz para e o recolhido ler o breviário e as escrituras sagradas (BITENCOURT, 2004, p. 464). Assim, “o cárcere, como instrumento espiritual do castigo, foi introduzido pelo Direito Canônico, posto que, pelo sofrimento e na solidão, „a alma do homem se depura e purga o pecado” (DOTTI, 1988, p. 33). É certo que este modelo canônico inspirou o modelo de prisão da modernidade, com destaque no que tange à recuperação do criminoso e aos termos atualmente utilizados, pois de “penitência” originaram-se os termos “penitenciária”, “penitenciário” (BITENCOURT, 2004, p.465). Entretanto, não se pode esquecer que neste período as prisões não eram estabelecimentos para cumprimento de pena, ou nos dizeres de Cezar Roberto Bitencourt: “A privação da liberdade continua a ter uma finalidade custodial aplicáveis àqueles que foram submetidos aos mais terríveis tormentos exigidos por um povo ávido de distrações bárbaras e sangrentas” (BITENCOURT, 2004, p. 463). 11 Estas práticas sangrentas eram conhecidas como suplícios, contavam com a participação em massa do povo, cujo objetivo era acompanhar o esquartejamento dos condenados. Isto ainda persistiu após o início da Idade Moderna, todavia adquiriu formas mais sóbrias até ser substituída por completo pela pena privativa de liberdade. A obra Vigiar e Punir de Michel Foucault retrata de forma detalhada esta transição. Já no início do livro, o autor traz o relato da execução de um condenado na França em 1757, e em seguida relata a forma de utilização do tempo dos internos da Casa dos jovens detentos de Paris. Vejamos alguns trechos: [Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757], a pedir perdão publicamente diante da porta principal da Igreja de Paris [aonde deveria ser] levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola carregando uma tocha de cera de duas libras; [em seguida], na dita carroça, na praça de Grève, e num patíbulo que aí será erguido, atenazando os mamilos, braços, coxas e barriga das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento. (...) [Três décadas mais tarde, eis o regulamento redigido por Leon Faucher para “Casa dos jovens detentos em Paris”]. Art. 17. – O dia dos detentos começará as seis horas da manhã no inverno, às cinco horas no verão. O trabalho há de durar nove horas por dia em qualquer estação. Duas horas por dia serão consagradas ao ensino. O trabalho e o dia terminarão às nove horas no inverno, às oito horas no verão.(FOUCAULT, 2001, p. 9-10). Após esta exposição, explica o autor que o suplício e a utilização do tempo dentro da casa de detenção não são aplicados ao mesmo gênero de criminosos, e continua: Mas definem bem, cada um deles, um certo estilo penal. Menos de um século medeia entre ambos. É a época em que foi redistribuída na Europa e nos Estados Unidos, toda a economia do castigo. É época de grandes “escândalos” para a justiça tradicional, época dos inúmeros projetos de reformas; nova teoria da lei e do crime, nova justificação moral ou política 12 do direito de punir; abolição das antigas ordenanças, supressão dos costumes; projeto ou redação dos códigos “modernos”: Rússia, 1769; Prússia, 1780; Pensilvânia e Toscana, 1786; Áustria, 1788, França, 1791, Ano IV, 1808 e 1810. Para a justiça penal uma nova era. (grifos nossos). (FOUCAULT, 2001, p. 11). Neste contexto, a punição deixa de ser um espetáculo de humilhação ao condenado, sendo extinta por completo, em toda a parte, no final do século XVIII, ou na primeira metade do século XIX, oportunidade em que a execução pública passa a ser tida pela população como um espetáculo de violência. Assim, para os estudiosos, a punição, por não mais se dirigir ao corpo do condenado, deve-lhe atingir a alma, ou seja, deve recair sobre o coração, intelecto, vontade e sobre as disposições (FOUCAULT, 2001, p. 18). Foucault ressalta também que a transição, do suplício diante da multidão para a pena de prisão cumprida sigilosamente dentro dos grandes muros de estabelecimentos criados para este fim, “não é passagem a uma penalidade indiferenciada, abstrata e confusa; é uma passagem de uma arte de punir a outra, não menos científica que ela. Mutação técnica” (2001, p. 215). Tratando do tema das penas de privações já na modernidade, Luigi Ferrajoli salienta que a pena, em sua acepção moderna, deve ser quantificada, determinada e proporcional à gravidade do delito (2006, p. 362). Assim, afirma-se ser característica da pena moderna a abstração e observância de um princípio de igualdade. Além disso, ela deve ser “quantificável e mensurável e, por isso, predeterminável legalmente e determinável judicialmente tanto em sua natureza como no que tange à sua medida” (FERRAJOLI, 2006, p.358). A partir dessa nova concepção, passou-se a questionar o caráter punitivo da pena. Ou seja, seu caráter retributivo perdeu importância, em detrimento de sua 13 “substituição por técnicas indeterminadas de defesa social de caráter terapêutico ou pedagógico” (FERRAJOLI, 2006, p.362). Além do mais Ferrajoli afirma que “a pena - segundo a já aludida tese que une Montesquieu, Beccaria, Romagnosi, Bentham e Carmignani - deve ser necessária e a mínima dentre as possíveis em relação ao objetivo da prevenção” (2006, p. 363). Essa noção traz uma ideia de pena mínima necessária e do respeito ao indivíduo, que é sim titular de direitos e garantias, sendo proibida a aplicação de penas cruéis, desumanas ou que extrapolem o mínimo necessário à sua função terapêutica. O referido autor ressalta ainda que com o passar do tempo, o valor da pessoa humana acabou por impor uma limitação à própria aplicação da pena, sendo vedada a utilização de penas excessivas, pois diz-se que “a lei não deve estabelecer mais do que penas estritamente e evidentemente necessárias” (FERRAJOLI, 2006, p. 363). Isso quer dizer que, acima de qualquer argumento utilitário, o valor da pessoa humana impõe uma limitação fundamental em relação à qualidade e à quantidade da pena. É este o valor sobre o qual se funda, irredutivelmente, o rechaço da pena de morte, das penas corporais, das penas infames e, por outro lado, da prisão perpétua e das penas privativas de liberdade excessivamente extensas. Devo acrescentar que este argumento tem um caráter político, além de moral: serve para fundamentar a legitimidade do Estado unicamente nas funções de tutela da vida e os demais direitos fundamentais; de sorte que, a partir daí, um Estado que mata, que tortura, que humilha um cidadão não só perde qualquer legitimidade, senão que contradiz sua razão de ser, colocando-se no nível dos mesmos delinqüentes. (FERRAJOLI, 2006, p.364). Na modernidade, o sistema prisional como meio de punição se mostra como uma forma de controle social, pois o criminoso, submetido ao tratamento penal, é objeto de regeneração, recuperação, reforma e reeducação, ou seja, a pena de prisão, ideologicamente sustentada pela criminologia clássica, passa a objetivar a 14 ressocialização do criminoso. Em sendo assim, diversas penitenciárias na Europa e Estados Unidos, nos séculos XVIII e XIX, utilizaram o isolamento e a religião para regenerar os indivíduos condenados (TORRES, 2007, p. 108). Mesmo diante de toda uma evolução no cumprimento de pena prisão no seio da Europa, a partir do século XVI, com a construção de prisões para correção dos apenados (BITENCOURT, 2004, p. 466), foi nos Estados Unidos que surgiram os primeiros modelos organizados de cumprimento de pena privativa de liberdade em estabelecimentos penitenciários, os quais foram especialmente construídos com o objetivo de atender a execução da pena. Os primeiros sistemas de execução de pena privativa de liberdade (sistemas penitenciários) têm origem nos Estados Unidos da América e foram denominados sistema filadélfico ou pensilvânico (sistema celular dos (Quackers) e o sistema auburniano ou “silent systen”. No primeiro, um rigoroso isolamento celular era mantido durante toda a pena de prisão e o indivíduo ficava a mercê de um tutor (Quacker), que o acompanhava promovendo estudos e leituras bíblicas e esperando alcançar o arrependimento e a purificação espiritual do apenado. O segundo propiciava o trabalho comum durante o dia, mantendo a regra do isolamento celular apenas para noite. A disciplina deste sistema penitenciário exigia que o trabalho comum fosse executado totalmente em silêncio (daí a denominação de silent systen) e tinha por finalidade formar operários padrões para o nascente capitalismo industrial do norte dos Estados Unidos (daí a implantação deste sistema em Auburn no estado americano de Nova Iorque). (BATISTA, 2005, p. 227-228). Neste período, o cumprimento da pena, vista como castigo, era exercido a partir de políticas públicas do Estado, cujo objetivo era a recuperação do indivíduo. Nas penitenciárias o preso era submetido ao sofrimento, intimidado e reformado e, para tanto, eram aplicadas técnicas de disciplina, a qual também se pretendia alcançar por meio do trabalho, moralização e vigilância constante (TORRES, 2007, p. 109). Juarez Cirino dos Santos faz uma relação entre cárcere e fábrica a partir dos modelos americanos de penitenciária. Afirma que o modelo filadelfiano 15 foi a alternativa para o trabalho carcerário no período da produção manufatureira: de um lado, o panótipo de Bentham, como arquitetura disciplinar da instituição penal; de outro, o confinamento em celas individuais para oração e trabalho. (SANTOS, 2008, p. 506). Todavia, este modelo entra em decadência quando dos tempos da industrialização, pois o trabalho isolado do preso não atende às expectativas do trabalho produtivo do encarcerado, haja vista a impossibilidade de este realizar trabalho coletivo necessário para tornar industrial a prisão. O modelo auburn, por sua vez, é a solução do problema surgido no modelo filadelfiano a partir da idéia de trabalho coletivo na industrialização, posto que esta nova forma de encarceramento, como visto, permite o trabalho coletivo durante o dia, mesmo que sob o sistema de silêncio. Assim, a exploração do capital é levado aos presídios, organizando-os no mesmo sistemada “fábrica” (SANTOS, 2008, p.508). Na Europa, durante o período final do século XIX e início do século XX, novas teorias penitenciárias são desenvolvidas pela escola positivista. Aquele que comete delito é considerado diferente dos demais cidadãos, sendo necessário serem submetidos a tratamento identificador das causas de seu comportamento. Para esta escola o crime é cometido por sujeitos que sofrem de patologias biopsicosociais e, desta forma, o tratamento penitenciário tem o objetivo de correção do sujeito. “Para a teoria positivista, a criminalidade é determinada por estes fatores biopsicosociais e comportamentais dos indivíduos delituosos ou com tendências a cometer delitos” (TORRES, 2007, p. 109). Ou seja, as causas do crime são consideradas patológicas, a partir de um determinismo biológico disposto em 3 classes: a primeira antropológica, a segunda de fatores físicos e a última de fatores sociais. “O delito era conduzido assim, (...) a uma concepção determinista da realidade em que o homem está inserido, e da qual 16 todo seu comportamento é expressão” (TORRES, 2007, p. 109). Neste sentido, a personalidade dos criminosos era classificada, para que, a partir dela, se pudesse estabelecer qual o tratamento penitenciário mais adequado. Neste contexto, não se pode mais falar em retribuição jurídica do crime, posto que a pena de prisão para ter um caráter repressivo social, de modo a “corrigir” os criminosos, independentemente do tempo necessário para tanto. Veja- se a manifestação de Alessandro Baratta acerca do tema: O desenvolvimento da Escola positiva levará, portanto, através de Grispigni, a acentuar as características do delito como elemento sintomático da personalidade do autor, dirigindo sobre tal elemento a pesquisa para tratamento adequado. (...) Mas a afirmação da necessidade de ação delituosa faz desaparecer todo caráter de retribuição jurídica ou de retribuição ética da pena. Agora, novamente, mesmo na diversidade de pressupostos, e também conseqüências práticas, vemos reafirmada, na história do pensamento penalístico italiano, a concepção de pena como meio de defesa social. Ferri agrega à pena todo o sistema de meios preventivos de defesa social contra o crime, que assumem a forma e a denominação de “substitutivos penais”. Mas como meio de defesa social a pena não age de modo exclusivamente repressivo, segregando o delinqüente e dissuadindo com sua ameaça os possíveis autores de delitos; mas também e sobretudo, de modo curativo e reeducativo. (2002, p. 39-40). Diante deste quadro é possível afirmar que a pena de prisão em penitenciárias passou a ser vista como meio de reeducação humana. Assim, aqueles objetivos de ressocialização, regeneração, readaptação e recuperação do condenado são perseguidos por medidas terapêuticas, fazendo com que o condenado seja transformado, de forma a tornar-se capaz a adaptação à vida em sociedade, de modo a respeitar suas exigências morais e legais. (TORRES, 2007, p.110). Torna-se necessária, portanto, uma avaliação pessoal do criminoso, mais especificamente, uma avaliação subjetiva de sua personalidade, para se estabelecer qual o tratamento penitenciário mais adequado. Desta forma, passam a atuar nestes estabelecimentos médicos, psicólogos, psiquiatras e sociólogos, cuja função 17 delimitar o perfil do interno, para então, traçar o tratamento de personalidade mais indicado. Por meio desta e evolução, e diante do fato de que a resposta do Estado à transgressão penal é o tratamento penitenciário, este passou a focar a recuperação do criminoso, por meio de métodos ressocializadores, permitindo a sua volta ao convívio social. A instituição da pena privativa de liberdade fez com que, de forma conseqüente, surgisse a idéia de ressocialização, sendo necessário que o Estado sancionador ocupasse o tempo do preso que estava à sua disponibilidade. Chegou-se ao século XX com o sistema prisional progressivo, o qual teve sua origem na Inglaterra, estabelecendo que a pena privativa de liberdade deveria ser cumprida por etapas, incorporando o discurso e Ressocialização nas suas bases ideológicas. Este é o modelo adotado atualmente no Brasil, salvo pequenas alterações. Seu fundamento está no controle do corpo dos indivíduos, tomando este como agente de vontade ou compulsão criminosa, até que seja determinada sua “ressocialização” ou cumprida a totalidade da pena (...). (BREDOW, 2007, p. 206). Chegando neste ponto, foi possível, mesmo que brevemente, uma verificação histórica da pena de prisão durante o passar dos séculos. Na história recente, de uma aplicação subsidiária, somente para se garantir que o criminoso estivesse presente no momento de seu julgamento e execução, a pena de prisão passou a ser a principal punição pela prática de crimes, tendo, durante a sua evolução, diferentes objetivos, até se chegar à idéia de ressocialização. 18 2.1 A PENA DE PRISÃO NO BRASIL Em 1500, quando do descobrimento do Brasil, vigiam em Portugal as Ordenações Afonsinas (1446), aplicadas juntamente com o Direito Canônico e o direito costumeiro. Neste período, de forma geral, a prisão era prevista como medida preventiva, sendo utilizada como forma de conter a fuga do criminoso até o seu julgamento. E ainda previa este ordenamento a possibilidade de prisão como forma de coerção ao agente para que efetuasse pagamento de pena pecuniária. Com típica natureza repressiva era imposta por uma noite àqueles que presenciassem jogos, por quinze dias para os jogadores, por três dias para aqueles que violassem regras, pela segunda vez, acerca das coisas de uso proibido, etc. (DOTTI, 1988, p.42). Já em 1514 passaram a viger as Ordenações Manuelinas no país, documento constituído de cinco livros, sendo o último deles responsável pelas matérias de direito e processo penal. Assim como nas Ordenações Afonsinas, a prisão nesta época é pouco utilizada como contenção do agente até seu julgamento e condenação, todavia, é permitida sua aplicação, sendo que poderia ser de quinze ou trinta dias, ou estabelecida de forma arbitrária. A pena civil passa a ser menos aplicada. (DOTTI, 1988, p. 43). Entretanto, há quem informe que não eram aplicadas as Ordenações Manuelinas no Brasil, o qual vivia a época das capitanias hereditárias, cabendo aos donatários a imputação de regras jurídicas. Ao capitão era possível nomear ouvidor, o qual tinha alçada de dez mil réis nas causas cíveis e que poderia absolver ou 19 condenar nas causas criminais, aplicando a pena que desejasse, inclusive de morte, desde que respeitados determinados quesitos. (DOTTI, 1988, p. 43). As Ordenações Filipinas (1603) não trouxeram muito avanço acerca da matéria, e foram marcadas pelo terrorismo das penas aplicadas ao novo rol de delitos previstos. Foi influenciada pelos rituais de suplícios, os quais eram comuns na Europa durante aquele período, ou seja, a prisão, assim como no período anterior vivido no Brasil, não era tida como pena, sendo meramente acessória. (DOTTI, 1988, p. 45-46). Com a independência do Brasil, em 1822, muitas mudanças ocorreram, todavia, no campo da matéria penal, uma lei promulgada em 1823 ainda determinava observância à legislação portuguesa, até que em 1824 promulgou-se a primeira Constituição Federal. Este texto legal trouxe a previsão de defesa dos direitos das liberdades, determinando a redação, urgente, de um Código Criminal, a abolição dos açoites e da tortura, determinou que a pena não passaria da pessoa do condenado, determinando aplicabilidade de segurança e higiene dentro dos presídios, onde os internos deveriam ser organizados de acordo com suas circunstânciase natureza dos delitos cometidos. (DOTTI, 1988, p. 49-50). Com a elaboração do Código Criminal do Império (1830) surge a pena de prisão, bem como a preocupação de reforma moral do condenado por meio dos regimes prisionais. A privação da liberdade passaria a ser uma autêntica e própria sanção penal para substituir as penas corporais, de largo espectro nas ordenações. E assim ocorreu também no Código Penal português de 1825 como em tantos outros sistemas fundados na doutrina do Iluminismo. No Código Criminal do Império a pena de prisão com trabalho poderia ser perpétua como algumas hipóteses de crimes políticos (...) A chamada prisão com trabalho obrigava aos réus a se ocuparem diariamente no labor que lhes fosse imposto, dentro do recinto das prisões, na conformidade das sentenças e dos regulamentos dos presídios. 20 A pena de prisão simples obrigada aos réus permanecerem reclusos nas prisões públicas pelo tempo marcado na sentença. (...) A prisão como autêntica pena ingressava nos costumes brasileiros não como simples instrumento de proteção da classe dominante mas também passaria a ser vista como “fonte de emenda e de reforma moral para o condenado”. A preocupação em torno do regime penitenciário mais adequado traduziu o emprenho de acompanhar o progresso revelado em outros países. (DOTTI, 1988, p. 53-54). Durante o período da Primeira República (1889-1930) houve várias mudanças políticas e institucionais no cenário nacional, dentre as quais está a abolição da escravidão, o que ensejou uma retificação no Código Criminal. Antes mesmo da revisão neste Diploma Legal, baixou-se o Decreto n° 774, de 1890, cujo texto previa abolição da pena de galés, redução das penas perpétuas a trinta anos, a determinação de cômputo no tempo de prisão o tempo de prisão preventiva e a possibilidade de prescrição das penas. Estas previsões foram incluídas, juntamente com outras pequenas alterações, no Código Penal de 1890. Em 1933 houve uma tentativa de codificação das normas de execução penal, por meio do Código Penitenciário da República, cuja elaboração se deve à Cândido Mendes, Lemos de Brito e Heitor Carrilho. Todavia, em que pese tenha sido publicado no Diário do Poder Legislativo, em 1937, foi deixado de lado, haja vista existência de discrepâncias entre ele e o Código Penal de 1940, o qual estava em discussão à época. (MIRABETE, 1996, p. 28). Nas reformas sofridas pelo Código Penal não se alterou de forma significativa o regime das prisões, sendo que a última grande reforma de 1984, refere à parte geral, previu que o cumprimento da pena privativa de liberdade se daria em três etapas: regime fechado, cumprido em estabelecimento prisional, regime semi aberto, cumprido em colônia penal agrícola, industrial ou estabelecimento similar, e regime aberto, em prisão-albergue, cumprida em casa do albergado ou estabelecimento similar. 21 2.2 A PENA DE PRISÃO NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS A Constituição de 1824 foi outorgada pelo Chefe de Estado, Dom Pedro I, assim que proclamada a independência do Brasil. Dentre suas características, forma unitária de Estado, forma de governo monarquia, território dividido em províncias, adoção do catolicismo como religião oficial, entre outros, a Constituição de 1824 trazia em seu texto, mais precisamente no artigo 179, a garantia de direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros. (PINHO, 2003, p. 148-150). Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte. I. Nenhum Cidadão pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da Lei. XIII. A Lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, o recompensará em proporção dos merecimentos de cada um. XIX. Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis. XX. Nenhuma pena passará da pessoa do delinqüente. Portanto não haverá em caso algum confiscação de bens, nem a infâmia do Réu se transmitirá aos parentes em qualquer grau, que seja. Esse texto normativo foi concebido numa época em que a pena já havia superado a característica de execração pública (suplício) e se transformado numa pena de segregação. É natural, portanto, que, espelhando esse momento histórico, haja proibido as penas cruéis, como os açoites, tortura e marca de ferro quente. Assegurou ainda a chamada incontagiabilidade ou intransmissibilidade da pena, que não poderia passar da esfera jurídica do apenado. É evidente ainda a marca deixada pelo cristianismo católico na justiça do Império. Como religião oficial do Estado, o catolicismo trouxe ao ordenamento 22 jurídico uma série de valores cristãos, que influenciaram diretamente o sistema de penas. Como explica Ovídio Baptista da Silva, desde o direito bizantino a justiça torna-se (...) inteiramente iluminada pela caridade, um dos valores supremos do pensamento cristão [...]. Outros valores cristãos fundamentais, derivados da caridade, como o sentimento de moderação, a clemência e a piedade, informam igualmente, como valores referenciais, o sentido da justiça de cada caso e o próprio ordenamento jurídico, em sua totalidade. (1997, p. 96-99). Mas essas normas protetivas não abarcavam toda a sociedade. Os escravos compunham uma grande parte da população. Para estes, como para a classe dos homens livres, porém, pobres, os direitos e garantias a que se faz alusão simplesmente não existiam (SAMPAIO, 1989, p. 58). Assim, embora a Carta Constitucional afirmasse a liberdade e igualdade de todos perante a lei, a realidade era muito diferente, pois a maior parte da população ainda permanecia escrava. Segundo Luiz Augusto Sampaio, “aboliam-se as torturas, mas nas senzalas, os troncos, os anjinhos, os açoites, as gargalheiras continuavam a ser usados e o senhor era o supremo juiz, decidindo da vida e da morte dos homens” (1989, p. 60). René Ariel Dotti, no mesmo sentido, destaca que a Constituição do Império apenas formalmente declarou a (...) abolição dos açoites, da tortura, da marca de ferro quente e todas as demais penas cruéis; proibiu o confisco de bens e a declaração de infâmia aos parentes do réu em qualquer grau; proclamou que nenhuma pena passaria da pessoa do delinqüente e que „as cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos réus, conforme suas circunstâncias e a natureza de seus crimes. (DOTTI, 1988, p. 50). Desse modo, o texto escrito da Constituição do Império não foi suficiente para alterar a realidade social. Por isso, pode-se afirmar que essa Constituição era, 23 na classificação ontológica proposta por Karl Loewenstein (1970), uma constituição nominal. Afinal, o texto positivado não foi suficiente para promover uma verdadeira integração entre a norma jurídica e a dinâmica da vida política. Especificamente quanto à pena de prisão, a Constituição de 1891 garantiu que ninguém seria preso sem culpa formada, salvo nos casos que a lei excepcionasse ou nos casos de prisão em flagrante. Autorizou ainda o pagamento de fiança, que seria regulada por lei própria: VIII. Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, excepto nos casos declarados na Lei; e nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada na prisão, sendo em Cidades, Villas, ou outras Povoações proximas aos logares da residencia do Juiz; e nos logares remotos dentro de um prazo razoavel, que a Lei marcará, attenta a extensão do território, o Juiz por uma Nota, por elle assignada, fará constar ao Réo o motivoda prisão, os nomes do seu accusador, e os das testermunhas, havendo-as. IX. Ainda com culpa formada, ninguem será conduzido á prisão, ou nella conservado estando já preso, se prestar fiança idonea, nos casos, que a Lei a admitte: e em geral nos crimes, que não tiverem maior pena, do que a de seis mezes de prisão, ou desterro para fóra da Comarca, poderá o Réo livrar-se solto. X. A' excepção de flagrante delicto, a prisão não póde ser executada, senão por ordem escripta da Autoridade legitima. Se esta fôr arbitraria, o Juiz, que a deu, e quem a tiver requerido serão punidos com as penas, que a Lei determinar. Com a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889 fez-se indispensável a elaboração de uma nova Constituição. A Constituição Republicana de 1891 teve enorme influência do modelo constitucional adotado pelos Estados Unidos, motivo que rendeu ao Brasil a denominação de “Estados Unidos do Brasil”. Essa Constituição adotou o federalismo como forma de Estado e a República como forma de governo. Diferentemente da Carta que a precedeu, não adotou o catolicismo como religião oficial. Diferentemente, permitiu o livre culto de todas as crenças. Mas a influência dos valores cristãos no regramento das penas persistiu até a Constituição atualmente em vigor. 24 O rol de garantias individuais foi ampliado, com a importante inclusão do habeas corpus na Carta Constitucional. Manteve-se a proibição de prisão antes da formação da culpa, o que ocorria com a pronúncia do acusado. Também foi mantidos a possibilidade de prisão em flagrante e o sistema de fiança. Art. 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: §1 - Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. §2 - Todos são iguais perante a lei. §13 - A exceção do flagrante delito, a prisão não poderá executar-se senão depois de pronúncia do indiciado, salvo os casos determinados em lei, e mediante ordem escrita da autoridade competente. §14 - Ninguém poderá ser conservado em prisão sem culpa formada, salvas as exceções especificadas em lei, nem levado à prisão ou nela detido, se prestar fiança idônea nos casos em que a lei a admitir. §19 - Nenhuma pena passará da pessoa do delinqüente. §20 - Fica abolida a pena de galés e a de banimento judicial. §21 - Fica, igualmente, abolida a pena de morte, reservadas as disposições da legislação militar em tempo de guerra. §22 - Dar-se-á o habeas corpus, sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder. Como se observa, a maior inovação operada pela Constituição Republicana foi a elevação do habeas corpus ao status de garantia constitucional. A Carta anterior limitava-se a prever que, em caso de prisão arbitrária, o juiz que a determinara seria punido. O writ, todavia, já existia no direito brasileiro desde 1821, com a vinda de D. João VI, quando se expediu o Decreto nº 23/05/1821, e foi previsto expressamente pela primeira vez no Código de Processo Criminal de 1832 (MORAES, 2005, p. 2591-2592). 25 Na prática, entretanto, mais uma vez percebeu-se que a Carta Constitucional não conseguiu trazer a igualdade material para todos. Novamente ela deixou a desejar no que toca à implementação dos direitos e garantias que apregoava. A Constituição de 1934 deu continuidade à tendência de manter as garantias já instituídas e assegurar outras. Essa Carta, que sofreu grande influência da Constituição alemã de Weimar, possui entre as suas características principais a possibilidade de intervenção do Estado na ordem econômica e social, isto é, a ideologia do laissez-faire. O Estado passa, assim, a desempenhar um papel ativo na sociedade (prestações positivas) (PINHO, 2003, p. 153). Todos esses fatores apontam para o sentido eminentemente social da Constituição de 1934. Seguindo uma certa tendência européia do pós- guerra, mas que na verdade só iria se afirmar definitivamente ao término da Segunda Grande Guerra, alguns dos preceitos do chamado “Welfare State” foram consagrados no texo. Pela primeira vez na história constitucional brasileira, considerações sobre a ordem econômica e social estiveram presentes. Uma legislação trabalhista garantia a autonomia sindical, a jornada de oito horas, a previdência social e os dissídios coletivos. A família merecia proteção especial, particularmente aquela de prole numerosa. O deputado Prado Kelly foi em larga medida o responsável pelo item social, até então inédito: um capítulo sobre a educação. (ANDRADE; BONAVIDES, 2003, p. 325). A ideia de um Estado ativo reflete também na pena de prisão. A Constituição de 1934 determina, de forma inovadora, que o magistrado promova, de ofício, sem necessidade de provocação, a prisão ilegal: Art. 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: 21) Ninguém será preso senão em flagrante delito, ou por ordem escrita da autoridade competente, nos casos expressos em lei. A prisão ou detenção de qualquer pessoa será imediatamente comunicada ao Juiz competente, que a relaxará, se não for legal, e promoverá, sempre que de direito, a responsabilidade da autoridade coatora. 26 No plano das garantias gerais, o mandando de segurança e a ação popular foram introduzidos no texto constitucional. Além disso, garantiu-se aos trabalhadores um rol de direitos que possibilitavam uma convivência mais harmoniosa entre o Estado e a classe operária e uma forma de viver a vida mais digna, impondo jornada de trabalho de no máximo oito horas diários, descanso semanal remunerado, direito a férias anuais, dentre outros (SAMPAIO, 1989, p. 60). No que tange às garantias criminais, a Carta mencionava em seu texto a proibição da retroatividade de lex gravior, garantia a pessoalidade da pena, vedava as penas de banimento, morte e confisco. Pela primeira vez numa Constituição brasileira, vedou-se também a pena de prisão perpétua. Da mesma forma, proibiu-se a pena de morte, sendo ressalvados os casos de justiça militar em tempo de guerra (DOTTI, 1988, p. 59). Outros textos de garantias e aplicáveis ao processo penal (instituição do juiz natural; proibição de detenção ou prisão arbitrárias, de foro privilegiado e tribunais de exceção; a concessão generosa da fiança; a garantia da plenitude de defesa e os mecanismos de proteção de direitos como o habeas corpus e o direito de petição) integravam-se numa relação de textos de garantia (art. 113 e parágrafos) que caracterizavam o sentindo nitidamente liberal da Carta de 1934. (DOTTI, 1988, p. 60) . Ilustrativamente, seguem os artigos da Carta de 1934 de maior relevância para o presente estudo: Art. 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: 1) Todos são iguais perante a lei. Não haverá privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou idéias políticas. 2) Ninguém será obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei. 27) A lei penal só retroagirá quando beneficiar o réu. 28) Nenhuma pena passará da pessoa do delinqüente. 29) Não haverá pena de banimento, morte, confisco ou de caráter perpétuo, ressalvadas,quanto à pena de morte, as disposições da legislação militar, em tempo de guerra com país estrangeiro. 27 30) Não haverá prisão por dívidas, multas ou custas. As garantias nitidamente liberais asseguradas pela Carta de 1934 tiveram pouca duração. Logo ela foi substituída pela Constituição revolucionária de 1937. Em razão do contexto em que foi concebido seu texto, decorrente de um golpe de Estado, a Carta foi influenciada pelos modelos autoritaristas da época. Por isso, muitos direitos foram restringidos ou mesmo extintos (PINHO, 2003, p. 156). Dentre as várias fontes inspiradoras da Constituição de 1937, “seguramente, influência maior foi da Constituição da Polônia, o que permitiu aos críticos e analistas da época denominá-la maliciosamente de A Polaca” (ANDRADE; BONAVIDES, 2003, p. 345). É visível ainda a inspiração no “fascismo de Mussolini vitorioso na Itália em 1922, do nazismo implantado por Hitler na Alemanha, como desculpa de prevenção de estabilidade da crise econômica-financeira ainda sob o impacto da crise mundial de 1929” (ANDRADE; BONAVIDES, 2003, p. 346). Nem é necessário dizer que, embora essa Constituição faça alusão, no seu artigo 12, aos direitos e garantias individuais, estes foram duramente pisoteados durante o Estado novo. Prisões em massa, torturas, expulsões, mortes, arbitrariedades de toda espécie constituíram o quadro dantesco da ditadura Vargas. (SAMPAIO, 1989, p. 62). Ainda, em outro trecho de seu livro Sampaio afirma: Como se observa, não há dúvida de que o Estado Novo de Vargas nada tinha de diferente do fascismo, pois que, embora muitos historiadores pátrios e até mesmo estudiosos do direito, busquem ligá-lo às conquistas sociais, esse período foi negativo para a vida nacional, de vez que nele foram abolidas todas as liberdades e garantias individuais, principalmente, devido à repressão, à perseguição implacável aos opositores políticos, ao terror policial, à aplicação da censura prévia aos órgãos de comunicação, à supressão do poder legislativo e à concentração de poder nas mãos do Ditador. (SAMPAIO, 1989, p. 63). 28 De fato, todas as garantias contra a pena de prisão foram resumidas a um único inciso, que assim assegurava: 11) à exceção do flagrante delito, a prisão não poderá efetuar-se senão depois de pronúncia do indiciado, salvo os casos determinados em lei e mediante ordem escrita da autoridade competente. Ninguém poderá ser conservado em prisão sem culpa formada, senão pela autoridade competente, em virtude de lei e na forma por ela regulada; a instrução criminal será contraditória, asseguradas antes e depois da formação da culpa as necessárias garantias de defesa. Após a queda do governo Vargas, o país se viu diante da necessidade de redemocratização. Assim, em 1946 a Assembléia Constituinte se reuniu e foi promulgada aquela que seria a quinta Constituição do Brasil. A Carta de 1946 não foi elaborada com base em um projeto para se discutir na Assembléia Constituinte. Ela teve como base as Cartas de 1891 e 1934, o que “talvez (...) explique o fato de não ter conseguido realizar-se plenamente” (SILVA, 2007, p. 85). Assim, no tocante à pena, como muito se repetiu das Constituições anteriores, não houve qualquer inovação, sendo assegurado no artigo 141 um rol de garantias e direitos individuais, tais como, a individualização da pena, a possibilidade de ela retroagir caso beneficiasse o réu, a noção de que nenhuma pena poderia passar da pessoa que cometeu o delito e, por fim, a proibição de pena de morte, de banimento, de confisco e de caráter perpétuo. É nítido, assim, o movimento de retomada das garantias asseguradas em 1934. Esse texto normativo vigeu até 1967, quando uma nova Constituição, fruto do golpe de Estado de 1964, foi promulgado – uma promulgação formal, porquanto na prática o processo de aprovação da nova Carta foi todo conduzido pelos militares, o que revela uma verdadeira outorga. 29 A Constituição de 1967, impregnada pela ideologia da segurança nacional, sofreu forte influência da Carta de 1937. Aquela, inclusive, absorveu muitas das características desta, como o autoritarismo, redução da autonomia individual e restrição de direitos e garantias fundamentais (SILVA, 2007, p. 87). A prisão perpétua e a pena de morte, por exemplo, foram excepcionadas em casos de “guerra externa psicológica adversa, ou revolucionária, ou subversiva”. Ou seja, a configuração dessas situações absolutamente abertas dependia exclusivamente da interpretação dos próprios agentes do Estado: Art. 150, § 11 - Não haverá pena de morte, de prisão perpétua, de banimento, ou confisco, salvo nos casos de guerra externa psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva nos termos que a lei determinar. Esta disporá também, sobre o perdimento de bens por danos causados ao Erário, ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício de cargo, função ou emprego na Administração Pública, Direta ou Indireta. A fiança, por sua vez, deixou de ser uma garantia constitucional contra a prisão antes da formação da culpa. A Constituição de 1967 previa laconicamente que lei disporia acerca da fiança: Art. 150, § 12 - Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita de autoridade competente. A lei disporá sobre a prestação de fiança. A prisão ou detenção de qualquer pessoa será Imediatamente comunicada ao Juiz competente, que a relaxará, se não for legal. A Carta Política de 1967 durou pouco tempo e logo foi substituída pela Constituição de 1969. Na verdade, tratou-se de uma emenda à constituição de 1967, no entanto, estudiosos afirmam que “teórica e tecnicamente, não se tratou de emenda, mas de nova constituição” (SILVA, 2007, p. 87), na medida em que quase todo o texto constitucional foi reformulado. 30 Especificamente quanto à pena de prisão e aos direitos do acusado, entretanto, não houve alteração significativa. Nos termos do artigo 150, foi assegurada a todos “a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade”. § 1º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção, de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. O preconceito de raça será punido pela lei. § 2º - Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. § 11 - Não haverá pena de morte, de prisão perpétua, de banimento, ou confisco, salvo nos casos de guerra externa psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva nos termos que a lei determinar. Esta disporá também, sobre o perdimento de bens por danos causados ao Erário, ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício de cargo, função ou emprego na Administração Pública, Direta ou Indireta. § 12 - Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita de autoridade competente. A lei disporá sobre a prestação de fiança. A prisão ou detenção de qualquer pessoa será Imediatamente comunicada ao Juiz competente, que a relaxará, se não for legal. § 13 - Nenhuma pena passará da pessoa do delinqüente. A lei regulará a individualização da pena. § 14 - Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral do detento e do presidiário. § 15 - A lei assegurará aos acusados ampla defesa, com os recursos a ela inerentes. Não haverá foro privilegiado nem Tribunais de exceção. § 16 - A instrução criminal será contraditória, observada a lei anterior quanto ao crime e à pena, salvo quando agravar a situação do réu. Por fim, deve-se dar um maior destaque à atual Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988. É a Constituição Cidadã, na expressão de Ulysses Guimarães,Presidente da Assembléia Nacional Constituinte que a produziu, porque teve ampla participação popular em sua elaboração e especialmente porque se volta decididamente para a plena realização da cidadania. (SILVA, 2007, p. 90). Nesse momento apresenta-se pertinente a discussão a respeito do tema igualdade. A Constituição de 1988 mostrou-se comprometida com a igualdade 31 material. Com efeito, há duas concepções acerca do princípio da isonomia. A isonomia formal atua “no sentido de que a lei e sua aplicação tratam a todos igualmente, sem levar em conta as distinções de grupos” (SILVA, 2007, p. 214). Por outro lado, a igualdade material cuida de forma desigual os desiguais, buscando um equilíbrio. Silva ressalta que na “igualização dos desiguais pela outorga de direitos sociais substanciais” (2007, p. 214). Essa preocupação se mostra também no tratamento constitucional das penas e do processo penal em si. Atualmente pode-se falar em processo penal constitucional, pois a própria Constituição estabelece um sistema de direitos e garantias fundamentais dos acusados ou indiciados – pessoas em situação de fragilidade frente ao poderio do Estado, o que exige uma desigualação em favor da parte mais fraca. Prova disso é o próprio artigo 5º da Carta Política de 1988, que em diversos incisos retoma garantias solapadas durante os períodos de ditadura. O caráter garantista da Constituição de 1988 ilumina a compreensão de toda a legislação infraconstitucional. Assim, a alteração dos fundamentos jurídicos do ordenamento promove uma verdadeira reinterpretação das regras de direito positivo, pois os princípios, fundamentos e objetivos constitucionais devem permear a interpretação das normas infraconstitucionais. A título de exemplificação, pode-se mencionar o inciso III, que estabelece que “ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento desumano ou degradante”. Mais adiante, o inciso XXXVIII fortalece a regra do juiz natural, proibindo a existência do juízo ou tribunal de exceção. Seguindo, o inciso XXXIX assegura o princípio da legalidade e posteriormente o princípio da irretroatividade da lei penal, salvo se em benefício do réu. Garantem os incisos seguintes que 32 “nenhuma pena passará da pessoa do condenado” e que será assegurada a individualização da pena. Ademais, proíbe-se a pena de morte, salvo no caso específico de guerra externa declarada. É proibida também qualquer pena de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e penas cruéis. Assegura-se aos presos ainda o respeito à integridade física e moral. Dentre as mais importantes regras encontram-se as estampadas nos incisos LIV e LV, que se referem ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório. A Constituição proíbe a utilização no processo de provas obtidas por meios ilícitos. Faz menção ao princípio da presunção de inocência, segundo o qual ninguém deverá ser considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Esse é um princípio que orienta não apenas o direito e o processo penal, mas também o legislador, que não pode estabelecer restrições de maneira desarrazoada. Não por outro motivo, o Supremo Tribunal Federal reiteradamente afasta a incidência de normas infraconstitucionais que restringem a liberdade do cidadão antes do trânsito em julgado.2 Por fim, podem-se citar ainda os remédios constitucionais existentes para impedir que as autoridades judiciais incorram em ilegalidade. Ou, caso já tenha ocorrido o ilícito, que se assegure a cessação da ilegalidade. Trata-se do habeas corpus e do mandado de segurança. 2 Note-se que, de acordo com a interpretação do STF, a presunção de inocência não apenas impede a prisão antes do trânsito em julgado. Caso o réu já esteja preso, a existência de ação penal em curso não pode ser considerada para afastar a progressão de regime de cumprimento da pena (cf. HC 99141/SP, rel. Min. Luiz Fux). Essa garantia incide também em âmbito extrapenal, como no direito eleitoral e administrativo, porquanto um candidato não pode ser impedido de assumir função pública pelo simples fato de responder a ação penal (cf. RE 634.224/DF, rel. Min. Celso de Mello). 33 Desse modo, conclui-se que a Carta Constitucional de 1988 ampliou positivamente os direitos e garantias dos indivíduos. Atualmente, a interpretação de qualquer regra infraconstitucional deve ser orientada pela hermenêutica constitucional. Desse modo, forma-se o círculo hermenêutico que realiza os horizontes de significado da Constituição (SILVA, 2005, p. 14). 2.3 OS FINS DO CUMPRIMENTO DA PENA DE ACORDO COM A LEI DE EXECUÇÕES PENAIS Conforme já citado anteriormente, em 1933, houve a tentativa de promulgação, no Brasil, do Código Penitenciário da República, o não foi possível haja vista determinadas discrepâncias entre este e o novo Código Penal de 1940, cujo estudo já se havia iniciado. Todavia, esforços no sentido de se elaborar um documento prevendo regras de direito penitenciário perpetuaram. Em 1957, Oscar Stevenson, elaborou Anteprojeto de Código Penitenciário, sendo sucedido por Roberto Lyra, 1963. Em 1970 elaborou-se o anteprojeto do Código de Execuções Penais, o que se deve a Benjamim Moraes Filho, e ainda o anteprojeto de lei que define e disciplina as normas gerais do regime penitenciário, de um Grupo de Trabalho, cuja presidência estava a cargo de A. B. Cotrin Neto (KUEHNE, 1995, p. 15-16). Em 1957 promulgou-se a Lei n° 3.274, cujo texto dispunha acerca de normas gerais de regime penitenciário. Todavia, a aplicação dessa lei foi muito pouco significativa, de modo que os estudos sobre o tema perpetuaram até e edição 34 da Lei n° 7.210/84, atual Lei de Execução Penal, a qual contou com a colaboração de professores renomados em sua elaboração, dentre eles professor Francisco de Assis Toledo, René Ariel Dotti, Miguel Reale Junior, Rogério Lauria Tucci, dentre outros. Esta legislação passou a vigorar conjuntamente à reforma do Código Penal em 1984, e sobre ela se manifesta Maurício Kuehne: Mencionamos tal tópico, posto que, foram artífices de uma avançada legislação, por muitos aplaudida, por outros criticada, mas que, embora careça em alguns aspectos de reformulação, não há negar que se trata de instrumento jurídico avançado, e que veio a dar dignidade à Execução Penal, com o Princípio da Jurisdicionalização da Execução, fazendo com que a Justiça continuasse a acompanhar a execução da pena, em todos os seus incidentes, quer no aspecto técnico, quer nos “casos” que suscita execução da pena. De se gizar que a Lei 7.210/84 passou a vigir juntamente coma Reforma da Parte Geral do CP, que reproduziu, em grande parte, as alterações que foram efetivadas através da Lei 6416/77. (grifos no original). (1995, p. 16). Quanto aos fins do cumprimento da pena, este é previsto no artigo 1°, da Lei de Execuções Penais. Vejamos a redação do dispositivo legal, in verbis: Art. 1° - A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. (grifos nossos) Neste sentido, resta evidente que a parte final do artigo retro-mencionado coloca como fim do cumprimento da pena a ressocialização do apenado, em que pese o texto legal ao faça menção expressa a este termo. É o que indica o entendimento de Natalia Gimenes Pinzon: A ressocialização orientada ao deliquente/apenado está prevista em nossa legislação na Lei de Execução Penal (LEP) – Lei 7.210, de 11/7/84 – tanto na sua exposição de motivos, quanto em seu artigo primeiro.Conforme seu artigo primeiro, uma de suas preocupações é “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”, que denota seu instituto de corrigir e educar o delinqüente para resguardar a comunidade, embora não use o vocábulo ressocializar. Nas palavras de Muñoz Conde, “reeducação, reinserção social, levar, no futuro, com 35 responsabilidade social, uma vida sem delitos; em uma palavra: ressocialização do delinqüente”, são expressões que, quando aparecem nas legislações de execução pena, têm por intuito à execução da pena privativa de liberdade uma função reeducadora e corretora do delinqüente, o que nos remete à prevenção especial positiva, e isso ocorre em nossa LEP, segundo dito anteriormente. Logo, a ideologia do tratamento, que tem por escopo a recuperação do delinqüente para a sociedade, é uma das finalidades da nossa Lei de Execução Penal. (2004, p. 293-294). É ainda evidente a adoção do Princípio da Defesa Social, cuja idéia foi articulada por Fillippo Grammatica, Adolfo Prins e Marc Ancel. Este Princípio desenvolve uma política criminal humanista calcado na idéia de que “a sociedade apenas é defendida à medida que se proporciona a adaptação do condenado ao meio social (teoria da ressocialização)” (MIRABETE, 1996, p. 30). Em outras palavras, com a adaptação do condenado ao convívio fora da penitenciária se está protegendo a sociedade também. Gustavo Barboza Batista elenca dois modelos de ressocialização, um máximo e outro mínimo. O primeiro submete o apenado a um tratamento intenso, cujo objetivo é a sua reinserção social. Desta forma, é submetido a elementos de avaliação fundados no discurso médico, administrativo e social, os quais orientam a vida dentro da penitenciária e as técnicas utilizadas para ressocialização. O objetivo deste tratamento é a reforma moral do criminoso, o que indica, na opinião do autor, que este sistema é inconstitucional, pois infringe direito fundamental do preso de orientação moral, o qual inclui o direito de não se arrepender do delito cometido. O segundo modelo é o de ressocialização especial, cujo objetivo consiste apenas em neutralização das causas do delito, evitando a reincidência, por meio de condições sociais, culturais e econômicas, com a atuação da família, mas sem a intenção de qualquer reforma moral do apenado (BATISTA, 2005, p. 230-231). O autor anteriormente mencionado ainda fundamenta, a partir de diversos pontos de vista, a adequação do modelo de ressocialização especial que propõe, e 36 lamenta o texto da Lei de Execuções Penais fundar-se no modelo ressocializador máximo: Infelizmente, a Lei de Execução Penal brasileira (LEP) de 1984 assumiu um paradigma de ressocialização máximo, proposto pela Escola da Nova Defesa Social de Marc Ancel, que redimensiona os princípios da prevenção especial, maximizando a importância dos atores administrativos, médicos e sociais na execução penal. O resultado é que a LEP acaba possibilitando o vício do controle penal de autor através de verdadeiras práticas inquisitoriais, como por exemplo, são os exames das comissões técnicas de classificação (triagem) para concessão de direitos da execução e progressão de regime ou a aplicação de sanções por faltas disciplinares, estas, no tocante às faltas médias e leves, muitas vezes em flagrante desrespeito ao princípio constitucional da legalidade penal. (BATISTA, 2005, p. 234). Em que pese a discussão travada, o fato é que, tendo em vista o Estado ter chamado para si o direito de impor pena privativa de liberdade, bem como acompanhar o seu cumprimento, é seu dever, também, “fazer com que no cumprimento dessa pena sejam respeitados direitos humanos e a dignidade pessoal do condenado” (ROSA, 1995, p. 89). A Lei de Execução Penal indica, no artigo 11, quais as políticas de assistencialismo a serem desenvolvidas dentro dos presídios, no sentido de orientar e preparar o condenado para a volta da convivência em sociedade, são elas: assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa. Cada uma delas será tratada separadamente, a fim, inclusive, de verificar a sua eficácia no processo ressocializador. 37 3 RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO Conforme mencionado no fim do capítulo anterior, a Lei de Execução Penal estabelece diretrizes para o Estado evitar o crime e preparar o condenado para o retorno do convívio social, conforme detalhado nos artigos 10 e 11, deste Diploma Legal, in verbis: Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Art. 11. A assistência será: I – material; II – à saúde; III – jurídica; IV – educacional; V – social; VI – religiosa. O trabalho do condenado também é considerado ressocializador, possuindo finalidade educativa e produtiva, no termos do que estabelece o artigo 28 e ss., da Lei de Execução Penal. Antes de adentrarmos no mérito da eficácia ou não das políticas públicas instituídas pelo Estado dentro dos estabelecimentos prisionais com a função de ressocialização do preso, o ideal é tratar separadamente de cada uma das assistências previstas no artigo 11, acima transcrito, bem como do trabalho do preso, previsto, especialmente, no Capítulo III, da Lei de Execução Penal. No capítulo seguinte será elaborada crítica ao não respeito, em grande maioria, destes direitos de assistência ao preso no cumprimento da pena, no que tange ao processo de ressocialização, de modo que, nesta oportunidade, limitar-se-á a descrição e explicação dos elementos acima. 38 3.1 O TRABALHO DO PRESO A relação entre prisão e trabalho é uma das mais antigas sobre o tema. Cirino dos Santos afirma, categoricamente, que a prisão nasce das exigências do mercado de trabalho, pois é o espaço em que a força do trabalho fica à disposição do capital “e funciona como dispositivo do poder disciplinar instituído para adequar a força de trabalho às necessidades do capital” (2008, p. 500). Assim, a prisão passa ser a maior auxiliar da fábrica dentro da sociedade, sendo que ambas constituem instituições bases das sociedades capitalistas contemporâneas. Os modelos norte americanos de penitenciárias foram responsáveis pela popularização de tal concepção. O modelo filadelfiano permitia o trabalho isolado do condenado em sua cela. Todavia, como meio de resposta às exigências do capitalismo, criou-se o modelo auburniano, o qual permitia trabalho coletivo durante o dia, desde que respeitadas as regras de silêncio, e isolamento celular noturno. Estes modelos não se prestavam à recuperação do condenado, mas tão somente estabeleciam relações de poder, disciplina e determinavam a exploração da mão de obra carcerária (PINZON, 2004, p. 300). Todavia, uma nova concepção acerca do trabalho dentro dos presídios elenca outras razões para sua existência, além da exploração de mão de obra carcerária. Esta analisa o trabalho na perspectiva do condenado, concluindo, em síntese, pela sua indispensabilidade no cumprimento da pena, haja vista os benefícios que proporciona, segue: Numa feliz síntese, afirma Francisco Bueno Arus que o trabalho do preso „é imprescindível por uma série de razões: do ponto de vista disciplinar, evita os efeitos corruptores do ócio e contribui para manter a ordem; do ponto de 39 vista sanitário é necessário que o homem trabalhe para conservar seu equilíbrio orgânico e psíquico; do ponto de vista educativo o trabalho contribui para a formação da personalidade do indivíduo; do ponto de vista econômico, permite ao recluso de dispor de algum dinheiro para suas necessidadese para subvencionar sua família; do ponto de vista da ressocialização, o homem que conhece o ofício tem mais possibilidades de fazer vida honrada ao sair em liberdade‟. (MIRABETE, 1996, p. 92). A Lei de Execução Penal trata o trabalho como um direito e um dever do preso. Esta afirmativa fica bem evidente observando-se os artigos 28, 29, 31, 39, V e 126, in verbis: Art. 28. O trabalho do condenado como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva. (...) Art. 29. o trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a três quartos do salário mínimo. (...) Art. 31. O condenado a pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade. (...) Art. 39. Constituem deveres do apenado: V – execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas; (...) Art. 126. O condenado que cumpre pena em regime fechado ou semi aberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo da execução da pena. Enquanto proporcionador de benefícios, o trabalho é um direito do preso, como nos casos do artigo 29, da Lei de Execução Penal, em que se determina remuneração à execução do trabalho do apenado, a qual deverá ser destinada ao pagamento de suas pequenas despesas, ao auxílio da família, bem como à reparação dos danos causados com o delito cometido. E ainda, pode-se considerar o trabalho como um direito do preso quando se considera que este, cumprindo pena em regime fechado ou semi-aberto, pode ter sua pena diminuída através do instituto da remissão, conforme artigo 126, da Lei de Execução Penal, sendo que a cada 3 (três) dias trabalhados, exclui-se um dia da pena. Neste sentido, entende-se como uma obrigação do Estado propiciar trabalho aos apenados. 40 Os artigos 31 e 39, V, da Lei de Execução Penal, impõem o trabalho como dever do apenado, sendo categórico em afirmar a sua obrigatoriedade para presos em cumprimento de pena privativa de liberdade. A exemplo desta preocupação de ressocialização por meio do trabalho pode-se citar os modelos das Penitenciárias Industriais de Cascavel-PR e de Guarapuava-PR, sendo que nesta última 70% dos detentos trabalham, recebendo, mensalmente, 75% do salário mínimo (DEPEN). Frise-se, ainda, que a Penitenciária Industrial de Guarapuava-PR está sob o domínio particular, sendo que somente a direção e a fiscalização da segurança do estabelecimento são exercidas por funcionários do Estado (SANTOS, 2008, p. 514). Todavia, não se poderá submeter o preso ao trabalho forçado, até mesmo porque a Constituição Federal, no artigo 5°, inciso XLVII, alínea “c”, veda esta forma de pena. Assim, a imposição do trabalho deve vislumbrar “a idéia de dever jurídico (e não somente de dever): o dever jurídico que expressa a exigência de que o preso trabalhe; sujeição que se embute na execução da pena de reclusão não mais no seu emprego sancionatório e sim como via de ressocialização” (ALVIM, 1991, p. 30). A partir desta premissa Constitucional, alguns autores, como Andrei Zenkner Schimidt afirmam que o preso não pode ser obrigado ao trabalho, fazendo não que não se mantenha a disposição do artigo 36, inciso V, da Lei de Execução Penal, acima mencionado, que dispõe acerca da obrigatoriedade do trabalho para criminosos que cumprem pena privativa de liberdade (SCHIMIDT, 2007, p. 243). Com base nisso, não parece subsistir, constitucionalmente, o enunciado do inciso V, no que se refere à obrigação de execução do trabalho e das tarefas por parte do preso. O legislador constituinte não excepcionou tal regra, além do que não parece condizente ao princípio da tolerância uma obrigação laboral a todos imposta. Isso traz profundas conseqüências à execução da pena, a começar pelos efeitos do enunciado constitucional. Não parece possível restringir-se a liberdade de alguém pelo simples fato de haver recusa para o trabalho. Assim, p. ex., a ninguém poderá ser 41 vedado o livramento condicional só com base no fato de ter-se recusado a trabalhar (...). Poder-se-ia argumentar no sentido de que não se lhe está impondo o trabalho forçado, mas sim, apenas, possibilitando a ele uma etapa progressiva do cumprimento da pena. (...) Em outras palavras: obrigar-se alguém a trabalhar em regime fechado é, só semanticamente, diverso de obrigar-se alguém a trabalhar para progredir de regime. Mesmo o discurso ressocializador, aqui, parece deslegitimar os dispositivos citados, visto que, se o objetivo da pena é readaptar o preso ao convívio social, não parece possível obrigarmos ele a fazer alguma coisa que, no meio social “digno”, não é cogente. (SCHIMIDT, 2007, p. 243). Em outra linha, pode-se afirmar que o trabalho do preso deve, além de evitar o ócio, estimular o interesse pela atividade laborativa, visando, inclusive, juntamente com o processo educacional, uma profissionalização, para que, após o término do cumprimento da pena privativa de liberdade, possa sair do estabelecimento prisional em condições de pleitear uma vaga no mercado de trabalho. 3.2 ASSISTÊNCIA MATERIAL De acordo com a Lei de Execução Penal, a assistência material refere-se ao fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas ao preso, nos termos dos artigos 12 e 13 deste Diploma legal, in verbis: Art. 12. Assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas. Art. 13. O estabelecimento disporá de instalações e serviços que atendam aos presos nas suas necessidades pessoais, além de locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela Administração. Tal dispositivo legal remete à idéia de que o Estado, enquanto detentor do poder de executar a pena, deve fornecer ao apenado condições básicas de vida dentro do estabelecimento prisional, ou, nas palavras de Rosa, investe-se o Estado 42 “no dever de fazer com que o cumprimento dessa pena sejam respeitados direitos humanos e a dignidade pessoal do condenado” (1995, p. 89). O preso que não trabalha deve receber alimentação suficiente para sua manutenção, o que em fisiologia é chamado de ração de manutenção. Esta alimentação deve ser adequada ao clima e aos costumes do local onde está instalado o estabelecimento prisional. Para o preso que trabalha, carecedor de mais energia, portanto, a alimentação de manutenção deve ser incrementada com substâncias convenientemente variadas, para que inclusive, se possa manter a saúde do condenado enquanto cumpre pena (ROSA, 1995, p. 90). A alimentação deve ser fornecida em três etapas: desjejum, almoço e jantar, sendo variada, com nutrientes para atender à comunidade carcerária. Deve-se observar, e respeitar, eventual necessidade de alimentação especial aos doentes, e àqueles que possuem necessidades especiais, em razão de idade ou condição física, de acordo com prescrição médica (MIRABETE, 1996, p. 68). Instalações higiênicas e vestuário adequado ao local e temperatura refletem também na manutenção da saúde do preso, o qual, em virtude da dignidade da pessoa humana, deve receber condições de manutenção. A administração do estabelecimento prisional tem que velar pelo estado físico e a saúde dos detentos que lhe são confiados. É de sua máxima responsabilidade manter a higiene e o serviço sanitário no interior das prisões – observar a existência de doenças contagiosas e evitar sua propagação, afastar situações de perigo. Higiene significa: manter limpo todos os locais da prisão; fornecer trajes descentes e asseados, instalações sanitárias e acomodações corretas aos presos. São essenciais a toda e qualquer instituição prisional, onde estão
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