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RELATÓRIO DOUTA IGNORÂNCIA

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SOBRE A DOUTA IGNORÂNCIA
Desde a antiguidade tem-se a noção de que homem busca conhecer a verdade e a essência das coisas. Esse desejo é inato a ele, levando-o a um processo de investigação já nos primeiros momentos de vida. Tal investigação possui a si atrelada a capacidade de julgar, com o objetivo de conhecer verdadeiramente as coisas. É, ainda, um processo discursivo que o homem faz no seu insaciável anseio pela verdade. P.3 
Investigar as coisas consiste num ato de comparação e análise da proporcionalidade existente. Estas levam o homem a aproximarem-se da verdade dos entes, chamada quididade. Diz-se aproximar-se pois é essa verdade inalcançável na sua pureza. A essência das coisas não pode ser alcançada de modo puro pela capacidade racional humana, pois é algo que à ela transcende e está ligada à infinitude, que é por si mesma incognoscível devido à impossibilidade de comparação e de aplicação de noções de proporção, como ver-se-á adiante. Ter consciência dessa impossibilidade de conhecimento, isto é, da ignorância necessária quanto a essa investigação, é o que mais próximo pode-se chegar da verdade. Pg.8
[...] a precisão na combinação das coisas corpóreas e a adaptação exata do conhecido ao desconhecido ultrapassam de tal maneira a razão humana que Sócrates considerava que nada sabia a não ser o que ignorava. [...] Se o nosso desejo não é em vão, o que desejamos é saber que ignoramos. Se pudermos chegar plenamente a isso, atingiremos a douta ignorância. [...] Nenhum outro saber mais perfeito pode advir ao homem, [...] do que descobrir-se sumamente douto da ignorância, que lhe é própria, e será tanto mais douto quanto mais ignorante se souber. [...] p. 4-5
Os filósofos desde seu surgimento na antiguidade já buscavam o entendimento da essência e da verdade das coisas. Como constata-se numa análise prévia do pensamento socrático supracitado a explicação da célebre afirmação a ele atribuída: “só sei que nada sei”. Afirma, portanto, a doutra ignorância trabalhada por Nicolau de Cusa anos mais tarde, que consiste propriamente no reconhecer não ser possível o conhecimento universal de tudo, ou seja, reconhecer-se ignorante perante o conhecimento da verdade das coisas em sua essência e nessa ignorância ser douto. Aristóteles afirma também que na natureza depara-se com tamanhas dificuldades de compreensão que o desejo último é saber que se ignora. Tanto mais douto será o homem quanto mais ignorante perceber-se e esse é o maior saber que pode provir dele. Pg. 4 e 5
Para fundamentar de modo mais conciso o que se diz sobre douta ignorância faz-se necessário ter em mente a conceituação de Máximo e a relação existente entre finitude e infinitude.
MÁXIMO
Máximo é aquilo ao qual nada pode ser maior. É, portanto, maior do que tudo o que pode ser cognoscível ao homem, por isso, sendo verdade infinita, é incompreensível. P.8. 
As coisas sensíveis, racionais e intelectuais, diferem de si e entre si mesmas, não havendo igualdade alguma entre elas. Essa igualdade, a igualdade máxima, está além do intelecto e encontra-se no Máximo absoluto que, sendo tudo o que pode ser, não possuindo diversidade alguma, é ato completo. p.9 Como ato e não possuidor de diversidade e multiplicidade é também a unidade absoluta e infinita, a qual todas as coisas em relação a ele são finitas e limitadas. P. 12-13 Portanto, é “[...] necessário que o máximo em acto [sic] seja o princípio e o fim de todas as coisas finitas.” P. 13
Há três maneiras de se conceber esse máximo. Primeiro, é importante também tratar do saber máximo da ignorância, considerando a natureza da própria maximidade. No pensamento cusano “[...] a unidade [...] coincide com a maximidade [...]” p.5., pois, tem-se o máximo como aquilo que há de maior, mas, também, o uno como a plenitude de tudo. Ora, se a unidade fosse desligada da referência e da contração, sendo máximo absoluto, nada se lhe opõe. Destarte, “[...] o máximo é o uno absoluto, porque é tudo e nele [está] tudo porque é o máximo. E porque é absoluto, é então em acto [sic] todo o ser possível, nada contraindo das coisas, e todas dele derivando. [...]” p.5. Esse máximo e uno absoluto é tido como Deus. Exemplificando toma-se que do mesmo modo “[...] como a linha infinita, que é a razão da linha finita, é indivisível e, por conseguinte, imutável e perpétua, assim também a razão de todas as coisas, que é Deus bendito, é sempiterna e imutável.” P 36
Na concepção de Dionísio, o aeropagita, Deus, que é o Máximo, na verdade, assim como é tudo, assim é também nada de tudo. É, assim, a causa perfeita e singular de todas as coisas e, sendo absoluto, está separado e acima de tudo. P 33 Deus está “[...] acima de toda a mente e de toda a inteligência [...]” p. 33, por isso concorda-se que as ciências não conseguem apreender o criador; só Ele é capaz de apreender aquilo que Ele é. Por isso, Dionísio mesmo conclui que na compreensão da essência divina torna-se breve a investigação das ciências, considerando a sabedoria a ignorância que dali entende-se. Essa é a douta ignorância a qual deve chegar o homem. P. 33 
Em segundo, a maximidade absoluta é onde todas as coisas são aquilo que são, destarte a unidade universal de ser deriva do próprio máximo, que o uno, por originar-se do absoluto e que existe de forma contraída, no que se chama de universo. A sua unidade está contraída na pluralidade desse universo, sem a qual não pode ser. Já que todas as coisas derivam do absoluto, não há como ter subsistência fora da pluralidade. P.6. Em resumo, é o Máximo contraído no universo. 
Por último, como o universo não tem subsistência a não ser contraído na pluralidade, deve-se procurar nas coisas plurais o máximo uno em que o universo subsiste em ato de modo máximo e perfeito como no seu fim. E esse máximo está unido ao absoluto, porque é o fim perfeito que ultrapassa a nossa capacidade; assim é ao mesmo tempo contraído (presente no universo) e absoluto (unido a Deus), chama-se então esse máximo de Jesus Cristo. P.6
Para melhor entender como há de se encaixar ainda mais a noção de douta ignorância no entendimento do Máximo, deve-se compreender que todas coisas possuem opostos em diferente graus “[...] tendo mais de um e menos de outro, sobressaindo a natureza de um dos opostos pela vitória de um sobre o outro [...]” p. 68. É dessa noção de que todas as coisas possuem um excedente e um excedido, uma oposição, que o conhecimento das coisas começa a ser investigado e da onde é possível tal conhecimento. P. 68 Pode-se dizer que ele resulta dessa proporção do excedido e do excedente, através da comparação das coisas. Porém, com o infinito, o Máximo, não ocorre o mesmo.
 [...] Ora, como qualquer parte do infinito é infinita, implica contradição encontrar o mais e o menos onde se chega ao infinito, pois, tal como o mais e o menos não podem convir ao infinito, assim também não podem convir ao que tem alguma proporção com o infinito, pois é necessário que isto seja o próprio infinito. [...]” (Cf. p. 69).
É, portanto, esse máximo absoluto dado como o que há de infinito, onde não há excedente nem excedido e, portanto, transcende o intelecto humano, pois nada se opõe ele. Encontra-se então uma necessária ignorância, que se apresenta como método para compreender Deus e suas qualidades, da onde tudo se origina, sendo simples e uno. Através da comparação com a linha infinita, pode progredir muitíssimo até ao máximo simples, que está acima de todo o intelecto. 
Na verdade, vemos aqui e agora claramente como encontramos Deus mediante a remoção da participação dos entes. Pois todos os entes participam da entidade. Subtraída, assim, a todos os entes a participação, fica a própria entidade simplicíssima, que é a essência de todos. E não contemplamos essa entidade a não ser na douta ignorância, porque, afastando do espírito todas as coisas que participam da entidade, nada parece restar. Por causa disso, diz o grande Dionísio que a intelecção de Deus se aproxima mais “do nada do que de alguma coisa”. Mas a sagrada ignorância
ensina-me que aquilo que parece nada ao intelecto é o máximo incompreensível. P 38
A desproporção do que é infinito (Máximo, Deus) com o que é finito (universo, intelecto humano) é o que propriamente leva à douta ignorância, o saber do não saber, como se verá no próximo capítulo.
SOBRE A DESPROPORÇÃO 
Como já exposto anteriormente toda “[...] investigação é, pois, comparativa e recorre à proporção.” P. 3 Destarte, quando o objeto de investigação for comparado proporcionalmente a um pressuposto certo, tem-se a possibilidade do juízo e, portanto, do conhecimento da coisa. P. 3 Aquilo que não pode ser comparado e, portanto, estabelecido uma proporção, é incognoscível.
Essa proporção refere-se ao tratado no capítulo anterior, da relação da coisa com seus excedente e excedido, o que é mais e o que é menos que a coisa da qual se busca a verdade. As coisas finitas apenas podem ser comparada com as coisas finitas, pois não há proporção do infinito ao finito. No finito é possível encontrar excedente e excedido, já no infinito, não. Não há nada maior ou menor, mas, sim, o máximo e o mínimo, não como oposição, mas como sendo o mesmo, pois de um nada há de maior e de outro nada há de menor. Sendo o máximo também uno, não havendo o que se oponha a ele, o mínimo encontra-se no máximo, sendo um só do qual nada há de maior nem de menor. Desta forma, onde for possível “[...] encontrar excedente e excedido não se chega ao máximo de modo simples, pois tanto o que excede como o que é excedido são finitos.” P.7. 
[...] nos excedidos e excedentes não se chega ao máximo nem no ser, nem no poder. [...] a igualdade precisa só a Deus convém. [...] Não pode, por isso, um movimento ser igual a outro, nem um ser a medida do outro, porque a medida difere necessariamente do que é medido. (Cf. p. 66).
A medida e o medido, por mais iguais que são, serão sempre diferentes, pois é impossível não se encontrar duas ou mais coisas tão semelhantes e iguais que não seja possível encontrar outras ainda mais semelhantes num processo ad infinitum. Desta forma, o intelecto não pode, pois atingir com precisão a verdade das coisas através da semelhança. P. 7. 
Por isso, a comparação do infinito faz-se com o infinito, porque escapa toda proporção. Porém, não há ali o que comparar, devido à falta de excedente e excedido, “[...] por isso que o infinito como infinito, porque escapa a qualquer proporção, é desconhecido.” Pg.4 O pensar humano possui leis das quais o conhecimento infinito e foge. Sendo a douta ignorância saber que se ignora, a ignorância do conhecimento do infinito é um dos seus principais elementos
No que se refere ao conhecimento da essência das coisas finitas, isto é, da sua verdade, há também presente uma douta ignorância.
[...] o nosso intelecto, que não pode ir para além dos contraditórios, não atinge o ser da criatura ao modo da divisão ou da composição, ainda que saiba que o seu ser não é senão devido ao ser do máximo. Não é, pois inteligível o ser dependente [...] Não pode a criatura, como criatura, dizer-se una, porque deriva [...] da unidade, nem plural, porque o seu ser é devido ao uno [...]. Mas a sua unidade existe de modo contingente numa certa pluralidade. [...]” (Cf. p. 72).
Como todas as coisas finitas provém do máximo, encontram nele a sua unidade e verdade, pois ele é o uno e a verdade absolutos, da qual tudo provém, como já explicado. As coisas finitas nada mais são que o Máximo contraído, isto é, o universo, portanto, elas são aquilo que são a partir da maximidade absoluta da onde originaram-se. Da mesma que a desproporção presente entre intelecto humano e infinito impossibilita o conhecimento do próprio infinito, impossibilita também o conhecimento da verdade e da essência das coisas, pois são elas “[...] imagem daquela forma única infinita” p. 74, as contrações do Máximo absoluto, o infinito, que é Deus.

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