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Condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial

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Art. 135–A - Condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial. 
 
Art. 135-A. Exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o 
preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento 
médico-hospitalar emergencial: 
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. 
Parágrafo único. A pena é aumentada até o dobro se da negativa de atendimento resulta 
lesão corporal de natureza grave, e até o triplo se resulta a morte. 
 
 
O crime tipificado no art. 135-A do Código Penal foi criado pela Lei 12.653/2102, e sua 
conformidade com o princípio da intervenção mínima é questionável. 
No plano administrativo, a ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar, criada pela Lei 
9.961/2000, editou a Resolução Normativa 44, de 24 de julho de 2003, cujo art. 1.° contém a 
seguinte redação: “Fica vedada, em qualquer situação, a exigência, por parte dos prestadores de 
serviços contratados, credenciados, cooperados ou referenciados das Operadoras de Planos de 
Assistência à Saúde e Seguradoras Especializadas em Saúde, de caução, depósito de qualquer 
natureza, nota promissória ou quaisquer outros títulos de crédito, no ato ou anteriormente à 
prestação do serviço”. 
No âmbito civil, o art. 171, inc. II, do Código Civil determina a anulabilidade do negócio jurídico 
resultante de estado de perigo, incontestável na hipótese em que uma pessoa com deficiência de 
saúde depende de atendimento médico-hospitalar emergencial. 
Por sua vez, na esfera penal as situações descritas no art. 135-A do Código Penal sempre 
caracterizaram o crime de omissão de socorro (CP, art. 135), pois a pessoa a quem se condiciona 
o atendimento médico-hospitalar ao fornecimento de garantia ou ao preenchimento prévio de 
formulários administrativos indubitavelmente encontra-se “ferida” ou “em grave e iminente perigo”, e 
o sujeito ativo deixa de prestar-lhe assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal. 
Esta problemática, portanto, possui arcabouço jurídico para ser combatida pelo Poder Público e 
pelas pessoas em geral. O que falta é fiscalização efetiva, indignação pelos prejudicados pela 
prática indevida e imposição de sanções adequadas, tais como multas elevadas e suspensão das 
atividades. Nesse cenário, se o Estado não desempenha a contento sua fiscalização sobre os 
estabelecimentos hospitalares, e se muitos particulares não reivindicam seus direitos perante a 
Administração Pública e o Poder Judiciário, não será o Direito Penal o salvador dos interesses em 
conflito. Trata-se de nova manifestação do direito penal de emergência, conferindo-lhe nítida 
função simbólica e desprovida de qualquer eficácia. 
Além disso, na prática muitas vezes a utilização do art. 135-A do Código Penal trará ainda mais 
percalços à pessoa acometida de problemas de saúde. Basta pensar na situação em que a Polícia 
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é acionada e efetua a prisão em flagrante do atendente do hospital, porque este exigia qualquer 
garantia para a internação do enfermo. O funcionário, evidentemente, não agia por livre iniciativa. 
Estava cumprindo ordens dos administradores da entidade, quiçá dos próprios médicos. 
Depois da sua condução ao Distrito Policial, o paciente ficará sob os cuidados justamente dos 
médicos que determinaram ou colaboraram para a exigência da garantia indevida. Certamente o 
quadro não será nada animador. E mais: o violador da norma penal rapidamente estará em 
liberdade, pois, em se tratando normalmente de infração penal de menor potencial ofensivo, não 
será lavrado o auto de prisão em flagrante, e no futuro suportará – quando muito – somente uma 
pena alternativa (restritiva de direitos ou multa). 
O tempo mostrará se o legislador acertou ou errou. Mas desde logo fica a impressão de que não 
será o Direito Penal a panaceia para os males resultantes de um Estado omisso, covarde e 
benevolente com a violação das suas próprias regras. 
Objetividade jurídica 
O condicionamento de atendimento médico-hospitalar de urgência está alocado no Capítulo 
III do Título I da Parte Especial do Código Penal. Desta forma, os bens jurídicos penalmente 
tutelados são a vida e a saúde da pessoa humana. 
Objeto material 
É o cheque-caução, a nota promissória, qualquer outra garantia ou os formulários administrativos. 
Cheque-caução ou “cheque em garantia” é a prática abusiva consistente na entrega do título de 
crédito, normalmente preenchido em valor excessivo, com a finalidade de assegurar o pagamento 
de despesa médica, evitando-se o risco de inadimplemento da obrigação pelo paciente, ou ainda 
pela falta de cobertura pelo seu plano de saúde. 
A nota promissória também é um título de crédito, representado pela promessa de pagamento do 
valor nela indicado. 
A fórmula “qualquer garantia” deriva do emprego da interpretação analógica (ou intra legem), e 
abrange todas as situações diversas do cheque-caução e da nota promissória, mas que também 
colocam a entidade hospitalar em situação favorável, em prejuízo de quem necessita do 
atendimento médico-hospitalar emergencial, acarretando em risco efetivo à sua vida ou à sua 
saúde, a exemplo dos instrumentos particulares de confissão de dívida, do depósito em conta 
bancária, da entrega de bens (tais como joias e relógios), do endosso de outros títulos de crédito, 
etc. 
Mas não é só. O crime também pode ser cometido mediante a exigência de preenchimento prévio 
de formulários administrativos, via de regra consubstanciados em contratos de adesão 
impregnados de cláusulas leoninas e protetivas do hospital, com supressão dos direitos do 
paciente ou dos seus responsáveis. 
Núcleo do tipo 
O núcleo do tipo é “exigir”, no sentido de ordenar ou impor algo, de modo autoritário e capaz de 
intimidar. Não há emprego de violência à pessoa ou grave ameaça. O agente se aproveita do 
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quadro de penúria do doente ou acidentado para condicionar o atendimento médico-hospitalar 
emergencial à entrega de cheque-caução, nota promissória ou qualquer outra garantia, ou então ao 
preenchimento prévio de formulários administrativos, seja por ele próprio, seja pelos seus familiares 
ou pessoas próximas (amigos, noivo ou noiva etc.). Em síntese, o sujeito ativo deixa de dispensar o 
atendimento especializado enquanto o enfermo (ou alguém em seu nome) não atender à condição 
por ele imposta. 
Para a caracterização do delito é suficiente uma única conduta – exigir cheque-caução, nota 
promissória ou qualquer garantia, ou exigir o preenchimento prévio de formulários administrativos 
– como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial. 
As condutas são alternativas, e não cumulativas. 
O local do atendimento 
O atendimento médico de caráter emergencial deve ser prestado em hospital, pois o tipo penal 
utiliza a expressão “atendimento médico-hospitalar emergencial”. Não basta o atendimento 
médico. É preciso que seja realizado em hospital. Em razão disso, não se admite a incidência do 
art. 135-A do Código Penal nos atendimentos eventualmente prestados em locais diversos (casa 
do paciente, centros religiosos etc.). 
 
Atendimento médico-hospitalar emergencial e atendimento de urgência: distinção e reflexos 
jurídicos 
A Lei 9.656/1998 dispõe sobre os planos e seguros privados de atendimento à saúde. Seu art. 
35-C, com a redação conferida pela Lei 11.935/2009, impõe a obrigatoriedade da cobertura no 
atendimento nos casos de emergência e de urgência. 
Casos de emergência são os que implicam em risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis ao 
paciente (inc. I); de seu turno, casos de urgência são os resultantes de acidentes pessoais ou de 
complicações no processo gestacional (inc. II). Destarte, o art. 135-A do Código Penalconstitui-se 
em lei penal em branco homogênea, pois a definição da conduta criminosa é imprecisa, 
dependendo da complementação fornecida pelo art. 35-C, inc. I, da Lei 9.656/1998. 
É fácil notar que os casos de emergência revestem-se de maior gravidade, justificando imediato 
atendimento médico-hospitalar, mediante intervenção ou procedimento cirúrgico. A identificação 
do caso como emergencial ou urgente será realizada exclusivamente pelo médico, com base na 
análise da posição clínica do paciente. 
Em obediência ao princípio da reserva legal ou da estrita legalidade no campo penal, daí 
resultando a vedação da analogia in malam partem, não se caracteriza o crime em apreço na 
conduta de exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como preenchimento 
prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar de 
urgência.115 Mas este comportamento tem relevância jurídico-penal, pois encontra subsunção no 
art. 135 do Código Penal (omissão de socorro). 
Sujeito ativo 
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Pode ser qualquer funcionário ou administrador do estabelecimento de saúde que realize 
atendimento médico-hospitalar emergencial, e também o médico que se recusa a atender um 
paciente sem o fornecimento de garantia ou o preenchimento prévio de formulário administrativo 
(crime comum ou geral). É perfeitamente cabível o concurso de pessoas, nas modalidades 
coautoria e participação, a exemplo da situação em que o proprietário do hospital ordena ao 
atendente a exigência de cheque-caução como condição para o atendimento médico-hospitalar. 
Nessa seara, dois pontos merecem destaque: (a) o delito somente pode ser cometido no âmbito de 
hospitais particulares, pois nos estabelecimentos da rede pública de saúde é vedada a cobrança 
de qualquer valor para o atendimento médico. Se o funcionário público fizer esta exigência 
indevida, estará caracterizado o crime de concussão (CP, art. 316), sem prejuízo da 
responsabilidade pelo resultado decorrente da omissão frente ao atendimento médico, nos moldes 
do art. 13, § 2.°, “a”, do Código Penal (dever legal); e (b) o crime não pode ser praticado pela 
pessoa jurídica (hospital), em face da ausência de previsão constitucional e legal nesse sentido. 
1.3.7.6.1.O dever de agir para evitar o resultado 
Se o sujeito possuir o dever de agir para evitar o resultado, e omitir-se em decorrência do não 
recebimento de garantia ou do não preenchimento de formulários administrativos, daí resultando 
lesão corporal de natureza grave (ou gravíssima) ou a morte da vítima, a ele será imputado o crime 
derivado da sua inércia. Exemplo: O médico já iniciou a cirurgia de emergência, mas durante sua 
realização descobre a necessidade de utilização de método mais caro e não coberto pelo plano de 
saúde do enfermo. Em razão disso, ele suspende a intervenção cirúrgica e exige dos familiares do 
doente a entrega de cheque-caução. Nesse ínterim, se a vítima falecer o médico será 
responsabilizado pelo homicídio, pois sua omissão é penalmente relevante, na forma definida pelo 
art. 13, § 2.°, do Código Penal. 
Sujeito passivo 
É a pessoa acometida de problema em sua saúde, e por esta razão necessitada de atendimento 
médico-hospitalar emergencial. 
Elemento subjetivo 
É o dolo, direto ou eventual, acrescido de um especial fim de agir (elemento subjetivo 
específico), representado pela expressão “como condição para o atendimento médico hospitalar 
emergencial”. Em outras palavras, não basta exigir a garantia ou o preenchimento de formulário 
administrativo. É preciso fazê-lo como medida necessária ao atendimento de emergência. 
Não se admite a modalidade culposa. 
Funcionários de hospitais, conhecimento do caráter ilícito do fato e inexigibilidade de 
conduta diversa 
Como estabelece o art. 2.° da Lei 12.653/2012: “O estabelecimento de saúde que realize 
atendimento médico-hospitalar emergencial fica obrigado a afixar, em local visível, cartaz ou 
equivalente, com a seguinte informação: ‘Constitui crime a exigência de cheque-caução, de nota 
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promissória ou de qualquer garantia, bem como do preenchimento prévio de formulários 
administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial, nos termos do 
art. 135-A do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal’”. 
Em face desta regra, não há espaço para os funcionários de hospitais invocarem o instituto do erro 
de proibição (CP, art. 21), arguindo o desconhecimento do caráter ilícito do fato consistente em 
exigir a prestação de garantia ou o preenchimento de formulário administrativo para prestação do 
atendimento emergencial. Em seus locais de trabalho existirá um cartaz visível advertindo a todos 
acerca desta vedação. 
Nada impede, contudo, a comprovação de panorama de inexigibilidade de conduta diversa, como 
desdobramento das determinações emitidas pelos administradores dos hospitais privados aos 
atendentes, inclusive com ameaça de demissão diante da omissão no tocante à exigência indevida. 
Nesses casos, estará excluída a culpabilidade do atendente, com a configuração do instituto da 
autoria mediata, e somente ao responsável pelo estabelecimento de saúde será imputado o delito, 
não se aperfeiçoando o concurso de pessoas, em face da ausência do vínculo subjetivo. 
Consumação 
O condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial é crime formal, de 
consumação antecipada ou de resultado cortado: consuma-se com a exigência do cheque-
caução, nota promissória ou qualquer outra garantia, bem como com o preenchimento prévio de 
formulários administrativos, independentemente da superveniência do resultado naturalístico. É 
também crime de perigo concreto, pois reclama a comprovação do risco ao bem jurídico 
penalmente protegido, representado pela necessidade de atendimento de natureza emergencial. 
Tentativa 
É possível, em face do caráter plurissubsistente do delito, permitindo o fracionamento do iter 
criminis. 
Ação penal 
A ação penal é pública incondicionada. 
Lei 9.099/1995 
Em sua modalidade fundamental, prevista no caput do art. 135-A do Código Penal, o 
condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial constitui-se em infração penal de 
menor potencial ofensivo, de competência do Juizado Especial Criminal e compatível com a 
transação penal e com o rito sumaríssimo, nos termos da Lei 9.099/1995. Esta conclusão é 
igualmente aplicável quando da negativa de atendimento resultar lesão corporal de natureza grave 
(ou gravíssima). Com efeito, a pena será aumentada até o dobro, não ultrapassando o teto de 2 
anos, na forma exigida pelo art. 61 da Lei 9.099/1995. 
De seu turno, se da negativa de atendimento resultar a morte, a pena será aumentada até o triplo. 
Destarte, poderá ser, mas não será necessariamente triplicada. Consequentemente, três situações 
despontam como possíveis na situação concreta: (a)se, nada obstante a majoração, a pena 
máxima não exceder o patamar de 2 anos, o condicionamento de atendimento médico-hospitalar 
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emergencial será rotulado como infração penal de menor potencial ofensivo; (b)se, com a 
incidência do aumento, a pena máxima ultrapassar 2 anos, mas a pena mínima não extrapolar 1 
ano, estará caracterizado um crime de médio potencial ofensivo, comportando a suspensão 
condicional do processo, se presentes os demais requisitos elencados pelo art. 89 da Lei 
9.099/1995; e (c)se, o aumento levar a pena máxima além do teto de 2 anos, e a pena mínima 
exceder o piso de 1 ano, estará configurado um crime de elevado potencial ofensivo, 
incompatível com os benefícios contidos na Lei 9.099/1995. 
Classificação doutrinária 
O condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial é crime simples (ofendeum 
único bem jurídico); comum (pode ser cometido por qualquer pessoa); formal, de consumação 
antecipada oude resultado cortado (na modalidade simples, consuma-se com a prática da 
conduta legalmente descrita, independentemente da superveniência do resultado naturalístico) ou 
ainda material ou causal (nas figuras circunstanciadas, pois exigem a produção da lesão corporal 
de natureza grave ou da morte); de perigo concreto (reclama a comprovação do risco ao bem 
jurídico); comissivo; instantâneo (consuma-se em um momento determinado, sem continuidade 
no tempo); unissubjetivo, unilateral ou de concurso eventual (pode ser praticado por uma única 
pessoa, mas admite o concurso); e normalmente plurissubsistente. 
Causas de aumento da pena: art. 135-A, parágrafo único 
Como estatui o parágrafo único do art. 135-A do Código Penal: “A pena é aumentada até o dobro 
se da negativa de atendimento resulta lesão corporal de natureza grave, e até o triplo se resulta a 
morte”. 
A superveniência da lesão corporal de natureza grave (ou gravíssima) ou da morte da pessoa 
necessitada do atendimento médico-hospitalar emergencial funciona como causa de aumento da 
pena, incidente na terceira e derradeira fase da aplicação da pena privativa de liberdade. A 
majoração é obrigatória, reservando-se discricionariedade ao juiz para elevar a reprimenda até o 
dobro (lesão corporal grave em sentido amplo) ou até o triplo (morte). Como a lei não indicou o 
percentual mínimo, conclui-se que nos dois casos a exasperação será de 1/6 (um sexto) até o 
dobro ou até o triplo, pois tal montante é o menor admitido pelo Código Penal no tocante às causas 
de aumento da pena. 
As figuras agravadas são necessariamente preterdolosas, conclusão facilmente extraída das 
penas cominadas pelo legislador. Há dolo na exigência indevida de garantia ou do preenchimento 
prévio de formulários administrativos, e culpa no tocante ao resultado gravador (lesão corporal 
grave em sentido amplo ou morte). Nesses casos, ao contrário da modalidade fundamental contida 
no caput do art. 135-A do Código Penal, os crimes são materiais ou causais, pois a consumação 
reclama a concretização de qualquer dos resultados naturalísticos. 
Estatuto do Idoso 
A Lei 10.741/2003 – Estatuto do Idoso contempla, em seu art. 103,116 uma figura semelhante ao 
crime definido no art. 135-A do Código Penal, com a seguinte redação: 
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Art. 103. Negar o acolhimento ou a permanência do idoso, como abrigado, por recusa 
deste em outorgar procuração à entidade de atendimento: 
Pena – detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa. 
Vale destacar, em relação ao idoso, a inexistência de situação apta a exigir o atendimento médico-
hospitalar emergencial. Não se trata de clínica médica ou hospital. Basta a negativa de 
acolhimento ou permanência da pessoa com idade igual ou superior a 60 anos em abrigo, diante 
da sua recusa em fornecer procuração à entidade de atendimento para administrar seus 
interesses.

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