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Ideologia e ditadura militar

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Ideologia e ditadura militar: a imagem do regime construída na imprensa 
brasileira durante o regime militar no país (1964-1985)1 
Érico Oliveira de Araújo LIMA2 
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Ceará 
Resumo 
Este artigo trata da relação entre imprensa e governo durante a ditadura militar brasileira de 
1964-1985. Busca-se entender como a ideologia do regime esteve expressa nos grandes 
jornais e nas grandes emissoras de televisão da época. Aborda-se a perspectiva do 
colaboracionismo dos grupos de comunicação com o governo autoritário e a troca mútua de 
benefícios entre imprensa e Estado repressor. Trata-se da dinâmica da construção da 
hegemonia do regime na sociedade brasileira e de como o jornalismo pode influenciar no 
processo histórico e nos mecanismos de legitimação política de um regime. 
Palavras-chave: história; imprensa; ideologia; ditadura 
 
1. Introdução 
Há 45 anos, uma ditadura civil-militar foi instalada no Brasil através de um golpe de 
Estado: os anos de repressão se prolongariam até 1985, quando a transição lenta e segura 
pretendida pelos donos do poder foi concretizada. O governo militar procurou manter-se forte 
ao longo desse período, tanto reforçando o aparato policial e os órgãos de investigação quanto 
recorrendo à construção de uma hegemonia ideológica na sociedade brasileira. 
Para legitimar-se, o regime precisava divulgar a idéia de que era absolutamente 
necessário para garantir a segurança do país e proteger as instituições das investidas dos 
guerrilheiros, que passaram a ser chamados terroristas. O fim a ser alcançado, o 
estabelecimento de uma imagem positiva do regime, passava pelas estratégias de 
comunicação, pelo uso das mídias. Como diz Helena Weber (2000), “governar de modo 
 
1 Trabalho apresentado no Grupo Temático História do Jornalismo, modalidade Iniciação Científica (IC), do VII 
Congresso Nacional de História da Mídia 
2 Estudante do 4° semestre do Curso de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo, da UFC-CE. Bolsista 
do Programa de Educação Tutorial da UFC (Pet-UFC). E-mail: ericooal@gmail.com 
 
 
 
 
 
 
 
autoritário exige o controle da sociedade. Se for preciso obter seu consenso, será necessário 
recorrer ao apoio e à linguagem das mídias” (WEBER, 2000, p.156). 
E foi o que o governo militar fez: buscou nas mídias, tanto com sua propaganda oficial 
quanto com a imprensa, uma forma de assegurar o controle do sistema político e a 
administração dos focos de contestação, seja na oposição armada seja na oposição permitida 
pelos mecanismos institucionais do regime. O que se procura aqui é observar como se deu 
esse processo na grande imprensa brasileira3. 
A imprensa estava sob censura: os grandes jornais e as grandes emissoras de televisão 
não podiam deixar de escapar dessa situação imposta pelo regime. A tentativa de burlar os 
mecanismos de controle estatal existiu: muitos jornalistas procuravam deixar claro para seus 
leitores que seus textos foram cortados pela censura ou tentavam passar informações que 
poderiam incomodar o governo através da amenização do tom. Com a censura, entretanto, os 
donos do poder conseguiram manter, por muito tempo, sua visão da realidade nas páginas dos 
jornais e nas imagens da televisão. 
Em muitos casos, todavia, a censura deixava mesmo de ser necessária: muitos 
empresários das comunicações preferiram antecipar-se aos censores, aliaram-se às diretrizes 
ideológicas do regime e deram às notícias veiculadas em seus jornais e emissoras o tom, o 
vocabulário e as imagens que interessavam aos militares que comandavam o país. A aliança 
entre empresas jornalísticas e donos do poder gerava benefícios mútuos: para os militares, a 
legitimação de seu projeto político; para os donos de jornais e emissoras, o crescimento dos 
negócios ou mesmo a comodidade por não entrar em atritos com o regime. 
Deve-se investigar, então, em que medida esse trabalho de parte da imprensa 
contribuiu para a legitimação do regime junto à população e de que maneira ele contradiz o 
 
3 Muitas pesquisas foram feitas tanto sobre a atuação da grande imprensa no período ditatorial quanto sobre as 
formas de oposição encontradas por uma imprensa alternativa que procurava sobreviver em meio à repressão. 
Este artigo centra-se na grande imprensa; sobre a imprensa alternativa, uma importante fonte é: KUCINSKI, 
Bernardo. Jornalistas e Revolucionários - Nos tempos da imprensa alternativa. 2ª. ed. São Paulo: Editora da 
Universidade de São Paulo, 2003 
 
 
 
 
discurso atual de alguns grandes grupos de comunicação, que afirmam terem lutado contra a 
censura e acatado as imposições simplesmente pela situação de repressão a que estavam 
submetidos. 
 
2. Sobre ideologia 
A noção de ideologia é fundamental para que se trate das formas de se construir 
legitimidade em um regime autoritário através da imprensa. As matérias favoráveis ao regime 
militar brasileiro de 1964 a 1985 veiculadas nas páginas dos jornais e nos programas de 
televisão traziam a ideologia dos donos do poder. Para os militares que governavam à época, 
as ações repressivas deveriam conter a invasão da ideologia comunista no país e o que 
consideravam uma tentativa de “controle das mentes” dos brasileiros. 
Se considerarmos a noção marxista tradicional, o que se tem, ao se falar em ideologia, 
são as idéias da classe dominante: ideologia estaria vinculada aí a um grupo específico, que 
deteria o controle dos meios de produção (MARX&ENGELS, 1987). Seguindo uma linha 
mais ortodoxa do pensamento marxista, a produção das idéias em uma sociedade estaria 
vinculada diretamente às relações estabelecidas materialmente: é a partir da infra-estrutura 
que se originam as construções na superestrutura. “O representar, o pensar, o intercâmbio 
espiritual dos homens, aparecem aqui como emanação direta de seu comportamento material” 
(1987, p.36). Ainda segundo os autores, faz-se com a ideologia uma inversão da realidade: 
procura-se confundir e dissimular as relações de dominação, de modo que as classes 
dominadas pensem compartilhar os mesmos valores das classes dominantes. 
No campo das teorias do jornalismo, a chamada teoria da ação política, em sua versão 
de esquerda, carrega grande influência dessa tradição marxista ortodoxa: nessa teoria, “o 
papel dos jornalistas é pouco relevante, menos, quase invisível, reduzido à função de 
executantes a serviço do capitalismo, quando não coniventes com as elites” (TRAQUINA, 
2001, p.81). Traquina destaca a contribuição dos teóricos Herman e Chomsky e explica que, 
segundo os autores, “existe um diretório dirigente da classe capitalista que dita aos diretores e 
 
 
 
jornalistas o que sai nos jornais” (2001, p.82). Nessa linha, as notícias acabariam exercendo 
uma função de propaganda dos interesses das classes dominantes: 
No seu modelo ‘propagandístico’, os autores consideram que o conteúdo noticioso é determinado 
por certas propriedades estruturais dos mídia, em particular a sua ligação aos negócios e ao 
governo. Assim, as notícias servem aos interesses do poder estabelecido. (TRAQUINA, 2001, 
p.83) 
Mas análises oriundas de modelo demasiado ortodoxo do marxismo acabam não 
dando conta da complexidade das relações que podem existir entre imprensa e donos do 
poder. As concepções vistas sobre ideologia podem cair numa unidimensionalidade que 
ignora as dinâmicas e os jogos de negociação entre as classes e dentro das próprias redações 
de jornais. Sobre a teoria da ação política, Traquina (2001) dirá: 
o problema central com o modelo proposto por Herman e Chomsky é a sua visão altamente 
determinista do funcionamento do campo jornalístico em que osjornalistas ou colaboram na 
utilização instrumentalista dos mídia noticiosos ou são totalmente submissos aos desígnios dos 
interesses dos proprietários. (TRAQUINA, 2001, p.85) 
A abordagem gramsciana é que diluirá, então, esse determinismo e partirá de uma 
visão que dá ênfase aos processos de construção de consensos, com foco central no conceito 
de hegemonia. 
A hegemonia é fundamentalmente uma construção do poder pela aquiescência dos dominados aos 
valores da ordem social, pela produção de uma ‘vontade geral’, consensual. Compreende-se, a 
partir disso, a atenção que a noção gramsciana leva a dispensar à mídia (MATTELART&NEVEU, 
2004, p.74). 
Helena Weber (2000) explica o processo de funcionamento de um regime político 
segundo o pensamento gramsciano: nessa linha, as formas de controle político dão-se tanto 
“através da força e da coerção física” quanto “através do controle e dominação ideológicos” 
(WEBER, 2000, p.151). Nesse sentido, o uso exclusivo de ações repressivas não é suficiente 
para manter um Estado: “em algum momento ele tem de conquistar a legitimidade e obter o 
consenso do conjunto da sociedade, em particular das classes subalternas” (2000, p.151). 
As mídias e os processos de comunicação atuam nesse processo de construção de 
consenso e irão intermediar Estado e sociedade: “As relações entre Estado e sociedade são 
efetuadas através de processos comunicativos, os quais possibilitam a construção e a 
realização da hegemonia da classe ou fração de classe que, num momento histórico, detém o 
 
 
 
poder político ou busca obtê-lo” (WEBER, 2000, p.152). E a mídia desponta, segundo a 
autora, como o suporte ideológico de maior eficácia para a construção de hegemonia: “A 
difusão da ideologia dominante depende do comportamento das mídias, cuja eficácia decorre 
de sua aparente autonomia conceitual em relação à política” (2000, p.153). As mídias passam-
se por imparciais, íntegras, confiáveis: adquirem credibilidade ao aparentarem neutralidade e, 
com isso, tornam-se instrumento ideológico fundamental dos Estados na construção de 
hegemonia: 
Graças à sofisticada tecnologia e à sedução de suas linguagens, as mídias têm sido utilizadas como 
suporte de consenso pelas instituições políticas, Estados democráticos ou ditatoriais. As mídias, 
como empresas, se constituem no principal aparato de hegemonia do Estado capitalista 
contemporâneo (WEBER, 2000, p. 153). 
Em meio a essa dinâmica mais complexa de construção de hegemonia, em que já não 
se trata mais de veicular unidirecionalmente uma ideologia dominante, mas de construir 
consenso através do controle dos espaços de negociação, pode-se partir para uma análise da 
ditadura militar brasileira propriamente, de modo a entender, de forma breve, sua dinâmica 
histórica e política, para em seguida, investigar mais detidamente a questão da relação do 
regime com a grande imprensa brasileira. 
 
3. A ditadura militar brasileira: aspectos gerais 
O regime autoritário instalado no Brasil em 1964 buscou estruturar um Estado que 
tivesse capacidade de exercer uma repressão eficaz aos opositores e que pudesse trazer a 
maior parte da população para o apoio às ações do governo. Na dinâmica de conflitos que 
vivenciou o Brasil no período de 1964 a 1985, as estratégias dos donos do poder incluíam a 
propagação de um medo aos “inimigos da pátria”, à “ameaça comunista internacional”, ao 
“terrorismo” dos militantes da luta armada. As ações do governo estariam envolvidas, por sua 
vez, em um projeto de desenvolvimento econômico nacional: na crença dos militares e de 
seus aliados, seria possível ao Brasil chegar em breve à condição de potência mundial. Esse 
ideário do regime estava expresso na Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento: 
 
 
 
a Doutrina de Segurança Nacional e Desenvolvimento efetivamente prevê que o Estado conquistará 
certo grau de legitimidade graças a um constante desenvolvimento capitalista e a seu desempenho 
como defensor da nação contra a ameaça dos “inimigos internos” e da “guerra psicológica”. A 
legitimação é vinculada aos conceitos de desenvolvimento econômico e segurança interna. O 
slogan governamental “segurança com desenvolvimento” associa o desenvolvimento capitalista 
associado-dependente à defesa da segurança interna contra o “inimigo interno”. Por sua vez, esta 
ênfase na constante ameaça à nação por parte de “inimigos internos” ocultos e desconhecidos 
produz, no seio da população, um clima de suspeita (...) Dessa maneira, a dissensão e os 
antagonismos de classe podem ser controlados pelo terror. Trata-se por isso mesmo de uma 
ideologia de dominação de classe, que tem servido para justificar as mais violentas formas de 
opressão classista. (ALVES, 1984, pp. 26-27). 
O desenvolvimento capitalista entrava, assim, como eixo do governo autoritário, o que 
lhe dava aliados econômicos e políticos estratégicos, a burguesia nacional e empresas 
multinacionais. Essa aliança levanta questões sobre as motivações da própria instalação do 
regime autoritário e de sua sustentação pela classe burguesa. Fernandes (1982) aponta que o 
poder burguês, em crise, teria encontrado na aliança com os militares uma alternativa para se 
restabelecer e impulsionar sua influência. A implantação da ditadura teria sido parte de um 
projeto político da burguesia para conter o clima revolucionário que se formava no início dos 
anos 1960, com as propostas das reformas de base e com as pressões populares crescentes. 
Para Fernandes (1982), a burguesia tinha necessidade de conter a instabilidade crescente para 
que fosse possível lançar seu projeto de desenvolvimento econômico. Esse interesse é 
explicitado a seguir: 
As classes burguesas “nacionais” buscaram na ditadura um excedente de poder para se 
autoprotegerem e autoprivilegiarem, diante da pressão das classes subalternas, principalmente de 
seus setores proletários, e para se resguardarem nas relações defensivas com o “aliado principal”. 
As classes burguesas “internacionais” buscaram na ditadura a persistência invariável de certas 
fronteiras históricas, conquistadas por suas nações através da “partilha do mundo” e da expansão 
externa do capitalismo monopolista. Os interesses materiais de ambas as burguesias convergiam 
quanto à estabilidade política do status quo, à segurança e à proteção desses interesses manu 
militari. (FERNANDES, 1982, pp. 101-102). 
Contrariamente ao pensamento de Fernandes (1982), Fico aponta em seu artigo 
Versões e Controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar (2004) a posição de Gláucio Ary 
Dillon Soares, que buscou destacar o papel dos militares, defendendo que o golpe dado em 
1964 foi fundamentalmente militar, “não foi dado pela burguesia ou pela classe média, 
independentemente do apoio que estas lhe prestaram”. A decisão de derrubar o governo de 
João Goulart teria partido, segundo essa visão, do medo que os militares teriam do “caos”, da 
“ameaça comunista” e da quebra da hierarquia e da disciplina militares, o que coloca em 
 
 
 
segundo plano as circunstâncias econômicas e inverte a fórmula de um golpe feito pelos 
grupos econômicos com apoio dos militares para a noção de que o golpe foi feito pelas Forças 
Armadas com apoio da burguesia. 
 Finalmente, cabe fazer breves considerações acerca da dinâmica da resistência armada 
ao regime militar, a começar pela explicação de Ridenti (1997) para os aspectos gerais que 
motivavam as organizações armadas a lançarem-se contra a ditadura. Os grupos guerrilheiros 
interpretavam que, em virtude do sistema capitalista, a economia brasileira, estaria estagnada, 
o que tornaria necessária a implantação de um governo socialista, capaz de retomar o 
desenvolvimento político, econômico e social do país. A luta revolucionária para implantaresse governo seria desencadeada por vanguardas de guerrilheiros, os quais, partindo do 
campo, acionariam as massas rumo à tomada do poder. 
 Ridenti (1997) expõe, com isso, aquilo que, em linhas gerais, correspondia ao 
pensamento político-operacional da guerrilha, no que é complementado por Reis Filho 
(1997), para quem as organizações armadas buscavam ser uma contra-elite, propondo uma 
alternativa ao sistema imposto pelas classes dominantes, aliadas aos militares no poder. Reis 
Filho (1997) destaca o caráter de dissidentes dos responsáveis pela luta armada no Brasil, os 
quais se opunham à visão burocrática do socialismo soviético e se inspiravam nos modelos da 
Revolução Cubana de 1959 e da guerra pela independência da Argélia (1962). 
 O autor ainda enfatiza a importância de se ver a luta armada como um movimento de 
resistência à opressão, não como uma atitude aventureira e irresponsável: compartilhar com 
tal versão da resistência guerrilheira é, conforme mostra Farias (2007), reproduzir o mesmo 
discurso construído pela própria ditadura e repercutido na grande imprensa, à época da luta 
contra o regime ditatorial instalado no país. 
 
4. Imprensa e ditadura 
O sucesso da ditadura militar brasileira instalada em 1964 para garantir sua hegemonia 
passava pelo controle daquilo que Althusser (1998) chama de Aparelho Ideológico de Estado 
 
 
 
de informação, que compreende mídia impressa, rádio e televisão. Os Aparelhos Ideológicos 
de Estado (AIE) são diferenciados por Althusser do que ele chamou de aparelho repressivo de 
Estado: os AIE funcionam, prioritariamente, através da ideologia, o aparelho repressivo age, 
eminentemente, através de atos repressivos, inclusive físicos. 
 Althusser (1998) destaca que os AIE são constituídos, majoritariamente, por 
instituições privadas, o que poderia gerar o questionamento quanto à sua real funcionalidade 
para o Estado. O autor, entretanto, aponta que, em se tratando de um Estado da classe 
dominante, os interesses das instituições privadas passam pelas ações estatais. 
 As empresas jornalísticas são controladas por grupos privados, famílias em geral, e 
ligam-se, em muitas ocasiões, a instituições particulares de áreas da economia estranhas à 
comunicação. Os grupos jornalísticos inserem-se, nesse sentido, na lógica das empresas 
capitalistas: para Sodré (1999), o surgimento da imprensa ocorreu junto ao nascimento do 
próprio capitalismo, cujos avanços e crises também foram acompanhados pela imprensa ao 
longo de sua história. Nessa linha, a estreita ligação entre capitalismo e imprensa fará com 
que, historicamente, as corporações jornalísticas busquem conservar o status quo, legitimando 
eventuais ofensivas da burguesia contra os opositores à ordem estabelecida. Sodré (1999) 
exemplifica: 
em 1964 (...), jornais, rádio e televisão, trabalhando unidos para a tarefa, levaram o presidente 
Goulart ao exílio, já deposto, em “operação” realizada em menos de um mês. Os dois editores de 
primeira página do Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, assinalaram, nos últimos dias de março, 
os termos finais da ofensiva. A imprensa (...), acolitando o rádio e a televisão (...) foi a alavanca 
que destruiu (...) presidentes eleitos. (SODRÉ, 1999, p.XIV). 
Esse comportamento da imprensa dava-se, tradicionalmente, como resultado de uma 
aliança declarada com projetos políticos específicos, havendo jornais que eram conhecidos 
por serem verdadeiros veículos de propaganda dos ideais políticos de determinado partido, 
conforme indica Nunes (1994): “os jornais no Ceará e no Brasil, ainda nos anos 60, surgiam 
influenciados por ideais políticos. Só mais recentemente, eles foram-se desvinculando dos 
partidos políticos”. Falando especificamente sobre o caso do jornal O Povo, Nunes (1994) 
aponta: 
 
 
 
Embora o jornal “O Povo” fosse, no I Veterado [primeiro período, de 1963 a 1966, em que o 
governador Virgílio Távora esteve no poder no Estado do Ceará], alinhado a um partido político, a 
UDN, em função dos laços de seu proprietário, Paulo Sarasate, com esse partido e, 
conseqüentemente com Virgílio Távora, não se pode deixar de observar o crescimento do jornal 
durante essa fase: compra de equipamentos mais modernos, elevação do número de páginas, etc. 
Era a lenta transição do jornal “O Povo” de “jornal-político” a “jornal-empresa” que se iniciava 
com o I Veterado. (NUNES, 1994, p.65). 
A aliança com os donos do poder interessava a muitos empresários das comunicações, 
que expandiram seus negócios e modernizaram as estruturas de suas empresas. Helena Weber 
(2000) aponta que o Estado se tornou, sobretudo no governo Médici (1969-1974), “o 
propulsor do crescimento e da modernização das mídias” (2000, p.178). Aos meios de 
comunicação, coube o papel de integrar identidades e objetivos nacionais, criar uma 
confluência em torno da ideologia da segurança nacional e do desenvolvimento econômico. 
Nesse projeto nacional de integração, a televisão, segundo Helena Weber (2000), despontava 
como o meio mais eficaz de propagação, em virtude de sua “linguagem imagética, universal e 
fascinante” (2000, p.177). E a Rede Globo, especificamente, destacou-se, com eficiência, na 
tarefa de transmitir ao público a mensagem do regime autoritário: 
a Globo integralizou as diferentes manifestações culturais e mercadológicas, nacionais e 
internacionais, propiciando ao telespectador a sensação de estar conectado ao mundo; graças aos 
códigos universais da comunicação e da estética, era possível imaginar que o Brasil desenvolvia-se 
e aproximava-se dos grandes países. (...) É nesse contexto que a ação dos governos pós-64 se torna 
fundamental à consolidação da indústria eletroeletrônica e à implantação de uma infra-estrutura de 
telecomunicações no País. É nesse período, também, que se estabelece o virtual monopólio da Rede 
Globo de Televisão, fruto e expressão máximos do totalitarismo e exemplo de desinformação. 
(WEBER, 2000, p.180) 
 Nesse sentido, diante de uma confluência de interesses entre empresa jornalística e 
governo, acabava sendo desnecessária, em muitas ocasiões, a censura por parte de autoridades 
estatais, conforme indica Kushnir (2004). A autora aponta um verdadeiro colaboracionismo 
de setores da imprensa com os órgãos de repressão, numa antecipação ao censor, já que 
ocorria, em muitas redações, uma autocensura estabelecida pelos editores dos jornais. Kushnir 
(2004) investigou a trajetória do jornal Folha da Tarde, do Grupo Folha da Manhã, 
emblemático, segundo a autora, por sua adesão declarada à ideologia do regime, notadamente 
a partir de julho de 1969, quando uma nova equipe, comandada por Antônio Aggio Jr., 
assumiu o periódico. Desde então, ao longo da trajetória do jornal, a defesa das medidas do 
governo militar nortearam as edições: o jornal chegou a ficar conhecido como o de maior 
 
 
 
“tiragem”, numa referência ao grande número de jornalistas que eram policiais presentes na 
redação. 
Se alguns jornais mantinham uma política híbrida, a Folha da Tarde, entretanto, foi radical. O 
diferencial encontrado no caminho percorrido pelo jornal é mais agravante e, por isso, tão 
inusitado. Sua trajetória, a partir de julho de 1969, assenta o debate na questão da ética, da função 
do jornal e do papel do jornalista. (KUSHNIR, 2004, p.314). 
Se em um curto período anterior, o mesmo jornal chegou a ter um perfil de esquerda, 
com ênfase na cobertura de manifestações estudantis e da agitação cultural, com a chegada de 
Aggio e sua equipe, que possuíam, segundo Kushnir (2004), relações com autoridades 
governamentais, a Folha da Tarde deu uma verdadeira guinada à direita e passou a ser vista 
por muitos como uma espécie de Diário Oficial da Oban (Operação Bandeirantes). Passou a 
privilegiar a coberturapolicial, com tom agressivo de perseguição aos movimentos 
guerrilheiros, defesa de uma moralização da conduta e apoio ao assassinato e à prisão dos que 
chamava, junto com demais órgãos da grande imprensa, de “terroristas”. Por vezes, a 
cobertura da Folha da Tarde, segundo Kushnir (2004), antecipou a morte de guerrilheiros, 
que só viriam a ser de fato assassinados pelo aparelho repressor dias depois. Era comum, 
ainda, nesse periódico, a reprodução de informes do governo como se fossem reportagens do 
próprio jornal. 
São inúmeras as atitudes de alinhamento da Folha da Tarde com o governo no pós-AI-5. Seguindo 
as normas ditadas, o jornal realizou, em muitos momentos, uma releitura da realidade vivida e a 
retratou, sem isenção, ao seu público leitor. Sua fama de “maior tiragem” também era bem 
verídica. Jornalistas empenhados em uma “batalha, uma guerra santa”, nortearam a gestão Antônio 
Aggio, Horley Antônio Destro e Carlos Dias Torres. (KUSHNIR, 2004, p.330, grifos da autora). 
 
Se no âmbito nacional, a grande imprensa retratou os opositores armados ao regime 
como terroristas e propagadores de idéias do comunismo internacional, a imprensa local, no 
Ceará, procurou passar a idéia de que os guerrilheiros existentes no Estado eram “forasteiros” 
do Centro-Sul. Na “Terra da Luz”, como as elites cearenses gostam de chamar o Estado, o 
cearense seria, supostamente, “pacífico” e “ordeiro”, incapaz de se rebelar contra as 
autoridades. Sobre isso, diz Farias (2007): 
 
 
 
Não, não eram sulistas ou alienígenas – eram cearenses mesmo. Foram cearenses que procuraram 
contatos com os dirigentes nacionais das organizações armadas (...) Foram cearenses que lideraram 
as organizações armadas locais. Cearenses praticaram ações de expropriações de bancos, armas, 
seqüestros, etc. Cearenses que foram convocados para agir em outros locais do País em novas 
ações revolucionárias. (FARIAS, 2007, p.113). 
 
5. Considerações finais 
O regime militar instalado no Brasil em 1964 precisava de aliados para dar curso a seu 
projeto nacional: a grande imprensa brasileira acabou sendo, em muitas ocasiões, um 
importante parceiro na execução dos objetivos dos donos de poder. Grandes empresas 
jornalísticas viram numa aliança com o governo a oportunidade para empreender seus 
próprios projetos: a união movia-se por interesses ideológicos e de classe, mas movia-se, em 
grande medida, por conveniências – as possibilidades de manter-se e desenvolver os negócios 
podia falar mais alto que a preocupação em resistir a um governo autoritário. 
As condições das relações entre imprensa e poder envolvem nuances complexas: em 
um período ditatorial, essa dinâmica torna-se ainda mais coberta de dúvidas. Com o passar 
dos anos, o que se quer é evitar qualquer associação com um regime que matou, torturou, 
reprimiu: trata-se, assim, de parte dos atuais donos das empresas jornalísticas, de reafirmar, 
sempre que o assunto vem à tona, o apoio à democracia, a luta contra o arbítrio e as tentativas 
de burlar a censura à época do regime militar. Ocultam-se, com isso, aspectos de uma atuação 
que pode ter sido significativa para o prolongamento da repressão, na medida em que 
representava, como se viu, momento de construção de legitimidade do sistema implantado. 
Não se ignora, evidentemente, que dentro da grande imprensa, a luta de grande parte 
dos jornalistas era contra a censura, contra as versões oficiais; eles tinham, entretanto (como 
têm ainda hoje), que lutar, em muitas ocasiões, contra os interesses de seus patrões, os donos 
de jornais. A estrutura das redações tinha que comportar esses conflitos: a luta diária pela 
transmissão de versões diferentes da oficial, de um lado, e a insistência no colaboracionismo e 
na propagação da visão da realidade conforme queria o Estado repressor, de outro. 
O jornalismo teve nesse processo momento de fundamental inserção nos rumos da 
História. Atuou, entre 1964 e 1985, como espaço de disputa e de construção de hegemonia: a 
 
 
 
história da ditadura militar brasileira não só passava pela imprensa, mas buscava ser 
construída conforme as diretrizes dos donos do poder pelas páginas dos grandes jornais e 
pelas imagens da televisão. O jornalismo tem na História lugar especial: muito mais do que 
um registro, ele atua de forma efetiva no processo de construção dos fatos históricos. 
 
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