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Cópia de Lei de anistia

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STF e a lei de anistia 
A anistia brasileira constituiu-se a partir de um ato político por meio do qual o Poder Legislativo extinguiu a punibilidade de todos os atos praticados durante os anos de 1961 e 1979, tanto delitos políticos quanto os de qualquer natureza conexos com estes. A norma foi promulgada em agosto de 1979 sob o nº 6.683/79. Em seu artigo 1º assim constou:
Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.§ 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política
Conforme assinala Fernando Capez (2009, p. 567), a Lei de Anistiarepresenta um óbice à produção de consequências penais, porém não atinge os efeitos extrapenais dos delitos, o que permitiu que em alguns casos houvesse o reconhecimento de responsabilidade civil dos torturadores. Um exemplo disso é a condenação do ex-comandante do DOI-codi de São Paulo, Carlos Alberto Brilhante Ustra em outubro de 2008, cuja sentença manifestou que mesmo durante um regime de exceção havia normas de direito internacional que coibiam a prática da tortura, logo, entre o réu e os autores foi reconhecida a existência de “relação jurídica de responsabilidade civil, nascida da prática de ato ilícito, gerador de danos morais” (SÃO PAULO, 23ª Vara Cível, 2008).
Por outro lado, alguns dos atingidos pelo regime de exceção buscavam mais do que indenizações na esfera civil, visavam um esclarecimento do governo sobre o que de fato ocorria nos porões da ditadura, a averiguação do paradeiro dos restos mortais de algumas vítimas, bem como a investigação criminal dos seus executores. Nesse passo, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, por exercer uma espécie de mandato tácito em favor do povo, propôs a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153 (ADPF 153) perante o Supremo Tribunal Federal.
Os pontos levantados na petição que deu origem à ADPF 153 questionavam a recepção da Lei de Anistia pela Constituição de 88 e a interpretação ampla que lhe fora dada. Dessa forma, buscava afastar a mencionada norma da mera interpretação literal para possibilitar uma análise sob enfoque constitucional (COMPARATO; MONTEIRO, 2008, p. 17).
No julgamento, o relator, Ministro Eros Grau, teve seu voto acompanhado pelas ministras Ellen Gracie e Cármen Lúcia, e pelos ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso. Seu relatório abordou basicamente dois aspectos fundamentais capazes de confirmar a validade da Lei de Anistia, a saber: (a) a norma resultou de um acordo político com a participação de diversos setores da sociedade, e (b) não há que se falar em não-recepção, pois a EC nº 26 encarregou-se de validar a Lei de Anistia no ordenamento jurídico vigente (STF. ADPF 153, 2010, p. 12-46).
Com efeito, a anistia defendida em recorrentes manifestações populares pressupunha o esquecimento jurídico de crimes de natureza política, e tinha por objetivos a volta dos exilados ao Brasil e a libertação dos presos políticos (REIS FILHO, 2001, p. 132). Contudo, na forma como foi concebida, a norma acabou beneficiando ambas as partes da relação, ou seja, os opositores do regime e também os seus algozes, porém estes últimos em maior escala. Logo, a norma não representou um acordo nacional recíproco, tendo em vista que essa característica pressupõe uma equivalência de benefícios entre as partes, o que não aconteceu. 
Além disso, o Congresso Nacional passava momentos difíceis, pois havia sido institucionalizado o bipartidarismo no Brasil e boa parte dos parlamentares pertencia ao partido ARENA, base do governo. Não obstante, ainda foi criada a figura dos “senadores biônicos” para deter o avanço do MDB, partido de oposição. Logo, em meio a essa conjuntura política, o projeto da Lei de Anistia é votado e aprovado com 50,61% dos votos, ou seja, 206 votos do ARENA contra 201 do MDB. Nesse passo, mesmo tendo sido votada pelo Congresso Nacional, percebe-se a submissão do órgão a condições que comprometiam a sua legitimidade e atingem a validade da norma. (PIOVESAN, 2011, p. 82).
Ainda no julgamento, os Ministros do STF entenderam que a Lei de Anistia(1979) possui plena validade e é compatível com o ordenamento jurídico brasileiro, pois fora confirmada pelo § 1º, art. 4º da EC nº 26/85. De tal modo, a possibilidade de alteração da norma é de competência do Poder Legislativo, pois foi ele quem a editou e a ratificou posteriormente. A referida emenda, que convocou Assembléia Nacional Constituinte e autoinstaurou o poder constituinte originário, é adotada pelo Supremo Tribunal Federal como regra que confere legitimidade à nova ordem constitucional, estando, portanto, nela inserida (STF. ADPF 153, 2010).
Os Ministros Ricardo Lewandowski e Ayres Britto divergiram do voto da maioria e este último afirmou, inclusive, que a EC nº 26 foi tão somente o ato precário e efêmero que convocou a Assembleia Nacional Constituinte, não possuindo qualquer efeito que a vincule. Assim, se a Assembleia Nacional Constituinte queria estabelecer determinada regra, que o fizesse por deliberação própria, pois seu agir é inteiramente incondicional. Outrossim, o texto constitucional de 1988 não trouxe qualquer confirmação da anistia concedida em 1979, pelo contrário, ele dá especial importância à punição de violações aos direitos humanos e veda a concessão de anistia, graça ou fiança aos crimes hediondos e de tortura. Ao considerar esses fatos, o Min. Ayres Britto afirma que a Lei de Anistiabrasileira colide com a Constituição e, portanto, não foi por ela recepcionada (STF. ADPF 153, 2010, p. 134-146).
Nesse ponto, sem a pretensão de esgotar o assunto, já que não é objeto do presente estudo, mas com ele guarda relação, torna-se oportuno referir a posição adotada pelo constitucionalista Pedro Lenza (2012, p. 185-186). O referido autor afirma que o poder constituinte originário é responsável por romper por completo com a ordem jurídica anterior e inaugurar a nova, firmando-se pela autonomia, soberania e incondicionalidade de suas decisões. Assim, pode-se inferir que o doutrinador entende que a Assembleia Nacional Constituinte não se submete a quaisquer manifestações prefixadas, o que corrobora o entendimento de grande parte da doutrina e alinha-se com a posição adotada pelo Ministro.
Ayres Britto sustentou, ainda, que a abrangência da Lei de Anistia para crimes como estupro, sequestro, tortura e homicídio não pode ser alvo de suposições. Pelo contrário, se o legislador quisesse estender o benefício a essas pessoas, deveria tê-lo feito expressamente, o que não ocorreu. Aliás, seria improvável que seu objetivo fosse perdoar os responsáveis por delitos tão cruéis, pois essas práticas eram restritas a uma minoria nas Forças Armadas e iam de encontro às próprias leis vigentes à época. Logo, torna-se necessária a (re) análise da Lei de Anistia, pois a interpretação que lhe foi conferida desde sua edição foi além do que previu o legislador e do que é aceitável pela sociedade (STF. ADPF 153, 2010, p. 134-146).
Não obstante os votos contrários no julgamento, prevaleceu a decisão por maioria do Supremo Tribunal Federal no sentido de julgar improcedente a ADPF 153 e manter a Lei de Anistia. O Tribunal examinou a questão segundo a competência que lhe é atribuída no § 1º, art. 102 da Constituição Federal, pelo qual exerce o controle de recepção das normas para prevenir lesão a um preceito fundamental (LENZA, 2012, p. 355-356). 
Contudo, o que parece ter ocorrido na decisão final, que validou a Lei de Anistia,foi a prevalência de uma análise político-social e não jurídico-constitucional, conforme demonstrado. Essa concepção, segundo Conrado Hüber Mendes (2008, p. 225-226), é perfeitamente cabível, pois as posições adotadas pelo STF são, cada vez mais, resultados da interação com os outros Poderes, o que impossibilita uma análise puramente jurídica das questões a ele submetidas. No entanto, deve-se ressaltar que o Brasil não está submetido somente à legislação interna e o Supremo já não possui a última palavra nas questões atinentes aos direitos humanos. Ao contrário, o país aderiu voluntariamente a inúmeros tratados internacionais, e seus órgãos jurisdicionais vêm tratando a matéria de forma genuinamente jurídica, pautada nos ditames dos Sistemas Internacionais de Proteção aos Direitos Humanos.
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