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TRADUÇÃO: Cultivando Autocompaixão em Sobreviventes de Trauma (Germer, Neff, 2015)

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Este documento se trata de uma tradução não-profissional do capítulo “Cultivating Self-Compassion in 
Trauma Survivors”, de Christopher K. Germer e Kristin D. Neff, publicado no livro “Mindfulness-Oriented 
Interventions for Trauma” (2015), editado por Victoria M. Follette e colaboradores. A tradução foi realizada 
por Carlos Alberto Dorneles Nonnenmacher, psicólogo e psicoterapeuta. A tradução visa apenas a 
divulgação do conhecimento científico, da TCC e abordagens baseadas em compaixão. Qualquer 
consideração: carlosdornelesn@gmail.com. 
Mindfulness-Oriented Interventions for Trauma, capítulo 3, p. 43-58, 2015 
CULTIVANDO AUTOCOMPAIXÃO EM 
SOBREVIVENTES DE TRAUMA 
Christopher K. Germer e Kristin D. Neff 
 
Quaisquer sejam as suas dificuldades – um coração devastado, 
perda financeira, se sentir tomado pelos conflitos ao seu redor ou 
uma doença aparentemente interminável – você pode sempre se 
lembrar que você está livre a cada momento para direcionar a 
bússola de seu coração às suas mais nobres intenções. 
- Jack Kornfield (2011) 
 
 
A maioria de nós se trata de maneira pouco gentil quando coisas ruins acontecem conosco. 
Em vez de nos oferecer a mesma simpatia e apoio que daríamos a um ente querido, 
tendemos a nos criticar (“Qual o seu problema?!”), nos esconder dos outros ou de nós 
mesmos com vergonha (“Eu sou inútil”) e ficarmos presos em nossas cabeças, tentando 
tirar sentido do que aconteceu conosco (“Por que eu?”). E quando coisas muito ruins 
acontecem, nos atacamos de duas direções diferentes, dizendo, por exemplo, “Eu sou 
mau, porque fui abusado” e “Eu fui abusado porque sou mau”. Se não nos anestesiamos 
através de dissociação, usamos drogas, álcool ou autolesão. E não importa o quanto 
desejamos fugir de nossas mentes e seguir nossas vidas, nos encontramos presos em uma 
luta com memórias intrusivas, pesadelos e flashbacks. 
 Tais reações fazem com que nosso sofrimento persista e até mesmo se amplifique, 
mas elas não são nossa culpa. Elas são parte de como somos feitos (Gilbert, 2009a). 
Quando nos sentimos ameaçados por perigos externos, nossa sobrevivência 
frequentemente depende da nossa capacidade de lutar, fugir ou congelar. Mas quando 
somos ameaçados internamente por emoções intensas como o pavor ou a vergonha, a 
resposta de luta-fuga-congelamento se transforma em uma trindade de autocriticismo, 
autoisolamento e autoabsorção. 
 Felizmente, nós também possuímos uma capacidade inata para responder ao nosso 
próprio sofrimento de uma maneira tranquilizadora e curadora – a autocompaixão. O 
Dalai Lama (1995) define a compaixão como “uma abertura ao sofrimento, aliada ao 
desejo de aliviá-lo” e a autocompaixão é a mesma atitude direcionada para si mesmo. Isso 
pode parecer algo descabido para uma pessoa que está sofrendo com abuso/negligência 
infantil ou traumas posteriores, mas a autocompaixão tem sido associada a muitos índices 
de bem-estar psicológico e saúde mental, incluindo resiliência emocional frente a eventos 
negativos, de forma que ela merece uma consideração cuidadosa. Além disso, terapeutas 
trabalhando em qualquer modelo de tratamento – cognitivo-comportamental, 
psicodinâmico, humanista, sistêmico – podem ajudar seus clientes a cultivar 
autocompaixão. Este capítulo revisa nossa compreensão atual sobre a autocompaixão e 
oferece sugestões para ajudar clientes traumatizados a se tratarem com maior cuidado, 
compreensão e respeito. 
 
O que é Autocompaixão? 
 
A autocompaixão é um constructo psicológico relativamente novo derivado da antiga 
psicologia contemplativa budista. Neff (2003), uma psicóloga do desenvolvimento e 
estudante de meditação budista, definiu o conceito e desenvolveu a Self-Compassion 
Scale (SCS), que é utilizada na maioria das pesquisas. A autocompaixão possui três 
componentes principais: (1) autogentileza, (2) uma percepção de humanidade comum, e 
(3) mindfulness. A autogentileza implica em sermos calorosos e cuidadores com nós 
mesmos quando as coisas acabam mal em nossas vidas. A humanidade comum implica 
no reconhecimento da natureza compartilhada do sofrimento quando as situações difíceis 
surgem, em vez do sentimento de estarmos desesperadamente sozinhos. E mindfulness se 
refere aqui à habilidade de se abrir à experiência dolorosa (“isso dói!”) com consciência 
(awareness) não-reativa e equilibrada. Juntos, a autocompaixão é precisamente o oposto 
de nossa reação típica às ameaças internas – autocriticismo, autoisolamento e 
autoabsorção. 
 Até mesmo em tempos antigos, Buda prescreveu gentileza, humanidade comum e 
mindfulness como um antídoto ao medo e pavor irrealista. Nosso método atual de prática 
meditativa de amor-bondade advém de uma conversa de Buda com um grupo de monges 
que também estavam aterrorizados em viver na floresta e praticar meditação durante a 
temporada de chuvas. Um trecho desse discurso (metta sutta) é o seguinte: 
 
Não permita que ninguém trabalhe para anular ninguém. 
Não permita que ninguém pense coisas ruins de ninguém. 
Seja com raiva ou pensamentos violentos, 
Ninguém deveria desejar o sofrimento de outros. 
Tal qual uma mãe cuidaria de seu 
Filho – seu único filho – doando sua vida, 
Da mesma maneira desenvolva uma mente 
Dedicada a todas criaturas vivas. 
Desenvolva uma mente de amor-bondade 
Dedicada a todo o mundo: 
Acima e abaixo e por todos os lados, 
Com nenhuma restrição, nenhum ódio, nenhum inimigo. 
(Oledzki, 2008) 
 
 Ao alternar suas mentalidades do medo ao amor-bondade, os monges foram 
capazes de retornar à floresta e meditar até que pudessem concluir suas peregrinações, 
quando a monção terminasse. 
 Naqueles tempos, uma “mente de amor-bondade, dedicada ao mundo inteiro” 
incluía a si mesmo. Uma vez que todos nascem com o desejo de ser feliz e livre do 
sofrimento, a prática de cultivar a compaixão pelos outros tradicionalmente começa pelo 
ancoramento de nossa awareness em como naturalmente nos sentimos por nós mesmos. 
Ironicamente, nos tempos modernos, é mais fácil evocar estados mentais amorosos ao 
lembrarmos de como nos sentimos para com outros – pessoais especiais ou outros seres 
vivos – e então nos introduzirmos nesse círculo de compaixão, para evocarmos amor por 
nós mesmos. A autocompaixão parece especialmente estranha às pessoas que sofrem de 
vergonha e autocriticismo decorrentes de trauma, mas não é menos essencial. 
 
Autocompaixão e Trauma 
 
Três grupos de sintomas comumente encontrados no transtorno de estresse pós-
traumático (TEPT) são (1) excitação, (2) evitação e (3) intrusões. Interessantemente, essas 
três categorias correspondem intimamente à resposta de estresse (luta-fuga-
congelamento) e às reações internas ao estresse (autocriticismo, autoisolamento e 
autoabsorção) mencionadas anteriormente (veja a Figura 3.1). Juntas, elas apontam na 
direção da autocompaixão como sendo uma resposta alternativa e saudável ao trauma. A 
autogentileza pode ter um efeito calmante na hiperexcitação autonômica, a humanidade 
comum é um antídoto ao ato de se esconder com vergonha, e a consciência mindful 
permite que nos desengajemos de memórias e sentimentos intrusivos. 
 
 
Figura 3.1. Componentes da resposta ao estresse, TEPT e autocompaixão. 
 
As pesquisas demonstram que as pessoas que carecem de autocompaixão têm 
maior probabilidade de terem mães críticas, serem de famílias disfuncionais e 
apresentarem padrões de apego inseguro (Neff & McGeehee, 2010; Wei, Liao, Ku, & 
Shaffer, 2011). O abuso emocional infantil está associado com baixa autocompaixão e 
indivíduos com baixa autocompaixão experimentam mais sofrimento emocional e têm 
maior probabilidade de abusar de álcool ou realizar tentativas sérias de suicídio (Tanaka, 
Wekerle,Schmuck, Paglia-Boak, & the MAP Research Team, 2011; Vettese, Dyer, Li, 
& Wekerle, 2011). As pesquisas também indicam que a autocompaixão é mediadora na 
relação entre os maus-tratos infantis e a desregulação emocional posterior, o que significa 
que indivíduos abusados com maiores índices de autocompaixão estão mais aptos para 
enfrentar eventos desagradáveis (Vettese et al., 2011). Essa relação se sustenta até mesmo 
quando levamos em conta a história de maus-tratos, níveis de sofrimento atual ou abuso 
de substâncias, sugerindo que a autocompaixão é um importante fator de resiliência para 
aqueles que foram traumatizados quando crianças. 
 Em um estudo com estudantes universitários que correspondiam a critérios para 
TEPT (a maioria com traumas adultos, como acidentes ou mortes), Thompson e Waltz 
(2008) descobriram que apenas o grupo de sintomas de “evitação” era negativamente 
correlacionado com a autocompaixão. Pode ser que a autocompaixão proteja contra o 
desenvolvimento do TEPT através da diminuição da evitação ao desconforto emocional 
e da facilitação à dessensibilização. 
Resposta ao 
Estresse 
Resposta ao Estresse Internamente 
Direcionada 
Sintomas de 
TEPT 
Autocompaixão 
Luta Autocriticismo Excitação Autogentileza 
Fuga Autoisolamento Evitação Humanidade Comum 
Congelamento Autoabsorção Intrusões Mindfulness 
 O trauma precoce, como a negligência ou abuso infantil, tem maior probabilidade 
de levar ao autocriticismo e vergonha, pois as pessoas não receberam calor, tranquilização 
e afeição suficientes durante a infância (Gilbert & Proctor, 2006). Paul Gilbert, a principal 
força por trás da terapia focada na compaixão (TFC; Gilbert, 2009b, 2010), aponta que 
os sobreviventes de maus-tratos podem prontamente identificar seus padrões de 
pensamentos desadaptativos (“Eu não sou amável”) e fornecer autorrelatos alternativos 
“Algumas pessoas me amam”), mas elas não necessariamente consideram a 
reestruturação cognitiva emocionalmente reasseguradora. Assim, o objetivo da TFC é 
“aquecer a conversa” (Gilbert, comunicação pessoal, 2011). Em um estudo-piloto do 
treino da mente compassiva (TMC; um programa estruturado baseado na terapia focada 
na compaixão; Gilbert & Irons, 2005), clientes de um hospital-dia que lutavam contra a 
vergonha e o autocriticismo demonstraram diminuições significativas na depressão, 
autoataque, vergonha e sentimentos de inferioridade (Gilbert & Procter, 2006). 
 A autocompaixão parece ser um mecanismo de ação em diferentes formas de 
terapia (Baer, 2010). Por exemplo, após um tratamento psicodinâmico breve, diminuições 
na ansiedade, vergonha e culpa, e aumentos da disposição a experimentar tristeza, raiva 
e proximidade estiveram associados com maiores índices de autocompaixão (Schanche, 
Stiles, McCollough, Swartberg, & Nielsen, 2011). No mesmo estudo, aumentos na 
autocompaixão previram menos sintomas psiquiátricos e problemas interpessoais. Uma 
vez que a autocompaixão prevê a conexão com emoções difíceis sem autojulgamento, 
parece que ela leva a um funcionamento psicológico mais saudável. 
 
Mindfulness e Autocompaixão 
 
Na psicologia budista, a compaixão é uma das quatro Brahmaviharas, ou atitudes plenas, 
que contribuem para o bem-estar psicológico. As outras três são o amor-bondade, a 
alegria empática e a equanimidade. Enquanto o amor-bondade é “o desejo de que todos 
seres sencientes sejam felizes”, “a compaixão é o desejo de que todos os seres sencientes 
estejam livres do sofrimento” (Dalai Lama, 2003, p. 67). A compaixão surge quando o 
amor encontra o sofrimento (e a atitude do amor prevalece!). O sofrimento é um pré-
requisito à compaixão. 
 Ironicamente, quando sofremos, podemos ser os últimos a saber disso. Geralmente 
entramos em nossa cabeça e ruminamos sobre o problema (“Por que isso aconteceu 
comigo?”, “O que isso quer dizer sobre mim?”, “O que eu deveria fazer quanto a isso?”), 
perdendo contato com a simples experiência da dor emocional (“ai!”). É aí onde 
mindfulness entra – a abertura de momento a momento para a dor emocional que pode 
engatilhar uma resposta compassiva. Dessa maneira, a consciência mindful é a base da 
compaixão. 
 Mindfulness é a “consciência da experiência presente com aceitação” (Germer, 
2005) e a autocompaixão pode ser considerada o coração de mindfulness – a atitude 
emocional de mindfulness – especialmente no contexto da psicoterapia, no qual o 
sofrimento é o foco da nossa atenção. A autocompaixão é um tipo particular de aceitação: 
é a autoaceitação frente à dor e o pesar. Mindfulness tipicamente foca na experiência de 
aceitação de momento a momento, enquanto a autocompaixão se foca na aceitação da 
pessoa que experiencia. Mindfulness diz: “Sinta a sua dor com espaço na consciência”. 
A autocompaixão acrescenta: “Seja gentil consigo mesmo no meio desta dor”. Quando 
um indivíduo traumatizado está se afundando em emoções negativas como o pavor, 
confusão ou desesperança, ele ou ela não consegue ficar aberto à dor emocional por tempo 
suficiente para investiga-la e transformá-la. Aí é quando um terapeuta do trauma precisa 
ajudar o cliente a se sentir mais seguro e mais confortável em seu corpo, talvez através de 
ioga (Emerson & Hopper, 2011), exercícios focados em awareness (e.g., sentir os 
próprios pés no chão, sentir a respiração; R. D. Siegel, 2010) ou técnicas de 
autotranquilização como acariciar o cachorro, meditação de amor-bondade ou 
autoconversas compassivas. 
 A autocompaixão pode ser considerada o coração de mindfulness a partir de uma 
perspectiva empírica também. Por exemplo, a definição com múltiplos componentes da 
autocompaixão (que inclui mindfulness, mas também gentileza e um senso de 
humanidade comum) refletida na SCS tem uma força 10 vezes maior do que a Mindful 
Attention Awareness Scale (MAAS; Brown & Ryan, 2003) na previsão da depressão, 
ansiedade e qualidade de vida (Van Dam, Sheppard, Forsyth, & Earlywine, 2011). Além 
disso, apesar da terapia cognitiva baseada em mindfulness (MBCT; Segal, Williams, & 
Teasdale, 2002) reduzir a depressão através do fortalecimento de mindfulness e 
autocompaixão, esta foi o único fator associado com a dissociação dos pensamentos 
deprimidos e dos resultados positivos (Kuyken et al., 2010). 
 Mindfulness é uma maneira de se inclinar na direção de pontos difíceis em nossas 
vidas, vagarosamente e com segurança, e gradualmente dessensibilizá-los. A 
autocompaixão adiciona um elemento explícito de conforto e calor ao processo de 
dessensibilização. Juntos, mindfulness e autocompaixão permitem que nos engajemos 
com pensamentos, sentimentos e sensações difíceis com olhos e coração abertos. Quando 
mindfulness está florescido plenamente, é naturalmente cheio de autocompaixão quando 
sofremos. 
 
O que não é Autocompaixão 
 
Existem alguns mal-entendidos comuns quanto a autocompaixão que são dignos de nota, 
uma vez que podem interferir no tratamento de indivíduos traumatizados. Como uma 
plataforma para a cura, os indivíduos traumatizados precisam reestabelecer uma 
percepção de segurança e controle sobre suas vidas. Um mal-entendido comum quanto a 
autocompaixão é que ela é uma fraqueza, similar à submissão, complacência, resignação 
ou passividade. Mas a compaixão pode, na realidade, ser um agente de mudança 
incrivelmente poderoso (pense em Martin Luther King Jr. ou Mahatma Gandhi). A 
autocompaixão é uma força de vontade também – boa vontade. Ela se trata de fornecer 
cuidado e apoio e exigir tratamento justo, não se sentir inferior ou nos subordinarmos aos 
outros (McEwan, Gilbert, & Duarte, 2012). Quando somos autocompassivos, validamos 
nosso próprio sofrimento e tendemos a responder de maneira mais incisiva. Seuma vítima 
de violência doméstica puder dizer “Isso dói, isso dói muito! E isso não é certo!” e estiver 
comprometida a cuidar de si, é menos provável que essa pessoa crie desculpas para o 
perpetrador (“Ele teve uma infância difícil”), negue a situação (“Isso não é tão ruim. Isso 
vai melhorar”) e se coloque novamente em perigo. 
 Muitas pessoas acreditam que a autocompaixão é egoísta. Paradoxalmente, a 
autocompaixão é necessária para sustentar a compaixão por outros: 
 
Para alguém desenvolver uma compaixão genuína pelos outros, 
primeiro ele/ela precisa possuir uma base sobre a qual cultivará a 
compaixão, e essa base é a habilidade de se conectar com os 
próprios sentimentos e cuidar do próprio bem-estar... Cuidado por 
outros requer cuidado por si. 
 
 Usando uma analogia com aviões, quando a pressão do ar da cabine cai, 
precisamos primeiro pôr a máscara de oxigênio em nós mesmos. Isso não é fácil para 
algumas vítimas de trauma. 
 Sobreviventes de trauma infantil também podem igualar a autocompaixão com a 
autopiedade ou autocentralidade. Eles podem ter ouvido, ainda crianças, ordens para 
“superar” quando sofriam e reclamavam. É importante compreender que, ao adentrar 
nossa dor emocional com gentileza, é menos provável que nos reviremos em autopiedade. 
A razão para isso é que a autocompaixão reconhece a natureza compartilhada do 
sofrimento humano e evita o egocentrismo. Às vezes, apenas alguns minutos são 
necessários para validarmos nossa dor e nos desatrelarmos dela. 
 Até mesmo indivíduos com um mínimo de trauma em suas vidas deduzem que o 
autocriticismo tem alguns benefícios (Gilbert, McEwan, Matos, & Rivis, 2011). Sem 
autocriticismo, eles dizem, nunca corrigiríamos nossos erros e melhoraríamos. Mas existe 
uma alternativa ao autocriticismo — autoencorajamento. Como um bom treinador, 
podemos dizer a nós mesmos “Aquilo não funcionou, mas foi uma boa tentativa. Ao 
menos você aprendeu algo. Você gostaria de tentar uma outra abordagem?” em vez de 
“Seu tolo! Qual o seu problema?!”. O autocriticismo está intimamente relacionado a 
sentimentos de vergonha, ansiedade e depressão (Gilbert & Proctor, 2006), bem como 
estratégias de irrealização e autosabotagem, como a procrastinação (Powers, Koestner, & 
Zuroff, 2007). 
 A autocompaixão geralmente é confundida com o autoamor narcisista, apesar das 
pesquisas indicarem que não existe uma ligação entre narcisismo e autocompaixão (Neff, 
2003; Neff & Vonk, 2009). O narcisismo é uma tentativa reativa de impulsionar a 
autoimagem quando falhamos (“Eu sou inteligente – era só um teste idiota!”), enquanto 
a autocompaixão implica em uma abertura à falha, a habilidade de nos confortar, lidar 
com a situação e trabalhar para melhorar (Neff, Hseih, & Dejitthirat, 2005; Neff & 
McGeehee, 2010). A autocompaixão é uma resposta interna saudável ao infortúnio que 
faz nos sentirmos melhor, e ainda assim é relativamente independente da avaliação social 
— elogios e culpa, sucesso e fracasso (Neff & Vonk, 2009). Isso é particularmente 
importante aos sobreviventes de trauma que sofrem de vergonha e desejam reconstruir 
sua percepção despedaçada de self sobre uma base sólida. 
 Vítimas de trauma infantil frequentemente não possuem narcisismo suficiente, 
sentindo que o suprimento de suas necessidades básicas de sobrevivência é uma 
indulgência proibida. Ansiedade pode surgir da possibilidade alarmante de quebrar um 
vínculo invisível com um cuidador primário que pensava que a criança deveria sofrer por 
seus delitos ou natureza. A autoprivação se torna um “comportamento de segurança” 
(Gilbert & Proctor, 2006). É um acordo necessário feito por uma criança abusada para 
sobreviver, então o cliente fica assustado, visceralmente e inconscientemente, quando 
ele/ela rompe o contrato. Por essa razão, os esforços sinceros do terapeuta para ajudar os 
clientes abusados/negligenciados podem encontrar resistência. Esses clientes primeiro 
precisam entrar em contato com sua dor emocional, ver como ela não se originou a partir 
de alguma falha deles (“Você não tinha culpa!”) e, então, gradualmente trazer para si a 
mesma ternura que provavelmente forneceriam a outros seres vulneráveis. 
 Por exemplo, a mãe de Beth era fisicamente abusiva durante sua infância e 
frequentemente a punia, privando-a de comida. Adulta, Beth cuidava muito bem de sua 
filha, apesar de viver com um orçamento limitado, mas ela se privava de comida até seu 
cabelo começar a cair. Ela sentia que se nutrir era desnecessário. Beth havia internalizado 
as mensagens de cuidadores poderosos e ameaçadores (“Você ganha o que merece e você 
não merece nada!”) para permanecer conectada e sobreviver. Em terapia, Beth estava 
determinada a reverter seu padrão de autoprivação. Perto do fim, Beth começou a dizer 
frases de amor-bondade para sua filha (“Que você fique segura”, “Que você seja 
saudável”), o que ela considerava fácil. Então, ela se introduziu no círculo de compaixão, 
compreendendo que sua filha não poderia ficar bem se ela não estivesse (“Que você e eu 
fiquemos seguras”, “Que você e eu sejamos saudáveis”), e finalmente Beth conseguiu pôr 
sua mão sobre seu coração e dizer para si (“Que eu fique segura”, “Que eu seja saudável”). 
 
Autocompaixão no Tratamento do Trauma 
 
A autocompaixão é um desafio e uma oportunidade aos sobreviventes de trauma. Ela faz 
nos aprofundarmos na maneira como instintivamente nos tratamos após eventos 
catastróficos, e, ainda assim, também tem o potencial de trazer o equilíbrio emocional 
frágil entre a aproximação e evitação das memórias traumáticas. A autocompaixão é uma 
faca de dois gumes – ela corta através da dor do presente à medida que abre a dor do 
passado. Assim, a autocompaixão, no sentido clinicamente mais amplo, se refere a 
tomada de muito cuidado consigo mesmo, tanto a curto quanto a longo prazo. À curto 
prazo, queremos construir a capacidade do cliente para tolerar e transformar memórias 
traumáticas, e a longo prazo queremos encorajar a exposição segura e a não-evitação 
dessas memórias. 
 
“Do que eu preciso agora?” 
 
A principal questão do treino da autocompaixão é “Do que eu preciso agora?”. Para 
alguns clientes, simplesmente fazer essa pergunta pode engatilhar memórias traumáticas. 
 Eu (C. K. G.) tive uma cliente, Sarah, que foi tão severamente traumatizada 
quando criança que alucinações auditivas (“Você é um lixo!”) surgiam sempre que ela se 
perguntava “Do que eu preciso?”. Logo no início do tratamento, Sarah relatou que 
acariciar seu gato a fazia se sentir mais calma, mas quando ela percebia que estava mais 
calma, ela parava o que estava fazendo. Cuidado e conforto eram substituídos por um 
medo visceral. Intelectualmente, Sarah sabia que ela deveria poder acariciar seu gato, mas 
quando criança ela havia sido espancada por tantos anos por sua mãe raivosa e deprimida 
sempre que sorria ou se sentia feliz que Sarah desenvolveu um medo de se sentir bem. 
Durante um ano de terapia, Sarah corajosamente aumentou a duração de tempo em que 
acariciava seu gato, começando com alguns segundos, permitindo a si mesma 
experimentar a sensação de conforto do pelo macio de seu gato enquanto uma tempestade 
de ameaças e recriminações explodiam em sua mente. Gradualmente, Sarah descobriu 
que conseguia se sentir bem sem consequências. Ela permitiu que suas vozes explodissem 
em sua mente sem reagir a elas, e ela poderia se perguntar do que mais ela precisava. 
 A autocompaixão pode vir em uma infinita variedade de maneiras, como beber 
uma xícara de chá, tomar um banho quente, conversar com os amigos, fazer exercícios 
ou ouvir música. Tal autocuidado comportamental é geralmente mais seguro do que 
práticas de treino mental, comoa meditação. Utilizar medicação contra a ansiedade pode 
também ser o que uma pessoa realmente precisa, apesar de que a longo prazo isso pode 
ser uma forma de esquiva experiencial. Se um cliente sofrendo de trauma é capaz de 
meditar, isso provavelmente aumentará a probabilidade de responder aos desafios da vida 
cotidiana de maneira autocompassiva. A meditação de autocompaixão (veja Germer, 
2009, e Neff, 2011) cultiva a intenção ou atitude de boa-vontade. O objetivo final é estar 
na presença do sofrimento pessoal com um senso de segurança, de forma que a dor é 
sentida e o processo de cura pode iniciar. 
 O progresso no treino de autocompaixão pode ser mensurado pelo refinamento da 
intenção. Todos nós começamos lutando para nos sentirmos melhor através da 
autocompaixão, então ficamos desiludidos quando ainda nos sentimos mal às vezes, e 
finalmente aprendemos a cuidar de nós mesmos “não para nos sentirmos melhor, mas 
porque nos sentimos mal”. É um enigma, um koan. Quando o treino de autocompaixão é 
utilizado para manipular nossa experiência de momento a momento, ele inevitavelmente 
fracassará, pois essa é uma forma sútil de resistência que tende a amplificar nossos 
sintomas. Se tentarmos combater a falta de sono, desenvolveremos insônia. Se 
combatermos o luto, ficaremos deprimidos. Mas quando somos gentis com nós mesmos 
simplesmente porque nos sentimos mal, como seríamos com uma criança com gripe, 
então um alívio profundo pode ocorrer como um efeito colateral inevitável. Como o 
professor de meditação Rob Nairn aponta, nosso objetivo não é nos tornarmos perfeitos; 
é “nos tornarmos uma bagunça compassiva” (Nairn, 2009) – plenamente humanos, 
angustiados e incertos, com grande compaixão. 
 
Autocompaixão na Relação Terapêutica 
 
A maior parte do sofrimento emocional é criado em relações e é aliviado em relações. O 
poder curativo da conexão empática com outra pessoa que possui uma presença 
tranquilizadora não pode ser descrito de maneira exagerada (D. Siegel, 2007, 2010). Em 
terapia, a capacidade inata do cliente experimentar subjetivamente os sentimentos e 
intenções do terapeuta em seu próprio corpo pode regular um cérebro hiperexcitado e 
traumatizado (Cozolino, 2010; Iacoboni et al, 2005). 
 A compaixão é um recurso que permite aos clientes tolerar e transformar o 
sofrimento, mas é também um recurso pessoal dos terapeutas para ajudá-los a lidar com 
o sofrimento vicário. Alguns terapeutas de trauma se preocupam que podem ter muita 
compaixão, levando à fatiga de compaixão. Nesse caso, estamos falando sobre “fatiga de 
empatia” em vez de “fatiga de compaixão” (Klimecki & Singer, 2011; Ricard, 2010). A 
empatia é uma “compreensão apurada do mundo [do cliente], visto de dentro” (Rogers, 
1961, p. 284), enquanto a compaixão possui o elemento adicional de calor e boa-vontade. 
A compaixão é uma emoção positiva e é geralmente energizante. A habilidade de sentir 
calor interno por nossos clientes e por nós mesmos, até mesmo quando ouvimos relatos 
horríveis de abuso e trauma, pode ser um alívio contra fadiga de compaixão. 
 É claro, cada ser humano tem limites, e uma postura compassiva significa 
conhecer seus próprios limites e os limites de nossos clientes. Quando nos orientamos na 
direção do sofrimento e quando nos afastamos, compartilhamos uma reflexão, 
respeitosamente notamos os sentimentos presentes, relembramos o cliente de que ele não 
tem culpa, ancoramos um sentimento perturbador nas sensações corporais, contemplamos 
a universalidade do sofrimento ou simplesmente mudamos de assunto? A psicoterapia é 
uma espécie de propaganda enganosa – o cliente geralmente chega à terapia com o desejo 
de se livrar do sofrimento, porém o processo de cura ocorre através do direcionamento 
aos pensamentos, sentimentos e sensações difíceis através de uma relação apoiadora, 
responsiva, compassiva e transformativa. 
 Com o passar do tempo, a compaixão se apresenta ao cliente na forma de uma 
nova relação para com a experiência traumática e consigo mesmo. Como isso ocorre? 
Uma explicação é que os nossos clientes nos trazem seu sofrimento emocional e senso de 
falhas pessoais, nós “recebemos” isso tudo de olhos abertos (mindful awareness) e 
corações abertos (compaixão), nós “seguramos” o cliente e suas angústias em uma 
awareness compassiva por toda a extensão da terapia e gradualmente “emprestamos” uma 
atitude mais benéfica que pode ser levada à vida cotidiana. 
 
Cortina de Fogo 
 
A maioria dos clínicos já testemunhou como memórias difíceis reaparecem quando um 
cliente se sente realmente visto, ouvido e amado em terapia. Uma metáfora para esse 
processo é a “cortina de fogo”. A cortina de fogo ocorre quando um bombeiro abre uma 
porta com ar quente por trás. O oxigênio se precipita, causando uma chama. Similarmente, 
quando a porta do coração é aberta com a compaixão, uma dor intensa pode às vezes ser 
liberada. O amor incondicional revela as condições nas quais fomos pouco amados no 
passado (veja o exemplo anterior de Sarah). Assim, alguns clientes, especialmente 
aqueles com uma história de abuso ou negligência infantil, temem a compaixão (Gilbert 
et al, 2011). 
 A cortina de fogo é uma parte intrínseca do processo de cura, mas e se um cliente 
deixa o consultório e não tem a capacidade de conter os sentimentos que surgem? Sem a 
habilidade da autocompaixão, um cliente pode achar necessário lidar com as emoções 
perturbadoras através da automedicação ou outras formas de autolesão. Um terapeuta 
baseado na compaixão precisa ter a habilidade de impedir que o cliente se abra demais 
em sessão, especialmente durante o tratamento do trauma (Herman, 1997; Rothschild, 
2010). Nossos clientes apenas precisam “entrar em contato” com a dor emocional 
subjacente, não necessariamente mergulhar nela, e então aplicar o recurso emocional de 
reconforto e tranquilização para si mesmos. A tranquilização e o conforto são pré-
requisitos para a exposição segura e dessensibilização. 
 
Intervenções de Autocompaixão 
 
Geralmente é útil ensinar aos clientes traumatizados habilidades para se tranquilizarem e 
se reconfortarem quando mais precisam. Considere o exemplo a seguir de um trauma leve 
a moderado: 
 
Rachel era uma mulher de meia-idade introspectiva que havia descoberto, para seu horror, 
que seu marido estava mantendo um caso de 2 anos com uma amiga em comum na casa 
de veraneio que sua família possuía há gerações. Do dia para noite, seu lugar de refúgio 
de toda uma vida se tornou um gatilho para imagens traumáticas de seu marido transando 
em sua cama, aproveitando caminhadas ociosas com sua amante e compartilhando um 
jantar ao pôr-do-sol na varanda. Dois anos depois, Rachel chegou à terapia com pesadelos 
e pensamentos intrusivos que ocorriam de 10 a 100 vezes ao dia; ela não havia visitado a 
casa de veraneio desde que recebera as notícias chocantes. Visivelmente tremendo em 
meu consultório após contar sua história, Rachel pensava alto se ela algum dia recuperaria 
o mundo seguro que havia perdido. Rachel, em outros sentidos, estava bem: ela estava 
em terapia individual e de casal, estava tomando medicação para sua ansiedade, seu 
marido esteva profundamente arrependido do caso, eles estavam fazendo amor 
novamente e suas relações familiares estavam sólidas. 
 
 Após ouvir a história, e não querendo manda-la para casa sem apoio, eu (C. K. G.) 
perguntei a Rachel se ela gostaria de aprender uma maneira de se reconfortar e se 
tranquilar quando as imagens perturbadoras surgissem em sua mente. Ela concordou, 
então nós praticamos o exercício seguinte, a pausa autocompassiva (Neff & Germer, 
2013; Neff, 2011). Eu pedi que Rachel respirasse profundamente e dissesse a si mesma“Este é um momento de sofrimento”, seguido por “O sofrimento faz parte da vida”. Rachel 
também foi convidada a refletir por um momento sobre o fato de que muitas pessoas ao 
redor do mundo também estavam sofrendo de trauma relacionado à traição no casamento, 
como ela também estava. 
 Então, eu pedi que Rachel pusesse as duas mãos sobre seu coração e (1) sentisse 
o calor de suas mãos, (2) percebesse o toque gentil de suas mãos sobre seu coração e (3) 
sentisse o subir e descer rítmico de seu peito quando respirava. Após um minuto, convidei 
Rachel a repetir para si mesma as duas frases seguintes ou frases parecidas que poderiam 
se encaixar mais com ela: “Que eu seja gentil comigo mesma”; “Que eu viva com 
tranquilidade”. Foi pedido que simplesmente pusesse as palavras sobre seu coração, sem 
esperar que elas entrassem imediatamente. Praticando esse exercício durante os meses 
seguintes, ela percebeu que seus pensamentos intrusivos, pesadelos e ansiedade 
diminuíram gradualmente. 
 Os três componentes da pausa autocompassiva correspondem aos três elementos 
da autocompaixão mencionados anteriormente: (1) mindfulness (“Este é um momento de 
sofrimento”), (2) humanidade comum (“O sofrimento faz parte da vida”) e (3) 
autogentileza (“Que eu seja gentil comigo mesma”). Cada elemento permitiu que Rachel 
deixasse de lado suas ruminações e suavizasse seu próprio sofrimento, em uma 
dessensibilização gradual. 
 É claro, nenhuma prática funciona para todos. Por exemplo, uma cliente com 
trauma infantil severo, Elissa, descobriu que sentia cada vez mais ódio de seu pai abusivo 
quando movia suas mãos na direção de seu coração. A “cortina de fogo” era muito intensa 
para ela. Elissa modificou o exercício, simplesmente prestando atenção em sua respiração 
na região do peito, então pousando sua mão sobre ele para sentir a respiração e, 
finalmente, oferecendo boa-vontade a si mesma por causa da dor que carregava no 
coração. Algumas pessoas percebem que são mais capazes de se autotranquilizar cobrindo 
seus rostos com as mãos ou pousando uma mão sobre o abdômen. No treino de 
autocompaixão, tentamos nos manter ao lado do conforto e da tranquilização – 
construindo recursos até que o cliente se sinta seguro e forte o suficiente para se abrir ao 
seu trauma. 
 Alguns terapeutas se sentem desconfortáveis em ensinar exercícios de 
autocompaixão durante a terapia. Por exemplo, alguns clientes traumatizados apenas 
querem uma testemunha para ouvir sua história e podem não estar prontos para praticar a 
autocompaixão em casa. Outros pacientes se sentem envergonhados por terem 
dificuldades em evocar a autocompaixão e podem desistir da terapia. É importante que os 
terapeutas trabalhando com o paradigma baseado em mindfulness e compaixão tenham 
experiência pessoal dos processos transformacionais antes de ensiná-los, especialmente 
ao navegarem o paradoxo do sofrimento para aliviá-lo (veja Briere, Capítulo 1, este 
volume) e saberem como modificar as práticas para os clientes, quando necessário. A 
prática pessoal é especialmente crucial quando trabalhamos com clientes traumatizados, 
aos quais os riscos de se abrir à dor emocional são maiores ainda. 
 
Programas de Treinamento de Autocompaixão 
 
Alguns clientes traumatizados podem ser candidatos a programas estruturados que direta 
ou indiretamente ensinam autocompaixão, como o treino de mindfulness (Briere, 2012). 
As pesquisas demonstram que o programa de redução de estresse baseado em mindfulness 
(MBSR; Kabat-Zinn, 1991) aumenta significativamente a autocompaixão (Shapiro, 
Astin, Bishop, & Cordova, 2005; Shapiro, Brown, & Biegel, 2007; veja também Kearney, 
Capítulo 17, este volume), como também ocorre no programa de terapia cognitiva 
baseada em mindfulness para o tratamento da depressão recorrente (MBCT; Kuyken et 
al., 2010; veja também Semple & Madni, Capítulo 18, este volume). As pessoas que 
praticam meditação mindfulness são mais autocompassivas do que aquelas menos 
experientes (Lykins & Baer, 2009; Neff, 2003; Orzech, Shapiro, Brown, & McKay, 2009) 
e a autocompaixão parece ser um “fator atitudinal crucial” na relação entre o treino de 
mindfulness e a saúde mental positiva (Hollis-Walker & Colosimo, 2011). 
 Existem diversos programas de treinamento que são especificamente 
desenvolvidos para cultivar compaixão: o treino de cultivo da compaixão (Rosenberg, 
2011), treino em compaixão baseado em cognição (veja Williams & Barnhofer, Capítulo 
6, este volume) e comunicação não-violenta (NVC; Rosenberg, 2003). Programas que se 
focam no cultivo da autocompaixão são o treino de autocompaixão mindful (mindful self-
compassion, MSC; Germer & Neff, 2013; Neff & Germer, 2013; veja também 
www.CenterForMSC.org) e o treino da mente compassiva (TMC; Gilbert & Proctor, 
2006; veja também www.CompassionateMind.co.uk). Os últimos dois programas 
possuem origens diferentes – o MSC foi desenvolvido a partir de mindfulness, a TMC 
surgiu primariamente a partir da psicologia evolucionista – mas existem algumas 
semelhanças entre os exercícios e práticas meditativas dos dois programas. 
 O programa MSC possui elementos estruturais similares ao curso de MBSR de 
Kabat-Zinn (oito sessões e um dia de retiro; meditação formal e informal). Em um estudo 
randomizado e controlado do programa MSC, os resultados indicaram que a participação 
no curso aumentou significativamente a autocompaixão, mindfulness, compaixão por 
outros e satisfação com a vida, enquanto reduziu significativamente a depressão, 
ansiedade, estresse e evitação emocional. O grau no qual os níveis de autocompaixão dos 
participantes aumentaram estava significativamente associado à quantidade de práticas 
informais e formais de autocompaixão que realizaram durante todo o programa (Neff & 
Germer, 2013). 
 Finalmente, enquanto você ler os capítulos subsequentes deste livro, poderá 
descobrir elementos de autocompaixão, explícitos ou implícitos, em cada abordagem. Por 
exemplo, o programa da terapia comportamental dialética (DBT) foi especificamente 
desenvolvido para “aceitar radicalmente” clientes com dificuldades de regulação 
emocional e histórias traumáticas (veja Fiorillo & Fruzzetti, Capítulo 5, este volume). A 
terapia de aceitação e compromisso (ACT), que encoraja uma resposta aceitadora e 
compassiva à nossa própria dor, tem sido aplicada com sucesso ao tratamento do trauma 
(veja Engle & Follette, Capítulo 4, este volume), e os sistemas familiares internos (IFS) 
é um modelo de tratamento recente baseado em compaixão às diferentes partes de nós 
mesmos que sofreram, às vezes intensamente, em nossas vidas (veja Schwartz & Sparks, 
Capítulo 8, este volume). Cada programa oferece uma série de intervenções que 
fomentam a autocompaixão. 
 
 Em conclusão, a autocompaixão fornece uma visão promissora ao tratamento do 
trauma, a partir da sabedoria ancestral da psicologia budista. A autocompaixão está 
fortemente associada ao bem-estar emocional, é um importante mecanismo de mudança 
na psicoterapia e aborda o núcleo da sintomatologia relacionada ao trauma. A nossa 
compreensão moderna e científica da autocompaixão abre a possibilidade de 
desenvolvermos tratamentos eficazes baseados em autocompaixão, projetados 
especificamente para sobreviventes de trauma infantil e adulto. 
 
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