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E daro que proprietarios e gover condi~oes. Uma disCOltiJlncia apa nantes entenderam tais atitudes co rentemente banal, masque negan mo evidencia de que os negros eram o prindpio fundamend dos sonhos vadios por natureza, sendo que essa de sociedade das elites. Por isso, a ansia por autonomia nao passava de perspectiva de liberdad~ dos negros re;ei~ao ao trabalho. Contudo, 0 tirava 0 sono de propretarios e go problema real e que havia modos vernantes, e as vezes :-stragava as radicalmente distintos de conceber a festas de Natal. vida em liberdade. Para os negros, viver em liberdade nao podia signi ficar a necessidade de existir s6 para CHALHOUB. Sidney. Visoes :fa Liberdadeproduzir dentro de determinadas Folhetim. Folha de S. Paulo.BIS/S7. Questao sobre 0 texto: De que iOrma os negros ex-escravos entenderam a liberdade? Ecomo esse deseo de liberdade foi interpretado pelas elites brasileiras? III. Debate: Tema: 0 racismo na sociedade brasileira. Metade da classe podefla preparar argunentos tavor~ existencia de preconceito racial no Brasil, e a outra meta de, argumentos contrarios. A prepara~ao !sob orienta~ao do professorl deve envolver leituras sobre a questiio Iver sugestoe~ de leitura em seguidal, pesquisas em jomais, revistas, acompanhamento de programas de telev; sao Ipara verificar como a negro emostrado au naol etc. IV. Sugestoes de leitura: • 0 prefacio aprimeira edir;ao de Casa Grande & Senzala, de Gilberto Frei re, em que ja aparece esbor;ada a ideia de uma democracia racial no Brasil. • 0 negro no Brasil, de Julio Chiavenato (Editora Brasiliense). Analisando a participar;ao do negro na hist6ria do Brasil, 0 livro faz uma critica contundente ao mito da democracia racial no Brasil. • 0 que i racismo, de Joel Rufino dos Santos (Brasiliense). A Sociedade Agraria Brasileira "Tradicional' , 1. A questao agraria Como vimos anteriormente, 0 desenvolvimento do capitalismo no mundo rural brasileiro nao implicou na imediata substituic;ao do trabalho escravo pelo trabalho assalariado. 0 surgimento de uma classe de assalariados agrfcolas so seria visfvel a partir da decada de 1950, quando colonos e moradores passaram, em algumas regioes do Pais, a ser expulsos das terras das fazendas e substituidos por trabalhadores temponirios (os b6ias-frias). Mesmo hoje nao se pode afirmar que a tendencia seja 0 desa parecimento de todas as formas de trabalho nao-capitalistas, isto e, a generalizac;ao do trabalho assalariado na sociedade agniria brasi leira. Ele se tornou realmente a regra em grandes empreendimen tos capitalistas no mundo rural, tais como, por exemplo, a agroin dustria ac;ucareira de Sao Paulo e do Nordeste. Ao lado dessa c1asse de openirios rurais, porem, mantcm-se urn campesinato formado por posseiros, parceiros, pequenos arren datarios e pequenos proprietarios. Com exceC;ao destes ultimos, que enfrentam problemas diversos, trata-se de carnponeses que conservam precariamente a posse da terra (caso dos posseiros, que 45 44 nao tern a propriedade juridica da terra), ou lutam para nela per manecer (os parceiros e pequenos arrendatarios), ou ainda lutam para ter acesso a ela (os chamados "sem-terra"). Nessa luta pela posse da terra enfrentam 0 poder de grandes latifundiarios, de mo dernas empresas capitalistas nacionais e estrangeiras e ate mesmo 0 proprio poder do Estado (e seu brar;o armado: Exercito e orgaos po liciais) . Para compreender a violencia dos conflitos pela posse da terra, que ate hoje convulsionam 0 mundo rural brasileiro, e preciso no vamente voltar no tempo. Algumas questoes precisam ser respon didas: Qual c a origem dessa classe de camponeses? Que transformar;oes sofr'eu? Quais foram suas lutas e movimcntos mais importantcs? osurgimento de um proletariado agricola no Brasil, 0 que ocorreu principalmente a partir dos anos 40 e 50 do seculo XX, nao fai acampanhada do desaparecimenta de um campesinato (farmada par passeiras, parceiros e pequenos arrendatarias) caracteristica ea posse precaria da terra. 46 Considerar a constituir;ao do campesinato brasileiro, as mu danr;as que sofreu e os conflitos sociais que marcaram sua trajetoria nos conduz ainda a outros fenomenos que foram cruciais para a for mar;ao da sociedade brasileira: a domina{:iio pessoal, 0 coronelismo e 0 dominio oli'garquico. 2. 0 poder pessoal: sua origem o Brasil eainda urn pais de mandoes. Nao enada incomum se ouvir, especialmente de autoridades e pcssoas em posir;ao hierar quica ou social superior, aquele famigerado "Voce sabe com quem esta falando?", que nao espera outra coisa alem da obediencia co mo resposta. Tambem sao inumeras as situar;oes em que a vontade ou os caprichos de algum potentado prevaleccm sobre 0 que muitos 11. consideram justo, ou ate mesmo sobre as leis vigentes. e o< o Esse mandonismo nao se limita as relar;oes entre governantes e c c;; governados, ainda que af ele aparer;a de forma mais vislvel, espe 1)'" cialmente na vigencia de regimes polfticos autoritarios (como 0 re gime militar brasileiro de 1964 a 1984). Em verdade, trata-se de al go muito arraigado na sociedade brasileira e se manifesta em dife " .~ rentes situar;oes da vida social: no mundo do trabalho, na escola, na <'( " famflia e ate mesmo nas relar;oes afetivas. Qual e a origem desse autoritarismo? Novamente somos obrigados a vol tar a fazenda, essa unidade de produr;ao de mercadorias em torno da qual se constituiu a vida social no Brasil. Nela encontramos 0 fazendeiro comandando seus escravos, agregados, parentes e afilhados, sem que nada limitasse seu poder. Nas relar;oes entre senhores e escravos a violencia era por de mais evidente para poder ser ocultada ou atenuada. 0 escravo, uma mercadoria possufda pelo fazendeiro, exclufdo da condir;ao de pessoa, trazia em seu proprio corpo as marcas de sua sujeir;ao. ja entre os homens livres as relar;oes de dominar;ao eram bern mais complexas e menos vislveis - embora a violencia da imposi f,;ao da vontade do mais poderoso nao fosse, talvcz, menor. ja men cionamos antes a existencia de homens pobres nao-escravos na so 47 ciedade brasileira do seculo XIX. Eram pessoas que, por nao terem meios proprios de sustento, viviam na mais completa dependencia em relac;:ao aos latifundiarios, ainda que nao fossem escravas. A agricultura comercial no Brasil - a cafeicultura do Vale do Parafba no seculo XIX, por exemplo, como vimos no capitulo ante rior - sempre avanc;:ou incorporando terras que muitas vezes ja eram ocupadas.por comunidades de lavradores independentes (cha mados de caboclos, caipiras, tabareus, caic;:aras, conforme a regiao do Pais). Isso era possive! porque os fazendeiros obtinham titulos de sesmarias·, que prevaleciam sobre a ocupac;:ao efetiva da terra pe los posseiros. o mais comum, entretanto, nao era a expulsao do caboclo das terras que ocupava, isto e, sua expropriafiio total. Ele mantinha sua posse, so que em terras alheias, em terras do latifundio. Olavrador - 0 campones - se transformava, entao, em agregado da fazenda, em morador de terras de outro, podendo manter sua roc;:a pobre grac;:as a "benevolencia" do senhor. Nessa populac;:ao de agrega dos, excluida ao mesmo tempo do trabalho escravo e da proprieda de da terra, e que encontramos a origem do campesinato brasileiro. Como cram as relac;:5es entre os fazendeiros e seus agregados? o tipo de dominac;:ao exercida pelos primeiros sobre seus de pendentes foi analisado em uma obra classica da Sociologia bras i leira: Homens livres na ordem escravocrata, de Maria Sylvia de Carvalho Franco. Esse estudo tern por objeto as formas de dominac;:ao entre homens livres na civilizac;:ao do cafe do Vale do Parafba no seculo XIX. As relac;:5es de dominac;:ao entre fazendeiros e seus agregados e camaradas, entretanto, se constituiram no mundo rural brasih;iro como urn todo, especial mente nos chamados "sert5es" - as re gi5es mats afastadas do litoral e dos centros economicos mats pros peros do Pals. A pratica dofavor, porem, que sera examinada em seguida, nao parece ter sido "privilegio" somente do mundo serta nejo: ela penetrou fortemente na vida social e polftica brasileira, em particular na administrac;:ao publica. No limiar do seculo XXI, pra ticas como 0 clientelismo, 0 apadrinhamento e 0 filhotismo, tao proprias de um Brasil que alguns chamaram de "atrasado", estao ainda presentes nas ac;:5es de nossos governantes e na cultura polftica bra sileira em gera!. 48 3. Senhores e agregados: a dependencia pessoaJ Para caracterizar as relac5es entre fazendeiros e seus agrega dos, recorreremos aja referida obra de Maria Sylvia C. Franco. A forma como ocorreu a colonizac;:ao no Brasil determinou 0 surgimento de dois setores economicos diversos mas que coexisti ram no interior da grande fazenda: a produc;:ao, com base no traba Iho escravo, de mercadorias para a exportacao; e um setor de sub sistencia, que produzia alimentos, com base no trabalho familiar de posseiros, agregados e sitiantes (que, apesar de proprietarios, nao escaparam da orbita de intluencia do latifundio). A coexistencia desses dois mundos, segundo a autora, fez corn que as rclac;:ues entre dominantes e dominados entre fazendeiros e homcns pobres [ivres - fossem orientadas por dois prindpios opostos. POI' urn lado, os fazendeiros agiam de forma a preservar sells privilegios, isto e, de acordo com seus interesses economicos. Na foto, Moreira de Barros, dono de uma das maiores fazendas do Brasil no seculo XIX. A pratica do favor (e outros {altos pessoais) permitia aos fazendeiros manterem sob seu contmle uma extensa clientela constituida por agregados, moradores pobres, camaradas, afilhados etc. 49 o fato de a fazenda ter sido, antes de mais nada, uma unidade de produ~ao de mercadorias obrigava os dominantes a urn comporta mento orientado pelo calculo e pela busca sistematica do luero. Aqui 0 fazendeiro revelava sua face de empresario-capilalista (0 que impede sua caracteriza~ao como uma especie de senhor feudal, erro em que muitos incorreram). Por outro lado, as rela~5es entre fazendeiros e homens pobres livres eram marcadas por associUfoes morais; "nos ajustamentos en tre grupos dominantes e dominados se entrela~am as duas 'faces' constitutivas da sociedade: de urn lado, a area que tendia a orde nar-se conforme liga~oes de interesses, de outro os setores articula dos por via de associa(,;oes morais" Y) Que associa(,;oes morais eram essas? Eram compromissos de natureza pessoaI que prendiam - e sujeitavam - 0 agregado ao fazendeiro. Baseados em valores mo rais compartilhados por urn e outro, tais como a fidelidade e a leal dade, esses compromissos exigiam de ambas as partes uma conti nua preJtafiio defavoreJ, assim como uma permanente retribuifiio dOJ favores recebidos. Era a pratica do favor, portanto, que articulava as rela~oes entre senhores e homens pobres livres. o agregado mantinha sua posse em terras do senhor e depen dia do favor deste ultimo para conserva-Ia. Para 0 dominado, sua propria sobrevivencia era uma dadiva do mais poderoso, que deve ria ser recebida com gratidao. "Favor com favor se paga", essa era a norma. 0 agregado, por sua parte, estava obrigado a retribuir 0 favor recebido de muitas maneiras diferentes: prestando ao fazcn deiro trabalho gratuito ou em troca de uma remunera~ao insignifi cante (0 desmatamento e a forma<,:ao da fazenda, como ocorria com o caipira na cafeicultura paulista, 0 transporte de mercadorias e ou tros servi~os); pegando em armas para defender seu senhor em Iu tas pela terra, em vingan~as de crimes cometidos contra a honra e nas disputas peIo controle do poder local (os motivos de uma violencia cos tumeira no mundo rural brasileiro). Ja durante a Republica, como veremos, a obriga<,:ao fundamental do agregado passava a ser 0 volo em candidatos apoiados peIo fazendeiro. FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem e,lcravocrala. Sao Paulo, Ati ca, 1976. p. 99. Nao se tratava, como se percebe, da retribui(,;ao de aIgum fa vor especffico. A rela<,:ao entre 0 fazendeiro e seus dependente,:'5 pres supunha uma lealdade total: era uma troca de tudo por tudo. E claro que essa reIa(,;ao implica uma cega obediencia ao mais poderoso. Nada mais distante disso do que - para fazer uma compara<,:ao o assalariamento, a rela<,:ao de trabalho propria do capitalismo. No regime de trabalho assalariado, 0 capitalista e 0 trabalhador reali zam uma troca das mercadorias que possuem (for<,:a de trabalho por salario), cada qual se orientando unicamente par seus interesses nao ha entre as partes nenhuma lealdade de natureza pessoal. , E preciso ressaltar ainda que a autoridade do latifundiario nao se mantinha apenas por sua posi<,:ao social ou peIo uso da violencia: a dominado reconhecia essa autoridade como legftima. o que ganhavam os homens pobres livres em manter tal si tua(,;ao? Alem da !1ecessidade de sobrevivencia, ha outro aspecto a ser considerado. E que "no contexto brasileiro, 0 favor assegurava as duas partes, em especial a mais fraca, que nenhuma e escrava. Mesmo 0 mais miseraveI dos favorecidos via reconhecida nele, no iavor, a sua livre pessoa, 0 que transformava presta<,:ao e contra presta<,:ao, por modestas que fossem, numa cerimonia de superiori dade social, valiosa em si mesma. "(2) A pratica do favor, portanto, estabeIecia-se entre partes que se reconheciam mutuamente como pessoas - nenhurna era escrava. 4. 0 compadrio: 0 parentesco espiritual Outras caracteristicas do mundo rural brasileiro, em especial nos sertoes, contribufam, ainda, para atenuar a violencia da domi na<,:ao exercida pelos fazendeiros sobre seus dependentes. 0 carater rustico desse mundo, a pouca diversidade de ocupa<,:oes, os habitos, as valores e as cren<,:as reIigiosas compartilhados tanto por domi nantes como por dominados e mesmo as vestimentas e padroes de (2) SCHWARZ, Roberto, Ao VeT/ceriuros balalas. Sao Paulo, Duas Cidades, 1981. p. 18-9. 51 50 brasileiro. As desordens nos vfnculos de dependencia abriam cami nho para que, em determinadas circunstancias, se produzissem en frentamentos entre camponeses e seus antigos senhores. 6. A instaura~ao da Republica Movimentos sociais de grandes dimens6es convulsionaram os scrt6es brasileiros apos a instauraf,:ao do regime republicano em 1889. A rebeldia eamponesa assumiu, nas primeiras decadas do se culo XX, duas modalidades principais: os movimentos messianicos eo canga~o. Muitos desses movimcntos sequer pudcram vir a ser conheci dos, seja porque nao deixaram registros eseritos, seja porque os poueos registros existentcs foram realizados, em gcral, por pessoas comprometidas com os grupos dominantes da soeiedade. Dos movimentos messianieos, apenas urn escapou do esqucei mento: a Guerra de Canudos (1896-1897). 1sso graf,:as ao seu relato em uma das mais importantes obras da literatura brasilcira: Os sertiies, de Euclides da Cunha. Outro movimento messianieo de grandes proporf,:6es - uma verdadeira guerra civil - entretanto, permane ceu quasc ignorado ate reccnternente: a Guerra do Contestado (1912 1916), nos sert6es de Santa Catarina e do Parana. A partir da dec a da de 1950, varias pesquisas sociologieas proeuraram resgatar a memoria desse evento, alem de busear interpretaf,:6es para os fa.tos que la ocorreram. Antes, porem, de abordar esses movimentos de rebeldia que agitaram 0 mundo sertanejo, convem examinar algumas mudanf,:as que ocorreram com 0 advento da Republica que parecem estar re lacionadas com eles. Com a instauraf,:ao do regime republicano, 0 velho mandonis mo local dos proprietarios de terras no Brasil assume novas feif,:6es. No lugar dos antigos mand6es locais, que exerciam seu poder pes soal sem quaisquer limites, surgem os "coroneis" da polftica. 0 co ronelismo foi urn fenomeno polftico caracterfstico da Republica Ve Iha (1889-1930), ainda que se mantenha presente em algumas re gi6es do Brasil ate hoje. 54 7. 0 coronelismo A Constituif,:ao republicana de 1891 criou urn regime polftico de base representativa no Brasil, alem de ter eliminado 0 voto cen sitario*. 0 sistema representativo diz respeito a necessidade de elei f,:6es periodicas para a escolha dos membros do poder legislativo e dos chefes do poder executivo (Presidente da Republica, governa dores de Estado e prefeitos municipais). 0 poder local dos latifun diarios passava a ter que conviver com mecanismos eleitorais 0 coronelismo consistiu, em grande medida, em uma adaptaf,:ao a es sa nova realidade. Ainda que 0 direito de voto fosse muito restrito - so votavam os homens alfabetizados com mais de 21 anos de idade - 0 "coro nel", sempre urn grande fazendeiro ou, as vezes, urn grande co merciante, passava a negociar uma nova mercadoria: 0 voto. Os dependentes do "coronel" - parentes, afilhados, agrega dos e camaradas - estavam obrigados, com 0 regime republicano, a retribuir os favores de seu "protetor" votando nos eandidatos que este apoiasse. Era 0 chamado voto de cabresto. Os camponeses, devendo obediencia pessoal ao "coronel" e dele dependendo para manter sua rof,:a de subsistencia, seguiam sua orientaf,:ao nas cleif,:6es. Vitor Nunes Leal, em urn estudo classico sobre 0 assunto - 0 livro Coronelismo, enxada e voto - descreve outras praticas que refor f,:avam 0 voto de cabresto: "Sao ( ... ) os fazendeiros e chefes locais que custeiam as despesas do alistamento e da eleif,:ao. Sem dinheiro e sem interesse direto, 0 roceiro nao faria 0 menor sacriffcio nesse sentido. Documentos, transporte, alojamento, refeif,:6es, dias de trabalho perdidos, e ate roupa, calf,:ado, chapeu para 0 dia da elei f,:ao, tudo e pago pelos mentores polfticos empenhados na sua quali ficaf,:ao e comparecimento. (... ) E, portanto, perfeitamente com preensfvel que 0 eleitor da rof,:a obedef,:a a orientaf,:ao de quem tudo Ihe paga, e com insistencia, para praticar urn ato que Ihe e comple tamente indiferente.' '(4) Outro fato, finalmente, contribufa para que as eleif,:6es, de me canismo de representaf,:ao da vontade popular se transformassem (4) LEAL, Vitor Nunes. COToneiiJmo, enxada e vola. Sao Paulo, Alfa-6mega, 1978. p. 35-6. 55 em mero exercicio do poder pessoal e da vontade dos" coroneis": a existencia do voto aberto. Nem mesmo a institui~ao do voto secreto em 1932, porem, eliminou 0 voto de cabresto da vida polftica bra sileira. Mas por que havia da parte dos coroneis tanto interesse em controlar as elei~6es? 8. 0 dominio oligarquico Para compreender a importfmcia do controle do voto, outra caracterfstica da vida polftica brasileira, durante a Republica Ve Iha, deve ser considerada. Trata-se do domfnio polftico das oligar 56 Padre Cicero (terceiro da direita para a esquerdaJ com "coroneis" e autoridades do Ceara. As disputas pelo controle do poder local eram freqiientes entre os "coroneis". Tentando por fim aos conflitos entre "coroneis" do vale do Cariri, no Ceara, Padre Cicero organizou, em outubro de ,9", um encontro entre os chefes politicos de dezessete municfpios, evento que ficou conhecido como 0 "pacto dos coroneis". quias. Estas eram poderosas famflias, em geral de proprietarios ru rais, que controlavam 0 poder em seus Estados. A oligarquia cafeeira de Sao Paulo, dada a importancia da ca feicultura na economia brasileira, controlava 0 poder federal. Fa zendeiros de cafe paulistas se revezararn, corn poucas exce~6cs, com fazendeiros da bacia laticinia de Minas Gerais, na presidencia da Republica, durante quase toda a Republica Velha, 0 que ficou co nhecido como a "polftica do cafe-com-Ieite" * . Esse controle do poder publico (do Estado) pelas oligarquias dependia, entretanto, do voto do eleitor. Af entrava em cena a figu ra do "coronel", garantindo, com 0 voto de cabresto e todo tipo de fraude eleitoral, a vitoria dos candidatos ligados as oligarquias. Uma vez confirmadas no controle da administrac,:ao publica, as oligarquias retribufam 0 favor dos "coroneis" refor~ando 0 po der local destes uitimos. Esses chefcs politicos locais (os "coroncis") eram, no mais das vezes, decadentes cconomicamente, distancia dos que estavarn dos setores mais prospcros c modernos da ccono mia brasileira. 0 apoio as oligarquias Ihes permitia, entao, manter sua posic,:ao de poder, controlando e distribuindo as bencsses da ad rninistrac,:ao publica estadual e federal em seus municfpios. Os "coroncis" conseguiam, por exemplo, garantir a nomea c,:ao de parentes, afilhados ou agregados para cargos estaduais ou £e derais, ou ainda direcionar a utiliza~ao de verbas publicas de acor do com seus interesses (entre outras coisas, 0 usa de dinheiro e de recursos publicos nas campanhas eleitorais). Sobre essa troca de favores entre as oligarquias e os "coroneis" , assim se expressa Vitor Nunes Leal: "A essencia ( ... ) do compro misso 'coronelista' - salvo situa~6es especiais que nao constituem regra - consiste no seguinte: da parte dos chefes locais, incondicio nal apoio aos candidatos do oficialismo nas elei~6es estaduais e fe derais; da parte da situa~ao estadual, carta branca ao chefe local governista (de preferencia 0 lider da fac~ao majoritaria) em todos os assuntos relativos ao municipio, inclusive na nomeac,:ao de funcio narios estaduais do lugar. "I» Seria, entao, 0 dominio das oligarquias apenas uma expressao, em escala maior, do mandonismo local dos "coroneis"? Nao exata (5) Idem. ibidem. p. 49-50 57 mente, ainda que muitos tenham interpretado assim 0 compromis so coronelista acima referido. Enquanto os "coroneis" manti nham-se presos a seus horizontes locais, procurando conservar seu poder pessoal, as oligarquias se orientavam cada vez mais para a esfera publica, ainda que interpretando os "interesses publicos" como sendo os seus proprios. 0 fato que precisa ser assinalado e que 0 poder privado dos "coroneis" definhava, enquanto se afir maya e crescia 0 poder publico. As oligarquias assumiam a condw;;ao da administra<;;ao publica - os governos estaduais e 0 governo federal - 0 que as obrigava a considerar interesses que iam muito alem do limitado mundo dos "coroiieis". "Quando entao as oligarquias estaduais veem-se en volvidas em projetos economicos ou administrativos amplos, que ultrapassavam os limites municipais e ate mesmo estaduais (conces soes de terras, negociatas com grupos economicos nacionais ou es trangeiros, pIanos de coloniza<;;ao), os chefes locais passam acondi <;;ao de peoes ou, na melhor das hipoteses, de socios menores emjo gadas que os obrigam a pensar muito alem do ambito local e dos vfnculos concretos que mantem com suas clientelas.' '(hJ Na condi<;;ao de "peoes" ou "socios menores" de empreendi mentos mais amplos e interesses mais poderosos e que os "coro neis" foram levados, muitas vezes, a "trair" os compromissos pes soais que mantinham com suas clientelas. Essa crise mi domina<;;ao coronelfstica esteve por tnls dos movimentos de rebeldia no mundo rural brasileiro - ela e bastante visfvel no caso da Guerra Santa do Contestado. (6) MONTEIRO, Duglas Teixeira. O.f erran/es do novo .fewlo. Sao Paulo, Duas Cidades, 1974 p.25. ATIVIDADES I. Responda as questiies que seguem: . 0 autoritarismo eum fenomeno present8 exclusivamente nas acaes dos governantes no Bra sil? Explique a origem do mandonismo na sociedade brasileira. 2. Dois principios opostos estavam presentes nas relacoes entre senhores e agregados, Maria Sylvia de Carvalho Franco. Que principios eram 3. Por que a eonduta orientada pela pratica do favor exige uma obediencia cega do dominado poderoso? par que 0 compadrio ocultava a distancia Ie a dominaciio) existents entre senhores e agregados. 5. Relacione 0 compadrio com 0 surgimento de praticas como 0 aoadrmtlamento e 0 mo na administrat;iio publica brasileira. 6. Explique em que situat;iio os laeos entre proprietarios de terras e seus dependentes sofriam o eoronelismo, fenomeno que marcou a vida politica brasileira a partir da proclama ~iio da Republica. 8. Explique 0 compromisso que se 8stabeleceu entre "eoroneis" eas olioarouias durante a blica Velha no Brasil. 9. Mostre por que 0 dominio oligarquico nao ser considerado apenas uma forma de corone lismo em eseala maior. II. leitura complementar O texto a seguir foi retirado do Histaria de Dona Placida romance Memorias postumas de Bras Cubas, de Machado Nao te arrependas de sec gene de Asszs, onde a pratica do favor e roso; a pratinha rendeu-me uma tematizada com fina ironia pelo es confidencia de Dona Placida, e con cr£tor. Na passagem citada, Bras seguintemente este capitulo. Dias Cubas, na1Tador e personagem pnn depois, como eu a achasse sO em ca cipal, narra e comenta uma conversa sa, travamos palestra, e ela contou sua com Dona Placida, velha agre me em breves termos a sua hist6ria. gada da familia de VirgiNa, amante Era filha natural de urn sacristao da de Bras. Os dois amantes realizam Sf e de uma mulher que fazia doces seus encontros numa casinha no su para fora. Perdeu 0 pai aos dez burbio, onde deixam Dona Placzda anos. ):i entao ralava coco e fazia morando para evitar suspeitas. nao sei que outros trabaIhos de do 59 58 ceira, compadveis com a idade. Aos quinze ou dezesseis casou com urn alfaiate, que morreu tisico algum tempo depois, deixando-Ihe uma fi lha. Viuva e mo~a, ficaram a seu cargo a filha, com dois anos, e a mae, cansada de trabalhar. Tinha de sustentar a tees pessoas. Fazia do ces, que era 0 seu ofleio, mas cosia tambem, de dia e de noite, com afinco, para tres ou quatro lojas, e ensinava algumas crian~as do bairro, a 10 tostoes por meso Com isso iam lhe passando os anos, nao a beleza, porque nao a tivera nunca. Apare ceram-Ihe alguns namoros, propos tas, sedu~oes, a que resistia. Se eu pudesse encontrar outto marido disse-me ela creia que me teria casado; mas nin guem queria casar comigo. ( ... ) ona Placida jurou-me queD nao esperava fidalgo nenhum. Queria ser casada. Sabia muito bern que a mae 0 nao fora, e conhecia algumas nham s6 0 seu mo~o delas; mas era genio e queria ser casada. Nao que ria tambem que a fi]ha Fosse outra coisa. Trabalhava muito, queiman do os dedos ao fogao, e os olhos ao candeeiro, para comer e nao cair. Emagreceu, adoeceu, perdeu a mae, enterrou-a por subscri~ao, e continuou a trabalhar. A filha esta va com catorze anos; mas era muito fraquinha, e nao fazia nada, a nao ser namorar os capad6cios que Ihe rondavam a r6tula. ( ... ) Interrompeu-se urn instante, e continuou logo: Minha filha fugiu-me; foi com urn sujeito, nem quero saber ... Deixou-me 56, mas tao teiste, que pensei morcer. Nao tinha ninguem mais no mundo e estava quase velha e doente. Foi por esse tempo que conheci a familia de laia: boa gente, que me deu que fazer, e ate chegou a me dar casa. Estive la muitos me ses, urn ano, mais de urn ano, agre gada, costurando. Sai quando laia casou. Depois vivi como Deus foi servido. Olhe os meus dedos, olhe estas maos ... - E mostrou-me as maos grossas e gretadas. as pontas dos dedos picadas da agulha. - Nao se cria isto a toa, meu senhor: Deus sabe como e que isto se cria... Felizmente, laia me protegeu, e 0 senhor doutor tam bern ... Eu tinha urn medo de acabar na rua, do esmola ... Ao soltar a frase, Dona Placida teve urn Depois, como se tornasse a SI, pareceu aten tar na inconveniencia daquela con fissao ao amante de uma mulher ca sada, e come~ou a rit, a desdizer-se, a chamar-se tola, "cheia de fidu cias" I como Ihe dizia a mae; enfim, da do meu silencio, tetirou-se da sa· la. Eu fiquei a olhar para a ponta do botim. Comigo P odendo acontecer que algum dos meus leitotes tenha pulado o capitulo anterior, observo que e preciso le-Io para en tender 0 que eu disse comigo, logo depois que Dona Placida saiu da sala. 0 que eu disse foi isto: " Assim, 0 sacristao da Se, urn dia, ajudando amissa, viu entrar a dama, que devia ser sua colaborado ra na vida de Dona Placida. Viu-a outros dias, semanas inteiras, gos rou, disse-lhe alguma gra~a, pisou Ihe 0 pe, ao acender os altares, nos dias de Festa. Ela gostou dele, acer cararn-se, amaram-se. Dessas conjun ~oes de luxurias brotou Dona Placi da. Ede crer que Dona Placida nao falasse ainda quando nasceu, mas se falasse podia dizer aos autores de seus dias: Aqui estou. Para que me chamastes? Eo sacristao e a sacrista na turalmente Ihe responderiam: Chamamos-te para queimar os de dos nos tachos, os olhos na costura, comer mal, ou nao comer, andar de urn lado para 0 outro, na faina, adoecendo e sarando, com 0 fim de tofnar a adoecer e sarar outra vez, triste agora, logo desesperada, ama nha resignada, mas sempre com as maos no tacho e os olhos na costura, ate acabar urn dia na lama ou no hospital; foi para isso que te chama mos, num momento de simpatia. o estrume ubito deu-me a consciencia urn Srepelao, acusou-me de ter feito capitular a probidade de Dona Placida, obrigando-a a urn pape! Ouestoes sobre 0 texto: depois de longa vida de tea e priva~oes. Medianeira nao era melhor do que concubina, e eu tinha-a baixado a esse ofleio, acusta de obsequio e dinheiro. Foi 0 que me disse a consciencia; fiquei uns dez minutos sem saber 0 que Ihe re plicasse. Ela acrescentou que eu me aproveitara da fascina~ao exercida por Virgilia sobre a ex-costureira, da gratidao desta, enfim da necessida de. Notou a resistencia de Dona Placida, as lagrimas dos primeiros dias, as caras feias, os silcncios, os olhos baixos, e a minha arte em suo portae tudo isso, ate vence-Ia. E re puxou-me outra vez de urn modo itritado e nervoso. Concordei que assim era, mas aleguei que a velhice de Dona Placi· da estava agora ao abrigo da mendi cidade: era uma compensa~ao. Se nao fossem os meus amores, prova velmente Dona Placida acabaria co mo tantas outras criaturas humanas; donde se poderia deduzir que 0 VI cio e muitas vezes 0 estrume da vir rude. 0 que nao impede que a vir tude seja uma flor cheirosa e sa. A consciencia concordou, e eu fui abrir a porta a Virgilia. ASSIS , Machado de. Mem6rtas p6stumas de Bras Cubas. Sao Paulo, Abril Cultural. 1971. p. 104-6. Leia os trechos abaixo, ern que 0 ensaista Roberto Schwarz comenta a forma como a situa ~ao do hamem pabre livre e representada nas Memorias P6stumas de Bras Cubas. "Nao tendo orooriedade, e estando 0 orincioal da oroducao economica acargo dos escravos, e se 61 60 suma, a Vida honesta e independente nao estl ao alcance do pobre, que aos olhos dos abastados e presun90so quando a pretende, e desprezivel quando Encontre e comente passagens no texto de Machado que justifiquem as afirma~6es de Roberto Schwarz. 2. A consciencia de Bras Cubas acusa-o de ter cometido uma torpeza com Dona Placida. Qual seria a torpeza, no caso? Como Bras responde aacus8vao de sua consciencia? III. Sugestoes de leitura: Os principais romances de Machado de Assis: MemoriaJ postumaJ de Bras Cuba:>, QuiT/cas Borba e Dom Casmurro. Alem de serem obras litcnirias de prirneira grandeza, nelas 0 escritor tematiza, como ninguern mais, as re laf,:oes entre dominantes e dominados fundadas na pratica do favor. (7) SCHWARZ, Roberlu. A velha /Jabre e a retratil·ta. Sau Paulo, Cebrap, abril-82. p. 35-8. ..-·----[JUF;7. ;:- I~ - U1\S T t·, I r) LIt) -r' r.: ("A1:;)1 U "I ~.• vO ......*-----.......~----......... Os Conflitos Sociais no Campo: Messianismo e Cangaro seculo" 1. Contexto geral das lutas sociais no mundo rural o mundo rural brasileiro no seculo XX - 0 sonhado "novo dos sertanejos do Contestado tern sido marcado por con llitos de grandes propon,;oes e por uma permanente situa(,":ao de lu las e de violencia. Na primeira metade deste seculo, incluindo-se os ultimos anos do seculo XIX, predominaram os movimentos messidnicos, no Nordes te e no SuI do Pais, e 0 cangClfo, uma manifesta(,":ao mais tipica dos sertoes nordestinos. A partir da decada de 1950, os movimentos so ciais de camponeses e de trabalhadores rurais surgiram, principal mente, na forma das Ligas Camponesas e dos sindicatos rurais. o panorama geral desses movimentos sao as transform~oes que ocorreram na sociedade agra.ria brasileira a partir do processo de aboli(,":ao da escravatura que terminou em 1888. Com a aboli(,":ao do trabalho escravo, os fazendeiros procuraram se assegurar do mo nop6lio sobre a terra. Ja vimos que a Lei de Terras de 1850 proibia a ocupa(,":ao das terras devolutas de outra forma que nao atraves de sua compra. Jaem finais do seculo XIX, 0 controle das terras devo lutas passou para os Estados - que, como vimos, eram dominados 63 62
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