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A visão funcionalista da linguagem

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KENEDY, E; MARTELOTTA, M. E. T. . A visão funcionalista da linguagem no século XX. In: Maria Angélica Furtado da 
Cunha; Mariangela Rios de Oliveira; Mário Eduardo Toscano Martelotta. (Org.). Lingüística Funcional: teoria e prática. 
Rio de Janeiro: DP&A / Faperj, 2003, v. , p. 17-28. 
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 17 
1. A VISÃO FUNCIONALISTA DA LINGUAGEM NO SÉCULO XX 
Mário Eduardo Martelotta 
Eduardo Kenedy 
 
A lingüística do século XIX, em suas pesquisas de ordem eminentemente 
histórico-comparativa, deixou um importante legado teórico, sobretudo através dos 
neogramáticos e de lingüistas como Humboldt, Noreen e Svedelius (Malmberg, 1974). 
Entretanto, o surgimento da lingüística moderna é normalmente identificado com o 
aparecimento do Cours de linguistique générale de Saussure, em 1916. A partir daí, 
conforme propõem Dirven e Fried (1987), três noções básicas passaram a caracterizar a 
evolução da lingüística no século XX: sistema, estrutura e função. 
A noção de sistema deve-se a Saussure. De acordo com Benveniste (1976), a 
novidade da doutrina saussureana reside exatamente na visão de língua como sistema, 
que prevê uma prioridade do todo em relação aos elementos que o compõem. O termo 
sistema mais tarde foi substituído pelo termo estrutura: uma vez aceita a visão de que a 
língua constitui um sistema – um conjunto cujos elementos se agrupam num todo 
organizado – cumpre analisar-lhe a estrutura. Foi a tendência que se desenvolveu na 
lingüística a partir da publicação do Cours, tendo sua primeira expressão nos trabalhos 
do Círculo Lingüístico de Praga, a partir de 1928. O chamado estruturalismo foi, então, 
adquirindo novos adeptos, como os que fundaram a chamada Escola de Copenhague. 
Hjelmslev (apud Benveniste, 1976:98) define novamente o domínio da lingüística 
estrutural: 
 
Compreende-se por lingüística estrutural um conjunto de pesquisas que se apóiam numa 
hipótese segundo a qual é cientificamente legítimo descrever a linguagem como sendo essencialmente 
uma entidade autônoma de dependências internas ou, numa palavra, uma estrutura. 
 
A análise lingüística estava, então, restrita à rede de dependências internas em 
que se estruturam os elementos da língua. 
No que se refere ao Círculo Lingüístico de Praga, Fontaine (1978) aponta 
outras influências, além das provenientes de Saussure, que levaram os lingüistas a se 
dedicarem ao estudo da lógica interna do sistema da língua. Essas outras influências 
KENEDY, E; MARTELOTTA, M. E. T. . A visão funcionalista da linguagem no século XX. In: Maria Angélica Furtado da 
Cunha; Mariangela Rios de Oliveira; Mário Eduardo Toscano Martelotta. (Org.). Lingüística Funcional: teoria e prática. 
Rio de Janeiro: DP&A / Faperj, 2003, v. , p. 17-28. 
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provinham do filósofo Husserl, e, principalmente da teoria da Gestalt1, que se deu 
através de seu freqüente contato com o psicólogo alemão Karl Bühler. 
A estreita relação com Bühler parece ter dado à lingüística de Praga uma feição 
diferente das outras escolas estruturalistas européias. Nas palavras de Fontaine 
(1978:40), ele foi o "avalista filosófico do aspecto funcionalista do estruturalismo 
praguense", já que via a função como um elemento essencial à linguagem. Essa 
concepção não pode ser atribuída a Saussure, que deixou de fora dos estudos 
lingüísticos os aspectos relacionados à função, a partir do momento em que propôs a 
distinção entre langue e parole, fazendo da primeira o objeto de estudo da lingüística. 
Essa estratégia teórica retirou do âmbito dos estudos lingüísticos o interesse por 
possíveis influências sofridas pela estrutura gramatical das línguas, provenientes de 
aspectos pragmático-discursivos. 
A noção de função é um pouco mais problemática, na medida em que vários 
autores a utilizam para caracterizar suas análises, que nem sempre apresentam 
características semelhantes. Segundo Nichols (1984), função é um termo polissêmico e 
não uma coleção de homônimos. Todos os sentidos do termo de certa forma se 
relacionam, por um lado, com a dependência de um elemento estrutural com elementos 
de outra ordem ou domínio (estrutural ou não estrutural) e, por outro lado, com o papel 
desempenhado por um elemento estrutural no processo comunicativo, ou seja, a função 
comunicativa do elemento. 
Os teóricos de Praga utilizaram a noção de função nesses dois sentidos. De 
acordo com Nichols (1984), a escola de Praga praticou uma variante do que ela chama 
função/relação, na medida em que focalizou a relação do elemento com o sistema 
lingüístico como um todo. A noção de função como relação, tal como proposta por 
Nichols (1984), prevê a relação de um elemento estrutural com ou dentro de uma 
unidade estrutural maior. O status de função/relação se opõe ao status categorial, não 
marcando esse último referência a uma ordem maior, mas simplesmente caracterizando 
a entidade como um portador de propriedades. 
Mas não é essa a marca do funcionalismo dos lingüistas de Praga. O que 
caracterizou suas análises foi a adoção de uma noção teleológica de função. Para eles, a 
língua deve ser entendida como um sistema funcional, no sentido de que é utilizada para 
um determinado fim. Nas palavras de Fontaine (1978: 22), referindo-se ao Círculo 
KENEDY, E; MARTELOTTA, M. E. T. . A visão funcionalista da linguagem no século XX. In: Maria Angélica Furtado da 
Cunha; Mariangela Rios de Oliveira; Mário Eduardo Toscano Martelotta. (Org.). Lingüística Funcional: teoria e prática. 
Rio de Janeiro: DP&A / Faperj, 2003, v. , p. 17-28. 
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Lingüístico de Praga, "... a intenção do locutor apresenta-se como a explicação ‘mais 
natural’ em análise lingüística: essa intenção do locutor é que fundamenta o discurso." 
Dessas informações, pode-se concluir que o chamado estruturalismo não foi 
um movimento unificado, apresentando, ao contrário, aspectos distintos de acordo com 
diferentes autores. Dirven e Fried (1987) propõem que as várias abordagens da 
lingüística estrutural, herdeiras da concepção saussureana da linguagem, variavam 
também de acordo com a ênfase que se dava para a significância da função em seus 
modelos teóricos, podendo dividir-se em dois grandes pólos: 
1- Pólo formalista - no qual a análise dá ênfase à forma lingüística, ficando sua função 
num plano secundário. 
2- Pólo funcionalista - no qual a função que a forma lingüística desempenha no ato 
comunicativo tem papel predominante. 
Essa visão bipartida das tendências da lingüística atual, embora passe por cima 
de algumas divergências, é compartilhada por vários outros autores como Schiffrin 
(1994), Kato (1998). 
 
1.1. O pólo formalista 
 
O chamado pólo formalista caracteriza-se, em termos gerais, pela tendência de 
analisar a língua como um objeto autônomo, cuja estrutura independe de seu uso em 
situações comunicativas reais. Segundo Dirven e Fried (1987), a tendência para o pólo 
formalista pode ser vista entre os lingüistas da chama Escola de Copenhague. A 
Dinamarca tem forte tradição nos estudos da linguagem, com lingüistas como Rask, 
Madvig, Noreen e Jespersen, mas foi com Hjelmslev, Uldall e, anteriormente, Br∅ndal 
que a lingüística se tornou mais formal e abstrata. Nota-se nos trabalhos destes 
lingüistas "um marcante interesse filosófico e, em particular, lógico" (Lepschy, 
1971:61). 
Hjelmslev propõe que a língua não deve ser vista como o reflexo de um 
conjunto de fatos não lingüísticos, mas como uma "unidade encerrada em si mesma, 
como uma estrutura sui generis" (Hjelmslev, 1975:3). Vista dessa forma a língua 
apresenta um caráter abstrato e estático, já que é dissociada do ato comunicativo. 
KENEDY, E; MARTELOTTA, M. E. T. . A visão funcionalistada linguagem no século XX. In: Maria Angélica Furtado da 
Cunha; Mariangela Rios de Oliveira; Mário Eduardo Toscano Martelotta. (Org.). Lingüística Funcional: teoria e prática. 
Rio de Janeiro: DP&A / Faperj, 2003, v. , p. 17-28. 
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O pólo formalista teve sua mais forte expressão no descritivismo americano 
(Bloomfield, Trager, Bloch, Harris, Fries), mas foi aplicado mais rigorosamente nos 
sucessivos modelos de gerativismo. Embora os estudos lingüísticos tenham sido 
dominados pelo gerativismo, que vem mantendo uma forte tradição até os dias de hoje, 
o pólo funcionalista permaneceu vigoroso. Abordagens gerativas alternativas, como a 
semântica gerativa, ou a gramática dos casos podem ser vistas como um esforço, dentro 
do paradigma formalista, de questionar algumas das propostas desse paradigma, através 
de um ângulo semântico-funcionalista (Dirven e Fried, 1987). 
 
 
1.2. O pólo funcionalista 
 
O chamado pólo funcionalista caracteriza-se pela concepção da língua como 
um instrumento de comunicação, que, como tal, não pode ser analisada como um objeto 
autônomo, mas como uma estrutura maleável, sujeita a pressões oriundas das diferentes 
situações comunicativas, que ajudam a determinar sua estrutura gramatical. 
O pólo funcionalista também pode ser visto em algumas escolas lingüísticas 
pós-saussureanas da Europa no século XX. Saussure influenciou mais de perto a 
chamada Escola de Genebra, cujos principais representantes são Charles Bally, Albert 
Sechehaye e Henri Frei. Enquanto Sechehaye limitou-se basicamente a discutir as idéias 
de Saussure, Bally, nas palavras de Leroy (1982:94), 
 
atacando o difícil problema da relação entre o pensamento e sua expressão lingüística, renovou 
a estilística, definindo-a como o estudo dos elementos afetivos da linguagem e dedicando sua 
atenção aos desvios que o uso individual (a fala) é levado a impor ao sistema (a língua). 
 
Essa proposta baseia-se no fato de que não há separação intransponível entre 
esses dois aspectos da linguagem, posição teórica por definição funcionalista. Por sua 
vez, Frei notabilizou-se por sua análise referente aos desvios da gramática normativa, 
que, segundo sua proposta, não são fortuitos, mas constituem tendências conseqüentes 
da necessidade de comunicação, constituindo, portanto, uma rica fonte de estudos 
lingüísticos. Frei se fez o promotor da lingüística de base funcional, que associa os fatos 
lingüísticos a determinadas funções a eles relacionadas. 
KENEDY, E; MARTELOTTA, M. E. T. . A visão funcionalista da linguagem no século XX. In: Maria Angélica Furtado da 
Cunha; Mariangela Rios de Oliveira; Mário Eduardo Toscano Martelotta. (Org.). Lingüística Funcional: teoria e prática. 
Rio de Janeiro: DP&A / Faperj, 2003, v. , p. 17-28. 
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Essa influência chegou até Martinet, que, de acordo com Mounin (1973), 
manteve freqüente contato com os principais lingüistas de Praga, sobretudo com 
Trubetzkoy, por quem foi bastante influenciado. Para Lepschy (1971:101), Martinet e 
Jakobson são "os dois herdeiros mais importantes, no pensamento lingüístico 
internacional, da Escola de Praga." 
A herança saussureana deixa também suas marcas nas escolas de Londres, em 
que, através de Halliday, se desenvolveu uma tendência de estudar as línguas de um 
ponto de vista funcional. Mathiessen (apud Neves, 1997:58), afirma que a gramática 
funcional de Halliday está baseada no "funcionalismo etnográfico e o contextualismo 
desenvolvido por Malinowski nos anos 202, além da lingüística firthiana da tradição 
etnográfica de Boas-Sapir-Whorf e do funcionalismo da Escola de Praga." 
A tendência de analisar a língua de um ponto de vista funcional está também 
presente no chamado grupo holandês. Reichling adotou a postura funcionalista, 
influenciando a gramática de Dik3, que trabalha com uma concepção teleológica de 
linguagem. Para Dik, o principal interesse de uma lingüística funcionalista está nos 
processos relacionados ao êxito dos falantes ao se comunicarem por meio de expressões 
lingüísticas. 
 
 
1.2.1. O funcionalismo nos Estados Unidos 
 
Como visto anteriormente, a lingüística norte-americana foi dominada por uma 
tendência formalista, que se enraizou com Leonard Bloomfield e se mantém até hoje 
com a lingüística gerativa. Entretanto, foi se desenvolvendo, paralelamente, uma 
tendência para o chamado pólo funcionalista. Franz Boas não influenciou apenas o 
descritivismo, principal tendência lingüística dos EUA, mas também a tradição 
etnolingüística de Sapir e Whorf, assim como os trabalhos de Bolinger, Kuno, Del 
Himes, Labov e muitos outros etno e sociolingüistas. Certamente, os últimos passos 
dados por antigos gerativistas, como Langacker e Lakoff, que aderiram à gramática 
cognitiva4, devem ser vistos como uma franca caminhada em direção ao pólo funcional 
(Dirven e Fried, 1987). 
KENEDY, E; MARTELOTTA, M. E. T. . A visão funcionalista da linguagem no século XX. In: Maria Angélica Furtado da 
Cunha; Mariangela Rios de Oliveira; Mário Eduardo Toscano Martelotta. (Org.). Lingüística Funcional: teoria e prática. 
Rio de Janeiro: DP&A / Faperj, 2003, v. , p. 17-28. 
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A lingüística cognitiva caracteriza-se por adotar alguns pressupostos contrários 
à tradição formalista. Entre esses pressupostos está, por exemplo, a idéia de que a 
significação não se baseia numa relação entre símbolos e dados de um mundo real de 
vida independente, mas no fato de que as palavras e as frases assumem seus significados 
no contexto, o que implica a idéia de que os conceitos são conseqüentes de padrões 
criados culturalmente. Os cognitivistas propõem também que o pensamento é 
conseqüente da constituição corporal humana, apresentando características derivadas da 
estrutura e do movimento do corpo e da experiência física e social que os humanos 
vivenciam através dele. Além disso, o pensamento é imaginativo, o que significa dizer 
que, para compreender conceitos que não são diretamente associados à experiência 
física, emprega metáforas e metonímias que levam a mente humana para além do que se 
pode ver ou sentir. Sendo assim, a sintaxe não é autônoma, mas subordinada a 
mecanismos semânticos que nossa mente processa durante a produção lingüística em 
determinados contextos de uso. 
Por outro lado, determinadas áreas de pesquisa, como a mudança lingüística e 
crioulística5, pareciam indicar as limitações teóricas da gramática gerativa. Portanto, 
lingüistas de formação gerativista foram buscando alternativas teóricas que abordassem 
melhor os fenômenos por eles estudados. É o caso de Elizabeth Closs Traugott, que, em 
função do seu interesse por fenômenos relacionados à mudança lingüística, passou a 
adotar a teoria da gramaticalização, focalizando os aspectos semântico-pragmáticos da 
mudança. Segundo essa teoria, as formas lingüísticas têm seus usos estendidos por 
processos unidirecionais de mudança, motivados pelo uso e por fatores de ordem 
cognitiva. 
O termo funcionalismo ganhou força nos Estados Unidos a partir da década de 
70, passando a servir de rótulo para o trabalho de lingüistas como Paul Hopper, Sandra 
Thompson e Talmy Givón, que passaram a advogar uma lingüística baseada no uso, 
cuja tendência principal é observar a língua do ponto de vista do contexto lingüístico e 
da situação extralingüística. De acordo com essa concepção, a sintaxe é uma estrutura 
em constante mutação em conseqüência das vicissitudes do discurso. Ou seja, a sintaxe 
tem a forma que tem em razão das estratégias de organização da informação 
empregadas pelos falantes no momento da interação discursiva. Desta maneira, para 
KENEDY, E; MARTELOTTA, M. E. T. . Avisão funcionalista da linguagem no século XX. In: Maria Angélica Furtado da 
Cunha; Mariangela Rios de Oliveira; Mário Eduardo Toscano Martelotta. (Org.). Lingüística Funcional: teoria e prática. 
Rio de Janeiro: DP&A / Faperj, 2003, v. , p. 17-28. 
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compreender o fenômeno sintático, seria preciso estudar a língua em uso, em seus 
contextos discursivos específicos, pois é neste espaço que a gramática é constituída. 
O texto que é considerado o pioneiro no desenvolvimento das idéias da escola 
funcionalista norte-americana foi The origins of syntax in discourse: a case study of Tok 
Pisin relatives, publicado por Gillian Sankoff e Penelope Brown em 1976. Neste 
trabalho, as autoras fornecem evidências das motivações discursivas geradoras das 
estruturas sintáticas de relativização do Tok Pisin, língua de origem pidgin de Papua-
Nova Guiné, ilha ao Norte da Austrália. 
Em 1979, Talmy Givón, influenciado pelas descobertas de Sankoff, publica 
From discourse to syntax: grammar as a processing strategy, texto programático da 
lingüística funcional, explicitamente antigerativista, que afirma que a sintaxe existe para 
desempenhar uma certa função, e é esta função que determina a sua maneira de ser. 
 
 
1.2.2. Iconicidade, fala e pancronia 
 
Uma maneira interessante de se compreender o espírito da lingüística funcional 
norte-americana é observar a refutação, proposta por Givón (1995), em relação ao que 
ele caracteriza como os três dogmas centrais da lingüística estrutural: a arbitrariedade 
do signo lingüístico, a idealização relacionada à distinção entre langue e parole e a 
rígida divisão entre diacronia e sincronia. 
A doutrina da arbitrariedade separa, no signo lingüístico, o significante do seu 
correlato mental, o significado, deixando apenas os dois termos observáveis da equação: 
o signo e seu referente, o que Givón caracteriza como uma triste caricatura da visão 
positivista e behaviorista do significado como referência externa. Essa tendência parece 
se dever ao fato de os estruturalistas (sobretudo os norte-americanos) tenderem a não 
trabalhar com entidades mentais vagas e pouco acessíveis à análise empírica, chegando 
mesmo a negar a existência de pensamento, ou qualquer estrutura mental organizada, 
preexistente à linguagem. 
Por outro lado, a própria noção de arbitrariedade do signo, pelo menos em sua 
formulação mais radical, é questionável, de acordo com Bolinger (1975), para quem as 
línguas são em parte arbitrárias, em parte icônicas – ou não-arbitrárias. Saussurre 
KENEDY, E; MARTELOTTA, M. E. T. . A visão funcionalista da linguagem no século XX. In: Maria Angélica Furtado da 
Cunha; Mariangela Rios de Oliveira; Mário Eduardo Toscano Martelotta. (Org.). Lingüística Funcional: teoria e prática. 
Rio de Janeiro: DP&A / Faperj, 2003, v. , p. 17-28. 
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reconheceu que havia exceções ao seu princípio da arbitrariedade do signo lingüístico, 
mas, segundo Ullmann (1977: 169), "desprezou-as por serem pouco importantes", 
assumindo uma postura diferente, nesse aspecto, de lingüistas como Schuchardt e 
Jespersen. 
De fato, se a palavra for analisada isoladamente, ou seja, à maneira formalista 
de observar a língua fora de seu contexto de uso, o que inevitavelmente emerge diante 
da visão do analista é uma relação não necessária – arbitrária ou não natural – entre uma 
estrutura sonora e um significado (ou um objeto referente). Entretanto, quando se muda 
o foco de análise para uma abordagem voltada para o uso da língua, observa-se a 
existência de mecanismos recorrentes, que refletem um processo mais funcional de se 
criar rótulos novos para novos referentes. 
Ocorre que, para criar novos rótulos, o falante não inventa arbitrariamente 
seqüências novas de sons, mas tende fortemente a utilizar material já existente na 
língua, estendendo o sentido de palavras, no que Ullmannn (1977) chama motivação 
semântica (pé da mesa, coração da cidade), ou criando palavras novas, através dos 
processos de derivação (apagador, leiteiro) ou composição (aguardente, pára-quedas), 
utilizando um mecanismo que Ullmann (1977) chama de motivação morfológica. A 
esses dois junta-se um terceiro mecanismo, chamado motivação fonética, caracterizado 
pelas onomatopéias (cocorocó, tilintar), em que o som da palavra claramente imita a 
coisa designada. 
Esses três mecanismos têm em comum o fato de serem motivados no sentido 
básico do termo: a palavra assume uma forma específica por um motivo determinado. 
Assim a palavra pé, por exemplo, apresenta uma relação semântica com as partes da 
mesa, destinadas à sua sustentação, ou o termo apagador se motiva no fato de tratar-se 
de um instrumento utilizado para apagar o quadro, normalmente em uma sala de aula. 
Esses mecanismos são mais comuns porque funcionam bem do ponto de vista 
comunicativo e cognitivo, no sentido de que um processo baseado em decisões 
puramente arbitrárias seria mais custoso para o falante e, sobretudo, para o ouvinte. Em 
muitos casos, essa motivação se perde, quando a mudança semântica faz a palavra 
afastar-se de suas origens. 
No campo da sintaxe, os funcionalistas consideram mais aceitável a idéia da 
não-arbitrariedade. Para citar um exemplo, quando narramos seqüências de ações como 
KENEDY, E; MARTELOTTA, M. E. T. . A visão funcionalista da linguagem no século XX. In: Maria Angélica Furtado da 
Cunha; Mariangela Rios de Oliveira; Mário Eduardo Toscano Martelotta. (Org.). Lingüística Funcional: teoria e prática. 
Rio de Janeiro: DP&A / Faperj, 2003, v. , p. 17-28. 
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cheguei em casa, tomei um banho e fui dormir, não ordenamos as cláusulas 
arbitrariamente, mas de acordo com a ordem em que elas ocorreram na realidade. Essas 
tendências, que se manifestam paralelamente à arbitrariedade, refletindo algum tipo de 
motivação, os funcionalistas chamam de iconicidade. Também são explicados pelo 
princípio da iconicidade aspectos relacionados à extensão da sentença, assim como à 
ordenação e à proximidade dos elementos lingüísticos que a compõem, dependendo de 
fatores como complexidade semântica, grau de informatividade dos referentes no 
contexto e proximidade semântica entre conceitos. 
Outro dogma estruturalista se refere à idealização associada à distinção entre 
langue e parole. Com essa dicotomia, Saussure estabeleceu uma diferença entre o que é 
geral e o que é individual e, conseqüentemente, entre o que é essencial e o que é 
acidental, ou entre o que é regular e o que é fortuito. Para o trabalho do lingüista, 
importavam somente os fatos relativos à langue, sendo dispensada atenção diminuta à 
fala individual. Tal perspectiva muito pouco difere da lingüística gerativista, no que se 
refere à distinção entre competence e performance. Ambas as concepções priorizam a 
língua em detrimento da fala, considerando esta não mais que mera manifestação das 
possibilidades de um sistema independente. 
O posicionamento funcionalista em relação a esse aspecto consiste em dar um 
novo relevo ao discurso individual, passando a compreendê-lo como nível gerador do 
sistema lingüístico. Este, por sua vez, é definido à maneira de um corpo moldável e em 
constante transformação. Nesse sentido, não há como separar a langue da parole: o 
acidental ou casual que caracteriza o discurso passa a ser a gênese do sistema, que, por 
sua vez, alimenta a discurso. A proposta de Lichtenberk (1991), segundo a qual existe 
uma relação simbiótica entre discurso e gramática, é um ótimo exemplo dessa 
concepção de linguagem. 
A dicotomia sincronia vs. diacronia, compreendida como dois eixos 
separados e não-intercambiáveis, é o terceiro dogma estruturalista a ser revisto pelofuncionalismo. Para Saussure, os princípios e as considerações da análise sincrônica e 
da análise diacrônica não se confundem e devem restringir-se a seu domínio específico 
de aplicação. Ou seja, o trabalho sincrônico lida com fenômenos do sistema que não têm 
relação necessária, sendo, por vezes, incompatível com o trabalho diacrônico. 
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Entretanto, pesquisas em gramaticalização têm demonstrado que, ao lado de 
fenômenos que mudam com o tempo, existem determinados aspectos que parecem se 
manter ao longo da trajetória das línguas. Em outras palavras, existe um conjunto de 
processos de mudança que atuam com relativa regularidade sobre os elementos 
lingüísticos, estendendo-lhes o sentido. De uma perspectiva histórica, esses processos 
podem dar a impressão de uma seqüência de mudanças ocorridas no tempo e, de uma 
perspectiva sincrônica, o que se observa é um conjunto de polissemias coexistindo. 
A tendência que se percebe do funcionalismo norte-americano a partir dos 
trabalhos sobre gramaticalização (Heine et alii, 1991, Traugott e Heine, 1991, Hopper e 
Traugott, 1993) é focalizar os mecanismos que geram a mudança como sendo 
alicerçados em fatores comunicativos e cognitivos. Nesse sentido, pode-se dizer que o 
funcionalismo tende a adotar uma concepção pancrônica de mudança (Saussure, 
1916/1973), observando não as relações sincrônicas entre seus elementos ou as 
mudanças que se observam nesses elementos e nas suas relações ao longo do tempo, 
mas as forças cognitivas e comunicativas que atuam no indivíduo no momento concreto 
da comunicação e que se manifestam de modo universal, já que refletem os poderes e as 
limitações da mente humana para armazenar e transmitir informações. 
Para resumir a visão funcionalista da linguagem, é interessante o grupo de 
premissas com que Givón (1995) caracteriza essa concepção: 
• a linguagem é uma atividade sócio-cultural; 
• a estrutura serve a funções cognitivas e comunicativas; 
• a estrutura é não-arbitrária, motivada, icônica; 
• mudança e variação estão sempre presentes; 
• o sentido é contextualmente dependente e não-atômico; 
• as categorias não são discretas; 
• a estrutura é maleável e não rígida; 
• as gramáticas são emergentes; 
• as regras de gramática permitem algumas exceções. 
 
 
 
1 Ver Koffka (1935) 
2 Ver Macedo (1998) 
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3 Ver Neves (1997) 
4 Salomão (1999) admite que a ênfase na acessibilidade da linguagem a seu uso aproximaria o enfoque 
cognitivista à tradição funcionalista, mas acrescenta que as análises funcionalistas da costa oeste 
americana e dos grupos centralizados por Halliday e Dik na Europa, ainda influenciados pela tradição 
estruturalista apresentam as seguintes características: (i) mantém o foco no significante; (ii) não 
desenvolvem a importância do contexto, reduzindo-o a um conjunto de variáveis inorgânicas; (iii) 
propõem, de um modo geral, uma abordagem estática do significado. 
5 Área de investigação de crioulos, línguas que se desenvolveram historicamente de um pidgin. Em 
poucas palavras, o pidgin é uma forma relativamente simplificada de falar que se desenvolveu através do 
contato de grupos lingüísticos heterogêneos. Ex: Tok Pisin (língua de Papua-Nova Guiné, Ilha ao Norte 
da Austrália).

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