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tese 472

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9 
1. ADOÇÃO E FAMÍLIA 
A palavra adoção vem do latim adoptione, que significa “considerar, olhar 
para, escolher” (Weber, 1999, p.100). A literatura indica que a adoção vem sendo 
praticada desde os tempos mais remotos, não sendo, portanto, um traço 
característico das modernas estruturas sociais. Apesar de pais e filhos adotivos 
existirem há muito tempo, o tema “adoção” foi sempre um pouco obscuro, visto 
geralmente como uma questão da intimidade da família (Weber, 1999). 
Segundo Gomide (1999) a adoção foi tratada tradicionalmente no bojo da 
filantropia e da assistência social, e até pouco tempo raros eram os estudos 
sistemáticos sobre o assunto, o que, de acordo com Weber (1999), trouxe como 
conseqüência a generalização de casos dramáticos e a formação de preconceitos e 
estereótipos. A literatura internacional sobre adoção começou a se expandir 
principalmente na década de 1980, quando houve a divulgação de uma série de 
obras sobre o tema nas áreas de psicologia e psicanálise. A partir da década de 
1990 começou a ser produzida também uma literatura nacional sobre adoção, tendo 
sido discutida e debatida entre técnicos, assistentes sociais, psicólogos e pais 
adotivos (Abreu, 2002). Atualmente percebe-se uma crescente produção nacional e 
internacional sobre o tema, com a sistematização de dados obtidos através de 
pesquisas e experiências profissionais, tendo como foco diferentes aspectos do 
processo adotivo. 
 
1.1. Adoção: um pouco de história 
A adoção vem tendo diferentes significados, características e objetivos ao 
longo da história e em diferentes culturas. O mais antigo conjunto de leis sobre a 
adoção conhecido está registrado no Código de Hammurabi (1728-1686 a.C.), e 
reflete a sociedade mesopotâmica do II milênio a.C. Esse Código autorizava uma 
mulher estéril a cuidar dos filhos nascidos de seu marido com outra mulher escolhida 
por ela (Cole e Donley, 1990, citados por Weber, 2001). 
Na Grécia e na Roma antigas a adoção era um instrumento de poder familiar. 
Como a herança só podia ser deixada para um descendente direto, aqueles que não 
tivessem filhos poderiam adotar, de modo que o adotado tornava-se um filho 
legítimo. Assim, a adoção era uma forma de dar ao chefe de família a possibilidade 
de escolher um sucessor, sendo um último recurso para a família escapar da 
extinção e perpetuar sua linhagem (Abreu, 2002). 
 10 
Nessa época a adoção também tinha como objetivo atender a um princípio 
religioso. Gregos e romanos acreditavam que os mortos exerciam uma grande 
influência sobre os vivos, e para que as relações entre mortos e vivos pudessem 
ocorrer de maneira conveniente, era realizado pelo chefe de família um culto aos 
ancestrais. E como apenas os homens podiam realizar esse culto, a adoção permitia 
que a família de um homem sem descendência masculina pudesse perpetuar as 
homenagens aos que haviam partido (Abreu, 2002). 
Por meio da adoção era possível ainda criar um laço de parentesco entre um 
pai e seus filhos ilegítimos, e também possibilitar a ascensão de um indivíduo a uma 
posição social superior, como, por exemplo, um plebeu tornar-se patrício (Robert, 
1989, citado por Weber, 2001). 
A adoção realizada com objetivos políticos também era muito comum na 
antigüidade. A adoção permitia que um homem adquirisse a condição de pai de 
família, exigida por lei, para ocupação de cargos públicos, e era também uma forma 
de continuar a tradição política de uma família. Na história de Roma a adoção teve 
um papel importante na formação de dinastias governantes, pois muitos imperadores 
e governantes romanos foram adotados ou adotaram (Veyne, 1990; Fulchiron e 
Murat, 1988; citados por Weber, 2001). 
No direito romano, base inspiradora do direito ocidental, havia três tipos de 
adoção: a adrogatio, a adoptio, e a adoção por testamento. Através da adrogatio um 
chefe de família podia adotar uma família inteira, de modo que o adotado (ad-
rogado) entrava com toda a sua família para a família do adotante (ad-rogante). 
Essa forma de adoção era um ato de direito público, e mexia com a estrutura da 
sociedade, pois além de extinguir famílias, ela permitia um ganho de poder dentro da 
comunidade por parte de quem adotava. Para que a adrogatio acontecesse o ad-
rogante não podia ter filhos, e nem ser capaz de gerá-los, e era realizada uma 
audiência pública, sendo necessário haver o consentimento do ad-rogante, do ad-
rogado e do povo (Abreu, 2002). 
A adoptio era um ato de direito privado, e tinha bem menos importância 
política, econômica e religiosa que a adrogatio, pois apenas o adotado era 
submetido ao pátrio poder do adotante, ficando a família do adotado desvinculada 
do ato. Através da adoptio um homem podia adotar meninos ou meninas, de mesma 
nacionalidade ou estrangeiros, por meio de escritura em tabelionato, sendo a 
transação realizada entre o pai biológico e o adotante, sem necessidade de 
 11 
participação e concordância popular. A única condição era que o adotante tinha que 
ser pelo menos 18 anos mais velho que o adotado. Essa forma de adoção objetivava 
encontrar pessoas capazes de continuar o nome da família, perpetuar o culto aos 
ancestrais, ou então dar uma criança a um casal sem filhos (Abreu, 2002). 
Segundo Abreu (2002) não se sabe ao certo como funcionava a adoção por 
testamento, mas um exemplo desse tipo de adoção é o fato de Júlio César ter 
adotado Otávio através de seu testamento, conferindo-lhe o uso do nome e o 
privilégio de ser filho de César. 
Abreu (2002) afirma que nas sociedades muçulmanas não era (e em algumas 
ainda não é) permitida a adoção, pois esta prática social teria sido proibida por Alá. 
De acordo com o Corão, “... Dos filhos adotivos de vocês, Ele (Alá) não os fez filhos” 
(citado por Abreu, 2002, p.142). Assim, apesar de a lei ter recebido diversas 
interpretações nas sociedades muçulmanas, a adoção adquiriu prioritariamente uma 
imagem ofensiva e negativa, tanto para quem adota como para quem é adotado. 
A literatura indica que durante a Idade Média a adoção entrou em declínio. A 
cristianização da Europa gradativamente acabou com o culto aos mortos, e a 
necessidade de adotar alguém para que essa função fosse desempenhada perdeu o 
sentido. Além disso, os filhos adotivos eram desinteressantes para a Igreja, pois a 
sua existência não lhe permitia exercer o direito sobre a herança. A Igreja, que 
exerceu grande influência religiosa e política na época, entendia a adoção como 
uma forma de legitimar filhos bastardos, e também como um meio de as pessoas 
terem filhos para ampará-las na velhice sem ter que recorrer ao matrimônio (Weber, 
1999; Abreu, 2002). 
Na Idade Média a linhagem passou a estar estreitamente vinculada aos laços 
sangüíneos, e a nobreza, que era o fundamento da ordem política e social, era 
considerada hereditária. A adoção era contrária ao sistema de feudos presente na 
época, no qual eram seguidos de forma estrita os termos de consangüinidade, com o 
direito feudal considerando imprópria a convivência entre senhores e rústicos ou 
plebeus em uma mesma família. Assim, a ideologia consangüínea da Europa 
medieval acomodava muito mal a adoção, de modo que entre 800 e 1800 há um 
verdadeiro eclipse das diversas legislações referentes à adoção (Abreu, 2002; 
Weber, 1999). 
Apesar de não existirem registros precisos sobre adoção na Idade Média, 
Ariès (1981) ressalta que nessa época era comum famílias de algumas regiões 
 12 
européias enviarem seus filhos para casas de outras famílias. As crianças 
permaneciam em suas próprias casas até cerca de 7 anos, depois iam morar na 
casa de outras pessoas, onde desempenhavam funções domésticas. Isso tinha 
como objetivo a educaçãoe socialização das crianças, pois se entedia que a criança 
deveria ser misturada aos adultos para aprender a vida diretamente, através do 
contato com eles. Essa era a forma de transmissão dos valores e do conhecimento. 
Segundo Ariès (1981), durante a Idade Média a família era uma realidade moral e 
social, mais do que sentimental, e somente a partir do século XVII houve uma 
mudança considerável em relação ao tratamento da criança. A partir do século XVII 
houve uma maior aproximação das crianças com suas famílias, e a família acabou 
modificando-se na medida em que começou a se organizar em tono da criança e a 
lhe dar uma grande importância. Porém, apesar dessa transformação nas relações 
familiares no que se refere à criança ocorrida a partir do século XVII, a prática de 
entregar os bebês para serem criados por amas de leite se manteve até o fim do 
século XIX, ou seja, até quando o leite animal passou a ser utilizado sem restrições 
na alimentação das crianças. 
A adoção reapareceu de forma discreta na Europa no final do período 
medieval, e em 1804 a adoção como prática prevista pelo direito volta aos códigos 
europeus, primeiramente ao Código de Napoleão, no direito francês. Como 
Napoleão não tinha filhos, ele fez pressão pessoal para que a adoção entrasse no 
Código Civil, pois queria deixar descendência (Abreu, 2002). Porém, nesse período 
a adoção apresentava uma regulamentação bastante rígida, sendo utilizada 
principalmente para fins de sucessão e de garantia de patrimônio: era permitida 
apenas a adoção de maiores (a maioridade ocorria aos 23 anos); o adotado não 
pertencia à família do adotante e somente garantia os efeitos de sucessão; o 
adotante deveria ter mais de 50 anos, ser estéril e ser pelo menos 15 anos mais 
velho que o adotado; uma pessoa com menos de 23 anos poderia ser adotada por 
testamento por alguém que a tivesse criado por pelo menos 6 anos antes de morrer; 
e a adoção era permitida sem a condição da idade para alguém que tivesse salvado 
a vida do adotante (Hauser e Weiller, 1989, citados por Weber, 1999). 
Segundo Weber (2001), a partir do Código de Napoleão a adoção começou a 
caminhar para um novo rumo, visando não apenas atender os interesses dos 
adotantes, mas também os dos adotados, por ocasião da morte dos pais. 
 13 
A maioria dos países europeus construiu suas leis baseadas no código 
Romano e, posteriormente, no Napoleônico, seguindo os princípios acima descritos. 
Isso não aconteceu com a Inglaterra, de modo que a adoção não existiu 
juridicamente neste país entre os séculos XVIII e XIX. Apesar disso, existia na 
Inglaterra a prática de enviar crianças a famílias substitutas como aprendizes e 
trabalhadores domésticos, e nessas famílias as crianças poderiam criar laços 
afetivos e definir sua posição social. A maior barreira à introdução da adoção na lei 
comum estava em conflito com o princípio da herança, pois as terras só podiam ser 
transmitidas a pessoas ligadas por laços de sangue, não podendo ser dadas por 
simples vontade do proprietário (Weber, 1999). Devido a isso, somente em 1926 a 
adoção foi criada no sistema legal inglês através de um estatuto, e apenas em 1969 
um outro estatuto removeu todas as restrições à herança por parte de pessoas 
adotadas (Cole e Donley, 1990, citados por Weber, 1999). 
A lei norte americana foi derivada das leis inglesas que não previam a 
adoção, e as primeiras regulamentações relacionadas às crianças e famílias 
substitutas nos Estados Unidos surgiram após a utilização indiscriminada da mão de 
obra barata de crianças órfãs e abandonadas. Massachusetts, em 1851, foi o 
primeiro estado a criar uma lei destinada a proteger essas crianças, e em 1917 o 
estado de Minessota aprovou um código de menores que contemplava a criança 
adotada (Pilloti, s/d, citado por Weber, 1999). 
Weber (2001) informa que a adoção começou realmente a adquirir um sentido 
mais social, voltando-se aos interesses do adotando, após a Primeira Guerra 
Mundial, com o grande número de crianças órfãs e abandonadas. Após a Segunda 
Guerra Mundial esse interesse público pela adoção foi limitado a crianças pequenas, 
e tornou-se evidente uma maior objeção do público em relação à “ilegitimidade” e ao 
“sangue mau” trazido pela criança. Segundo Cole e Donley (1990, citados por 
Weber, 1999), essas objeções têm relação com o desenvolvimento, na época, de 
teorias psicológicas que falavam sobre inteligência hereditária e sobre a 
irreversibilidade dos efeitos causados por um desenvolvimento inicial pobre. 
 Com o início da Segunda Guerra Mundial a legislação francesa, por exemplo, 
criou juridicamente a Legitimação Adotiva, por meio da qual a criança abandonada, 
órfã ou filha de pais desconhecidos, menores de 5 anos, deixava de pertencer à sua 
família de origem e adquiria de modo irrevogável a condição de filho legítimo dos 
 14 
adotantes. Em 1966 o sistema legal foi aperfeiçoado e a legitimação adotiva foi 
substituída pela adoção plena (Weber, 2001). 
 A partir do que foi exposto é possível perceber que, em vários países, muitas 
das conquistas legislativas em relação à adoção são recentes, tendo ocorrido com 
maior ênfase apenas nos séculos XIX e XX. Além disso, muitos desses avanços 
foram conquistados tendo como foco o interesse dos adotantes, visando 
principalmente dar um descendente àqueles que não tinham condições de tê-lo, seja 
para perpetuar a família, por questões de herança, por objetivos políticos, entre 
outros. Nota-se que o interesse do adotado só começou a ganhar ênfase a partir do 
momento em que as precárias condições de existência de muitas crianças e 
adolescentes, provenientes de países em guerra, ou vítimas de abandono, maus 
tratos, exploração, entre outros, se tornaram um problema para vários países, e 
começaram a ganhar visibilidade em âmbito mundial. A partir daí a adoção começou 
a ser vista também como um meio de dar uma família a uma criança ou adolescente 
que não a possuía. 
 
1.2. Abandono 
Quando se fala em adoção, muitas vezes deve-se levar em conta uma história 
precedente de abandono (Rizzini, 1999; Albornoz, 2001). Freire (1991a) afirma que, 
embora seja certo que o fenômeno do abandono de crianças sempre é mais intenso 
e acentuado na eclosão de grandes catástrofes e crises sociais, é possível perceber 
a sua presença constante, em todas as épocas e em praticamente todas as 
sociedades, mesmo em momentos sociais de maior estabilidade. Assim, através da 
história, verifica-se que o abandono de crianças constitui uma constante 
preocupação dos poderes instituídos, que procuraram através de inúmeras medidas, 
dar uma resposta adequada à situação aflitiva das crianças. 
Desde a antigüidade existem casos de pais que abandonam ou doam seus 
filhos, e de pessoas que se interessam em acolher essas crianças. Assim, a 
organização social de diferentes culturas buscou maneiras de implementar outros 
tipos de relações familiares que não as biológicas, muitas vezes com atos jurídicos 
para a criação de laços de parentesco (Weber, 2001). 
Alguns povos, como os Bárbaros, os Hebreus e os Egípcios, recolhiam as 
crianças sem pais e cuidavam delas como se fossem filhos legítimos. Outros, dentre 
eles os Persas, os Assírios, os Gregos e os Romanos, faziam um rígido controle 
 15 
demográfico, ficando a cargo do pai ou do Estado o poder de decidir se o recém 
nascido viveria, seria jogado à rua ou seria morto. Das crianças que eram jogadas à 
rua, algumas eram recolhidas e adotadas por outras pessoas, algumas eram 
vendidas e outras morriam (Soulé e col., 1962, citados por Weber, 2001). 
Na Roma antiga o direito paterno sobre os filhos era ilimitado, e o pai decidia 
se queria ficar com o filhoou se este seria abandonado. As crianças que eram 
abandonadas eram deixadas em vias públicas, e aquelas que sobreviviam quase 
sempre eram recolhidas por alguém. Porém, esse acolhimento não servia para que 
uma família desse um lar a um desamparado, pois as crianças eram recolhidas por 
sua força de trabalho eventual, ou ainda para serem vendidas como escravas ou 
prostitutas (Abreu, 2002; Weber, 1999). 
No tempo do imperador romano Justiniano foram criadas leis de proteção 
direta às crianças abandonadas, e criadas instituições para acolhimento e proteção 
dos menores sem amparo (Freire, 1991a). 
Com a chegada do cristianismo passou a haver uma maior proteção dos 
fracos por parte dos cristãos, e as autoridades se viram na obrigação de mudar suas 
atitudes e leis em relação às crianças. Constantino, ao final do Império Romano, 
reconheceu a religião católica e escreveu a primeira lei contra o infanticídio (Roig e 
Ochotorena, 1993, citados por Weber, 1999). No entanto, Weber (1999) afirma que 
essa mudança demorou a acontecer na prática, e segundo Ariès (1981), ainda na 
Idade Média a criança era reconhecida como uma espécie de adulto em miniatura, 
não havendo uma consciência da particularidade infantil. Segundo o autor, o 
sentimento de infância tal como o conhecemos na atualidade, ou seja, a consciência 
da particularidade infantil que distingue a criança do adulto, não existia na Idade 
Média, tendo surgido apenas nos séculos XV, XVI, e com força definitiva no século 
XVII. 
Freire (1991a) afirma que na Idade Média os grandes senhores davam auxílio 
às crianças abandonadas no território sob a sua autoridade mediante proteção e 
apoio dado às instituições destinadas a cuidar dos desamparados. No entanto, foi no 
seio da Igreja que sempre foram suscitadas e se desenvolveram as iniciativas de 
maior destaque a favor das crianças abandonadas. As ordens religiosas femininas, 
principalmente, dedicavam-se com freqüência a acolher crianças abandonadas, a 
protegê-las e a ensiná-las nas primeiras idades. 
 16 
Ao longo da história várias razões de natureza moral ou material acabavam 
acarretando inúmeros abortos, infanticídios e nascimentos clandestinos com 
posterior abandono do bebê. Durante a Idade Média foi criado um mecanismo social 
que buscava solucionar esse problema. Tal mecanismo, denominado Roda dos 
Expostos ou Enjeitados, possibilitava a qualquer pessoa abandonar uma criança 
sem ser identificada. A Roda, fixada no muro de determinadas instituições, tinha 
forma cilíndrica, e em sua abertura externa depositava-se o bebê que seria 
abandonado. Girava-se a Roda de modo que a criança fosse parar dentro da 
instituição que a acolheria, sem que a pessoa que abandonou pudesse ser vista. 
Essa era uma maneira de estimular o expositor a não abandonar o bebê indesejado 
nas ruas ou florestas, na tentativa de aumentar as chances de vida da criança. A 
Roda dos Expostos existiu em vários países até os séculos XIX e XX, tendo sido 
ostensivamente utilizada no século XIX, quando o abandono de crianças atingiu seu 
ápice (Weber, 1999). 
No século XIX, o advento das idéias liberais trouxe consigo uma nova 
concepção de Estado, imprimindo maior responsabilização deste nos problemas da 
assistência. A partir daí passou-se a observar um empenho direto dos poderes 
públicos na criação de instituições e na organização de sistemas de proteção às 
crianças (Freire, 1991a). 
Apesar de terem sido criadas medidas contra o abandono de crianças e em 
prol do seu bem estar ao longo da história, a criança só adquiriu status de sujeito de 
direitos, segundo Weber (1999), no século XX. A Assembléia Geral da Organização 
das Nações Unidas (ONU) aprovou nos Estados Unidos, em 1959, a Declaração 
Universal dos Direitos da Criança, e 1979 foi considerado o Ano Internacional da 
Criança, ano no qual ocorreu um intenso processo de compreensão dos direitos da 
infância a partir da Comissão de Direitos Humanos da ONU. Em 1989, a Convenção 
dos Direitos da Criança, que estabelece padrões mínimos legais e morais para a 
proteção dos direitos infantis, foi adotada unanimemente pela Assembléia Geral da 
ONU. 
Freire (1991a) afirma que atualmente são desenvolvidas em diversos países 
políticas de combate ao abandono de crianças, através de medidas jurídico-penais e 
de programas de proteção e apoio às mães, em especial às mães solteiras, alvo 
particular de atenção. 
 
 17 
1.2.1. Abandono no Brasil 
Marcílio (1997) registra que o fenômeno de abandonar os filhos é tão antigo 
como a história da colonização brasileira. Desde os tempos coloniais são registrados 
casos de bebês expostos nas ruas, freqüentemente devorados por animais (Rizzini, 
1999, Venâncio, 2004). Venâncio (2004) afirma que nos dois primeiros séculos de 
colonização a regra era a “circulação de crianças”, ou seja, o envio das crianças 
desamparadas para domicílios de famílias com mais recursos, ou que pelo menos 
não vivessem na pobreza extrema. A situação começou a mudar no fim do século 
XVII e início do XVIII, pois a descoberta de áreas produtoras de ouro nos sertões 
levou ao crescimento de cidades e vilas, e fez aumentar os registros de casos de 
bebês deixados nas calçadas, terrenos baldios ou depósitos de lixo. O crescimento 
urbano colonial fez com que a prática da “circulação de crianças” ficasse saturada, e 
as leis portuguesas mandavam as Câmaras e Santas Casas de Misericórdia acolher 
os abandonados. Assim, em 1726 em Salvador foi copiado o modelo europeu da 
Roda dos Expostos ou Enjeitados, o dispositivo rotatório que permitia o abandono 
anônimo de bebês, sendo expandido esse mecanismo por várias regiões do país. A 
Roda dos Expostos existiu até 1950 no Brasil, último país do mundo a aboli-la 
(Weber, 2001). Apesar de ser uma alternativa ao infanticídio, esse tipo de sistema 
não garantia bons resultados, pois a grande maioria dos bebês falecia nos primeiros 
meses de vida. A mortalidade dos expostos da Misericórdia era tão assustadora que 
foi alvo de atenção da medicina higienista da época (Lobo, 2003). Os que tinham a 
sorte de sobreviver, algumas vezes retornavam à família de origem, por solicitação 
dos pais, ou eram apadrinhados, tendo a chance de dispor de uma moradia 
permanente, ou ainda se tornavam, na idade adulta, braços para o trabalho forçado 
nas milícias e nos navios (Lobo, 2003; Venâncio, 2004). 
 Assinala Venâncio (2004) que o abandono era uma prática essencialmente 
urbana, apesar de a maioria da população brasileira do período colonial ser do meio 
rural. Durante o século XVIII o abandono chegou a atingir 25% dos bebês nascidos 
em alguns centros urbanos. O ato de abandonar as crianças era raro entre os 
escravos, pois todos os filhos de escravos podiam ser vendidos assim que nasciam. 
Entre a população livre e pobre rural, o abandono de crianças também era incomum, 
pois eles contavam com uma agricultura de subsistência, e os filhos eram mão de 
obra valiosa para os que não possuíam escravos. 
 18 
No Brasil colonial, a criança algumas vezes era abandonada em função da 
morte repentina dos pais, pois não havia na época orfanatos para recém nascidos. A 
morte de mulheres no parto era tão comum que se tornou norma que as mulheres 
que fossem dar à luz recebessem a extrema unção. Outro motivo para se enjeitar 
uma criança era a questão moral, pois quando uma mulher branca solteira ficava 
grávida, ela e o filho poderiam ser mortos pelos pais ou irmãos, de modo que a 
gravidez e o parto clandestinos, com posterior abandono da criança, era uma 
alternativa à condenação amparada na moral patriarcal. A opção de ter o filho e 
abandoná-lo muitas vezes se mostrava mais viável que práticas abortivas, poisapesar de estas existirem no período colonial, elas traziam conseqüências 
devastadoras para a saúde feminina – mulheres grávidas tentavam abortar pulando 
de lugares elevados ou ingerindo plantas tóxicas –, práticas estas que podiam ser 
equiparadas a tentativas de suicídio. A falta de recursos financeiros também levava 
ao abandono da criança, ainda mais se esta apresentasse problemas físicos ou 
mentais, pois isso significava perigo à sobrevivência econômica familiar (Venâncio, 
2004). 
Venâncio (2004) afirma que o que provocava inquietação no abandono de 
bebês nas calçadas e ruas das cidades não era tanto a violência implícita no gesto, 
mas o risco de a criança morrer antes de ser batizada. O batismo era a segurança 
de que a criança seria “mais um anjinho no céu” (p.43). 
Segundo Rizzini (1999), ao longo dos séculos diversos segmentos ligados à 
Igreja, aos grupos filantrópicos e ao Estado manifestaram preocupação em relação 
às crianças abandonadas, pois o abandono, particularmente o abandono moral, era 
visto como uma das principais causas que conduziriam ao vício e à criminalidade. 
Percebia-se a importância de se investir nas crianças enquanto ainda eram 
facilmente moldáveis, para transformá-las em indivíduos trabalhadores e úteis para o 
progresso do país. 
Weber (1999) afirma que quando se trata do abandono de crianças no Brasil 
não é possível analisar somente as variáveis psicológicas ou emocionais da pessoa 
que abandona, pois existe um conjunto de determinantes históricos, culturais, sociais 
e econômicos que devem ser considerados. É preciso referir-se aos contextos 
macroeconômicos e às políticas governamentais insuficientes que não conseguem 
proteger os amplos setores da população que estão na pobreza extrema. 
 19 
No Brasil há pelo menos um século a criança tornou-se objeto de ações que 
visavam sua proteção, surgindo leis, medidas e instituições destinadas à sua 
assistência (Weber, 1999). Segundo Rizzini (1999) a adoção não constitui uma 
solução, mas uma das possibilidades indicadas para aqueles que foram 
abandonados. Weber (1999) afirma que a adoção não tem o objetivo de resolver o 
problema do abandono, e que o principal combate deve ser contra as condições 
históricas, culturais, sociais e econômicas que levam a ele. No entanto essas 
medidas não são excludentes e podem ser pensadas simultaneamente. 
 
1.3. Institucionalização 
Quando se fala em institucionalização de crianças e adolescentes, de um 
modo geral estamos falando de um procedimento que engloba todos os casos em 
que crianças e jovens se encontram fora da família e recebendo atendimento 
institucional. Assim, podem ser incluídas aí situações de internamento: visando a 
privação de liberdade, voltadas para adolescentes em conflito com a lei; destinadas 
a tratamentos de casos específicos, de condições físicas ou mentais (por exemplo, 
crianças e jovens com patologias ou portadores de deficiências); ou voltadas para 
crianças e adolescentes que se encontram em situações consideradas de risco 
pessoal e social (abandono, violência doméstica, entre outros), que por algum 
motivo não tem condições de permanecer com sua família de origem (Rizzini e 
Rizzini, 2004). No presente trabalho será abordada mais especificamente essa 
última modalidade de institucionalização. 
De acordo com Weber (1999), a institucionalização de crianças e 
adolescentes é um dispositivo jurídico-técnico-policial criado com base na 
justificativa de abrigar e proteger a criança e o jovem abandonado. Porém a maior 
finalidade do internamento tem sido o afastamento dessas crianças e adolescentes 
marginalizados do convívio social, servindo mais aos interesses da sociedade. 
Trindade (1984) ressalta que, com um regime disciplinar e autoritário, a instituição 
surge para atender a criança que tem problema, tendo, dentre outras funções, a de 
domesticar a criança, não apenas estabelecendo padrões definidos de conduta, mas 
também procurando impedir a ocorrência de qualquer desvio de comportamento que 
pudesse afetar a ordem estabelecida. Também Rizzini e Rizzini (2004) ressaltam 
que as iniciativas de internamento estiveram prioritariamente entrelaçadas a 
objetivos de assistência e controle social de uma população representada 
 20 
socialmente como perigosa, e ainda hoje a reclusão continua vigente para as 
categorias consideradas ameaçadoras à sociedade. 
Weber (2001) afirma que, a partir do século XVII, quando se pensava em 
proteção à infância pensava-se em instituições. A partir de meados do século XIX 
esse modelo institucional começou a ser questionado, e outras soluções alternativas 
começaram a ser pensadas como forma de proteção à infância, com a redução dos 
grandes complexos e a construção de unidades de abrigos menores, que mais se 
assemelhassem às condições de um ambiente familiar (Arpini, 2003). A 
institucionalização de crianças e adolescentes ainda é uma prática presente na 
atualidade, e apesar de menos fechado e ameaçador que o modelo tradicional, 
Arpini (2003) afirma que o ambiente institucional se manteve sempre denso, 
carregado de tristezas e mágoas. 
Segundo Rizzini e Rizzini (2004), é possível perceber algumas modificações 
no processo histórico das instituições no Brasil. No século XVIII a institucionalização 
era do tipo “internato de menores”, e visava principalmente a “educação de crianças 
pobres, fossem elas abandonadas, órfãs, indígenas ou negras” (p.15). No século 
XIX e XX predominou a idéia de reabilitação dos “menores abandonados e 
delinqüentes” (p.15), ou seja, daqueles que representavam um risco para a 
sociedade. Rizzini (1999) afirma que durante o século XX as políticas sociais em 
relação à infância e juventude pensadas e praticadas no Brasil priorizaram a 
internação em instituições fechadas, segregando crianças e jovens e 
impossibilitando o convívio familiar e comunitário. Com isso promoveu-se ainda mais 
o abandono de crianças, pois apesar de bem nutridas e abrigadas, elas não 
encontraram na vida institucional os cuidados pessoais de que necessitavam. 
Rizzini e Rizzini (2004) afirmam que a década de 1980 foi marcada por 
calorosos debates e articulações em todo o Brasil, e a cultura institucional vigente 
por tanto tempo começou a ser questionada. Com o Estatuto da Criança e do 
Adolescente, promulgado em 1990, o atendimento institucional sofreu mudanças 
significativas, e o abrigo ficou definido como uma medida de caráter provisório e 
excepcional de proteção para crianças em situações consideradas de risco pessoal 
e social. A mudança da terminologia empregada no ECA, que passou a denominar 
as instituições como unidades de abrigo, teve como objetivo rever e recriar diretrizes 
e posturas no atendimento à criança e ao adolescente, ou seja, provocar uma 
ruptura com práticas de internação anteriormente instauradas e profundamente 
 21 
enraizadas. Mas apesar disso, segundo as autoras, a cultura de internamento ainda 
hoje resiste em ser alterada, pois não foram criadas alternativas que efetivamente 
evitassem a separação de crianças de suas famílias e comunidades. 
Rizzini e Rizzini (2004) argumentam que a origem das crianças e 
adolescentes abrigados e as causas que os conduzem aos abrigos são semelhantes 
as do passado. Atualmente a população atendida pelos abrigos compõe-se de 
crianças e adolescentes: órfãos ou em situação de abandono familiar, ou seja, que 
não possuem mais qualquer vínculo com sua família de origem ou com parentes que 
possam se responsabilizar por seus cuidados; em situação de risco, ou seja, de 
adversidade e vulnerabilidade, como em casos de violência, crises familiares ou 
catástrofes, e que por esses motivos encontram-se impedidos de retornarao seu 
local de moradia, necessitando permanecer provisoriamente abrigados em outros 
locais; ou em situação de pobreza, ou seja, ainda hoje famílias recorrem ao Juizado 
e aos abrigos na tentativa de internarem seus filhos, alegando não terem condições 
para mantê-los. Apesar das semelhanças com o passado, as autoras afirmam que é 
possível observar algumas diferenças no que se refere à população atendida pelos 
abrigos hoje em dia, como por exemplo, o fato de predominarem internações de 
crianças e adolescentes que se caracterizam por um alto grau de mobilidade, ou 
seja, que transitam continuamente entre a casa, as ruas e os abrigos. Essa alta 
mobilidade que caracteriza a trajetória dessas crianças e adolescentes, segundo 
Rizzini e Rizzini (2004), parece ser provocada por fatores ligados ao contexto de 
violência urbana no país, em particular relacionados ao narcotráfico. 
De acordo com Arpini (2003), a qualidade do serviço prestado pelas 
instituições sempre foi objeto de crítica, e a proposta institucional de abrigo, 
proteção, amparo e formação nunca chegou a obter êxito. A instituição criou uma 
imagem negativa de seu próprio mundo, pois serviu de cenário para que muitas 
repressões, humilhações e violências acontecessem com a população interna, 
reproduzindo a mesma relação que a sociedade estabeleceu com essa população 
ao abandoná-la e isolá-la. 
Arpini (2003) ressalta que a imagem das instituições é semelhante à que se 
tem da própria população que as freqüenta, ou seja, uma imagem carente, 
abandonada, fracassada, desqualificada. A passagem por uma instituição marca 
negativamente a vida de crianças e adolescentes aos olhos da sociedade, e eles 
passam a ser vítimas de preconceitos. É como se o simples fato de terem vivenciado 
 22 
a situação de abrigo denunciasse que essas crianças e adolescentes não tiveram 
uma vida como era esperado, como se estivessem no limite de romper e transgredir. 
Não se considera que o fato de estarem em uma instituição muitas vezes não é 
resultado de uma ação cometida por eles, mas sim de uma violência social estrutural 
ou de abandono e violência praticados por suas famílias. 
Arpini (2003) sugere que o fato de a própria instituição estar contagiada pela 
ideologia do modelo familiar contribui para que as crianças e adolescentes 
internados sejam vítimas de preconceitos. Como a maioria das teorias em Psicologia 
aponta para a determinação da família na formação dos indivíduos, isso leva a 
pensar que, para as crianças abandonadas ou violentadas, não existiria uma 
perspectiva ou uma saída desejável, restando-lhes apenas uma instituição que não 
acredita, ela própria, em outra forma satisfatória de uma criança desenvolver-se 
saudável e integradamente. 
Costa e Caldana (2004) realizaram um estudo sobre a situação de 
abrigamento em instituição a partir da perspectiva de uma criança, e afirmaram que 
é como se o processo de institucionalização fosse um período caracterizado pela 
ausência de uma família, pois não haveria outra família a se pertencer além da de 
origem (geralmente localizada antes da institucionalização), ou da família que venha 
a adotá-lo (localizada depois da institucionalização). No abrigo esse sentimento de 
família parece não prevalecer, talvez pelo caráter de provisoriedade do mesmo e das 
poucas possibilidades de um contato mais personalizado com os educadores, ou 
seja, com as figuras que poderiam servir de modelo e propiciar um base segura de 
desenvolvimento. 
Vários autores afirmam que a criança institucionalizada é o protótipo dos 
resultados devastadores da ausência de uma vinculação afetiva estável e constante, 
e dos prejuízos causados por um ambiente empobrecido e opressivo ao 
desenvolvimento infantil (Weber, 1999, Kumamoto, 2001). Kumamoto (2001) 
ressalta que a criança abrigada em uma instituição muitas vezes enfrenta a angústia 
de uma separação com a família biológica, perdendo as “figuras de apego” e os 
referenciais de identificação, e o ambiente institucional não lhe permite a construção 
de vínculos substitutos devido à instabilidade das relações interpessoais construídas 
ali, comprometendo a socialização da criança. Segundo Albornoz (2001), a troca 
constante de cuidadores ou de instituições faz com que a criança viva intensas 
sensações de desamparo, abandono e insegurança, o que pode comprometer o seu 
 23 
desenvolvimento. Kumamoto (2001) acrescenta que quanto maior o tempo de 
privação socioafetiva, maiores serão as dificuldades da criança em adquirir as regras 
de comportamento que lhe permitam se adequar a uma família e à sociedade. 
Pesquisa realizada por Ebrahim (2001a), comparando grupos que realizaram 
adoções de bebês com grupos que realizaram adoções de crianças maiores, 
evidenciou que aqueles que optaram pela adoção de bebês apresentaram receios 
em adotar crianças provenientes de instituições. Entre os adotantes tardios, 88,9% 
não tinham receio em adotar crianças institucionalizadas, 29,3% sentiam-se 
preparados para lidar com quaisquer situações e 25% julgavam que o amor supera 
todos os obstáculos. O fato de a criança viver em instituições foi definido por 20,8% 
da amostra como um elemento de proteção e amparo, e não como um agravante 
para a adoção. 
Apesar de todas as críticas feitas ao modelo institucional de abrigo para 
crianças e adolescentes, Arpini (2003), a partir de uma reflexão sobre a realidade 
institucional desses abrigos no Rio Grande do Sul, com base no discurso dos 
próprios adolescentes internos, ressalta que esses adolescentes disseram que foi 
nas instituições que se sentiram protegidos da violência que viviam em suas 
famílias, de modo que mesmo a instituição não sendo desejada, quando ocorreu em 
suas vidas não teve a força negativa e destrutiva que se esperava. A autora ressalta 
que o período vivido em instituições muitas vezes foi menos traumático e doloroso 
para os adolescentes que aquele relativo à vivência familiar, e que, apesar de ser 
um lugar de passagem, a instituição pôde ser um local de tranqüilidade e apoio para 
os internos, até que suas vidas fossem reestruturadas. É importante ressaltar que a 
autora se referiu às instituições remodeladas pelo Estatuto da Criança e do 
Adolescente, que não apresentavam as características mais penosas das 
tradicionais casas de abrigo de menores. Mas isso não é garantia de que alguns dos 
vícios, abusos e violências característicos das instituições totais não se 
reproduzissem no novo modelo. 
Com esse estudo Arpini (2003) ressalta a importância de repensar, recuperar 
e investir no universo institucional, para que ele possa deixar de ser visto apenas 
como um lugar de fracasso, passando a ser visto também como um local de 
acolhimento, de afeto e proteção, pois muitas vezes esse universo se apresenta 
como uma alternativa para um grande grupo de crianças e adolescentes que vivem 
situações de violência em suas famílias. Segundo a autora, a instituição não é 
 24 
sempre vivida como um mau lugar, assim como a família não é sempre um lugar 
privilegiado e protetor. 
 Segundo Weber (1999), apesar de o internamento de crianças e adolescentes 
ser uma medida que deveria ser tomada como recurso extremo e por curto período, 
muitas vezes o que ocorre é o abandono dessas crianças e adolescentes nas 
instituições, onde acabam passando boa parte de suas vidas. Embora, nos termos 
jurídicos, o abandono seja caracterizado pela falta de assistência ou omissão dos 
pais, ou quando é destituído dos pais o seu poder familiar1 em virtude de uma 
sentença judicial, Weber (1999) considera que quando crianças ou adolescentes são 
colocados em um estabelecimento em regime de internato e não são assistidos pelafamília, são abandonados, ainda que não o sejam em termos jurídicos. 
Weber (1999) afirma que a maioria absoluta das crianças institucionalizadas 
são internadas pela própria família, e que a maioria dessas crianças deixadas nas 
instituições nunca recebem visitas de seus familiares. Ainda segundo Weber (1999), 
apesar de essas crianças estarem esquecidas nas instituições e de não receberem 
visitas, somente uma pequena parcela dos pais delas foi destituída do poder familiar, 
e apenas as crianças cujos pais foram alvo de tal decisão estão liberadas para 
adoção. A maioria das crianças, apesar de estarem abandonadas de fato, não estão 
abandonadas de direito, e por isso não estão liberadas para serem adotadas. Um 
exemplo disso é o fato de que, em São Paulo, uma mãe que abandona o filho recém 
nascido só perde o poder familiar depois de, no mínimo, três meses sem reclamar a 
criança (Mendonça e Fernandes, 2004, em reportagem da revista Época de 
23/08/04). Segundo Weber (1999), há um descaso das autoridades competentes 
(Instituições de Abrigo, Poder Judiciário e Promotoria Pública) em relação à tutela 
dessas crianças que estão em instituições, pois elas continuam internadas e 
abandonadas por seus familiares, e sem a possibilidade de serem adotadas. Daí 
resulta que muitas crianças e adolescentes ficam internados em instituições por um 
longo período de tempo, às vezes cerca de 18 anos, enquanto o Estatuto da Criança 
e do Adolescente afirma que, mesmo para adolescentes infratores, o período 
máximo de internamento deve ser de três anos (Weber, 1999). 
 
1
 O termo “poder familiar” passou a ser usado no lugar de “pátrio poder” a partir do novo Código Civil, que 
começou a vigorar em janeiro de 2003. Na época do antigo Código Civil, de 1916, quem exercia o poder sobre 
os filhos era o pai (por isso o uso do termo “pátrio poder”), e não se falava no poder dos pais (do pai e da mãe). 
Mas esta situação mudou, e hoje a responsabilidade sobre os filhos é de ambos os pais (Santos, 2005). O termo 
 25 
Com base em dados do IBGE, estima-se que 200 mil crianças e adolescentes 
brasileiros não tenham família, estando muitas delas internadas em abrigos 
(Mendonça e Fernandes, 2004, em reportagem da revista Época de 23/08/04). No 
entanto, apenas 5% das crianças nos abrigos estão disponíveis para adoção. Em 
declaração à revista Época (23/08/04), numa reportagem de autoria de Mendonça e 
Fernandes (2004), Gabriela Schreiner, diretora executiva do Centro de Capacitação 
e Incentivo à Formação de Profissionais (Cecif), afirmou que os abrigos são uma 
espécie de colégios internos de crianças carentes. Algumas crianças recebem visitas 
regulares de pais ou mães, que os mantém ali por falta de condição financeira. 
Outras, que não têm pais, são visitadas por tios ou avós, que não as tiram de lá nem 
as disponibilizam para adoção. Há ainda casos de crianças que são abandonadas e 
permanecem nos abrigos durante anos, e acabam se deparando com algum parente 
justamente quando estão para serem adotadas. 
 
1.4. Adoção no Brasil 
Gomide (1999) afirma que a adoção no Brasil foi tratada tradicionalmente 
como uma via de mão única, ou seja, buscava-se apenas atender aos anseios de 
adotantes. Essa forma de adoção, conhecida na literatura como “Adoção Clássica”, 
é geralmente motivada por infertilidade ou por esterilidade2, e elege como adotado o 
recém nascido com as mesmas características físicas dos adotantes (a imitar uma 
família biológica), visando solucionar a crise desses casamentos sem filhos. A partir 
do Estatuto da Criança e do Adolescente passou-se a privilegiar também o adotado, 
sendo priorizada a busca de famílias para as crianças e adolescentes que se 
encontravam em estado de abandono. Assim, passou a ser enfatizada a “Adoção 
Moderna”, que abrange a adoção tardia, inter-racial, de grupos de irmãos, entre 
outros, buscando resolver a crise da criança sem família. 
De acordo com Becker (2000), o desejo de exercer a parentalidade por parte 
de pessoas ou casais sem filhos biológicos muitas vezes é visto como uma 
necessidade, ficando de alguma forma implícito um “direito” dessas pessoas de 
 
“pátrio poder” só será usado no decorrer desse trabalho quando o texto se referir períodos em que vigorava o 
poder paterno sobre os filhos. 
2
 No texto “Infertilidade X Esterilidade” (sem autoria), no site http://www.ism.med.br/infertil/infxest.htm, 
encontra-se uma diferenciação entre os termos infertilidade e esterilidade. A infertilidade é a incapacidade de um 
ou de ambos os cônjuges de gerar gravidez por um período conjugal de no mínimo dois anos, por causas 
funcionais ou orgânicas, sem o uso de contraceptivos e com vida sexual normal. A esterilidade refere-se aos 
casos em que os recursos terapêuticos não proporcionam cura. 
 26 
adotarem uma criança. Desse modo, chega-se a colocar na mesma ordem de valor 
o direito da criança a ser criada e educada numa família e o “direito” dos adultos de 
“possuírem” os filhos que lhes teriam sido negados pela natureza. Essa percepção 
tem sido responsável, segundo Becker (2000), por uma inversão nos procedimentos 
da adoção, pois muitas vezes deixou-se de considerar as necessidades das crianças 
e passou-se a procurar crianças para satisfazer necessidades de adultos. 
Ebrahim (2001) assinala que, atualmente, tem sido bastante difundida uma 
“cultura da adoção”, com o objetivo de proporcionar um lar para crianças que não o 
tem, sem valorizar demasiadamente características como condições de saúde, cor, 
gênero e idade da criança ou adolescente a ser adotado. Porém o maior interesse 
no Brasil continua sendo pela adoção de bebês, e enquanto grande quantidade de 
crianças maiores continua sem família, os cadastros de candidatos à adoção 
pleiteiam crianças pequenas, ficando as crianças maiores à espera de pais, e os 
pais a espera de bebês. 
No Brasil, a adoção legal, que segundo A. Robert (1989, citada por Weber, 
1999) “é a criação jurídica de um laço de filiação entre duas pessoas”, é 
regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, e tem como principal 
objetivo encontrar uma família para crianças e adolescentes abandonados, tentando 
adequar a esse objetivo o interesse de pessoas que querem adotar. Além da adoção 
legal, é bastante conhecido também o sistema de adoção que foge à esfera jurídica, 
a chamada “adoção à brasileira”, que ocorre quando uma pessoa encontra uma 
criança e a registra como seu filho sem passar pelos trâmites legais da adoção. 
De acordo com Diniz (1991), a adoção pode ser definida como “... a inserção 
num ambiente familiar, de forma definitiva e com aquisição de vínculo jurídico próprio 
da filiação, segundo as normas legais em vigor, de uma criança cujos pais morreram 
ou são desconhecidos, ou não sendo esse o caso, não podem ou não querem 
assumir o desempenho das suas funções parentais, ou são pela autoridade 
competente, considerados indignos para tal” (p.67). 
Reppold e Hutz (2003) conceituam a adoção como a criação de um 
relacionamento afiliativo que envolve aspectos jurídicos, sociais e afetivos que a 
diferenciam da filiação biológica. Fu I e Matarazzo (2001) consideraram a adoção 
mais uma condição social e psicológica do que judicial, muitas vezes referindo-se à 
criança que não vive com os pais biológicos e que é criada por outras pessoas, por 
meio ou não de adoção legal, de tutela ou de guarda. Mas essa concepção ampliada 
 27 
de adoção deve ser usada com cautela, pois não correspondeao uso mais comum 
do conceito, tanto no contexto jurídico como em outros contextos sociais. 
Gagno e Weber (2002) afirmam que muitas vezes se usa o termo “filho de 
criação” para se referir a filhos adotivos, mas apesar de os termos “filho de criação” 
e “filho adotivo” serem usados indistintamente no senso comum, as autoras afirmam 
que a literatura sugere uma distinção entre eles. Na adoção – tanto legal como 
informal – a relação de filiação estabelecida é substitutiva à relação dada 
biologicamente, ou seja, a mãe biológica é substituída pela adotiva, enquanto nas 
famílias de criação a relação de filiação é geralmente aditiva, ou seja, os filhos 
“somam mães”, ao invés de uma substituir a outra. O filho de criação dispensa a 
preocupação com a evitação de relações com a família de origem, enquanto na 
adoção, via de regra, a família adotiva e a família biológica não se conhecem. A 
relação de criação, segundo Fonseca (2002a, 2002b) é uma alternativa de 
organização de parentesco que não é vista pelos pais biológicos como abandono, e 
nem vivida como tal pelas próprias crianças. A autora afirma que os etnólogos 
chamam a prática da criação de “circulação de crianças”, por causa do vai e vem de 
crianças entre as casas de diversas mães (madrinha, vizinha, etc.), e afirma que 
essa prática não deveria ser ignorada nas análises de organização de famílias de 
baixa renda no Brasil. 
Paralela a pouca distinção no senso comum entre adoção e criação, segundo 
Fu I e Matarazzo (2001) existem também outras variações no processo de adoção, 
como a distinção entre adoção extrafamiliar, quando a criança é adotada por 
pessoas que não têm relação de parentesco com nenhum de seus pais biológicos, e 
intrafamiliar, quando a criança está sob cuidados de pessoas que têm relação de 
parentesco com pelo menos um dos pais biológicos. Essas autoras afirmam que a 
distinção entre os vários tipos de adoção em relação aos adotantes é 
freqüentemente citada nos estudos, mas raramente foi investigada a influência 
dessas variações no desenvolvimento psicológico dos filhos adotivos. 
 Conforme Mendonça e Fernandes (2004), em reportagem da revista Época 
de 23/08/04, o número de adoções realizadas por brasileiros vem crescendo. Na 
cidade do Rio de Janeiro, o volume cresce desde 2000, em especial as adoções de 
crianças com mais de 4 anos, que são justamente as mais rejeitadas. De acordo 
com a reportagem, a classe média já não vê a adoção apenas como um plano 
 28 
secundário, e sim como mais uma das possíveis configurações familiares da 
atualidade. 
 
1.4.1. Aspectos legais 
De acordo com Abreu (2002), o conhecimento da legislação brasileira, desde 
seus primórdios, pode esclarecer como a adoção vem sendo vista entre nós, quais 
as funções atribuídas a ela ao longo da história, seu papel social, e o lugar ocupado 
por ela nas relações de parentesco. Segundo o autor, esse estudo pode indicar o 
que foi progressivamente sacralizado pela visão dominante nas diferentes épocas, e 
permitir analisar como aspectos que eram apenas uma das possibilidades de lidar 
com a adoção tornaram-se a única maneira de estar conforme a lei. 
Costa (1988, citado por Weber, 2001) registra que a adoção introduziu-se no 
Brasil a partir das Ordenações Filipinas, e o primeiro dispositivo legal a respeito da 
adoção foi a Lei de 22 de setembro de 1828. O autor afirma que eram raras as 
referências à adoção nos textos jurídicos até a elaboração do Código Civil de 1916, 
e a inclusão da adoção nesse código foi motivo de acirrada polêmica. De acordo 
com a Lei 3.071 de 01/01/1916 só os maiores de 50 anos, sem prole legítima, 
poderiam adotar; o adotante deveria ser pelo menos 18 anos mais velho que o 
adotado; a adoção não poderia ser realizada por duas pessoas, a não ser que 
fossem marido e mulher; não poderia ocorrer a adoção sem o consentimento da 
pessoa responsável pelo adotando caso ele fosse menor de idade ou interdito; o 
adotado, se fosse menor de idade ou interdito, poderia desligar-se da adoção no ano 
imediato ao fim da menoridade ou interdição; a adoção poderia ser desfeita quando 
conviesse a ambas as partes, ou quando o adotado cometesse ingratidão com o 
adotante; o parentesco resultante da adoção era limitado a adotante e adotado; a 
adoção continuaria a vigorar mesmo se o adotante viesse a ter filhos naturais, salvo 
se ficasse provado que no momento da adoção o filho natural já estivesse 
concebido; e com a adoção não seriam extintos os direitos e deveres resultantes do 
parentesco natural, com exceção do pátrio poder, que seria transferido do pai natural 
para o pai adotivo (Lacerda, 1922, citado por Weber, 2001). Durante a vigência do 
Código Civil, quando alguém desejava adotar legalmente uma criança, o 
procedimento era ir a um tabelionato e registrar a adoção através de escritura, diante 
de testemunhas e do tabelião, de modo que o adotante poderia estar presente ou 
mesmo ser representado por um procurador. Esse tipo de adoção ficou conhecido 
 29 
pela expressão “dar de papel passado” (Abreu, 2002, p.24). Segundo Weber (2001), 
as possibilidades de adoção incluídas no Código Civil de 1916 assemelhavam-se às 
do Código Napoleônico, sendo excessivamente rígidas, o que dificultava o seu uso 
social. Além disso, Abreu (2002) afirma que, até este momento, a adoção no Brasil 
estava situada dentro da esfera das relações privadas e familiares. 
Em 1927 foi promulgado o primeiro Código de Menores brasileiro, uma 
legislação especialmente voltada para crianças e adolescentes. Weber (2001) afirma 
que este Código não trouxe qualquer contribuição para a questão da adoção. 
Segundo Santos (2004), o Código de Menores de 1927 elegia como objeto de sua 
ação a infância e adolescência abandonada, delinqüente, ou carente, objetivando o 
seu controle, e enfatizava a institucionalização como forma de proteção. 
Em 1957 foi promulgada uma lei que trouxe importantes contribuições para a 
adoção, mas apesar de ter simplificado algumas exigências feitas pelo Código Civil 
de 1916, continuou sendo uma lei de difícil uso social (Weber, 2001). As principais 
modificações introduzidas pela Lei 3.133 de 08/05/1957 foram: a idade mínima do 
adotante foi reduzida de 50 para 30 anos; a diferença de idade exigida entre 
adotante e adotado passou de 18 para 16 anos; as pessoas casadas só poderiam 
adotar depois de decorridos 5 anos de casamento; e a adoção poderia ocorrer 
mesmo se o adotante tivesse filhos legítimos. Em relação à sucessão hereditária, se 
o adotado fosse filho único, receberia integralmente a herança; se os adotantes 
tivessem filhos naturais após a adoção, o adotado teria direito à metade do que 
coubesse a cada filho natural; se os adotantes já tivessem filhos antes da adoção, o 
filho adotivo não teria direito à herança (Weber, 2001). 
Com a Lei 4.655, de 1965, foi criada no Brasil a Legitimação Adotiva, ou seja, 
o filho adotivo passou a ter quase os mesmos direitos e deveres que o filho legítimo, 
exceto nos casos de sucessão hereditária em que concorresse com filho legítimo 
gerado posteriormente à adoção. A Legitimação Adotiva trouxe como principal 
inovação a preocupação com a criança adotiva, visto que essa criança poderia se 
tornar filha legítima de quem a adotasse (Weber, 2001). A partir daí passaram a 
coexistir duas modalidades de adoção, uma regida pelo Código Civil e a outra regida 
pela nova lei. De acordo com a nova legislação o limite máximo de idade da criança 
para que pudesse ocorrer a legitimação seria 7 anos, e poderiam ser legitimadas: a 
criança abandonada cujos pais fossem desconhecidos, tivessem declarado por 
escrito sua intenção de colocá-la para adoção ou tivessem sido destituídosdo pátrio 
 30 
poder; a criança órfã não reclamada por qualquer parente há mais de um ano; o filho 
natural reconhecido apenas pela mãe, impossibilitada de prover sozinha sua criação; 
a criança abandonada que estivesse sob os cuidados de uma instituição de 
assistência social; e a criança maior de 7 anos que ao completar essa idade 
estivesse sob a guarda dos legitimantes, mesmo que estes não preenchessem as 
condições exigidas por lei. Poderiam ser legitimantes: os casais com mais de 5 anos 
de matrimônio, sem filhos, e com pelo menos um dos cônjuges com idade superior a 
30 anos; pessoas viúvas com mais de 35 anos que já estivessem com a criança e 
comprovassem integração dessa criança ao lar; e pessoas desquitadas, desde que 
a guarda da criança houvesse começado durante o matrimônio, e que houvesse um 
acordo quanto à guarda após o término da sociedade conjugal (Chaves, 1966, citado 
por Weber, 2001). 
Em 1979 foi instituído um novo Código de Menores (Lei 6.697 de 10/10/1979), 
que trouxe mais progressos para a questão da adoção. Segundo Weber (2001), com 
esse Código passou a haver três procedimentos para a adoção: 
 A Adoção Simples, regida pelo Código de Menores, que dependeria de 
autorização judicial. Era voltada para os então chamados “menores em situação 
irregular”, lhes conferindo direitos restritos, e assumindo mais um caráter de 
controle social e proteção contra o risco representado por esses “menores”. Essa 
adoção deveria ser precedida de estágio de convivência pelo prazo fixado pela 
autoridade judiciária (em função da idade do adotando e das peculiaridades do 
caso), podendo ser dispensado o estágio de convivência se o adotando tivesse 
menos de um ano de idade; 
 A Adoção Plena, também regida pelo Código de Menores, que veio substituir a 
Legitimação Adotiva, criada em 1965, visando especialmente os interesses dos 
adotados. Por meio da Adoção Plena era atribuída ao adotado a situação de 
filho, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os 
impedimentos matrimoniais. Só poderia ser adotada a criança até 7 anos que se 
encontrasse em situação irregular, e a criança acima de 7 anos se há época em 
que completou essa idade já estivesse sob a guarda dos adotantes. De acordo 
com a legislação, a Adoção Plena só seria deferida após período mínimo de um 
ano de estágio de convivência, e poderiam adotar: casais, com ao menos um dos 
cônjuges com idade superior a 30 anos, e que tivessem mais de 5 anos de 
matrimônio – esse prazo seria dispensável se fosse provada a esterilidade de 
 31 
pelo menos um dos cônjuges – ; pessoas viúvas se provada integração da 
criança em seu lar com estágio de convivência de três anos ainda em vida do 
outro cônjuge; e pessoas separadas judicialmente, desde que tivesse havido um 
estágio de convivência de três anos na constância da sociedade conjugal, e que 
ambos acordassem sobre a guarda da criança. Ainda segundo a legislação, a 
sentença concessiva da adoção seria inscrita no Registro Civil, no qual constaria 
o nome dos pais adotivos como pais, bem como o nome de seus ascendentes; o 
registro original seria cancelado, e nas certidões de registro não poderia constar 
observação sobre a origem do ato; a sentença conferiria à criança o nome do 
adotante, e a pedido desde o prenome poderia ser modificado; e a adoção plena 
era irrevogável, e caso o adotante viesse ter outros filhos, o filho adotivo estaria 
equiparado a eles em seus direitos e deveres; 
 A Adoção do Código Civil, denominada também “adoção tradicional” ou “adoção 
civil”, que era feita através de escritura em cartório através de um contrato entre 
as partes. 
Esse novo Código, contrariamente às leis anteriores, traz algumas 
especificações quanto à adoção de crianças brasileiras por estrangeiros. Fica 
definido que os estrangeiros só podem realizar a Adoção Simples, ou seja, só 
podem adotar crianças em situação irregular, ou então a Adoção do Código Civil 
(Abreu, 2002). 
A década de 80 foi foco de um novo cenário político e social no país, e foi um 
período de calorosos debates e articulações, cujos frutos se materializaram em 
importantes avanços, tais como a Constituição Federal de 1988, que passou a incluir 
o artigo 227, sobre os direitos da criança. Nesse período ocorreram movimentos 
significativos de lutas pelos direitos humanos e de proteção à infância, e logo após a 
Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, realizada em 1989, o Brasil 
criou uma nova lei específica para crianças e adolescentes, com base no artigo 227 
da Constituição, com importantes inovações no que se refere aos direitos e deveres 
de crianças e adolescentes, e também em relação à regulamentação para a adoção 
(Weber, 1999). Em substituição ao Código de Menores de 1979, em 1990 foi 
promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), fruto de uma grande 
mobilização da sociedade civil. De acordo com Gomide (1999), quando o ECA foi 
aprovado, era notável a carência de textos acadêmicos que pudessem orientar os 
técnicos da área social na elaboração das diretrizes políticas e técnicas para o 
 32 
atendimento das crianças e adolescentes brasileiros, e isso era motivo de 
preocupação. Mas o ECA se mostrou um dos mecanismos legais mais avançados 
do mundo de proteção à infância e juventude, apesar de, na prática, suas diretrizes 
ainda não terem se efetivado satisfatoriamente, mesmo hoje, após 15 anos de 
promulgação. 
Desde 1990 o Estatuto da Criança e do Adolescente é a lei que regulamenta 
as adoções legais no Brasil. A partir do ECA passaram a existir apenas dois 
procedimentos para a adoção: a Adoção Plena, para os menores de 18 anos, que 
torna a criança ou adolescente adotado um filho com todos os direitos e deveres, e a 
Adoção do Código Civil , que continua a subsistir para os maiores de 18 anos. A 
Adoção Simples deixou de existir, pois o ECA passou a enfatizar a teoria da 
proteção integral à infância, em lugar da mera proteção ao menor em situação 
irregular. Assim, para as crianças e adolescentes toda adoção tornou-se plena e 
irrevogável. Com a implantação do ECA o termo menor caiu em desuso, pois ficou 
entendido que ele era utilizado para designar de modo preconceituoso as crianças e 
adolescentes procedentes de classes sociais mais baixas, desprovidas de cidadania 
(Weber, 2001). 
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (2001), a adoção atribui a 
condição de filho ao adotado, com todos os direitos e deveres, inclusive sucessórios, 
sendo proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. O filho 
adotivo fica desligado de qualquer vínculo anterior com pais e parentes. O adotante 
deve contar com no máximo 18 anos à data do pedido da adoção, a não ser que já 
esteja sob a guarda ou tutela dos adotantes. Podem adotar os maiores de 21 anos, 
independentemente do estado civil – pessoas solteiras, viúvas, concubinadas e 
divorciadas –,e a adoção por ambos os cônjuges poderá ser formalizada desde que 
pelo menos um deles tenha completado 21 anos de idade, comprovada a 
estabilidade da família. Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando, 
e é necessário haver no mínimo 16 anos de diferença entre o adotante e o adotado. 
Ainda de acordo com o ECA é permitida a realização de adoção póstuma, 
caso o pretendente à adoção venha a falecer no curso do processo, e a adoção 
unilateral, que ocorre quando um dos cônjuges adota o filho do companheiro. É 
interessante ressaltar que a adoção unilateral se inicia com um tipo de relação 
parental semelhante a de padrasto/madrasta, pois são casos de cônjuges que 
adotam filhos da primeira união do outro. Cabe salientar que na literatura (Oliveira, 
 33 
2002)se faz uma distinção entre pais adotivos e padrasto ou madrasta. Consideram 
pai/mãe adotivo (a) um indivíduo que provê cuidados paternos/maternos a uma 
criança que não pertence à sua prole genética, enquanto o padrasto ou a madrasta 
é aquele (a) que se ligou a um (a) companheiro (a) com prole dependente já 
existente. Ou seja, nos pais adotivos o interesse inicial é um desejo de serem pais, 
enquanto o padrasto ou madrasta tem como interesse inicial o cônjuge. 
O ECA afirma que a adoção depende do consentimento dos pais ou do 
representante legal do adotando, sendo este consentimento dispensado em relação 
à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido 
destituídos do poder familiar. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a 
suspensão ou perda do poder familiar nos casos em que os pais, injustificadamente, 
deixarem de cumprir seus deveres de sustentar, ter sob guarda e educar os filhos, 
submeterem-nos a abusos e maus tratos, ou, ainda, deixarem de cumprir 
determinações judiciais no seu interesse (Becker, 2000). Assim, segundo Becker 
(2000), pode-se dizer que a perda do poder familiar será decretada sempre que a 
manutenção da criança ou do adolescente junto aos pais representar sério risco ao 
seu desenvolvimento, à sua saúde ou até mesmo à sua vida. 
É importante ressaltar que, de acordo com o ECA, a falta ou carência de 
recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou suspensão do 
poder familiar, e não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da 
medida, a criança ou o adolescente deve ser mantido em sua família de origem, a 
qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio. Segundo 
Becker (2000) é comum ocorrer uma confusão conceitual entre abandono e pobreza. 
Costuma-se dizer que existem milhões de crianças abandonadas no Brasil, devido 
ao fato de existirem muitas crianças nas ruas ou em abrigos, às vezes passando 
fome e sem os cuidados básicos. Porém, a imensa maioria dessas crianças, mesmo 
as que estão nas ruas ou recolhidas em abrigos, possuem vínculos familiares, e 
estão nessas condições mais por uma questão de pobreza que de abandono. Muitas 
vezes o que as leva a essa situação de risco não é a rejeição ou a negligência por 
parte dos pais, e sim alternativas, às vezes desesperadas, de sobrevivência. Assim, 
não é adequado ver a colocação em família substituta como uma solução para a 
pobreza dessa população, visto que o que deveria ser feito, segundo a lei, seria uma 
inclusão dessas famílias pobres em programas oficiais de auxílio. Mas essa inserção 
em programas oficiais de auxílio, com o objetivo de possibilitar que a família 
 34 
biológica tenha condições de ficar com a criança, muitas vezes não acontece. De 
acordo com Mariano e Rossetti-Ferreira (2004), em uma pesquisa que objetivou 
caracterizar as famílias biológicas envolvidas em processos de adoção de crianças 
na Comarca de Ribeirão Preto – SP, muitas famílias biológicas foram destituídas ou 
delegaram o poder familiar por motivos associados à pobreza, e não foram 
observados, no entanto, registros de inserção dessas famílias em programas de 
auxílio (de reinserção no mercado de trabalho, de acesso a melhores condições de 
moradia, de profissionalização, entre outros), para que pudessem ficar com os seus 
filhos, de acordo com o que é estabelecido pelo ECA. Assim, fica evidente que a 
inserção em programas oficiais de auxílio, que muitas vezes não acontece, deve ser 
acompanhada por uma luta maior, por melhores condições de vida para toda a 
população, com a criação de políticas governamentais que visem garantir condições 
de vida adequadas aos amplos setores populacionais que estão na pobreza 
extrema. 
O ECA determina que, quando a adoção for uma solução viável, ela deve ser 
precedida de estágio de convivência, sendo o prazo estabelecido ao arbítrio do 
magistrado, de acordo com a necessidade de cada caso. O estágio de convivência 
pode ser dispensado se o adotando estiver com menos de um ano de idade, ou se já 
estiver sob a companhia do adotante por tempo suficiente para se poder avaliar a 
conveniência da constituição do vínculo. 
Conforme o Estatuto, sempre que possível a criança ou adolescente deverá 
ser previamente ouvido sobre a adoção, e a sua opinião devidamente considerada. 
Quando o adotando for maior de 12 anos, é necessário haver o seu consentimento 
para que a adoção seja efetivada. 
Quanto ao registro relativo ao processo, o ECA estabelece que o vínculo da 
adoção constitui-se por sentença judicial e será inscrito no registro civil, constando o 
nome dos adotantes como pais. O registro original do adotando será cancelado, e 
será feito um novo registro conferindo ao adotado o nome do adotante e, a pedido 
deste, poderá ser modificado o prenome. Nenhuma observação sobre a origem do 
ato poderá constar nas certidões de registro. A partir do ECA fica proibida a adoção 
por procuração, antes prevista pelo Código Civil, não sendo mais possível que um 
advogado represente os adotantes no momento da adoção. 
O ECA determina que a autoridade judiciária deverá manter em cada juizado 
ou foro regional um registro de crianças e adolescentes em condições de serem 
 35 
adotados, e outro de pessoas interessadas na adoção. O deferimento da inscrição 
será dado após prévia consulta aos órgãos técnicos do Juizado, ouvido o Ministério 
Público, e não será deferida a inscrição se o interessado não satisfizer os requisitos 
legais, se revelar, por qualquer modo, incompatibilidade com a natureza da medida, 
ou não oferecer ambiente familiar adequado. A adoção será deferida quando 
apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos. Na 
apreciação do pedido de adoção, e também nos demais casos de colocação em 
família substituta, será levado em conta o grau de parentesco e a relação de 
afinidade ou afetividade entre os envolvidos, a fim de evitar ou minorar as 
conseqüências decorrentes da medida. 
Nos termos do ECA, a colocação em família substituta estrangeira constitui 
medida excepcional, somente admitida na modalidade de adoção. O candidato 
estrangeiro deverá comprovar, mediante documento expedido pela autoridade 
competente do respectivo domicílio, estar devidamente habilitado à adoção, de 
acordo com as leis do seu país, bem como apresentar estudo psicossocial elaborado 
por agência especializada no país de origem. A adoção internacional poderá estar 
condicionada a estudo prévio e análise de uma Comissão Estadual Judiciária de 
Adoção (CEJA), à qual competirá a função de manter um registro centralizado de 
interessados estrangeiros na adoção. Antes de consumada a adoção não será 
permitida a saída do adotando do território nacional, e em caso de adoção por 
estrangeiro residente ou domiciliado fora do país, o estágio de convivência deve ser 
cumprido em território nacional, e será de no mínimo 15 dias para crianças menores 
de 2 anos, e de no mínimo 30 dias para maiores de 2 anos. Isso, segundo Abreu 
(2002), obriga o estrangeiro a passar alguns dias no Brasil sob a observação dos 
técnicos do judiciário, onde sua relação com a criança será observada. 
Atualmente há um projeto de lei apresentado pelo deputado federal 
catarinense João Matos (PMDB) que trata da Lei Nacional da Adoção. Esse projeto, 
que está sendo debatido no Congresso Nacional, tem como objetivo acelerar o 
processo de adoção nos juizados, que segundo o deputado pode demorar até 10 
anos. Entre os pontos mais polêmicos do documento está a determinação de um 
prazo para que seja julgada a destituição do poder familiar sobre uma criança 
mantida em abrigo, para que ela possa ser declarada apta para adoção. A críticaque se faz a esse ponto do projeto é que a adoção parece estar sendo apresentada 
como uma solução para o abandono de crianças em abrigos, porém muitas dessas 
 36 
crianças estão lá não por abandono, e sim por falta de condição financeira das 
famílias. Os que defendem o projeto chamam a atenção para a existência de uma 
geração de crianças que estão nos abrigos e não podem ser adotadas pois têm 
vínculos familiares (Neves, 2005, em reportagem do jornal A Tribuna de 16/01/05). 
A partir do que foi exposto nota-se que, assim como em vários outros países 
do mundo, a legislação sobre a adoção no Brasil tem um desenvolvimento muito 
recente, tendo obtido maiores avanços apenas no século XX. Somente em 1990, ou 
seja, há apenas cerca de 15 anos, o ECA equiparou definitivamente os direitos e 
deveres dos filhos adotivos aos dos filhos biológicos, tornando a adoção plena e 
irrevogável para todas as crianças e adolescentes, e proibindo quaisquer 
designações discriminatórias relativas à filiação. Fazendo uma reflexão acerca desse 
desenvolvimento legislativo relativamente tardio, percebe-se que no Brasil há um 
conjunto de condições que não favorecem que a adoção seja alvo de atenções. A 
população de crianças e jovens a ser adotada no país geralmente é proveniente de 
classes populacionais economicamente desfavorecidas, e sabe-se que as políticas 
governamentais geralmente não são direcionadas a essa parcela da população, e 
quando o são, se mostram insuficientes para atender sua demanda. Além disso, se 
há tantas crianças e adolescentes desprovidos de famílias e necessitando serem 
adotados, isso é indício de que as políticas governamentais não conseguem 
proteger os amplos setores da população que estão na pobreza extrema. Assim, 
falar de adoção é de certa forma colocar em evidência a insuficiência de políticas 
governamentais de amparo e assistência às camadas populares, que não dão 
subsídios para que essas pessoas possam ter condições de criar e educar seus 
filhos. 
 
1.4.2. Atuação no judiciário 
O Estatuto da Criança e do Adolescente aperfeiçoou o tratamento dado à 
adoção no Brasil, e trouxe novas diretrizes ao Juiz da Infância e Juventude, criando 
demandas inéditas aos profissionais que atuam no Judiciário, dentre eles o 
psicólogo (Cassin e Jacquemin, 2001). 
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, toda criança ou 
adolescente tem direito a ser criado no seio de uma família e, excepcionalmente, em 
família substituta, e só pode haver integração em família substituta quando 
 37 
esgotados os recursos de manutenção na família natural3. Desse modo, com o 
objetivo de garantir os direitos de crianças e adolescentes, quando estes tiverem por 
algum motivo sua convivência familiar abalada, são necessárias em primeiro lugar 
medidas visando à manutenção dos vínculos com a família natural, e apenas na 
impossibilidade de assim proceder, deve-se partir para a colocação em família 
substituta, tendo em vista os interesses e direitos das crianças e dos adolescentes 
em foco (Becker, 2000). 
Conforme o ECA, a colocação em família substituta é uma medida 
excepcional, que tem como função assegurar a convivência familiar de crianças e 
adolescentes que tiveram esse direito violado, isto é, que foram separadas de seus 
pais por motivos judicialmente conhecidos (Becker, 2000). Em geral destacam-se 
quatro motivos básicos que podem levar à colocação em família substituta: a morte 
dos progenitores, sendo que a criança ficará preferencialmente com membros da 
família ampliada (avós, irmãos, tios, entre outros), e apenas na ausência ou 
impossibilidade de tais parentes assumirem a criança, torna-se necessária a escolha 
de uma família substituta alheia ao círculo consangüíneo; quando mães sozinhas 
não desejam ou reconhecem não possuir condições para assumir a criação do filho, 
decidindo entregar a criança; quando há perda do poder familiar por parte dos pais; 
e quando os pais da criança são desconhecidos, ou se encontram em lugar 
ignorado, depois de empreendidos todos os esforços para localizá-los, sem êxito, ou 
ainda depois de localizados, ficar comprovado que tinham real e definitiva intenção 
de abandonar os filhos, havendo nesses casos a perda do poder familiar (Becker, 
2000). 
Assim, mais uma vez segundo o ECA, quando os pais biológicos forem 
desconhecidos, devem ser esgotados os recursos para que estes sejam 
encontrados, antes de se decretar a perda do poder familiar, e de se liberar a criança 
para ser colocada em família substituta. Mas, segundo Mariano e Rossetti-Ferreira 
(2004), a partir de uma pesquisa que objetivou caracterizar as famílias biológicas 
envolvidas em processos de adoção de crianças na Comarca de Ribeirão Preto – 
SP, ficou evidenciado que nos processos avaliados, não foram esgotados os 
recursos para que os pais biológicos fossem encontrados antes de perderem o 
poder familiar. Segundo as autoras, a busca pelos pais biológicos geralmente é 
 
3
 O termo “família natural” é usado, no Estatuto da Criança e do Adolescente, para diferenciá-lo do termo 
“família substituta” (Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, 2001). 
 38 
inadequada, pois a intimação é feita pelo Diário Oficial, não levando em conta que 
grande porcentagem dessa população é analfabeta, e que uma mínima 
porcentagem tem acesso a essa publicação. Assim, segundo as autoras, não se 
busca a reinserção da criança nas famílias biológicas, nem o desenvolvimento de 
recursos familiares próprios para a manutenção dos filhos. Essa questão nos remete 
a outra discussão, feita anteriormente, de que muitas crianças estão esquecidas nas 
instituições, não sendo acompanhadas por seus familiares, e não podendo ser 
adotadas pois seus pais não foram destituídos do poder familiar. Para que esses 
pais possam ser destituídos do poder familiar, é necessário que sejam esgotados os 
recursos para que estes sejam encontrados, pois a prioridade, segundo o ECA, é a 
manutenção da criança na família de origem. Assim, ou não são empreendidos 
esforços na busca da família de origem da criança, e esta permanece na instituição 
sem poder ser adotada, ou quando são feitas buscas pelos pais biológicos, muitas 
vezes estas se mostram inadequadas, havendo a possibilidade de os pais biológicos 
da criança serem destituídos de seu poder familiar sem ficarem sabendo, mesmo 
tendo a possibilidade de serem encontrados e, quem sabe, de ficarem com a 
criança. 
O ECA destaca três modalidades de colocação em família substituta: a 
guarda, a tutela e a adoção. A guarda tem o caráter de provisoriedade, e obriga à 
prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, 
dando ao seu detentor o direito de se opor a terceiros, inclusive aos pais. Becker 
(2000) afirma que, de um modo geral, a guarda é concedida nos casos em que os 
requerentes aguardam decisão judicial sobre concessão de tutela e adoção, em 
casos de suspensão do poder familiar, enquanto se procede ao atendimento dos 
pais biológicos visando à restauração dos vínculos ou à decisão definitiva sobre a 
perda do poder familiar, nos casos em que a adoção não se aplica ou é inviável, 
entre outros. 
A tutela é aplicada geralmente no sentido de encarregar aqueles que 
sucedem os pais no exercício do poder familiar, quando este é retirado dos pais por 
determinação judicial ou em casos de orfandade, e implica a administração dos bens 
e o dever de guarda. A tutela é preferencialmente cedida a pessoas do grupo 
familiar (avós, irmãos maiores, tios, entre outros), podendo ser conferida a outros na 
ausência ou impossibilidade dos familiares. Diferentemente

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