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FH - UFG Thales Fernandes Prof. Dr. David Maciel FICHAMENTOS: ELEY, Goff. “1968: entretanto, ela se move”. In: Forjando a Democracia: a história da esquerda na Europa (1850-2000) . São Paulo: Fundação Perseu, 2005, p. 395-420. E, do mesmo autor: “Gorbatchev, o fim do comunismo e as revoluções de 1989”, no mesmo livro, p. 491-520. ● 1968: entretanto, ela se move: “No dia 2 de Janeiro, Fidel Castro, o líder carismático de Cuba, declarou ser 1968 o Ano da Guerrilha Heróica em homenagem a Ernesto Che Guevara, morto na Bolívia no outubro anterior.” (p. 395) “Enquanto isso, a Ásia Oriental atraía as atenções, desde a Revolução Cultural na China (1965-69) até as agitações estudantis contra o navio norte-americano Enterprise no Japão e a tomada do navio-espião norte-americano Pueblo na Coreia do Norte. No dia 30 de janeiro, a Frente Nacional de Libertação, ou Vietcongue, lançou a Ofensiva do Tet contra as principais cidades do Vietnã do Sul, levando a crise à política norte-americana.” (p. 395) “O radicalismo europeu em 1968 era totalmente internacionalista, inspirado pelos movimentos revolucionários não-ocidentais ou pela raiva contra os Estados Unidos contra-revolucionários.” (p. 395) “Em termos práticos, o mundo havia encolhido pelas viagens e comunicações, e, em termos culturais, pelo gosto e pelo estilo. A televisão foi fundamental.” (p. 395) “Em 5 de janeiro, Antonin Novotny, o presidente stalinista da Tchecoslováquia, foi substituído no cargo de primeiro secretário do KSC por um reformista relutante. Alexander Dubcek.” (p. 396) “Seu Programa de Ação de 10 de abril concentrou as esperanças políticas no que passou a ser conhecido como a Primavera de Praga.” (p. 396) Os estudantes italianos confrontam a polícia: “Essa confrontação violenta, a “Batalha de Valle Giulia”, tornou-se a norma em 1968.” (p. 396) “Em Paris havia os mesmos ingredientes inflamáveis que se encontravam na Itália e na Alemanha Ocidental - enorme aumento do número de estudantes, instalações absolutamente inadequadas, ambientes alienantes, administrações insensíveis -, mas demorou até estourar a centelha.” (p. 387) Em Nanterre “Nascia o Movimento 22 de Março, forjando uma frente comum além das divisões sectárias da esquerda - “sem líderes formais, sem posições teóricas comuns [...] dividida por suas diferentes crenças políticas, mas unida por uma vontade comum de agir e pelo pacto de que todas as decisões seriam tomadas em assembleia geral.” (p. 397) “Os maoístas parisienses (“com capacetes, porretes, catapultas e rolimãs”) chegaram depois de uma ameaça da ultradireita de “exterminar a praga esquerdista”, e Nanterre foi fechada indefinidamente. Um manifesto do Movimento 22 de Março foi assinado por 1.500 estudantes: ‘rejeição total da universidade capitalista-tecnocrática, da divisão do trabalho e da chamada neutralidade do conhecimento - suplementada pela convocação da solidariedade com a classe trabalhadora.” (p. 397) “A radicalização francesa se juntou ao tumulto europeu generalizado, com levantes estudantis na Espanha, na Itália, e na Polônia, amplas manifestações na Alemanha Ocidental e na Grã-Bretanha, e maior militância na Bélgica, na Suécia e em outros países, num quadro que associava o Vietnã a questões estudantis e a críticas revolucionárias do capitalismo.” (p. 398) “Os movimentos estudantis abandonaram a política convencional em favor da ação direta e das ruas.” (p. 398) “As tensões se agravaram após a Guerra Árabe-Israelense de 1967, a Guerra Civil da Nigéria (1967-70), as confrontações entre Estado e estudantes na Argélia e a guerra no Sudeste da Ásia. Os acontecimentos nos Estados Unidos arrasaram as estabilidades domésticas da Guerra Fria: os democratas se dividiram com relação ao Vietnã, e o presidente Lyndon B. Johnson se retirou da corride pela reeleição; acelerou-se a radicalização negra depois das revoltas urbanas do verão de 1967, com a crescente militância dos Panteras Negras, do nacionalismo negro e da conversão do movimento pelos direitos civis em Campanha pelos Pobres. As chamas das revoltas transcontinentais após o assassinato de Martin Luther King no dia 4 de abril brilharam nas telas da televisão europeia.” (p. 398) “Tudo começou numa sexta-feira, quando oito estudantes de Nanterre acusados de faltas disciplinares organizaram sua estratégia para a audiência da segunda-feira com os colegas da Sorbonne.” (p. 398) “A reação raivosa dos estudantes tomou de surpresa a polícia. Imagens da brutalidade policial na televisão e nos jornais alarmaram o público em geral.” (p. 399) “Os líderes libertados convocaram uma greve para a segunda-feira - exigindo a libertação dos estudantes, a retirada da polícia, a reabertura da Sorbonne - e a batalha da sexta-feira se repetiu numa escala feroz.” (p. 399) “A violência era ao mesmo tempo animadora e chocante, espalhando simpatia pelos estudantes. Uma pesquisa de opinião mostrou que quatro quintos dos parisienses os apoiavam.” (p. 399) “Facções da extrema esquerda competiam com os comunistas por atenção e controle, mas tanto elas como eles foram eclipsados pelo Movimento 22 de Março, a coalizão não-sectária forjada em Nanterre, que enfatizava a soberania das bases.” (p. 400) “Desde o dia 3 de maio, essa coalizão seria formada pelo triunvirato do representante da União Nacional de Estudantes Franceses, Jacques Sauvageot, dos professores, Alain Geismar, e Cohn-Bendit.” (p. 400) “Mas o silência de De Gaulle e de seu primeiro-ministro, Georges Pompidou, incentivou o aumento da mobilização, que foi convocada para a noite de sexta-feira, 10 de maio.” (p. 400) “Henri Weber, militante da JCR, descreveu o poder simbólico: ‘Foi um verdadeiro golpe de gênio. As pessoas começavam a transformar pilhas em barricadas. Em termos militares, seria provavelmente uma bobagem. Mas, politicamente, era exatamente o que se devia fazer. A imagem das barricadas na história francesa está associada com todos os momentos heroicos dos levantes populares: em 1830, 1848, a Comuna de Paris. A barricada é um símbolo, a defesa dos pobres, dos trabalhadores contra os exércitos dos reis e reacionários’.” (p. 400) “A polícia atacava qualquer um que estivesse ao seu alcance, inclusive os ocupantes de apartamentos, que invadiam indiscriminadamente. Ninguém escapava àquele frenesi: professores, turistas, enfermeiras, pessoal médico ou mulheres grávidas. A misoginia e a xenofobia campeavam.” (p. 400) “Foram registrados mil feridos e 468 presos. Pelo rádio, Cohn-Bendit convocou uma greve geral.” (p. 401) “Até então, a resposta do PCF havia sido o desprezo, denunciando a extrema esquerda como provocadora, batendo no fato de Cohn-Bendit ser alemão e chamando os estudantes de inimigos pseudo-revolucionários da classe trabalhadora. Mas, à medida que os acontecimentos se desenvolviam, os comunistas da base inevitavelmente se juntaram às ações. Sabedores de que nenhum desafio maior ao governo iria acontecer sem eles, a CGT relutantemente combinou com os outros sindicatos uma greve de protesto de um dia em 13 de maio, quando 800 mil trabalhadores marcharam numa maciça validação dos atos dos estudantes. Georges Séguy, chefe da CGT, foi forçado a incluir Cohn-Bendit na primeira fila, unindo publicamente a velha e a nova esquerda. Esse dia foi também o décimo aniversário do governo de De Gaulle e, assim, a marcha naturalmente assumiu um ímpeto antigaullista. Tudo terminou em triunfo: Pompidou retirou a polícia e reabriu a Sorbonne. Os estudantes proclamaram uma zona liberada.” (p. 401) “A faísca veio de Nantes: a união de estudantes e a CGT apresentaram exigências ao prefeito no dia 13 de maio e, depois da batalha de “paralelepípedos contra gás lacrimogêneo”, ele cedeu; no dia seguinte, 2 mil trabalhadores da SudAviation trancaram os gerentes nos seus escritórios e ocuparam a fábrica. Ocorreram outras ações também na Renault em Cléon, Flins, Le Mans e Boulogne-Billancourt.” (p. 401) “Em 18 de maio, 2 milhões estavam em greve e havia 120 fábricas ocupadas. Na semana seguinte, o número de grevistas chegou a algo em torno de 4 milhões a 6 milhões. No dia seguinte já eram entre 8 milhões e 10 milhões.” (p. 401) “Em Nantes, a ação na Sud Aviation galvanizou um movimento geral de greve, que culminou na tomada da prefeitura pelo comitê central dos trabalhadores, camponeses e estudantes em greve no dia 27 de maio, afastando o prefeito e o chefe de polícia.” (p. 402) “Mas a estratégia parlamentar do PCF tinha três defeitos vitais. Primeiro, seus aliados parlamentares - François Mitterrand e sua frouxa Federação da Esquerda Democrática e Socialista (FGDS) que se resumiua à moribunda SFIO, e Pierre Mendès-France e seu minúsculo Partido Socialista Unificado (PSU) - eram fracos como juncos quebrados.” (p. 402) “Os comunistas se apresentavam como o partido da ordem, contrário aos extremistas.” (p. 402) “A violência continuou em Paris com choques na Gare de Lyon, incêndio na Bolsa de Valores e ataques a três distritos policiais; eram novamente as barricadas e os paralelepípedos.” (p. 402) “Os trabalhadores queriam mudanças que resultassem em melhoria de qualidade de vida: aumento da auto-estima, maior participação nas decisões, mais controle sobre a vida diária - tudo o que implicasse a autogestão.” (p. 403) “Meio milhão de Gaullistas saíram às ruas, liberando um mês de raiva política reprimida. Seus lemas eram uma lembrança brutal da sociedade dividida: ‘A França de volta ao trabalho’, ‘Limpem a Sorbonne’, ‘Somos maioria!’ e ‘Cohn-Bendit para Dachau!’.” (p. 403) “O governo e a sociedade respeitável haviam recuperado a coragem.” (p. 403) “Embora os grevistas começassem a voltar ao trabalho, 1 milhão deles ainda estavam parados em 10 de julho, especialmente nas indústrias automobilística e de engenharia.” (p. 403) “Nos protestos que se seguiram em Paris, ressurgiram 72 barricadas, resultando em 400 feridos e 1.500 prisões. Durante um curto período, estudantes militantes se convenceram de que o movimento ainda continuava.” (p. 404) “A CGT e o PCF aumentaram suas denúncias: os militantes estudantis eram ‘agentes dos piores inimigos da classe trabalhadora’ e ‘especialistas em provocação’.” (p. 404) “As autoridades isolaram os estudantes radicais, recuperaram as universidades e expurgaram Odéon. Em 16 de julho recuperaram a Sorbonne.” (p. 404) “O PCF perdeu 39 cadeiras; os socialistas perderam 61; o PSU perder as três cadeiras que tinha. O governo voltou com 358 cadeiras de um total de 485. Jovens abaixo de 21 anos, os porta-bandeiras dos acontecimentos de maio, estavam excluídos do eleitorado.” (p. 404) “Duas esquerdas se enfrentavam dos dois lados da fronteira do discurso de 30 de maio de De Gaulle - uma esperando ansiosamente a volta da política normal, a outra sem acreditar nessa possiblidade. A primeira se formara pela guerra e pela Libertação, através das mitologias políticas e histórias sociais da Resistência, da Guerra Fria e da reconstrução. A segunda estava nascendo, surgindo na própria década de 60 - da crise nacional da Guerra da Argélia, das consequências sociais da modernização gaullista, das promessas de prosperidade e das desvantagens percebidas no novo capitalismo de consumo. Essas duas posições exibiram incompreensão mútua. O PCF tipificava a velha esquerda (era o maior PC ocidental depois do italiano), e seu conservadorismo justifica alguma discussão.” (p. 404) “A medida que a urbanização, a educação em massa e a tecnologia transformavam a paisagem social, a modernização dava formas novas à economia e o consumismo inundava a cultura, o PCF se abrigava na rotina arraigada.” (p. 405) “Foi esse o fracasso decisivo da velha esquerda, porque maio de 1968 limpou o terreno para alguma coisa nova.” (p. 405) “Em junho, Paris tinha 450 comitês de ação. Eles surgiam de assembleias gerais onde quer que os trabalhadores estivessem em greve, não somente nas fábricas, mas também em escritórios, estações de trem, centros de pesquisa e estações de rádio e televisão.” (p. 405) “Os comitês de ação atacaram as hierarquias e democratizaram a tomada de decisão.” (p. 405) “Em Nantes, o comitê assumiu o governo da cidade. Na fábrica de caminhões Berliet, os trabalhadores alteraram o nome da empresa para Liberté.” (p. 406) “Animar a revolta antiautoritária foi um ideal de autogestão, adotado oficialmente como Autogestion pelo novo Partido Socialista (PS) em 1973-75. Previa a democratização da economia - via reivindicação do controle das fábricas por seus trabalhadores, cooperativas autogeridas e constitucionalização dos negócios, bem como por meio de tomada participativa de decisões, abertura do livros, descentralização da gerência e melhoramento geral do local de trabalho. Era antiestatista, o oposto da nacionalização burocrática, e hostil ao sindicalismo da CGT. Repudiou a esquerda pós-1945. Questionou o socialismo parlamentarista, negando que o processualismo liberal (votar nas eleições representação parlamentar, domínio das leis) assegurasse a democracia sob o capitalismo.” (p. 406) “‘Alienação’ era a palavra do momento. Ela transmitia uma poderosa acusação: ‘a sociedade moderna é um truque de confiança que oferece altos padrões de conforto material em troca da escravidão à máquina industrial; o ensino moderno tem como seu principal objetivo a aceitação dessa situação’.” (p. 406) “O Movimento 22 de Março foi pioneiro nessa crítica, com sua ausência de burocracia, idealização da autonomia local e democracia permanente da assembleia geral.” (p. 406) “Por conseguinte: ‘Trazer a política para a vida diária significava livrar-se dos políticos’. Ou seja, debater a democracia significava redefinir a própria categoria da política em si.” (p. 407) “Da fascinação pela democracia direta e de formas de participação através da ‘permissividade’ até a capacitação da sexualidade e o excesso hedonístico da contracultura, das experiências práticas de autogestão às críticas obsessivas da alienação - em todos esses aspectos ‘1968’ desafiou a hegemonia de ‘1945’.” (p. 407) “Em sua distinção, a revolta dos estudantes franceses se ligou à crise do Estado francês, cujas disposições democráticas estavam entre as menos funcionais do Ocidente. Mas os efeitos do novo capitalismo de consumo se generalizaram por toda a Europa Ocidental.” (p. 407) “Esse consumismo se ligou na mente do público ao individualismo aquisitivo e a um estilo privado de vida.” (p. 408) “Para os democratas cristãos italianos, o materialismo produziu a ‘decomposição das estruturas tradicionais da sociedade italiana’, ao passo que para os comunistas significou a redução da presença nas reuniões partidárias, as seduções do entretenimento comercial e a atrofia dos passatempos coletivos da classe trabalhadora.” (p. 408) “A chegada da televisão solapou não só a sociabilidade política da esquerda, mas também formas mais antigas de entretenimento - reduziram-se em um terço as multidões nos jogos de futebol na Inglaterra (1949-66) e caiu em 75% a frequência aos cinemas ingleses (1946-62).” (p. 408) “O rock , as roupas, os cabelos compridos, o sexo e as drogas enfrentavam os valores paternos, tanto mais dolorosamente nos casos em que os pais eram de esquerda, brandindo ‘a chantagem das privações passadas’ contra as críticas atuais: ‘As gerações mais velhas, as que passaram por fascismo, guerra, Resistência, privações nas fábricas, pobreza e Depressão, geralmente pensam que têm o monopólio da história, e com ele chantageiam as gerações mais novas’.” (p. 409) “Por sua vez, as gerações antifascistas- que haviam vivido já adultas a Segunda Guerra Mundial e agora lideravam os partidos comunistas e socialdemocratas - desprezavam a esquerda estudantil.” (p. 409) “Os estudantes se multiplicaram nos anos 1960 - triplicaram na França, na Grécia e na Escandinávia, dobraram na Itália, nos Países Baixos, na Alemanha Ocidental, na Grã-Bretanha e na Ibéria. A agitação espetacular afetou a Itália, Alemanha Ocidental e França, países em que a entrada na universidade só exigia a conclusão do colegial - não havia seleção. O baby boom também contribuiu [...].” (p. 409) “O radicalismo estudantil transcendeu a universidade e alcançou a rebeldia mais ampla da juventude. Se Paris viu a sinergia de estudantes e trabalhadores, Londres teve a contracultura.” (p. 410) “Na nova esquerda britânica, as ideias se aglutinaram em torno da Campanha pelo Desarmamento Nuclear (CND) fundada em 1958 [...] Outros movimentos também ocorreram na ala esquerda da CND, quando o Comitê de Ação Direta (DAC) foi pioneiro na desobediência civil e crescentemente contrário ao Partido Trabalhista, que se recusou a deixar os canais parlamentares.” (p. 410) “A DAC antecipou os principais aspectos de 1968 - não apenas as formas de ação direta, mas também os apelos aos trabalhadores, a solidariedade internacional a Gana contra os testes nucleares franceses no Saara e a impaciência com a velha esquerda do Partido Trabalhista e do PC.” (p. 410) “A nova esquerda desenvolveu críticas ao comunismo e à socialdemocracia, projetou um internacionalismo que ia além da Guerra Fria e analisou as mudanças contemporâneas do capitalismo.” (p. 411) “A CND e a nova esquerda a ela associada nadavam na dissidência cultural da época - inspiradas por intelectuais populares na literatura, no teatro e nas artes, mas também pela boemia e pelos beats .” (p. 411) “O mundo do jazz e R&B, saraus de poesias em bares, pequenas revistas e escolas de artes formou, tanto quando a CND, as bases de 1968.” (p. 411) “Na Europa Oriental, a nova esquerda também se formava na Tchecoslováquia. Lá o comunismo era um paradoxo. O maior PC europeu do entreguerras e o mais forte da Europa Oriental depois de 1945, o KSC desfrutava de genuína popularidade entre 1945 e 1948. Todavia, ele desenvolveu o pior stalinismo da região nos expurgos após 1948-49 e adiou a desestalinização até 1962-63.” (p. 412) “Uma dinâmica complexa produziu a Primavera de Praga. Começou no Comitê Central entre outubro de 1967 e janeiro de 1968 e culminou na substituição de Novotny por Dubcek como primeiro-secretário do partido.” (p. 412) “O Programa de Ação de 10 de abril reanimou o partido, e a convocação para o XIV Congresso em setembro concentrou o foco num processo de radicalização. Mas, quando se abriu a esfera pública, a energia de democratização superou a capacidade dos canais partidários e grandes esperanças populares revitalizaram a sociedade civil.” (p. 412) “Depois de exigir repetidamente promessas de normalização, Leonid Brejnev passou à intervenção militar, colaborando secretamente com os anti-reformistas do Presidium do KSC.” (p. 413) “Animados pela excitação do 1º de Maio, que galvanizou enorme apoio espontâneo, os líderes do KSC foram a Moscou para pedir o endosso soviético. No entanto, Brejnev denunciou as manifestações populares como contra-revolucionárias, exigiu a prisão dos críticos não-comunistas e disse ao grupo de Dubcek que começasse a se comportar como ‘verdadeiros líderes desse partido’. Portanto, apesar do otimismo ingênuo dos reformistas, em 29 de julho a posição soviética se tornou brutalmente clara: ‘podemos ocupar todo o seu país em 24 horas’.” (p. 413) “A Primavera de Praga, assim como o comunismo reformista húngaro em 1956, tornava problemático o monopólio político do PC, chegando ao limite dos sistemas stalinistas estabelecidos em 1947-49.” (p. 413) “Esta era a causa das inconciliáveis diferenças entre os soviéticos e o KSC. O próprio princípio do pluralismo definia já de início o Programa de Ação.” (p. 414) “O KSC tinha a oportunidade de construir algo melhor - ‘abrir um caminho sob condições desconhecidas, experimentar e dar uma forma nova ao desenvolvimento socialista’, baseado no ‘pensamento marxista criativo’ e no conhecimento das condições da Tchecoslováquia, com a vantagem de ‘uma base material relativamente madura, padrões incomuns de educação e cultura entre o povo e uma incontestável tradição democrática’.” (p. 414) “Sob esse aspecto, não havia diferenças entre os reformadores do KSC e o país em agosto de 1968. A hostilidade soviética havia colocado a opinião pública maciçamente a favor do governo.” (p. 414) “O conservadorismo implacável da União Soviética deu fim à Primavera de Praga. Brejnev perdeu a paciência com a tática protelatória de Dubcek, e os exércitos do Pacto de Varsóvia chegaram a Praga em 20 de agosto para restabelecer um governo normal.” (p. 414) “O Comitê da Cidade de Praga convocou o XIV Congresso do KSC para o distrito industrial de Visocany, onde os delegados secretamente se reagruparam contra a invasão. Dubcek, Cernik, Smrkovsky, Kriegel, Spacek e Simon foram sequestrados para Moscou, acompanhados, por sua própria vontade, pelo presidente Ludvík Svoboda.” (p. 414) “Conseguiram repelir os conservadores, perdendo apenas uns poucos radicais e resistindo à negação total das reformas. Mas, ao assinar o protocolo, eles abriram mão do Programa de Ação. Somente Kriegel se recusou.” (p. 415) “Em abril de 1969, todos os reformadores foram afastados, o partido expurgou 21,7% de seus filiados e se restaurou a ordem soviética.” (p. 415) “A invasão soviética da Tchecoslováquia destruiu as perspectivas socialistas do Leste da Europa.” (p. 415) “O primeiro era o punho de aço da dominação militar soviética, baseada na divisão geopolítica da Europa em 1945-49, solidificada pela OTAN e pelo Pacto de Varsóvia. A economia socialista [...] era o segundo ponto fixo dos sistema soviético [...] O terceiro ponto era o monopólio político comunista e o governo de partido único.” (p. 415) “As próprias tradições comunistas alimentaram a revolução húngara e a Primavera de Praga [...] A política da esquerda teve de se originar na oposição aos PCs e não por intermédio deles.” (p. 416) “O desprezo soviético pelo movimento mundial foi chocante, e a unanimidade do comunismo mundialmente se dissolveu.” (p. 416) “Em Berlim oriental houve um debate inédito, que resultou num documento que enfatizava a ‘igualdade e independência soberana de todos os partidos, a não-interferência nos assuntos internos, [e] respeito pela escolha livre de caminhos diferentes.” (p. 416) “Até 1956 era possível apoiar a União Soviética ou o próprio PC, apesar do crimes de Stalin. A resistência ao fascismo e à nova ordem nazista, assim como as batalhas da Guerra Fria foram razões poderosas para que assim fosse.” (p. 416) “O conflito sino-soviético dividiu ainda mais o movimento mundial, com novos grupos maoístas nas esquerdas nacionais.” (p. 417) “Nos países em que havia um grande PC, o marxismo se espalhou a partir das universidades.” (p. 417) “Em 1968, atenuaram-se as linhas entre esses diversos marxismos e a lenta dessovietização dos PCs. Mas duas manifestações decisivas do conservadorismo do comunismo oficial - os fracassos do PCF nos acontecimentos de maio e a invasão soviética - colocaram em dúvida o futuro do comunismo europeu no Ocidente.” (p. 418) “Por seus próprios padrões, os movimentos de 1968 fracassaram todos.” (p. 418) “Mas os novos radicalismos foram tanto sintomas desordenados como movimentos conscientemente dirigidos.” (p. 418) “As agendas do Leste eram mais claras, pois a Primavera de Praga envolveu a dinâmica da desestalinização que surgiu a partir de 1953-56 [...] Mas foiapenas com as explosões de 1968 que teóricos sociais, ativistas e cidadãos começaram a entender o que continha o futuro.” (p. 419) “Os dois legados mais visíveis - o crescimento das seitas trotskistas e maoístas de extrema esquerda e a adoção do terrorismo na Alemanha Ocidental e na Itália - foram os menos prefigurativos.” (p. 419) “Um terceiro legado dos movimentos estudantis foi o oposto desse desapreço extremo pela política parlamentar - ou seja, a permeação ou o que Rudi Dutschke chamou de ‘a longa marcha através das instituições existentes’.” (p. 419) “A entrada de ativistas nos principais partidos da esquerda durante os anos 1970 foi outra manifestação semelhante.” (p. 419) “Dois outros legados de 1968 foram de longe os mais importantes para o futuro da esquerda. Um deles foi o ressurgimento da política extraparlamentar - como ação direta, organização comunitária, ideais de participação, formas não-burocráticas em pequena escala, a ênfase nas bases, a aproximação entre a política e a vida diária. O outro foi o feminismo e a ascensão dos novos movimentos de mulheres que, durante os anos 1970, também foram o exemplo mais criativo de oposição extraparlamentar.” (p. 419) “A socialdemocracia renasceu pela primeira vez desde as derrotas do início da Guerra Fria.” (p. 419) “Uma das revelações chocantes de 1968 foi o desprezo irado que separava a velha e a nova esquerda.” (p. 420) ● Gorbachev, o fim do comunismo e as revoluções de 1989 (até a página 506): “O stalinismo foi um desastre completo para a esquerda. Como denominação geral da rigidez dos partidos comunistas após o final dos anos 1920, ele prejudicou duramente sua credibilidade.” (p. 491) “Na Europa Oriental, o centralismo do tipo soviético teve força mortal. Entre 1943 e 1947, os PCs da região foram muito independentes, emergindo renovados das ruínas da libertação e sem o peso do legado da bolchevização. Mas, com a Guerra Fria, Moscou afirmou seu controle, interrompendo os caminhos nacionais para o socialismo e impondo uma repressão brutal por toda a região.” (p. 491) “Como confirmaram as crises de 1956 e 1968, os interesses da segurança soviética haviam se cristalizado num império.” (p. 491) “O comunismo soviético foi um programa de industrialização forçada, baseado na propriedade do Estado e num plano centralmente administrado [...] Foi um impulso acelerador imposto de cima pra baixo a uma sociedade presa ao atraso [...] Mas, como impulso cru de desenvolvimento, foi extremamente bem-sucedido, atraindo admiração generalizada entre as décadas de 1930 e 1950.” (p. 492) “A agricultura soviética era um fracasso. A burocracia econômica soviética era uma fonte segura de ineficiência. A prioridade aos bens de capital militou sempre contra a satisfação dos consumidores, que, de qualquer forma, não tinham um mercado para registrar a demanda. Mas o sistema atendeu razoavelmente bem às necessidades básicas, principalmente ao ressurgir da guerra e da reconstrução.” (p. 492) “As pessoas aprenderam a contornar os racionamentos por meio de um indispensável mercado negro.” (p. 492) “Não foi apenas a estratégia de desenvolvimento do “socialismo em um só país” anunciada em 1926, mas também, após a morte de Lênin, a luta entre facções bolcheviques que concentrou o poder na pessoa de Stálin, silenciou seus adversários e matou a democracia. A Guerra Civil havia exaurido a vida da democracia soviética, e Lênin sancionou grande parte do que facilitou a chegada do stalinismo.” (p. 492) “O banimento das facções, que restringiu o debate interno do partido, já vinha desde o Levante de Kronstadt em 1921.” (pp. 492-493) “Partido e Estado estavam completamente integrados. O partido controlava as nomeações para o Estado e a economia.” (p. 493) “Apesar da enorme crise de 1968, os regimes neostalinistas da Europa Oriental pareciam estar seguros. A normalização da Tchecoslováquia seguiu o mesmo padrão da da Hungria, em que a resistência se rendeu à resignação penosa.” (p. 493) “Os Acordos de Helsinque da Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa, assinado pelos Estados Unidos, pela União Soviética, por 30 países europeus e pelo Canadá em 1975, reconheceram a soberania, a não-intervenção e a inviolabilidade das fronteiras, prometendo ao mesmo tempo a cooperação entre Leste e Oeste. A détente aliviou a Guerra Fria, mas institucionalizou seus efeitos geopolíticos na ‘longa década da doutrina Brejnev’, de 1968 à abertura da crise soviética em 1986.” (p. 493) “[...] na Polônia. Greves de massa se seguiram aos aumentos no preço dos alimentos, anunciados inesperadamente primeiro em 1970, no governo Gomulka, e depois em 1976, em meio a grave crise econômica, no governo Edward Gierek. Nas duas vezes, o Estado recuou diante da militância da classe trabalhadora - greves, passeatas, protestos formais e ações diretas de saques de edifícios, batalhas contra a polícia e ocupações dos locais de trabalho.” (p. 493) “Assim como a greve geral na França em 1968 dependeu da revolta estudantil e da crise do gaullismo, as ações na Polônia implicaram necessariamente o desafio ao Estado-partido.” (p. 494) “Em 1976, intelectuais formaram o Comitê de Defesa dos Trabalhadores (KOR) para conseguir apoio para trabalhadores presos, ajudando a dar forma à identidade coletiva por meio de uma Carta dos Direitos dos Trabalhadores.” (p. 494) “O principal defensor dos direitos humanos na hierarquia, o cardeal Wojtyla, de Cracóvia, tornou-se o papa João Paulo II, e sua visita de junho de 1979 à Polônia inspirou a dissensão pública, bem como a organização social.” (p. 494) Terceira insurreição, agosto de 1980. “Em 17 de setembro foi fundado o Sindicato Independente Autogerido, ou Solidariedade (Solidarnosc), consolidado por uma greve nacional no dia 3 de outubro e registrado oficialmente em 10 de novembro [...] Um ano depois afirmava ter 9,5 milhões de membros numa força de trabalho que totalizada 12,5 milhões.” (p. 495) “Em seu primeiro Congresso, em setembro-outubro de 1981, o Solidariedade abandonou sua postura de sindicato e exigiu uma “república autogerida”, atacando o “papel de liderança” do PC. A economia planejada foi rejeitada em favor de empresas autônomas “autogeridas”, com sugestões sindicais de uma economia democratizada além da esfera de comando do Partido.” (p. 495) “O resultado era inevitável. Em 12 de dezembro, Jaruzelski decretou a lei marcial, prendeu os líderes do Solidariedade e formou um Conselho Militar de Salvação Nacional [...] Dados os três pilares dos sistema soviético - o poder militar e o direito de intervenção, o comando socialista da economia e o governo único do PC -, a lei marcial era a conclusão inevitável.” (p. 496) “A Carta dos Trabalhadores de Gdansk integrava igualitarismo social e democracia radical: um pacote salarial para os de menor remuneração; o fim dos privilégios dos elementos nomeados pelo Partido; controle dos preços e racionamento equitativos; e expansão dos benefícios de bem-estar sem sacrifício das liberdades de imprensa, expressão e publicação.” (p. 496) “No verão de 1981, a atitude dos militantes havia se radicalizado, empurrando o Congresso de Outubro do Solidariedade na direção do anarcossindicalismo. De todas as formas, o Solidariedade não tinha bases para se aliar ao Partido.” (p. 497) “O stalinismo - como sistema de economia dirigida, ineficiência e desperdício, como máquina social de privilégio na distribuição desigual de bens, como monopólio político comunista e como cultura pública de exortação simplista - foi uma versão degenerada do discurso público socialista.” (p. 498) “O ajuste entre o neo-sindicalismo revolucionário e a concepção socialdemocrata num só movimento nacional é um caso único na história das esquerdas europeias.”(p. 499) “Esse aspecto do movimento, o de projeto de reconstrução política e moral, teve fortes características gramscianas. [...] Houve mobilizações comparáveis - Hungria em 1956 ou França em 1936.” (p. 499) “Com a invasão da Hungria e da Tchecoslováquia, o embaraço se transformou em irritação [...] Ela [a União soviética] pisoteava a democracia e destruiu três fortes movimentos de reforma que se desenvolviam em países socialistas - a Revolução Húngara (1956), a Primavera de Praga (1968) e o Solidariedade (1980-81).” (pp. 499-500) “O exemplo sovético era a maior arma que a direita poderia desejar contra a esquerda na Europa Ocidental.” (p. 500) “Quando também ele morreu em março de 1985, o membro mais jovem e mais dinâmico do Politburo, Mikhail Gorbachev, já indicado por Andropov, foi imediatamente designado como seu sucessor.” (p. 500) “Sofisticado e intelectualmente cortês, Gorbachev recuperou as tradições da reforma não-stalinista identificados com a NEP, com Bukharin e com grande parte da era Kruschev. À medida que tomava forma, o programa de Gorbachev passou a lembrar a Primavera de Praga.” (p. 500) “Foi durante este discurso no Congresso que Gorbachev lançou seus slogans definidores - perestroika (reestruturação ou reforma radical) e glasnost (transparência).” (p. 501) Chernobyl; “Renunciando à Doutrina Brejnev já em março de 1985, ele retirou unilateralmente meio milhão de soldados do Pacto de Varsóvia em 7 de dezembro de 1988. Em 1987, os europeus ocidentais se convenceram de seu compromisso autêntico com a paz e a democracia; em 1990, ele recebeu o prêmio Nobel da Paz.” (p. 502) “No verão de 1987, protestos saudaram o aniversário do Pacto Nazi-Soviético de 1939, que havia levado à tomada de Lituânia, Letônia e Estônia pelos soviéticos em agosto de 1940, e no outono de 1988 “Frentes Populares” exigiam a independência nacional dos três Estados. Cada um dos três Sovietes Supremos declarou sua própria soberania, as Frentes Populares abraçaram a secessão e, no verão de 1989, os PCs bálticos se desligaram do PCUS.” (p. 502) “O ideal de Gorbachev de reforma controlada (‘Quero um processo gradual, passo a passo, que não estimule a desintegração e o caos’) perdeu-se na nova polarização.” (p. 503) “A ‘mistura de elogio e crítica’, atacando os abusos de Stalin, mas elogiando suas políticas, lembrou as fórmulas de Kruschev em 1956 e provocou vacilações. Tentar faze média entre os conservadores do velho partido e os novos reformadores tornava impossível toda visão estratégica.” (p. 504) “O vencedor não foi Gorbachev ou seu projeto de perestroika - uma União Soviética democratizada e um PC revivido, reinventado como partido socialdemocrata comprometido com o socialismo de mercado - mas Yeltsin e a república russa.” (p. 505) “Em 8 de dezembro, Yeltsin se juntou à Ucrânia e à Bielo-Rússia para formar uma Comunidade de Estados Independentes (CEI). Onze repúblicas (com exceção da Geórgia e das bálticas) assinaram a declaração de adesão em Alma Ata. Em 25 de dezembro de 1991, Gorbachev renunciou à Presidência da União Soviética, que havia deixado de existir.” (p. 506)
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