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Dominio e Posse Eusebio de Queiroz Lima

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DOMÍNIO E POSSE 
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IfEs'lPEITO 
S. T. F. 
NCEITO 
Domínio e Posse 
isegtmdo o Código Civil Brasileiro 
POR 
Eusebio de Queiroz Lima 
Lente substituto da Ia Secção da Faculdade Livre de Direito do 
Rio de Janeiro 
RIO DE JANEIRO 
Officinas Graphical do Jornal Ao Brasí 
— 1 S 1 7 — 
0 
ADVERTÊNCIA 
Com o presente trabalho, que representa 
a primeira parte de um Tratado Elementar de 
Direito das Cousas, tenho em vista, unicamente, 
proporcionar, por meio de uma exposição sim-
ples e despretenciosa, o fácil e exaeto entendi-
mento do conceito de Posse e Domínio, tal como 
foi crystalizado em nosso Código Civil. 
Em vez de adaptar o methodo exegetico, 
ou analytico, fazendo acompanhar o enunciado 
do texto — de commentarios e explicações ade-
quadas, procuro seguir, de preferencia, o metho-
do syntíietico : exponho os princípios doutriná-
rios e mostro como os preceitos dogmáticos fir-
mados pelo Código decorrem logicamente desses 
princípios. 
Em minha exposição, para maior fideli-
dade, procuro servir-me da propria letra do tex-
to, sempre que a clareza do assumpto, ou a ne-
cessidade de estabelecer unidade e concordância 
entre os diversos artigos, não exige mais longa 
explanação. 
A continuação do presente trabalho sahirá 
a lume, si me vier a certifiearãe que algum va-
lor, pratico ou theorico, lhe é attribuido. 
O AUTOR. 
INDICE 
TITULO I — PATKIMONIO 
Capitulo I — Conceito geral do patrimônio 1 
Capitulo II — Direitos reaes e obrigações 6 
Capitulo III — Direito das cousas 13 
TITULO I I — DOMÍNIO 
Capitulo I 
Capitulo II 
Capitulo III 
Capitulo IV 
Capitulo V 
— Conceito geral do domínio 
— Direitos de vizinhança 
— Condomínio 
— Propriedade resoluvel 
— Propriedade litteraria, scientifica e artística 
15 
21 
30 
35 
41 
TITULO III — POSSE 
Capitulo I 
Capitulo II 
Capitulo I I I 
Capitulo IV 
Capitulo V 
Capitulo VI 
Capitulo VII 
Capitulo VIII 
— Doutrina geral da posse 
— Posse dos direitos reaes 
— Composse 
— Modalidades da posse 
— Acquisiçao da posse 
— Effeitos legaes da posse 
— Perda da posse 
— Protecção possessoria 
55 
60 
69 
71 
74 
80 
89 
91 
T I T U L O I 
P a t p i m o n i o 
CAPITULO i 
Conceito gerai do patrimônio 
§ 1.° — DEFINIÇÃO. — Entende-se por patrimônio de 
uma pessoa o conjuncto de seus direitos e encargos economi-
camente apreciáveis. 
A palavra patrimônio, em sua accepção primitiva, si-
gnificava propriamente os hens de familia, os que eram 
transmittidos por herança. Na lítteratura juridica moderna, 
esse conceito se alargou, passando a comprehender todos os 
bens da pessoa (1). 
§ 2." — PERSONALIDADE E PATRIMÔNIO. — Segundo a 
doutrina clássica, o patrimônio é a manifestação objectiva 
do direito de propriedade ; e este — é a relação juridica que 
vincula á nossa personalidade as cousas do mundo phy-
sico (2). 
Para a escola do direito natural, a propriedade é um 
dos direitos fundamentaes do homem, decorrentes de sua 
personalidade. E ' uma projecção da personalidade humana 
no domínio material das cousas (3). 
Da intima relação entre a propriedade e a personali-
dade decorrem os princípios seguintes : 
(1) Planíol, Droit Civil, I, 2149. 
(2) Lacerda de Almeida, Direito das Cousas, I, § 1.* 
(3) Abreus, Droit Naturel, V, § 61. 
CONCEITO GERAL DO PATRIMÔNIO 3 
O homem primitivo obedecia, de modo desordenado, 
aos seus instinctos, swas paixões, seu temperamento erradio 
e turbulento; comquanto vivesse em um grupo social, era 
nelle quasi apagado o sentimento da solidariedade humana. 
"A vida social propriamente dita. isto é, a vida disciplinada, 
a vida civil, começou com a necessidade do trabalho regular 
e com a constituição dos primeiros bens. E ' o produeto da 
segunda phase da historia da humanidade, quando os fruetos 
espontâneos do solo, as presas conquistadas pela caça e pela 
pesca, se tornaram insufficientes para assegurar a subsis-
tência dos grupos humanos e estes foram obrigados á pre-
vidência, á poupança, ao trabalho, á industria. A vida civil 
ê essencialmente constituída pela vida de familia, combinada 
com a pratica da propriedade privada" (7). 
Não cabe aqui a critica das doutrinas de philosophos 
e economistas que têm procurado defender, ou combater a 
instituição da propriedade individual. Ella é um facto 
social incontestável, que o direito como tal deve acceitar. E, 
assim, pôde definir-se o direito de propriedade como sendo 
o poder, que tem o individuo, que de facto se acha mima dada 
situação econômica, de cumprir livremente o papel social que 
lhe incumbe, dada sua situação especial (8). 
A justificação pratica da propriedade individual está 
na possibilidade de um mais perfeito aproveitamento da ca-
pacidade produetiva das riquezas. Muitas cousas só têm 
utilidade real quando apropriadas por uma única pessoa, e 
outras, como a terra, por exemplo, têm sua capacidade pro-
duetiva largamente augment ada, quando trabalhadas com o 
vigor, a tenacidade, a continuidade de acção, a confiança 
no aproveitamento do esforço despendido, que, nas condições 
actuaes da sociedade, só o interesse individual e a certeza 
da perpetuidade do dominio podem proporcionar. 
(7) Hauriou. Droit Publique, 1910, Cap. VIII 
(8) Duguit, op. cit., § 5.°. 
4 CONCEITO GERAL DO PATRIMÔNIO 
§ 4.° — DIREITOS PATRIMONIAEK. — "A vida civil re 
pousa sobre duas instituições fundamentaes : a família e a 
propriedade. Os romanos, que tinham larga experiência da 
vida de cidade, resumiam os elementos da vida civ'l no con-
nubium e no commercium". Os cidadãos entre si tinham con-
mibmm, isto é, direito ao casamento legitimo, á constituição 
da familia civil, e o commercium, isto é, o direito de adqui-
rir e transmittir a propriedade civil, tornar-se credores ou 
devedores por todos os modos civis. Essas duas instituições 
penetram-se, completam-se : o casamento é inseparável do 
regimen dos bens; o parentesco tem por ef feito principal o 
dirito successorio ; a tutela, a curatela, têm por fim capital 
a administração dos bens do pupillo ou curatelado, etc. (9). 
Na demonstração desse principio, HAURIOU serve-se da ima-
gem seguinte : "O systema juridico organizou-se, pouco a 
pouco, em duas camadas, das quaes uma constitue o fundo do 
direito e a outra, a superficie. A primeira é formada pelo 
ponto de vista da propriedade, dos bens, do valor econômico, 
emquanto que a camada superficial é constituida pelo ponto 
de vista do poder. Na apparencia, é o poder, — poder reali-
zado, ou poder em aspiração, — que orienta a vida social ; 
mas, na realidade, desde que os bens se constituiram e, so-
bretudo, desde que a moeda, medida para todo valor, fez 
sua appariçao, a auri sacra fames se tornou a força magné-
tica sobre que se estabeleceu a gravitaçao social universal". 
Podemos, todavia, praticamente, distinguir na vida 
ri vil duas classes de relações juridicas : uma, constituida por 
direitos e encargos em que o lado econômico é velado por 
necessidades sociaes de outra ordem, como os laços de pa-
rentesco, de dependência de uma pessoa para com outra, as 
acçÕes de estado, de que uma pessoa pode servir-se para de-
fender ou modificar sua condição social; e outra, propria-
mente econômica, formada por direitos e encargos aprecia-
íí)} Hauriou, op. cit., Cap. VIIT 
CONCEITO GERAL DO PATRIMÔNIO •? 
veis em dinheiro, isto é, que têm valor econômico de per-
muta. 
Excluídos do conceito do patrimônio os direitos e en-
cargos que não têm significação econômica immediata, fi-
cam submettidos á designação commnm de direitos patrimo-
niaes — os direitos reaes, de que trata o Direito das Cousas 
e as obrigações e direitos creditorios, também chamados, im-
propriamente, direitos pessoaes, sobre que versa o Direito 
das Obrigações.As relações jurídicas reguladas pelo Direito das Suc-
cessões (que são rigorosamente patrimoniaes e outra cousa 
não representam sinão uma determinada fôrma de acquisi-
ção de domínio) e as relações econômicas do Direito de Fa-
mília, — comquanto sejam, umas e outras, subordinadas a 
preceitos de ordens especiaes, — são, em substancia, as mes-
mas que servem de objeeto ao estudo do Direito das Cousas 
e ao do das Obrigações. E si, tanto umas, como outras, são 
estudadas á parte, nesses dois ramos especiaes do Direito Ci-
vil, é por uma relevante razão de methodo, facilmente expli-
cável : as relações econômicas do Direito de Família, — por-
que as situações de dependência entre as pessoas, com as 
quaes o elemento econômico está em intima connexão, lhes 
dão feitio característico; e as relações de Direito Successo-
rio, — por dois motivos : não somente porque o elemento 
moral exerce a respeito délias uma tradicional preponde-
rância (10), como ainda porque o caracter de universali-
dade da suceessão mortis causa requer a applicação de re-
gras especiaes. 
CONCLUSÃO : — O patrimônio compõe-se de direitos 
reaes e créditos, — que formam o activo, e obrigações, di-
vidas, — que constituem o passivo da pessoa (11). 
(10) Entre os romanos, a succeasão por morte importava na 
conservação dos *'sacra", na continuação da pessoa do defunto em 
seus herdeiros. 
(11) Pianiol, op. cit., I, 2152. 
6 DIREITOS ÜEAES E OBRIGAÇÕES 
CAPITULO II 
Direitos reaes e obrigações 
§ 5.° — DIFFICULDADES DO CONCEITO. — Nenhuma no-
ção, em Direito Civil, sobreleva em difficuldades e indeci-
sões theoricas e praticas a da differenciaçao entre direitos 
reaes e obrigações, e do justo conceito de cada uma dessas 
duas ordens de relações jurídicas. TEIXEIRA DE FREITAS 
chega a avançar : "na distincção dos direitos reaes e dos 
direitos pessoaes repousa todo o systema do Direito Ci-
vil" (1). 
§ 6.° — CONCEITO CLÁSSICO. — Segundo a doutrina 
clássica, os direitos reaes distinguem-se das obrigações — em 
relação á natureza do objeeto : os primeiros recaem sobre 
uma cousa, abstraeção feita de toda e qualquer pessoa além 
do titular do direito ; as segundas incidem sobre outra pes-
soa, de quem o sujeito pôde exigir em seu beneficio um 
certo acto, ou determinada abstenção (2). 
Direito real é aquelle pelo qual uma cousa se acha su-
jeita, completa ou parcialmente, ao poder de uma pessoa, 
em virtude de uma relação immediata, com exclusão de to-
das as outras pessoas (3). Em um direito real, não ha in-
termediário entre a pessoa, titular do direito, e a cousa, so-
bre que o direito recáe. 
Obrigação é a relação de direito entre duas pessoas, 
em virtude da qual uma délias, chamada credor, tem direito 
de exigir da outra, chamada devedor, que dê, faça, ou deixe 
de fazer alguma cousa em seu proveito. 
Esse modo de vêr traduz antes as apparencias, que a 
realidade das cousas : Nem o direito real pôde ser definido 
(1) Teixeira de Freitas, Consol. das Leis Civis, Introducção. 
(2) E. Picard, Le Droit Pur, 1899. XLIII e XLIV. 
(3) Aubry et Kau, op. cit., IV, § 172. 
DIREITOS REAES E OBRIGAÇÕES 7 
como um vinculo que prende uma cousa a uma pessoa, visto 
que as relações de direito vinculam pessoas, exclusivamente, 
nem nas obrigações o objeeto do direito é o devedor, mas 
sim a prestação, ou abstenção, a que este é obrigado para 
com o credor ( 4 ) . 
§ 7.° — I N S U F F I C I E N C Y DO CRITÉRIO CLÁSSICO. — En-
t re os direitos reaes e as obrigações j á não cabe uma divi-
zão baseada na differença do objeeto. Dois são os motivos : 
1.° Segundo a doutr ina romana, que, reforçada pela 
influência das tradições feudaes, se erystallizou no Direito 
Civil clássico, " a possibilidade do direito real, com o seu 
effeito essencialmente physico, só se concebe em relação aos 
objectos corporeos, — cotisas, — no sentido na tura l da pa-
lavra ; os objectos incorporeos, que são apreciáveis pelo de-
nominador commum — moeda —, fazem par te do nosso pa-
trimônio, mas não estão em nosso domínio, não são susce-
ptíveis de posse, nem dos effeitos do direito real : Domi 
nium est jus in re corporate". Ainda mais, as cousas mo-
veis, sujeitas á conirectação ( fur to) , sem assento fixo, sus-
ceptíveis de uma circulação rápida, de fácil deterioração, 
consumiveis algumas ao primeiro uso, consistindo muitas ve-
zes em gênero e não em espécie, determinando-se por qua-
lidades abstractas, e podendo ser substi tuídas por out ras 
cousas homogêneas, que preencham as mesmas funeções (5 ) , 
escapam em grande par te á affectação e effeitos dos direitos 
reaes. As cousas immoveis, — solum et res soli, -— pela sua 
na tura l consistência, por seus at tr ibutos peculiares e vanta-
gens que offerecem, constituem a propriedade por excellen-
eia, e são a verdadeira sede dos direitos reaes" ( 6 ) . 
(4) Planiol, op. cit., I, 2159. 
(5) Destes caracteres resulta a importante distineção das 
cousas em fungíveis e não fungíveis. "São fungíveis os moveis que 
podem, e não fungíveis os que não podem substituir-se por outros 
da mesma espécie, qualidade e quantidade. Cod. Civil, art. 50. 
(6) Teixeira de Freitas, op. cit., Tntroducção. 
S DIREITOS EEAES E OBRIGAÇÕES 
E?, entretanto, incontestável a tendência da doutrina 
moderna para a ãesmaterialisação dos direitos reaes. Essa 
tendência manifestou-se primeiro no facto de se estenderem 
essas relações jurídicas ás eousas fungíveis, isto é, ás que 
consistem em numero, peso e medida, nas quaes predomina 
o conceito — valor —, com abstracção do de — espécie. "O 
dinheiro, cousa fungível por excellencia, é susceptível de do-
mínio, de deposito, de penhor, de reivindicação" (7). 
Segundo a concepção moderna, o objecto do direito 
real não é a cousa considerada em si mesma, e sim no seu 
valor econômico de permuta. 
Em confirmação desse principio, nos poderemos valer 
das regras seguintes : 
I — Só pôde constituir objecto de um direito real 
uma cousa susceptivel de ser estimada em dinheiro; 
II — Qualquer direito real pôde converter-se em um 
valor pecuniário (8) ; 
I I I — Um damno causado á cousa alheia é sempre e 
completamente reparavel por indemnização pecuniária (9) ; 
IV — Entra no quadro dos direitos reaes, embora sem 
o caracter fundamental de perpetuidade e sujeita a regras 
especiaes, a propriedade litteraria, scientifica e artís-
tica (10). 
2.° E ' fora de toda duvida que o conceito de obriga-
ção évolue, de um vinculo pessoal, que era, para uma relação 
(7) Lacerda de Almeida, op. cit., I, § 4.*. 
(8) Lafayette, op. cit., § 1.°. 
(9) Cod. Civil, arts. 1541 e 1543. 
(10) Esta é a doutrina do nosso Código (arts. 649 e se-
guintes), que deu assim, o ultimo passo para a desmaterialização 
completa do Direito das Cousas, segundo a concepção de Ihering 
("Actio Injuriarum"). Com effeito, a propriedade litteraria não 
consiste no dominío sobre o manuseripto, mas sim no direito ãs 
vantagens econômicas decorrentes do conteúdo intellectual do livro, 
Isto é. daquella disposição e coordenação de palavras e phrases re-
presentativas de determinados conceitos, independentemente da lin-
gua em que a obra foi originariamnte eseripta e da ordem guar-
dada na disposição das matérias. 
DIREITOS REAES E OBRIGAÇÕES 3 
objectiva e patrimonial (11). A obrigação, com effeito, cada 
vez mais se depura do elemento pessoal, para só ficar no 
elemento real, ou valor, cuja transmissão e circulação se pro-
cura por todos os modos facilitar e desembaraçar. A obri-
gação, — dependência de uma pessoa para com outra, — 
tende a confundir-se, para os effeitos práticos, com o titulo 
comprobatorio da divida, e este, representativo da presta-
ção, do valor pecuniário da divida, é tratado como objecto 
do dominio e tende a transferir-se como as cousas mo-
veis (12). 
Os titulos de obrigações ao portador, — debentures 
(títulosde obrigação de uma sociedade anonyma) por exem-
plo, — representam o objecto de duas ordens de relações ju-
rídicas : servem de instrumento para o vinculo obrigacional 
entre o devedor e o credor (portador) e prestam-se aos 
actos característicos dos direitos reaes, — compra e venda, 
penhor, deposito, etc. 
§ 8.° — DOUTRINA DE TEIXEIRA DE FREITAS. — O nosso 
grande civilista, tratando de firmar a differenciação entre 
direitos reaes e pessoaes, procura um traço que seja eommum 
a todas as relações jurídicas da primeira categoria e que, ao 
mesmo tempo, lhes seja exclusivo, e o encontra, á falta de 
outro, no emprego das acções reaes (in rem), que sempre as 
acompanham e nunca podem competir aos direitos pessoaes. 
A adopção desse critério leva, entretanto, aos mesmos 
inconvenientes decorrentes da adopção do critério clássico, 
com o qual se confunde o ponto de vista do sábio juris-
consulte. W elle mesmo quem affirma : "Affcetar o obje-
cto da propriedade sem consideração a pessoa alguma, sc-
guil-o incessantemente em poder de todo e qualquer pos-
suidor, eis o effeito constante do direito real, eis seu caracter 
distinetivo. Este caracter é opposto ao do direito pessoal, 
que não adhere ao objecto da propriedade, não o segue, mas 
# 
(11) A. Reis, Titulos ao portador. 
(12) Lacerda de Almeida, op. cit., § 4.". 
1 0 DIREITOS KEAES E OBRIGAÇÕES 
prende-se exclusivamente á pessoa obrigada, — ejus ossibus 
adkaeret ut lepra cuti" (13). 
§ 9.° — As CLASSIFICAÇÕES NO DIREITO. — Do exame 
anatômico de um direito qualquer se conclue, que entram 
na composição delle cinco elementos : 
1.° O sujeito activo, ou o titular do direito, a pessoa 
que delle tem as vantagens e benefícios : 
2.° O sujeito passivo, a pessoa ou pessoas adstrictas 
a respeitar as prerogativas juridicas do primeiro; 
3.° O objecto, aquillo sobre que o titular do direito 
exerce sua prerogativa jurídica. E ' a incidência do di-
reito ; 
4.° A relação, — vinculum juris, — que exprime a 
situação em que o sujeito ou sujeitos passivos estão para cora 
o sujeito activo, quanto ao objecto do direito. Determina a 
acção possivel do primeiro elemento contra o segundo, sobre 
o terceiro. Marca a natureza, extensão e modalidades dessa 
acção; 
5.° A protecção - constrangimento, isto é, a saneção 
publica, a acção tutelar da força social organizada, posta 
ao serviço do direito, a qual se traduz no ambiente de se-
gurança, e garantias em que todos os direitos se exer-
cem (14). 
As diversas classificações, ou divisões dos phenomenos 
jurídicos obedecem a duas modalidades : ou se fundam so-
bre um dos seus elementos essenciaes, — classificações in-
ternas, — ou se baseam sobre uma determinada circumstan-
cia, — classificações externas. São classificações, ou divi-
sões externas, por exemplo, as que têm em vista o fim a 
(13) Teixeira de Freitas, op. cit., Introducção. 
(14) E. Picard, Le Droit Pur, §§ XXXIII a L, corn grandes 
modificações quanto ao conceito do 2.", 3.° e 4.° elementos 
DIREITOS REAES E OBRIGAÇÕES 1 1 
attingir (base teleogica), como a do Direito em publico e 
privado, a do Direito publico em internacional, constitucio-
nal, administrativo, processual e criminal, e a do Direito 
privado em commercial e civil; as que se referem á origem 
i,base etiologica), como a do Direito em escripto e costu-
meiro; etc. (15). 
§ 10. — DIREITOS REAES T, OBRIGAÇÕES : CLASSIFICA-
ÇÃO INTERNA. — A dísticção entre direitos reaes e obriga-
ções é sempre interna, isto é, baseada sobre um dos elemen-
tos essenciaes do direito. 
Para a doutrina clássica, o elemento que serve de 
base á divizão é o 3*°, o objecto. 
Para a doutrina de TEIXEIRA DE FREITAS, o traço dif-
ferencial enquadra-se no 5.ù elemento, na forma por que o 
titular do direito pôde reclamar a protecção da sancção pu-
blica. 
Para a moderna escola do Direito Civil, em que o 
nosso Código se inspirou, a distincção gyra em torno do 2.° 
elemento, do sujeito passivo : Quando o sujeito passivo de 
um direito é uma pessoa determinada, a quem cumpre dar, 
fazer, ou deixar de fazer alguma cousa em favor do sujeito 
activo, tem-se um direito obriga cional ; quando o sujeito 
passivo do direito é indeterminado, é toda e qualquer pes-
soa a quem o direito se opponha, tem-se um direito real (16). 
(15) E. Picard, op. cit., LXX e seguintes. 
(16) Essa distincção é feita por Teixeira de Freitas, mas do 
ponto de vista metaphysico da divisão doa direitos em "absolutos" 
e "relativos". Na primeira classe se comprehendem os direitos que 
podem ser oppostos "erga omnes", os de liberdade, de segurança, 
de propriedade, dos quaes apenas os últimos prtencem ao Direito 
Civil. Segundo elle próprio affirma, "o. divizão dos direitos em 
"absolutos" e "relativos" é feita no ponto de vista de sua "ex-
tensão", e o ponto de vista da divisão dos direitos em "reaes" e 
'"pessoaes" é o do "objecto dos direitos". O eriterio da divisão 
aqui adoptado, tem em vista somente os direitos patrimoniaes, com 
os quaes se confunde o conceito metaphysico dos "direitos de pro-
priedade", que "abrangem os "direitos reaes" e também a maior 
parte dos direitos pessoaes". Teixeira de Freitas, op. cit., Intro-
ducção. 
12 DIREITOS EEAE8 E OBRIGAÇÕES 
Como corollarios dessa differença primordial, temos 
as seguintes regras : 
Ï — No direito real, o objecto está na dependência 
immediata do sujeito, sem necessidade de acto, ou prestação 
de pessoa determinada; 
I I — O direito real, considerado como relação obri-
gatória universal, não pôde nunca impôr mais que uma sim-
ples abstenção, — não fazer nada que offenda á pessoa in-
vestida de seu direito ; o direito ereditorio, ao contrario, per-
mute sempre exigir do devedor um facto positivo, uma 
prestação, uma aeção de dar, fazer, ou não fazer: 
I II — A abstenção geral, a obrigação negativa, univer-
sal, que se contrapõe ao direito real, por isso que é de to-
dos, não se inscreve no passivo de ninguém; ao passo que 
a obrigação, no direito ereditorio, ainda que seja de não 
fazer, é um elemento passivo do patrimônio do deve-
dor (17); 
IV — As acções reaes podem ser usadas contra quem 
quer que usurpe ou offenda a cousa, ao passo que as ac-
çÕes pessoaes só podem ser dirigidas contra o devedor (18). 
V —. Quando os direitos pessoaes não são encarados 
em relação á pessoa individualmente obrigada, mas em rela-
ção aos outros, aãversus omnes, já não exprimem a mesma 
relação, a mesma obrigação; exprimem uma relação diversa, 
como verdadeiros direitos de propriedade (19) . 
Theorieamente, cada direito obrigacional, ou eredito-
rio, encerra em si, além do vinculo obrigacional propria-
mente dito, que liga o devedor ao credor, um direito real, 
do credor sobre a prestação, em relação aos terceiros. 
(17) Planiol, op. cit., I, 2163. 
(18) Lafayette, op. cit., § 1.°. 
(19) Teixeira de Freitas, op. cit., Intfodueoão 
DIREITO DAS COTJSAg 13 
CAPITULO III 
Direito das Cousas 
§ 11. — NOÇÃO. — Os direitos reacs são regulados 
pela parte do Direito Civil denominada Direito das Cousas. 
A distincção entre Direito das Cousas e direitos reaes é a 
mesma que existe entre direito objectivo e direito subje-
ctivo. 
Direito objectivo é a regra de conducta imposta aos 
individuos em sociedade ; determina os limites dentro dos 
quaes um dado interesse pode realizar-se : jus est norma 
agendi. 
Direito subjectivo é o poder, que tem o indivíduo, que 
vive em sociedade, de exigir proteccão social para um seu 
determinado interesse, uma vez que este tenha sido consi-
derado legitimo pelo direito objectivo : jus est facultas 
agendi {1). 
O direito objectivo é também denominado — direito 
norma, direito regra, e o subjectivo, — direito relação, pois 
a cada direito subjectivo, a cada faculdade, a cada regalia 
reconhecida pelo direito objectivo ao sujeito, — titulardo 
direito, — corresponde uma obrigação, positiva ou negativa, 
por parte do sujeito passivo, que é a pessoa, ou pessoas ad-
strictas a respeitar as prerogativas jurídicas do pri-
meiro (2) : jus et ooligatio sunt correlata. 
Os direitos subjectives são contidos, limitados, regu-
lados pelo direito objectivo. 
Para conhecer os limites, dentro dos quaes se exercem 
os direitos reaes, temos de analysal-os no seu aspecto obje-
ctivo, normal, geral, abstracto, sem referencia a um deter-
minado sujeito. 
(1) L. Duguit, op. <ut.. § 1.°. 
(2) KorkOTinov, Théorie Générale du Droit, trad, francesa. 
1903, L. II. 
14 DIREITO DAS COUSAS 
A esse estudo dá-se o nome de Direito das Cousas, 
que se pode definir : W a parte do direito civü que re-
gula a natureza, acquizição, modalidades, restricções e ex-
iincção dos direitos reaes e as acções que os protegem. 
Direito das Cousas ê, portanto, o aspecto objectivo 
dos direitos reaes. 
§ 12. — Divizlo DOS DIREITOS REAES. — Os direitos 
reaes consistem em diversas ordens de relações juridicas, 
distinctas umas das outras, conforme o gráo de sujeição em 
que a cousa está para com o sujeito : 
l.a O dominio, que é o direito real propriamente 
dito : é o direito de usar, gosar e dispor do bem que serve 
de objecto á relação jurídica ; apresenta-se em sua forma 
plena, ou soffre limitações em favor de terceiro; 
2.a Essas limitações, essas restricções impostas ao do-
minio, constituem, para a pessoa em favor de quem são fei-
tas, outros tantos direitos reaes, que se denominam — di-
reitos reaes na cousa alheia (jura in re aliena). 
Perante o nosso direito civil, são havidos como direi-
tos, ou onus reaes : 
1 — A emphyteuse ; 
II — As servidões; 
I II — O usufructo ; 
IV — O uso; 
V — À habitação ; 
VI — As rendas expressamente constituídas sobre 
immoveis ; 
VII — O penhor ; 
VIII — A antichrese; 
IX — A hypotheca (3) . 
§ 13. — POSSE. — Inclue-se ainda no Direito das Cou-
sas o estudo da posse, que é a relação de facto, pela qual uma 
pessoa tem o exercido do dominio ou de um outro direito 
real, sobre uma cousa. 
(3) Cod. Civil, art. 674, 
X 1 T O L- O II 
D o m í n i o 
CAPITULO I 
Conceito gerai do domínio 
§ 14. — DEFINIÇÃO. — Propriedade, ou domínio, na 
sua fôrma plena, é a relação de direito pela qual uma pes-
soa pôde usar, gosar e dispor de uma cousa, perpetua e ir-
rcvogavelmente, de maneira exclusiva e illimitada. 
Esse conceito de dominio, que é do Direito Romano, 
foi sempre acceito pelo Direito Portuguez, do qual passou 
integralmente para o nosso. 
Nossa Constituição, reproduzindo um preceito da Con-
stituição do Império, garante o direito de propriedade em 
toda sua plenitude (1). 
A lei assegura ao proprietário o direito de usar, go-
sar e dispor de seus bens e de rehavel-os do poder de quem 
quer que injustamente os possua (2), 
Em direito civil, se empregam, indistinctamente, com a 
mesma significação, os termos — propriedade e domínio (3). 
Nosso Código, que se utiliza de ambos, dá preferencia ao 
(1) Const, do Império, art. 179 § 22; Acto *Addicional, ar-
tigo 10 § 3.°; Const., art. 72 § 17. —- Como muito bem adverte La-
fayette, a Constituição emprega ahi o termo — ''propriedade" — 
para designar os direitos patrimoniaes em gera] (Lafayette, op. 
cit.). 
(2) Código Civil, art. 524. 
(3) D. fr. 13 pr. (41.1) : Dominium mini, id est, proprietas 
adquiritur. 
16 CONCEITO GERAL DO DOMÍNIO 
primeiro, contra a opinião dos nossos civilistas, que sempre 
preferiram o segundo, pela razão, diz-nos Lafayette, de ser 
nome "consagrado por monumentos legislativos antiquissi-
mos e de significação mais espiritual e característica". 
§ 15. — ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO DOMÍNIO. — 
Segundo a expressão de nosso Código, a propriedade eom-
poe-se de três direitos elementares : o de usar, o de gosar 
e o de dispor da cousa {pis utendi, fruendi ei abutendi). 
I — O direito de usar, ou pis utendi, consiste em 
utilizar-se da cousa, sem alterar-lhe a substancia; 
I I — O direito de gosar, ou jus fruendi, consiste em 
fazer a cousa fructificar e perceber-lhe os fructos (4) ; 
I I I — O direito de dispor, ou pis abutendi, encerra 
em si o direito de propriedade propriamente dito, "constitue 
a essência do dominio, é o direito á substancia da cousa" (5) : 
representa a faculdade de dar á cousa uma applicação de-
finitiva, eonsumindo-a, transformando-a, destruindo-a ou 
transferindo-lhe o dominio a outrem, total ou parcialmente. 
Além desses elementos essenciaes, o direito de proprie-
dade apresenta certos característicos formaes : é perpetuo, 
irrevogável, exclusivo e ülimüado. 
§ 16. — PROPRIEDADE PLENA E LIMITADA. — O direito 
de usar e o de gosar presuppÕem a detenção physica, a ac-
çao directa da pessoa sobre a cousa, eraquanto que o direito 
de dispor, isto é, o direito á substancia da cousa, pôde exis-
tir, sem que o proprietário tenha a cousa em seu poder. 
Quando os direitos elementares, de que se compõe o 
dominio, se acham divididos entre duas pessoas, diz-se que 
a que tem o usufructo da cousa — tem o dominio util, e 
a que tem a propriedade sem o usufructo, — a núa pro-
priedade (nuda proprietas). 
E ' plena a propriedade, quando todos os seus direitos 
(4) Cod. Civil Br. Conunentado, T. ÏLT (Sá Pereira) 
(5) Lafayette, op. cit., 25, 
CONCEITO GERAL DO DOMÍNIO 17 
elementares se acham reunidos no do proprietário; limitada, 
quando tem onus real, ou é resoluvel. 
O domínio presume-se exclusivo e illimitado, até prova 
em contrario (6). 
A propriedade sujeita aos onus reaes de servidão, 
penhor e hypotheca — toma a denominação especial de pro-
priedade gravada ( 7 ) . 
§ 17. — COMPKEHENSÃO DO DOMÍNIO. — O direito de 
propriedade sobre uma cousa abrange não somente a cousa 
propriamente dita, como os seus accessorios e os fructos e 
rendimentos delia provenientes, salvo disposição expressa 
em contrario. 
Nosso Código estabelece as regras seguintes : 
I — Os fructos e mais productos da cousa pertencem, 
ainda quando separados, ao sen proprietário, salvo si, por 
motivo jurídico, especial, houverem de caber a outrem (8) ; 
II — Apropriedade do sobre e do sub-sólo abrange a 
do que lhe está superior e inferior, em toda a altura e em 
toda a profundidade, úteis ao seu exercicio, não podendo, 
todavia, o proprietário impedir trabalhos, que sejam em-
prehendidos a uma altura, ou profundidade taes, que não 
tenha elle interesse algum em obstal-os (9). 
Por esta regra se vê que a propriedade, como qual-
quer outra relação jurídica, é eminentemente social. O di-
reito de propriedade de uma pessoa sobre uma cousa vae 
tão somente até onde a exclusividade do domínio, que lhe é 
assegurada, lhe proporciona uma utilidade, que não se veri-
ficaria si a cousa pudesse ser livremente usada por qual-
quer pessoa. 
§ 18. — PROPRIEDADE : DIREITO PERPETUO E IRREVO-
GÁVEL. — A propriedade é um direito por natureza per-
(6) Cod. Civil, arts. 525 e 527 
(7) Lafayette, op. cit., § 26. 
(8) Cod. Civil, art. 528. 
(9) Cod. Civil, art. 526. 
18 CONCEITO GERAL DO DOMÍNIO 
peuo e irrevogável : a pessoa, que adquire validamente uma 
cousa, fica para sempre com a propriedade delia e não 
pôde, sinao por um acto expresso, ou implícito de sua von-
tade, ser privado de seu direito, que, por sua morte, se 
t ransmit te a seus herdeiros e successores. 
Nosso Direito publico admitte uma única restricção a 
esse principio : a desapropriação por necessidade ou utili-
dade publica, mediante indemnização prévia ( 1 0 ) . 
E m nosso Direito civil ha, quanto á condição de per-
petuidade, exeepçao para a propriedade li t teraria, scienti-
fiea e artística, que, sujeita a regras especiaes, é temporá-
r ia (11 ) , e quanto á irrevocabiiidade, o caso d a proprie-
dade resoluvei ( 1 2 ) . 
§ 19. — PROPRIEDADE : DIREITOEXCLUSIVO E ILLIMI-
TADO. — O direito de propriedade é exclusivo, isto é, con-
tém em si o direito de excluir da cousa a acçao de pessoas 
estranhas : é illimitado, isto é. encerra em si o direito de 
prat icar sobre a cousa todos os actos que são compatíveis 
com as leis da natureza ( 1 3 ) . 
Esse principio tem de ser comprehendido como sendo 
df uma exactidão toda rela t iva. 
Tendo-se em vista o caracter eminentemente social do 
Direito, considerando-se que o direito subjectivo não é mais 
do que a faculdade, que tem o homem, de cumprir livre-
mente seus deveres sociaes, decorrentes da interdependência 
social e regulados pelo Direito objeetivo (§§ .3 e 11) , deve 
entender-se que o uso e abuso da cousa, sobre que recáe o 
üommio, têm de ser feitos de forma por que não firam o 
interesse collectivo. 
Antes do interesse do proprietário, está o da socie-
dade ; si esta dispensa áquelle protecção e garantias, é por-
(10) Const., a r t 72 § 17. 
(11) Cod. Civil, arts. 649 e seguintes 
(12) Cod. Civil, arts. 647 e 64S. 
(IS) Lafayette, op. cit., § 24,. 
CONCEITO GEKAL DO DOMÍNIO 19 
que lhe impõe a obrigação de subordinar o exercício de seu 
direito á satisfação das múltiplas necessidades de ordem 
publica, — de defesa, conservação e progresso, — de accor-
de com as leis e regulamentos. Assim é, por exemplo, que 
a construcção de um edifício urbano está sujeita ás exigên-
cias de hygiene, segurança, dimensões, conforto, esthetica, 
etc. "Phenomeno social, por excellencia, a propriedade não 
pôde ser concebida sinão dentro da sociedade, sujeita ás 
condições do meio ambiente, ás acções e reacçÕes que con-
stituem o rithmo da evolução geral" (14). 
A subordinação do direito individual ao interesse so-
cial não se manifesta somente na dependência, em que a 
propriedade particular está, para com as exigências de or-
dem colleetiva; apresenta-se ainda na limitação imposta aos 
direitos de cada pessoa, em beneficio do justo interesse das 
outras, segundo o principio de que o direito de cada um 
termina onde começa o alheio. 
A propriedade particular, embora em sua plenitude, 
soffre as limitações necessárias á harmonização do interesse 
de seu titular com os direitos dos outros, egualmente res-
peitáveis . 
Taes limitações, quando se referem á propriedade im-
movel, dão logar aos chamados — direito de vizinhança, es-
tudados no capitulo seguinte. 
§ 20. — OBJECTO DO DOMÍNIO. — O direito de pro-
priedade pode recahir sobre todas as cousas susceptíveis de 
apreciação econômica e apropriação exclusiva. 
Não podem, assim, ser objecto de domínio : 
I — As cousas por natureza inapropriaveis, aquellas 
que não podem estar sujeitas ao poder das pessoas. Exem-
plos : o alto mar, o ar atmospherico ; 
II — Aquellas que, comquanto sujeitas á possibili-
dade de uma retenção pessoal, não proporcionam uma utili-
dade especial ao seu detentor, não offerecem valor econômico 
{14) Cod. Civil Cornu., loe. eit. (Sá Pereira) 
20 CONCEITO GEEAL Do DOMÍNIO 
de permuta, são gratuitas, de uso inexauriveî. Exemplos : o 
sal nas águas do mar, a areia nas praias; 
III — As cotisas de uso commum do povo, taes como os 
mares, rios, estradas, ruas e praças (15). 
Em resumo, não podem ser objecto de domínio as coti-
sas que estão fora de commercio ; são cousas fora de com-
mercio as insusceptiveis de apropriação e as legalmente ina-
lienáveis (16). 
As cousas, quando consideradas como objecto de di-
reito, tomam a denominação especial de hens. Nesse aspe-
cto, os dois termos têm o mesmo valor e são empregados 
indifferentemente. Nosso Código, adoptando a technica mo-
derna, dá preferencia ao segundo, comquanto seja o pri-
meiro de uso mais corrente entre escriptores e monumentos 
legislativos. 
Segundo a doutrina clássica, somente as cousas corpo-
reas são susceptíveis de domínio (17). 
Com os progressos da vida jurídica, essa noção alar-
gou-se (§ 7-1.°) (18), e no conceito de "bens" passaram a 
incluir-se, além das cotisas materiaes, um certo numero de 
cousas incorporeas, — direitos, — taes como as patentes de 
invenção (19), as marcas industrials (20), as firmas com-
merciaes (21), os direitos autoraes (22) e os direitos credi-
torios, nas relações do credor com terceiros (§§ 7 - 2." e 10). 
"A expressão "cousas", quando não restricta, por limi-
tações explicitas ou implícitas, envolve, na latitude de sua 
(15) Cod. Civil, art. 66, I. 
(16) Cod. Civil, art. 69. 
(17) Lafayette, op. cit.. §§ 24 e 26. 
(18) Pïaniol, op. cit., I, 2171. 
Í19) O Código Civil não trata das patentes de invenção, que 
são objecto de lei especial : ïei n- 3129. de 14 de Outubro de 1883, 
f o Regulamento baixado com o Deer. n. 8820, de 30 de Dezembro 
do mesmo anno. 
(20) Reguladas pelo Deer. n. 1236, de 24 de Setembro de 
1904. regulamentado pelo Deer. n. 5424. de 10 de Janeiro de 1905. 
(21) O registro das firmas ou razões commereiaes foi creado 
pelo Deer. n. 916. de 24 de Outubro de 1890. 
(22) Cod. Civil, arts. 649 e seguintes. 
DIREITOS DE VIZINHANÇA 21 
accepção, todos os objectos corporeos ou incorporeos do di-
reito, tudo o que se retém e possue, tudo o que se adquire 
e aliena. Cotisa, na phraseologia dos civilistas portuguezes, 
tomada á dos romanos, não traduzia esse conceito de mate-
rialidade, que lhe é peculiar na accepção mais estreita do 
vocábulo. Na teehnologia que as Institutas definiram,' as 
cousas se dividem em corporeas e incorporeos, comprehen-
dendo-se nestas as que consistem em direitos, como a he-
rança, o usufruct o, as obrigações de qualquer origem" (23). 
CAPITULO II 
Direitos de vizinhança 
§ 21- — NOÇÃO. — A simples eontiguidade de dous 
bens immoveis cria, de um para com o outro, uma situação 
de dependência, de que se originam, entre os dois proprie-
tários, obrigações positivas e negativas. 
Gomquanto perfeitamente estabelecido o conceito dessa 
ordem de relações de dependência, não tem havido unifor-
midade entre os códigos e os escriptores, quanto ao modo 
de elassifical-as. 
Os escriptores antigos as consideravam quasi-contra 
ctos (1). 
Para os que seguem a doutrina do Código Civil fran-
cez, entram no quadro das servidões, com a denominação 
especial de servidões legaes (2). 
Para a escola allemã, na qual nosso Código se inspi-
(23) Ruy Barbosa, Posse de Direitos Pessoaes, 1900 
(1) Pothier.Œuvres, Edição Bugnet, IV, pag. 328. 
(2) Lafayette, op. cit., § 120. 
22 DIREITOS DE VIZINHANÇA 
rou, taes limitações da propriedade formam uma classe es-
pecial, com o nome de direitos de vizinhança. 
§ 22. — E M QUE SE DISTINGUEM DAS SERVIDÕES. — 
Grandes differenças ha entre os direitos de vizinhança e os 
direitos reaes em cousa alheia {jura in re aliena) chamados 
servidões. 
I As limitações impostas á propriedade de um im-
movel em favor do prédio contíguo não affectam a plenitude 
do dominio, sinão em lhe dar, de uma maneira egual para 
todos, disciplina social; ao passo que servidão "consiste na 
faculdade, conferida ao proprietário do prédio dominante, 
de fazer no prédio serviente o que lhe não fora permit-
tido, si não existisse a servidão (jus facienãi), ou de pro-
hibir que o dono do dito prédio exerça nelle aetos que, a 
não existir a servidão, pudera livremente praticar (jus pro-
hihendi) (3) . 
Em muitos casos, a servidão se origina do facto de 
perder o proprietário do prédio serviente, em favor do do 
prédio dominante, um certo direito de vizinhança, isto é, 
nasce da abolição de uma determinada limitação, que, em at-
tenção á continuidade dos immoveis, era por lei imposta ao 
segundo. Exemplo : O proprietário pôde embargar a eon-
strucção do prédio que invada a área do seu, ou sobre este 
deite gotteiras, bem como a daquelle em que, a menos de 
metro e meio do seu, se abra janella, ou se faça eirado, ter-
raço, ou varanda (4). O proprietário que anuir em ja-nella, sacada, terraço ou gotteira sobre o seu prédio, só até 
o lapso de anno e dia após a conclusão da obra, poderá exi-
gir que se desfaça (5). Si o não exigir dentro desse prazo, 
ainda que o não tenha consentido expressamente, soffrerá 
que o dono da obra adquira servidão de luz sobre seu 
prédio. 
(3) Lafayette, op. cit., § 114 
(4) Cod. Civil, art. 573 
(5) Cod. Civil, art. 576. 
DIREITOS DE VIZINHANÇA 23 
II As servidões propriamente ditas não obrigam 
nunca o proprietário do prédio serviente, sinão a uma sim-
ples abstenção : tolerar que o vizinho se utilize de seu im-
movel, para certo fim; emquanto que aos direitos de vizi-
nhnça correspondem, em muitos casos, obrigações positivas, 
como de demarcação de prédios, aviventação de rumos, ta-
pagem, etc. (6). 
§ 23. — MODALIDADES DOS DIREITOS DE VIZINHANÇA. — 
Nosso Código Civil, seguindo a lição do Código allemão, 
traz, sobre as restricções legaes impostas á propriedade im-
movel pelo facto da contiguidade de prédios, disposições 
tão abundantes e detalhadas, que exgotam cabalmente a 
materia, dispensando qualquer commentario ; vão expostas 
nos sete paragraphos seguintes, sob diversas rubricas. 
§ 24. — Uso NOCIVO DA PROPRIEDADE. — O proprietá-
rio tem direito de exigir do dono do prédio vizinho a de-
molição, ou reparação necessária, quando este ameace ruina, 
bem como que preste caução pelo damno imminente (7). 
Não se podem fazer excavaçÕes num prédio, por tal 
maneira, que ameacem a segurança do solo do prédio vi-
zinho (8). 
O proprietário, ou inquilino de um prédio tem o di-
reito de impedir que o máo uso da propriedade vizinha 
possa prejudicar a segurança, o socego e a saúde dos que o 
habitam (9). 
Não pôde, entretanto, oppôr-se á introducção de ga-
zes, vapores, odores, fumo, calor, ruido, trepidação e outras 
reacçoes provenientes de um outro prédio, salvo si tal in-
troducção fôr feita por um conducto especial e esses incon-
venientes não resultarem do uso licito do prédio d'onde 
(6) Planiol, op. cit., I 2367. 
(7) Cod. Civil, art. 555; Cod. Civil all., art. 90S 
(8) Cod. Civil all, art. 909. 
(9) Cod. Civil, art. 554. 
24 DIREITOS DE VIZINHANÇA 
provêm, ou comprometterem essencialmente o uso do pri-
meiro ( 1 0 ) . 
§ 25. — ARVORES LIMITROPHES. — A arvore, cujo 
tronco estiver na l inha divizoria, presume-se pertencer em 
commum aos donos dos prédios confinantes ( 1 1 ) . 
Cada um dos vizinhos pôde exigir que a arvore seja 
abatida, devendo as despesas ser divididas entre elles, em 
par tes eguaes- O que exige a der rubada d a arvore deve, to-
davia, acarre tar com toda a despesa, quando o outro re-
nuncia ao seu direito sobre ella. Não se pôde exigir que 
seja abatida a arvore que serve de diviza, quando, pelas 
circumstancias locaes, não fôr possivel substituil-a por um 
marco equivalente ( 1 2 ) . 
As raizes e ramos de arvores que ultrapassem a ex-
trema do prédio, poderão ser cortados, até ao plano ver-
tical divizorio, pelo proprietár io do terreno invadido ( 1 3 ) . 
Os fructos cahidos de arvore do terreno vizinho per-
tencem ao dono do solo onde cahiram, si este fôr de pro-
priedade par t icular ( 1 4 ) . 
§ 26- — PASSAGEM FORÇADA. — O dono do prédio 
rústico, ou urbano, que se achar encravado em outro, sem 
sahida pela via publica, fonte, ou porto, tem direito a re-
clamar do vizinho que lhe deixe passagem, fixando-se a 
esta judicialmente o rumo, quando preciso. Os donos dos 
prédios por onde se estabelece a passagem pa ra o prédio 
encravado, têm direito á indemnizaçao cabal ( 1 5 ) . 
A obrigação de soffrer a passagem forçada não tem 
logar, si a communicação entre o prédio encravado e o ca-
minho publico, fonte ou porto, foi destruida por acto arbi-
(10) Cod. Civil all., art. 906. 
(11) Cod. Civil, art. 556. 
(12) Cod. Civil all., art. 923. 
(13) Cod. Civil, art. 558; Cod. Civil all., art. 910. 
(14) Cod. Civil, art. 557; Cod. Civil all., art. 911 
(15) Cod. Civil, arts. 559 e 560. 
DIREITOS DE VIZINHANÇA 25 
trario do proprietário (16). Neste caso, quando, por culpa 
sua, perder o direito de transito pelos prédios eontiguos, po-
derá exigir nova commumcagão com a via publica, pagando 
o dobro do valor da primeira indemnizarão (17). 
Não constituem servidão as passagens e atravessadou-
ros particulares, por propriedades também particulares, que 
se não dirijam a fontes, pontes, ou logares públicos, priva-
dos de outra serventia (18). 
§ 27. — ÁGUAS. — O dono do prédio inferior é obri-
gado a receber as águas que correm naturalmente do su-
perior. Si o dono deste fizer obras de arte, para facilitar o 
escoamento, procederá de modo que não peiore a condição 
natural e anterior do outro (19). 
Quando as águas, artificialmente levadas ao prédio su-
perior, correrem delle para o inferior, poderá o dono deste 
reclamar que se desvie, ou se lhe indemnize o prejuízo que 
soffrer (20). 
O proprietário de fonte não captada, satisfeitas as ne-
cessidades de seu consumo, não pôde impedir o curso na-
tural das águas pelos prédios inferiores (21). 
As águas pluviaes qu correm por logares públicos, as-
sim como as dos rios públicos, podem ser utilizadas por 
qualquer dos proprietários dos terrenos por onde passam, 
observados os regulamentos administrativos (22). 
E ' permittido a quem quer que seja, mediante prévia 
indemnização aos proprietários prejudicados, canalizar, em 
proveito agrícola ou industrial, as águas a que tenha di-
reito, atravez de prédios rústicos alheios, não sendo casa, ou 
sitios murados, quintaes, pateos, hortas, ou jardins. Ao pro-
(16) Cod. Civil all., art. 918 
(17) Cod. Civil, art. 561. 
(18) Cod. Civil, art. 562. 
(19) Cod. Civil, art. 563. 
(20) Cod. Civil, art. 564. 
(21) Cod. Civil, art. 565. 
(22) Cod. Civil, art. 566. 
2b DIREITOS DE VIZINHANÇA 
prietario do prédio prejudicado em tal caso, também assiste 
o direito de indemnização pelos damnos que de futuro lhe 
advenham, com a infiltração ou irrupção das águas, bem 
como com a deterioração das obras destinadas a canali-
zal-as (23). 
§ 28. — LIMITES ENTRE PRÉDIOS. — Todo proprietá-
rio pôde obrigar o seu confinante a proceder com elle á de-
marcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apaga-
dos e a renovar marcos destruidos ou arruinados, repar-
tindo-se proporcionalmente entre os interessados as respecti-
vas despesas (24). 
No caso de confusão, os limites, em falta de outro 
meio, se determinarão de conformidade com a posse ; e, não 
se achando ella provada, repartir-se-á entre os prédios, pro-
porcionalmente, ou, não sendo possivel a divizão commoda, 
se adjudicará a um délies o terreno contestado, mediante 
indemnização ao proprietário prejudicado (25). 
Do intervallo, muro, valia, cerca, ou qualquer outra 
obra divizoria entre dois prédios, têm direito a usar em 
commum os proprietários confinantes, presumindo-se, até 
prova em contrario, pertencer a ambos (26). 
§ 29. — DIREITO DE CONSTRUIR. — O proprietário 
pode levantar em seu terreno as eonstrucçoes que lhe aprou-
ver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos adminis-
trativos (27). 
O Código Civil, em garantia do direito dos vizinhos, 
estabelece as seguintes regras : 
O proprietário pôde embargar a eonstrucção do pré-
dio que invada a área do seu, ou sobre este deite gotteiras, 
(23) Cod. Civil, art. 567. 
(24) Cod. Civil, art. 569; Cod. Civil all., art. 919 
(25) Cod. Civil, art. 570. 
(26) Cod. Civil, art. 571. 
(27) Cod. Civil, art. 572. 
DIREITOS DE VIZINHANÇA 2? 
bem como a daquelle em que, a menos de metro e meio do 
seu, se abra janella, ou se faça eirado, terraço ou varanda. 
Esta regra não se applica a prédios que forem separados 
por estrada, caminho, rua ou qualquer outra passagem, as-
sim como delia se exceptuam as frestas, seteiras ou occulos 
para luz, não maiores de dez centímetros de largura sobrevinte de comprimento. A abertura destes vãos para luz, si 
não pôde ser impedida pelo vizinho, contra elle não pre-
screve, pois a todo tempo pôde levantar casa ou contra-
muro, ainda que lhes vede a claridade (28). 
O proprietário edificará de maneira que o beirai de 
seu telhado não despeje sobre o prédio visinho, deixando, 
entre este e o beirai, quando por outro modo o não possa 
evitar, um intervallo de dez centimetros, quando menos, de 
modo que as águas se escoem (29). 
O proprietário que anuir em janella, saccada, ter-
raço, ou gotteira sobre o seu prédio, só até o lapso de anno 
e dia após a conclusão da obra, poderá exigir que se des-
faça (30). 
Em prédio rústico, não se poderão, sem licença do vi-
zinho, fazer novas corstrucções, ou accrescimos ás existen-
tes, a menos de metro e meio do limite commum (31). 
Às estribarias, curraes, pocilgas, estrumeiras e, em 
geral, as construeçÕes que ineommodem ou prejudiquem a 
vizinhança, guardarão a distancia fixada nas posturas mu-
nicipaes e regulamentos de hygiene (32). 
Nas cidades, villas e povoados, cuja edificação estiver 
adstrieta a alinhamento, o dono de um terreno vago pôde 
edifical-o, madeirando na parede divizoria do prédio conti-
guo, si ella agüentar a nova construcção ; mas terá de em-
bolsar ao vizinho meio valor da parede e do chão corres-
pondente (33). 
(28) Cod. Civil, arts. 573 e 574 
(29) Cod. Civil, art. 575. 
(30) Cod. Civil, art. 576. 
(31) Cod. Civil, art. 577. 
(32) Cod. Civil, art. 578. 
(33) Cod. Civil, art. 579. 
28 DIREITOS DE VIZINHANÇA 
0 confinante, que primeiro construir, pode assentar a 
parede divizoria até meia espessura no terreno contiguo, 
sem perder por isso o direito de haver meio valor delia, si 
o vizinho a trave jar. Neste caso, o primeiro fixará a lar-
gura do alicerce, assim como a profundidade, si o terreno 
não fôr de rocha. 
Si a parede divizoria pertencer a um dos vizinhos e 
não tiver capacidade para ser travejada pelo outro, não 
poderá este fazer-lhe alicerce ao pé, sem prestar caução 
áquelle, pelo risco a que a insufficieneia da nova obra ex-
ponha a construcção anterior (34). 
O condômino da parede meia pode utilizal-a até ao 
meio da espessura, não pondo em risco a segurança ou se-
paração dos dois prédios, e avizando previamente o outro 
consorte, das obras que alli tencione fazer. Não pode, porém, 
sem consentimento do outro, fazer, na parede meia, armá-
rios ou obras semelhantes, correspondendo a outras, da mes-
ma natureza, já feitas do lado opposto (35). 
O dono de um prédio, ameaçado pela construcção de 
chaminés, fogões ou fornos, no contiguo, ainda que a parede 
seja commum, pôde embargar a obra e exigir caução contra 
os prejuízos possiveis (36). 
NEo é licito encostar á parede meia, ou á parede do 
vizinho, sem permissão sua, fornalha, fornos de forja ou de 
fundição,apparelhos hygienicos, fossos, canos de exgoto, de-
posito de sal, ou de quaesquer substancias corrosivas ou sus-
ceptíveis de produzir infiltrações damninhas, salvo si se 
tratar de chaminés ordinárias, ou de fornos de cosinha (37). 
São prohibidas construcções capazes de polluir, ou 
inutilizar para o uso diário, a água de poço ou fonte alheia, 
a ellas preexistente, assim como não é permittido fazer ex-
cavações que tirem ao poço ou á fonte de outrem a água 
(34) Cod. Civil, art. 580. 
(35) Cod. Civil, art. 881. 
(36) Cod. Civil, art. 582 
(37) Cod. Civil, art. 583. 
DIREITOS DE VIZINHANÇA 23 
necessária ; é, porém, permittido fazel-as, si apenas diminuí-
rem o supprimento do poço ou da fonte do vizinho e não 
forem mais profundas que as deste, em relação ao nível do 
lençol d'água (38). 
Todo aquelle que construir com violação dos direitos 
assegurados ao vizinho, é obrigado a demolir as construc-
ções feitas, respondendo por perdas e damnos (39). 
Todo proprietário é obrigado a consentir que entre no 
seu prédio e delle temporariamente use, mediante prévio 
aviso, o vizinho, quando seja indispensável á reparação ou 
limpeza, construcção ou reeonstrucção de sua casa, ou á 
limpesa ou reparação dos exgotos, gotteiras e apparelhos 
iiygíenicos, assim como dos poços e fontes já existentes. 
Mas si d'ahi lhe provier damno, terá direito a ser indem-
nizado (40). 
§ 30. — DIREITO DE TAPÁGEM. — O proprietário tem 
direito a cercar, murar, vallar ou tapar de qualquer modo 
o seu prédio, urbano ou rural, conformando-se com as se-
guintes disposições : 
I — Os tapumes divizorios entre propriedades ruraes 
presumem-se communs, sendo obrigados a concorrer, em 
partes eguaes, para as despesas de sua construcção e con-
servação, os proprietários dos immoveis confinantes; 
II — Por "tapumes" entendem-se as sebes vivas, as 
cercas de arame ou de madeira, as vallas ou banquetas, ou 
quaesquer outros meios de separação dos terrenos, observa-
das as dimensões estabelecidas em posturas municipaes, de 
accôrdo com os costumes de cada localidade, comtanto que 
impeçam a passagem de animaes de grande porte, como se-
jam gado vaccum, cavallar e muar; 
III — A obrigação de cercar as propriedades para de-
ter, nos limites délias, aves domesticas e animaes que exijam 
(38) Cod. Civil, arte. 384 e 385 
(39) Cod. Civil, art. 586. 
(40) Cod. Civü, art. 587. 
;.;o CONDOMÍNIO 
tapumes especiaes, como sejam, cabritos, carneiros e porcos, 
correrá por conta exclusiva dos respectivos proprietários ou 
detentores ; 
IV — Quando fôr preciso decotar a cerca viva ou repa-
rar o muro divizoriOj o proprietário terá direito de entrar 
no terreno do vizinho, depois de o prevenir. Este direito, 
porém, não exclue a obrigação de indemnizar ao vizinho 
todo o damno que a obra lhe occasione ; 
V — Serão feitas e conservadas as cercas marginaes 
das vias publicas pela administração, a quem estas incum-
birem, ou pelas pessoas, ou emprezas, que as explorarem (41). 
CAPITULO III 
Condomínio 
§ 31. — CONCEITO DO CONDOMÍNIO. — A exclusividade 
é um dos traços característicos do direito de propriedade 
(§ 19) : uma eousa não pôde pertencer por inteiro (in so-
lidum) a mais de uma pessoa, ao mesmo tempo. 
Mas não répugna ao conceito do dominio, antes é facto 
freqüente e regulado por lei, que duas ou mais pessoas te-
nham em commum a propriedade da mesma cousa (pro 
parübus indívisis). A cousa sobre que recáe o dominio é 
uma só, integral, indiviza; cada um dos proprietários tem, 
não uma parcella da cousa, mas uma quota-parte do seu 
valor. 
A essa relação jurídica dá-se indifferentemente o 
nome de condomínio, o de propriedade em commum e o de 
comproprieaa.de. Nosso Código serve-se indistinctamente 
(41) Cod. Civil, art. 588, 
CONDOMÍNIO 31 
dos termos —condômino, consorte e comproprietario, quan-
do se refere a um dos titulares da propriedade em com-
mum; nossos escriptores ainda empregam uma quarta deno-
minação, — parceiro. 
§ 32. — OBJECTO DO CONDOMÍNIO. — Segundo a dou-
trina romana, cada condômino tem direito sobre uma parte 
indiviza da cousa (pars indivisa). Esse conceito, comquan-
to universalmente adoptado, é explicado por diversos modos : 
Para muitos escriptores modernos, cada eomproprie-
tario tem uma parte ideal da propria cousa, por fôrma que 
cada molécula, cada ponto material da cousa, fique ideal-
mente dividido entre todos os condôminos (1). 
Outros, considerando que a cousa, um ser material, 
não pôde soffrer divizões que não sejam materiaes, tomam 
como objecto da divizão, não a cousa em si, mas o direito 
de propriedade sobre ella (2). 
Si, porém, levarmos em conta que a relação jurídica 
de propriedade é por natureza indivizivel, é um direito com-
mettido exclusivamente a uma pessoa, contra todas as ou-
tras (erga omves). concluiremos que o que é susceptivel de 
divizão não é o vinculo jurídico, e sim o objecto do direito ; 
como, entretanto, o objecto do domínio não é a cousa em si,mas sim tomada em seu valor econômico de permuta, temos 
que no condomínio a divizão recáe sobre o valor da cousa. 
do qual cada parceiro tem uma quota-parte. 
Tanto assim é, que, reduzindo-se a dinheiro o bem 
sujeito a condomínio, esta relação jurídica desapparece : 
cada comproprietario recebe uma quota-parte do preço. 
§ 33. — NUMERO DE QUINHÕES. — O condomínio pôde 
existir entre duas ou mais pessoas; a lei não limita o nu-
mero máximo de consortes na propriedade colleetiva. mas 
(1) Planiol, op. cit., I. 2497. 
(2) A. DemburjT, Pandectas, Direitos Reacs, § 195 
32 CONDOMÍNIO 
exige que sejam em numero certo, com direito a quotas-
partes determinadas. 
Os quinhões podem ser iguaes, ou desiguaes; no caso 
de duvida, presumem-se iguaes (3). 
§ 34. — EXTENSÃO DO CONDOMÍNIO. — Cada um dos 
comproprietarios tem, dentro de sua quata-parte no valor 
da cousa, domínio sobre a cousa por inteiro. 
Consequentemente, cada condômino pôde : 
I — Usar livremente da cousa. conforme seu destino 
e sobre ella exercer todos os direitos compatíveis com a in-
divição; 
II — Eeivindical-a de terceiro ; 
I I I — Alienar a respectiva parte indiviza, ou gra-
val-a (4) ; 
IV — Como qualquer outro possuidor, pôde defender 
sua posse contra outrem (5). 
§ 35. — RESTRICÇÕES AO DIREITO DO CONDÔMINO. — 
Do facto de, com o poder de cada condômino sobre a cousa. 
concorrer egual poder por parte dos outros, resulta que o 
exercício do direito de cada um soffre as limitações neces-
sárias á segurança do direito de todos. 
Decorrem desse principio as seguintes regras : 
I — Nenhum dos comproprietarios pode alterar a 
cousa commum. sem o consenso dos outros (6) ; 
II — Nenhum condômino pôde, sem prévio consenso 
dos outros, dar possp, uso, ou goso da propriedade a estra-
nhos (7). 
Além dessas restricções, cada condômino é obrigado 
para com os outros, a bem da cousa commum. a actos posi-
tivos, ou prestações, a saber : 
(3) Cod. Civil, art. 639. 
(4) Cod. Civil, art. 634. 
(5) Cod. Civil, art. 623 
(6) Cod. Civil, art. 628 
(7) Cod. Civil, art. 633. 
CONDOMÍNIO 33 
I — Cada consorte responde aos outros pelos fructos 
que percebeu da cousa commum, e pelo damno que lhe cau-
sou (8) ; 
II — O condômino é obrigado a concorrer, na propor-
ção de sua parte, para as despesas de conservação ou divi-
zao da cousa e supportar, na mesma razão, os onus a que 
estiver sujeita (9) ; 
I I I — As dividas contrahidas por um dos condôminos 
em proveito da communhão, e durante ella, obrigam o con-
trahente; mas asseguram-lhe acção regressiva contra os de-
mais (10). 
No caso de algum dos condôminos não se conformar 
com a obrigação que, por alguma destas duas ultimas for-
mas, lhe vier a caber, será dividida a cousa, respondendo o 
quinhão de cada um pela sua parte, nas despesas da divi-
zão (11). 
Quando a divida houver sido contrahida por todos os 
condôminos, sem se discriminar a parte de cada um na 
obrigação collectiva, nem se estipular solidariedade, enten-
de-se que cada qual se obrigou proporcionalmente ao seu 
quinhão, na cousa commum 12). 
§ 36. — KESTRICÇÕES LEGAES DO CONDOMÍNIO. — O 
eondominio é uma situação especial de limitação do direito 
de propriedade; como tal, deve ser interpretado de uma 
maneira restrict!va. 
Nosso Código, fiel á doutrina romana, cria-lhe limita-
ções, difficuldades. Assim é que não admitte condomínio 
perpetuo. 
A regra geral é que em todo tempo será licito ao con-
dômino exigir a divizão da cousa commum (13). 
(8) Cod. Civil, art. 627. 
(9) Cod. Civil, art. 624. 
(10) Cod. Civil, art. 625. 
(10) Esta é a doutrina do nosso Código (arts. 649 e se-
(11) Cod. Civil, §§ únicos dos arts. 624 e 625. 
(12) Cod. Civil, art. 626. 
34 CONDOMÍNIO 
Esta regra soffre duas limitações : 
I — Podem os condôminos, por unanimidade, accordar 
que a cousa fique indivúa, por tempo não maior de cinco 
annos, susceptivel de prorogação ulterior. Dentro desse 
praso, somente a maioria pôde modificar o estado de con-
dominio (14) ; 
II — A indivizão pôde ser estabelecida pelo doador, ou 
ttstador da cousa commum. Neste caso, entende-se que o 
foi somente por cinco annos, ainda que a perpetuidade te-
nha sido condição expressamente estabelecida (15). 
§ 37. — EXTINCÇÃO DO CONDOMÍNIO. — O modo nor-
mal de extincção da compropriedade — é a divízão da 
cousa em partes proporeionaes ao quinhão de cada con-
domino . 
Todavia, quando a cousa fõr indivizivel, ou se tornar, 
pela divizão, imprópria ao seu destino, e os consortes não 
quizerem adjudical-a a um só, indemnizando os outros, será 
vendida e repartido o preço, preferindo-se, na venda, em 
condições eguaes de offerta, o condômino ao estranho, entre 
os condôminos, o que tiver na cousa bemfeitorias mais va-
liosas e, não as havendo, o de quinhão maior (16). 
Si os condôminos forem maiores e capazes, poderão 
fazer partilha amigável. Será sempre judicial a partilha, si 
os condôminos divergirem, assim como si algum délies for 
menor, ou incapaz. Neste caso, tendo de proceder-se á venda 
da cousa commum, se fará em hasta publica (17) . 
§ 38. — ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO. — Cada con-
dômino tem direito ao uso e goso da cousa commum, uma 
vez que com isso não embarace o uso simultâneo dos outros. 
A administração da cousa indiviza cabe aos proprietários 
cm commum (18). 
(14) Cod. Civil, art. 629 § único, combinado com o art. 635 
(15) Cod. Civil, art. 630. 
(16) Cod. Civil, art. 632. 
(17) Cod. Civil, art. 641. combinado com os arts. 1773 e 1777. 
(18) Cod. Civil all-, arts. 743 e 744. 
PROPRIEDADE IÏESOLUVEL 35 
Quando, por circumstancia de faeto, ou por desaccordo, 
não fôr possível o uso e goso em commum, resolverão os 
condôminos si a cousa deve ser administrada, vendida, ou 
alugada (19). 
Si todos concordarem que não se venda, á maioria com-
petirá deliberar sobre a administração, ou locação da cousa 
commum (20). 
Resolvendo se arrendar a cousa commum, preferir-se-á, 
em condições eguaes, o condômino ao estranho (21). 
No caso de se pronunciar pela administração, a maio-
ria escolherá o administrador (22). 
A maioria será calculada, não pelo numero de com-
proprietarios, sinão pelo valor dos quinhões. As delibera-
ções não obrigam, não sendo tomadas por maioria absoluta, 
isto é, por votos que representem mais de meio do valor 
total. Havendo empate, decidirá o juiz, a requerimento de 
qualquer condômino, ouvidos, os outros (23). 
Os fructos da cousa commum, não havendo em contra-
rio estipulação ou disposição de ultima vontade, serão par-
tilhados na proporção dos quinhões (24). 
O condômino, que administrar sem oppcsição dos ou-
tros, presume-se mandatário commum (25). 
CAPITULO IV 
Propriedade resoluvel 
§ 39. — NOÇÃO. — O domínio é um direito por na-
tureza irrevogável : A pessoa que adquire validamente uma 
(19) Cod. Civil, art. 635. 
(20) Cod. Civil, art. 635 I 1.". 
(21) Cod. Civil, art. 636. 
(22) Cod. Civil, art. 635 § 2.» 
(23) Cod. Civil, art. 637 e § | !• e 2." 
(24) Cod. Civil, art. 638. 
(25) Cod. Civil, art. 640. 
36 PROPRIEDADE RESOLUVEL 
cousa não pôde ser privada de seu direito, sinão por um 
aeto expresso, ou implícito, de sua vontade (§ 18). 
Nosso direito estabelece uma limitação dessa regra, 
para a propriedade resoluvel, ou revogavel. 
Considera-se resoluvel, o domínio cuja causa de acqui-
sição encerra uma condição resolutiva, um termo final, um 
principio legal extinctivo do direito do proprietário. 
Verificada a condição, vencido o termo, ou sobreviudo 
um outro justo motivo previsto por lei, extingue-se o direito 
de propriedade. 
§ 40. — CONDIÇÃO RESOLUTIVA- — Chama-se condi-
ção a clausula, derivada exclusivamente da vontade das par-
tes, que subordina o effeito de um acto juridico a evento 
futuro e incerto (1) ; pôde ser estipulada em contraeto, ouimposta em testameuto ou eseriptura de doação. 
As condições dividem-se em suspensives e resolutivas. 
Chama-se condição suspensiva aquella que, emquanto não 
verificada, impede a acquisição do direito, a que viza o acto 
juridico (2) . 
Condição resolutiva é a que, uma vez realizada, ex-
tingue, para todos os effeitos, o direito a que se oppõe (3). 
A situação do adquirente, na transmissão subordinada 
a condição resolutoria, é a mesma do aliénante, quando 
existe condição suspensiva ; e vice-versa •. a situação do alié-
nante, no primeiro caso, é a mesma do adquirente, no se-
gundo. Si a condição suspensiva se realiza, ou si não oc-
corre a condição íesolutiva, o adquirente fica com a proprie-
dade plena. Si, ao contrario, não se verifica a condição sus-
pensiva, ou si sobrevém a condição resolutoria, o aliénante 
readquire a plena propriedade sobre a cousa. 
Tanto num, como noutro caso, ficam duas pessoas 
com direito de propriedade sobre a cousa : uma, com di-
(1) Cod. Civil, art. 114. 
(2) Cod. Civil, art. 118. 
(3) Cod,. Civil, art. 119 
PROPRIEDADE RESOLUVEL 37 
reito actual, — resoluvel, e outra, com direito futuro, — 
possível. 
Cada condição pôde, portanto, ser tomada sob dois as­
pectos : é resolutiva e é suspensiva. A condição suspensiva, 
isto é, aquella cujo implemento o direito do adquirente 
aguarda, é resolutiva em relação ao direito do aliénante ; por 
outro lado, a condição resolutoria, isto é, aquella que, uma 
vez realizada, extingue o direito do adquirente, é suspen­
siva em relação ao direito eventual do aliénante (4). 
CONCLUSÃO. — Tem propriedade resoluvel o adquirente 
sob condição resolutoria, ou o aliénante sob condição sus­
pensiva ■ 
§ 41. — TERMO FINAL. — Chama­se termo a clausula, 
derivada exclusivamente da vontade das partes, que subor­
d'na o effeito de um acta jurídico a um acontecimento fu­
turo, mas infallivel. 
O termo pôde ser inicial, ou final : E7 inicial, quando 
o ef feito do acto jurídico começa com o vencimento delle ; é 
final, quando, uma vez vencido, põe fim ao effeito do acto. 
0 termo pôde ser de vencimento certo, ou incerto, 
Tem­se termo de vencimento certo, quando para elle é fi­
xado uma data. O termo é de vencimento incerto, quando 
a data, em que o acontecimento futuro ha de realizar­se. 
não é conhecida; o exemplo typico de um termo dessa na­
tureza — é a morte de uma determinada pessoa (5) : Um 
usufrueto vifalicio resolve­se pela morte do usufructuario. 
§ 42. — CONFRONTO ENTRE TERMO E CONDIÇÃO. — En­
tre o termo e a condição, ha dois traços communs : 
1 — O acontecimento, de que o acto depende, é, em 
ambos, futuro ; 
II — Em ambos, a dependência, em que o acto fica, de 
(4) Plaaiol, op. cit., I, 2350 
(5) Píaniol, op. cit., I, 312. 
.-JS PROPRIEDADE RESOLUVEU 
um acontecimento futuro — é estabelecida pela vontade das 
partes (6) . 
As duas modalidades dos actos jurídicos distinguem-se 
por um traço característico, que cada um apresenta : o acon-
tecimento futuro chamado — condição — é incerto, pode 
realizar-se, ou não; o acontecimento futuro chamado — termo 
— é certo, tem de realizar-se infallivelmente, seja, ou não, 
previamente fixado o dia do vencimento (7). 
Segundo o nosso Código, que se inspirou na doutrina 
moderna, do Código Civil allemão, não ha difference no 
modo de acção da condição e do termo : ao termo inicial se 
applicam as disposições relativas á condição suspensiva, e ao 
termo final cabe o disposto acerca da condição resolu-
tiva (8). 
§ 43. — CONDIÇÃO EXPRESSA E CONDIÇÃO TÁCITA- — A 
condição pôde ser expressa, ou tácita. E ' expressa, quando 
formulada no acto da transmissão do domínio; é tácita, 
quando decorre da modalidade do acto jurídico, de determi-
nadas circumstancias, que a façam presuppôr. 
No primeiro caso, a condição, ou o termo, opera de 
pleno direito; no segundo, depende de interpellação judi-
cial (9). 
§ 44. — EESOLUÇÃO DO DOMÍNIO POR UM OUTRO PACTO 
SUPERVENIENTE- — Em muitos casos, a revogação da proprie-
dade não decorre do implemento de uma condição, isto é, 
não se origina de accôrdo preestabelecido entre as partes, 
mas de um outro facto superveniente, a que a lei dá o valor 
(6) Planiol, op. cit., I, 309. 
(7) Planiol, op. <iit., I, 310. 
(8) Cod. Civil, art. 124. — O estudo doa termos e condições 
pertence a "Parte Geral do Direito Civil" (Código Civil, "Parte 
Geral", Liv. III. Cap. I l l , "Das modalidades dos actos jurídicos". 
Aqui se relembram, entretanto, essas noções geraes. para maior 
clareza do assumpto. 
(9) Cod. Civil, art. 119 § único. 
-
PROPRIEDADE RESOLUVEL 3 9 
de revogar o acto da transmissão. Exemplo : a ingratidão 
do donatário dá ao doador o direito de promover a revoga-
ção da doação (10). 
Não se pode dizer que nesse caso a revogação se dá 
pela verificação de uma condição resolutiva tácita, de com-
metter o donatário contra o doador actos especificados de 
ingratidão ; tanto não é uma condição, que o doador não 
pode antecipadamente renunciar a esse direito (11). 
§ 45. — EFFEITOS DA RESOLUÇÃO EM RELAÇÃO A TER-
CEIROS. — Segundo a doutrina clássica, seguida pelo Código 
Civil francez. a revogação da propriedade, quanto aos ef-
feitos que produz em relação aos terceiros, pode ser ex-tunc, 
ou ex-nunc, conforme se opera, ou não, de uma maneira 
retroactive. 
A primeira fôrma de resolução dá-se quando o domí-
nio está sujeito a uma condição resolutiva ; nesse caso, si ao 
tempo em que a condição se realiza, o proprietário já tem 
alienado ou gravado a eousa, os effeitos da resolução se 
produzem contra os terceiros adquirentes, credores hypothe-
carios, etc, cassando-lhes o direito, de accòrdo com o princi-
pio : resoluto jure dantis, resolvitur jus accepientis. O im-
plemento de uma condição resolutiva produz, em regra, os 
mesmos effeitos que a annullacão ou rescizão do acto de 
transmissão do domínio. 
A segunda forma de resolução, — ex-nunc, — tem lo-
gar quando o direito de propriedade está subordinado a um 
termo final, ou a um outro facto superveniente, a que a lei 
liga esse effeito. Nesse caso, subsistem os actos anteriores 
de transmissão, ou oneração, praticados pelo proprietário de-
cahido; e aquelle, em favor de quem se resolveu o dominío. 
pode tão somente pedir a cousa, ou o seu valor (12). 
(10) Cod. Civil, art. 1181 
(11) Cod. Civil, art. 1182 
40 PROPRIEDADE RESOLUVEL 
§ 46. — DOUTRINA DO NOSSO CÓDIGO. — A doutrina 
moderna combate o principio da retroactividade da resolução 
da propriedade, como sendo uma fonte de incertezas, amea-
ças, surpresas, prejuízos freqüentes, não só em relação ao 
proprietário, como contra terceiros, que com elle tratem de 
boa fé (13). ,, r 
Nosso Código, reproduzindo a doutrina do Código Civil 
allemão, que em parte transigiu com a corrente moderna, 
supprimiu a retroactividade da resolução da propriedade 
pelo implemento de uma condição, mas estabeleceu que os 
effeitos dessa resolução se estendam a terceiros ; estes per-
dem o direito que adquiriram do proprietário sujeito á clau-
sula condicional resolutiva, mas sem retroactividade ; contra 
elles, o implemento da condição resolutoria produz o effeito 
de um termo extincüvo, que tão somente para o futuro põe 
fim ao seu direito (14) ; não ficam, assim, sujeitos á resti-
tuição dos fructos, á prestação dos lucros cessantes, etc. 
Diz o Código : 
Resolvido o dominio pelo implemento da condição, ou 
pelo advento do termo, entendem-se também resolvidos os 
direitos reaes concedidos na sua pendência, e o proprie-
tário, em cujo favor se opera a resolução, pôde reivindicar 
a cousa do poder de quem a detenha (15). 
Si, porém, o dominio se resolver por outra causa su-
perveniente, o possuidor, que o tiver adquirido por titulo 
anterior á resolução, será considerado proprietário perfeito, 
restando á pessoa, em eujo beneficio houvea resolução, ac-
ção contra aquelle, cujo dominio se resolveu, para haver a 
propria cousa, ou seu valor (16). 
(12) Planiol, op. cit., I, 316 e 2351; Aubry et Bau, IV, pa-
ragraphe 220 "bis" ; Projecto primitivo do Cod. Civil Brasi'eiro. 
arts. 653 e 653. 
(13) Planiol, op. cit., I, 2353. 
(14) Planiol, op. cit., I, 2355; Cod. Civil all., arts. 158 e 161. 
(15) Cod. Civil, art. 647. 
(16) Cod. Civil, art. 648. 
PROPRIEDADE LITTERARIA, SCIENTIFICA E ARTÍSTICA 4 1 
CAPITULO V 
Propriedade litteraria. scientifica e artística 
§ 47. — NOÇÃO THEORICA. — Ao estabelecer-se o con-
ceito de direito real, ficaram firmadas as seguintes regras : 
I — O objecto de um direito dessa categoria (do do-
mínio, direito real por excellencia), não é a cousa em si, 
sinão considerada no seu valor econômico de permuta ; 
II — O traço differencial entre direitos reaes e pes-
soaes não é a natureza do objecto, e sim a característica, 
que todos os direitos reaes apresentam, de se oppôrem a toda 
e qualquer pessoa, — erga om/nes, — emquanto que os direi-
tos obrigacionaes têm um sujeito passivo individualmente 
determinado ; 
I II — Não são somente as cotisas materiaes que podem 
ser objecto de um direito real, mas sim qualquer cousa, eor-
porea ou incorporea (um direito, uma regalia, uma van-
tagem), que, podendo ser opposta erga omnes, seja economi-
camente apreciável e susceptível de apropriação exclusiva 
(§ 20). 
Desses princípios se conclue que não ha difference sub-
stancial entre o direito de que é titular o proprietário de 
um bem material, — movei ou inimovel, — e os direitos do 
autor de uma obra litteraria, scientifica ou artística, do in-
ventor sobre seu invento privilegiado, do industrial sobre 
sua marca registrada, do negociante sobre sua firma ou ra-
zão commercial. 
Dessas quatro ultimas ordens de relações jurídicas, so-
mente os direitos autoraes foram tratados pelo nosso Código 
Civil ; as patentes de invenção, as marcas de fabrica, os no-
mes commerciaes, formam objecto de legislação especial (no-
tas ao § 20). 
§48. — CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS AUTORAES NO QUA-
DRO DOS DIREITOS REAES. — Das diversas objecçoes que se 
têm levantado contra a inclusão dos direitos de autor no 
4 2 PROPRIEDADE LITTEBARIA, SCIENTIFIC A E ARTÍSTICA 
quadro das relações reguladas pelo Direito das Cousas, a 
principal e mais autorizada é a seguinte : 
" E ' erro vulgar suppôr que o producior é necessaria-
mente proprietário do proãucto. Toda producção é um tra-
balho e todo trabalho merece salário; mas d'ahi á idéa de 
propriedade, vae grande distancia. A possibilidade de uma. 
apropriação não depende dos desejos do homem, mas da na-
tureza das cousas. O mundo material é destinado á apro-
priação, porque só pode dar seu máximo de rendimento util 
— pela repartição das cousas entre os individuos, com deli-
mitação de seus direitos sobre ellas. O mundo das idéas é 
de natureza toda différente : é feito para a communhão. A 
idéa só se torna util, pela sua expressão : seu triumpho su-
premo seria tornar-se commum a todos os homens. Note-se 
que essa communhão pôde estabelecer-se sem altrar ou dimi-
nuir o goso e posse que tem delia o autor; ao contrario, o 
poder de uma idéa communicada torna-se maior" (1). 
A razão de ser dessa objeeção está em que o escriptor 
que a formula se colloea em um ponto de vista pelo qual o 
objecto de um direito sobre uma cousa se confunde com a 
propria cousa. 
Uma vez que se firme qual o objecto do direito asse-
gurado ao autor de uma obra litteraria, scientifica, ou ar-
tística, essa duvida desapparece. 
O objecto do direito autoral não é a cousa material, o 
manuscript© levado ao editor, por exemplo ; também não é o 
pensamento, a concepção da obra, o conjuneto abstraeto de 
idéas que ella representa- E ' a utilidade econômica que se 
pode tirar dessa concepção, dessa coordenação de idéas. 
Quem compra um livro — paga duas cousas: o custo 
material do volume e o valor intellectual da obra ; o direito 
autoral tem por objecto esse segundo elemento: a parte eco-
nômica com que as idéas contidas no livro concorrem para 
o valor da edição. 
Ainda mais, do facto de ter escripto o livro, resulta, 
(1) P lan io l , op. cil. , I , 2.145. 
PROPRIEDADE LITTER ARI A, SCIENTIFIC A E ARTÍSTICA 4 3 
para o autor, uma vantagem econômica : a nomeada que o 
livro lhe proporciona, e que lhe pôde ser util, facilitando-
Ihe a carreira profissional, augm^ntando-lhe o valor de obras 
futuras, etc. 
Essa vantagem econômica ainda faz parte do direito 
autoral, completa o conceito do objecto dessa ordem de rela-
ções jurídicas, é susceptível de apreciação pecuniária, de 
alienação. "E J susceptível de cessão o direito, que assiste ao 
autor, de ligar o nome a todos os seus productos intelle-
ctuals" (2) . 
O objecto do direito autoral consiste nas vantagens eco-
nômicas que se podem tirar com a detenção exclusiva da rea-
lização material de uma determinada coordenação de con-
ceitos, por escripto, da concepção de um quadro, de uma es-
tatua, de uma composição musical, etc, tomada essa objectí-
vação do esforço intellectual, isto é, a obra litteraria, scien-
tifica, ou artística, não só em relação á sua reproduceão, 
como também quanto ás regalias resultantes para o autor, 
do facto de lhe ser ella attribuída. 
§ 49. — NOÇÃO HISTÓRICA. — Antes da descoberta da 
imprensa e dos meios mecânicos de reproducção de obras 
d'arte, não se cogitava da garantia legal dos direitos do 
autor. Comquanto esses direitos tirem seu fundamento 
dos princípios de Direito Eomano, reguladores das relações 
de domínio, não se encontra na legislação romana nenhuma 
referencia aos direitos autoraes. 
Com a imprensa e as artes delia dirivadas, surgiu a 
necessidade da protecção do autor contra a reproducção 
clandestina de suas obras. Ao principio, o autor obtinha um 
privilegio do rei, concedido sob a forma de carta de chart-
cellaria, que era estampada na edição autorizada. 
Com a Eevoluçao Franceza, appareceram as primeiras 
leis reguladoras da materia : a de 3 de Janeiro de 1791, 
que concedia aos autores dramáticos o direito exclusivo de 
(2) Cod. Civil, art. 667, 
4 4 PROPRIEDADE LITTER ARI A, SCIEXTIFICA E ARTÍSTICA 
reprodueção, por toda a vida, e por sua morte, aos seus her-
deiros, durante cinco annos, e a de 19 de Julho de 1793. 
que extendeu esse beneficio a todos os autores de obras lit-
terarias, aos compositores de musica, aos pintores e dese-
nhistas, prolongando por 10 annos o direito dos herdeiros 
do autor (3). 
Entre nós, a garantia dos direitos autoraes recebeu ex-
pressão legal explicita com o Código Penal, com a Consti-
tuição da Republica e com a Lei n. 496, de 1." de Agosto 
de 1898, consolidada por Carlos de Carvalho no corpo do 
nosso Direito Civil (4) . 
§ 50. — DURAÇÃO DOS DIREITOS AUTORAES. — Ao fir-
mar-se o conceito do domínio, ficou, entre outros princípios, 
estabelecido: E ' um direito perpetuo; isto é, aquelle que ad-
quire validainente uma cousa, fica para sempre com a pro-
priedade delia, de que não pode ser privado, sinão por um 
acto expresso ou implícito de sua vontade, transmittindo-se 
o seu direito integralmente a seus herdeiros e successores 
(§ 18). 
Abre-se, entretanto, excepçao a essa regra, para os di-
reitos do autor de obra litteraria. scientifica, ou artística, 
que são temporários (5). 
Tem-se a explicação dessa excepçao, pelo fundamento 
social do direito de propriedade (§§ 3.° e 4.°) : 
A razão por que a sociedade reconhece e protege a 
propriedade individual, está em que esta proporciona a pos-
sibilidade de um mais perfeito aproveitamento das cousas. 
Da mesma fôrma que a capacidade produetiva de 
qualquer bem material é augmentada pelos cuidados de que 
só é capaz o esforço individual do dono, estimulado pela 
certeza da exclusividade e perpetuidade

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