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A história do surdo

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Processo de Aquisição e Produção Escrita do Português por Alunos Surdos
Sheila Cristina Silva
Orientador: Davi Borges de Albuquerque[1: Doutorando do programa de Pós – Graduação em linguística da Universidade de Brasília (PPGL – UNB). Professor substituto da Universidade Federal de Sergipe(UFS) e professor adjunto da Faculdade Pio Décimo. ]
RESUMO:
O surdo apresenta certa dificuldade no aprendizado da língua portuguesa, esta é uma deficiência normal para aprendizado o de uma segunda língua, as dificuldades também estão presentes na leitura e escrita já que o processo é feito em duas línguas: a LIBRAS e Língua Portuguesa. Foi através da análise desses problemas de aprendizagem vivenciadas em sala de aula, que despertamos para a abordagem sobre processo de escrita do surdo como também a importância de o professor conhecer as particularidades de cada língua inserida neste processo de aprendizagem, para que no primeiro contato destes profissionais com um texto produzido por surdos, não gere uma má interpretação em decorrências das diferenças estruturais de frases que inconscientemente estão presentes em um texto escrito por um indivíduo em segunda língua.
Palavras – Chave: Escrita; Libras; Português; Surdo .
RESUMEN
Sordos presenta alguna dificultad en el aprendizaje de la lengua portuguesa, se trata de una deficiencia normal para aprender un segundo idioma, son también presentan dificultades en la lectura y la escritura ya que el proceso se realiza en dos idiomas: las libras y portugueses. Fue a través del análisis de los problemas de aprendizaje con experiencia en el aula, nos despertamos a la aproximación al proceso de escritura de las personas sordas, así como la importancia del profesor para conocer las particularidades de cada idioma incluido en este proceso de aprendizaje, por lo que el primer contacto de estos profesionales con un texto producido por el sordo, no genera una mala interpretación de las diferencias estructurales en las consecuencias de frases que son inconscientemente presente en un texto escrito por un individuo en un segundo idioma. 
Palabras – clave: Sordo; português; Escrita. 
Introdução
 
O processo de aquisição da língua portuguesa pelo surdo é muito complexo. Hoje, um dos maiores desafios na educação inclusiva, pois requer muito empenho dos profissionais envolvidos nesse processo em buscar estratégias e métodos de ensino que leve o surdo ao aprendizado da língua portuguesa.
A falta de conhecimento da estrutura gramatical da LIBRAS e o processo de transcrição da mesma para o português leva muito ouvinte a acreditar que o surdo não sabe escrever e que seus textos não fazem sentido.
Diante do que já foi dito, esse artigo tem como objetivo abordar alguns conceitos e particularidades do surdo e seu processo de escrita, apresentando uma amostragem de alguns fragmentos de textos produzidos por surdos matriculados na rede estadual de ensino e na escola de surdo da rede particular de ensino do município de Aracaju – SE, IPAESE (Instituto Pedagógico de Apoio à Educação do Surdo de Sergipe). Os dados foram coletados no período de estágio realizado na APADA-SE (Associação de Pais e Alunos com Deficiência Auditiva) com as turmas de 8º e 9° ano. 
A APADA – SE foi fundada no dia 21 de junho de 1991.  Uma das principais preocupações da entidade é trabalhar para que seus alunos estejam preparados para o mercado de trabalho, fazendo com que venham a se sentir realizados. Além do ensino de LIBRAS (Língua brasileira de sinais), e das turmas em diversos níveis de escolaridade, os alunos contam também com aulas de educação física, capoeira, corte e costura, pintura e introdução à informática, dispondo ainda de toda a aparelhagem necessária para o seu bem-estar. A instituição está localizada na Rua Joana de Souza Bonfim 200 - Inácio Barbosa - Aracaju, SE. 
O IPAESE é pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos fundada em 27 de Dezembro de 2000 por um grupo de pais de crianças surdas, surgindo como a primeira escola especializada para surdos em Sergipe. A metodologia de ensino é bilíngue, ou seja, adquire-se o conhecimento através da sua primeira língua L1 – Língua Brasileira de Sinais, e como segunda língua o Português escrito. Dessa forma há maior possibilidade de assimilação por parte do aluno surdo dos assuntos estudados até que se familiarize com a língua portuguesa. A escola está localizada na Av. Mario Jorge Menezes Vieira, 3172. Bairro: Coroa do Meio, Aracaju, SE.
O artigo será dividido em: Introdução - será apresentada toda a metodologia usada para produzir o artigo. Educação dos Surdos e Aquisição de línguas: apresentara todo histórico da educação do surdo e como acontece o processo de aquisição da LIBRAS e do português para o surdo. Produção de Texto e Surdez – apresenta as diferenças gramaticais do Português e da LIBRAS que causa dificuldade para a produção textual do surdo. Amostra de textos produzidos por alunos surdos – pequenos fragmentos de textos produzidos por alunos surdos durante o estágio serão analisados e Conclusão. 
O Decreto Federal 5.626, de 22 de dezembro de 2005 em seu parágrafo único considera como deficiente auditivo aquele que apresenta perda bilateral, parcial ou total de 41 decibéis ou mais (dB), aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 2.000Hz, 3.000 Hz.
O mesmo Decreto citado acima, estabelece que os alunos surdos devem ter uma educação bilíngue, em que a LIBRAS é a primeira língua e a língua portuguesa, na modalidade escrita, a segunda. A LIBRAS tem o papel de intermediar o acesso desses alunos com os conteúdos de todas as disciplinas, por isso quanto mais cedo a criança surda tiver contato com a sua primeira língua maior será as chance de ela ter um bom desempenho na escola. 
Educação do surdo e aquisição de línguas
A história do surdo, como qualquer portador de deficiência, foi marcada por sofrimento e perseguição. No período da inquisição, a deficiência estava ligada ao demônio e, portanto o indivíduo deveria se submeter a torturas para pagar os pecados. Com o avanço da medicina o deficiente passou a ser visto sob o olhar clínico como ser incurável e, como não tinha serventia para o trabalho, vivia a margem da sociedade ou jogado em instituições de apoio.
A primeira escola pública para ensino de pessoa surda foi fundada em Paris por Charles Michel L’epée em 1755. No Brasil, a educação do surdo foi iniciada no período imperial quando D. Pedro II trouxe o francês Ernest Heut e em 1857 fundou o Imperial Instituto de Surdo- Mudo hoje conhecido como INES (Instituto Nacional de Educação de Surdos), situado no Rio de Janeiro. O trabalho de Ernest Heut era focado no uso da língua de sinais e a escrita do português, Heut foi o introdutor da língua de sinais francesa no Brasil.
Em 6 de setembro de 1880, educadores de vários países se reuniram na Itália no Congresso Mundial de Educação de Surdos de Milão para discutir sobre métodos de ensino. Na conferência foi decidida a exclusão do uso de língua de sinais em sala de aula sob a alegação de que o uso dos sinais gera acomodação e consequentemente o desinteresse pela linguagem oral, e o uso simultâneo da língua oral e língua de sinais prejudicam a fala e leitura labial. As decisões do Congresso de Milão resultaram em um atraso no processo de aprendizado do surdo no Brasil, hoje é possível perceber um número grande de alunos surdos com idade avançada nas séries iniciais, dificultando o ingresso desses no mercado de trabalho.
Essa realidade de fracasso é enfim os resultados de uma gama complexa de representações sociais sejam históricas, culturais, linguísticas, politicas, respaldadas em concepções equivocadas que reforçam práticas em que o surdo é condicionado a superar a deficiência, buscando tornar-se igual aos demais. (SALES, 2004, p.57). 
 
Um marco no processo educacional do deficiente auditivo foi a Declaração de Salamanca de 1994, documento que serviu de parâmetro para reformular todo processo de inclusão mundial. Esse documentodefende a educação pautada no respeito às diferenças de aprendizado cultural e social de cada indivíduo, cabendo à escola adequar-se as diferenças de modo a atender a todos sem discriminação. Em relação ao surdo, a linguagem de sinais deve ser reconhecida no processo educacional destes.
Se educação é direito de todos e dever do Estado e da família, como relata a Constituição da República Federativa do Brasil em seu Art.205, a educação especial também tem direitos garantidos por meio de legislação específica e um conceito formulado pelo Conselho Nacional de Educação:
Educação Especial, modalidade de educação escolar, entende-se como um processo educacional que se materializa por meio de um conjunto de recurso e serviço educacionais especiais, organizados para apoiar, complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação formal e promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais, diferentes das da maioria de crianças e jovens, em todos os níveis e modalidades de educação. (Diretrizes Nacionais para a educação Especial na educação Básica, Resolução nº 02/2002 do CNE).
A legislação deixa livre o uso de novas ferramentas que, somando com as metodologias tradicionais, agreguem e promovam o aprendizado do aluno especial como, por exemplo, o uso simultâneo da linguagem de sinais e a linguagem oral, no caso do surdo. Por meio do respeito à singularidade do indivíduo quanto perfil, faixa etária e suas necessidades educacionais especiais, a legislação oferece oportunidade a este educando de realizar seus projetos pessoais e se firmarem na sociedade como indivíduos atuantes e com identidade cultural.
A forma mais concreta do reconhecimento da cidadania do surdo foi a formalização da Língua Brasileira de Sinais como língua oficial da comunidade surda, através da lei federal nº 10.436, de 24 de abril de 2002. A lei deixa bem claro que o uso da LIBRAS não isenta o surdo de conhecer a língua portuguesa, ou seja, a língua majoritária do seu país, ficando bem claro em seu parágrafo único “A Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS não poderá substituir a modalidade escrita da língua portuguesa”.
A LIBRAS é o veículo de comunicação utilizado pela comunidade surda em espaços como associações, pontos de encontro entre outros. Ela tem a mesma função da linguagem oral para os ouvintes, por esse motivo seu papel é o de primeira língua, já o português escrito representa a língua do país onde os surdos vivem, no caso do Brasil, ele necessita dela para interação social, ter acesso a informações e direitos de cidadão como: educação, fazer concursos públicos, entrar no mercado de trabalho e etc. Portanto, o Português tem o papel de segunda língua (L2).
Antes de prosseguir com os estudos, vale a pena conceituar e distinguir alguns termos utilizados nesta abordagem como: APRENDIZAGEM e AQUISIÇÃO e a diferença entre LÍNGUA ESTRANGEIRA e SEGUNDA LÍNGUA. Para LEFFA (1988 p. 202) entende-se por aprendizagem o desenvolvimento formal e consciente da língua, normalmente obtido através da explicitação de regras. Aquisição é o desenvolvimento informal e espontâneo da segunda língua, obtido através de situações reais, sem esforço consciente. 
Ainda com base no mesmo autor citado acima, a diferença entre língua estrangeira e segunda língua está em quando a língua estudada é utilizada fora da sala de aula pela comunidade é segunda língua (exemplo de brasileiro que estuda na França), já a estrangeira é a língua utilizada em sala de aula não sendo utilizada pela comunidade (exemplo: aluno que estuda inglês no Brasil). 
Para Quadros (2006, p20), “o estágio de aquisição da linguagem de crianças surdas é semelhante ao das crianças ouvintes até a fase de balbuciar, quando o ouvinte passa a pronunciar palavras o surdo dá início à gesticulação”. Um dos problemas na aquisição da linguagem de sinais é que a maior parte dos surdos nasce em família de pais ouvintes que não conhecem sinais, isso contribui para que o desenvolvimento da criança estanque. Já os que nascem de pais surdos estão em um ambiente natural e o aprendizado flui de maneira contínua e a aquisição da linguagem acontece de forma rápida. Na verdade o aprendizado é algo muito complexo em se tratando de um aluno surdo, vário fatores estão inseridos nesse processo como: sua interação social, o grau de surdez, perda de audição quando tinha certa idade, apoio familiar e empenho de profissionais que participam desse processo educacional.
A aquisição da L1 interfere diretamente no aprendizado da L2, visto que um rico conhecimento de sinais e um bom desenvolvimento cognitivo na língua materna (LIBRAS) facilitam no aprendizado do português, já que no primeiro contato do surdo com o português não existe ainda o processo de letramento.
A língua de sinais também apresenta um papel fundamental no processo de ensino – aprendizagem do português. A ideia não é simplesmente uma transferência de conhecimento da primeira língua para a segunda língua, mas sim um processo paralelo de aquisição de aquisição e aprendizagem em que cada língua apresenta seus papéis e valores sociais representados. (QUADROS,2006 p.24).
Por não ser letrado em sua língua, o surdo passa a concretizar a escrita da LIBRAS através do português escrito e o processo de aquisição deste é semelhante ao de uma língua estrangeira. Neste momento é importante perceber que por se tratar de línguas existem particularidades na estrutura gramatical que devem ser respeitadas e compreendidas para que o profissional faça a ponte entre as duas línguas tais como:
A língua de Sinais é visual – espacial e a língua portuguesa oral – auditiva.
A escrita é feita sempre em letra maiúscula. Ex: MAMÃE HOJE NERVOS@. (Mamãe hoje está nervosa). 
Ausência de artigo em LIBRAS. Ex: CACRORRO@ MUITO CORRER. (O cachorro corre muito).
Na LIBRAS não existe desinência de número e gênero, as palavras que na língua portuguesa possuem essa marca será substituída por @ para reforçar essa ausência. Ex: MENIN@, AMIG@, e etc.
Diferente do português, em LIBRAS, as preposições e advérbios apresentam um número reduzido de elementos que estão restritos, sobretudo às relações de lugar.
Em LIBRAS Não se usa conjunções. 
Em LIBRAS, o verbo não é flexionado e as marcas temporais serão introduzidas por marcadores de tempo. Ex: AMANHÃ EU ESTUDAR (Eu estudarei amanha), PASSADO VOCÊ VIAJAR (Você viajou). 
Produção de texto e surdez. 
Para alfabetizar um surdo é importante que algumas etapas sejam seguidas: o objeto, o sinal (LIBRAS) e o código escrito. O objeto em questão deve ser exposto e apreciado visualmente em seguida deve ser mostrado o sinal que indica o objeto em LIBRAS, para que o surdo depois de internalizar as informações referente ao objeto seja apresentado a escrita do nome em português. Dessa forma as palavras ganham significado para o aluno surdo.
A língua escrita não decorre da interação face a face em contextos comunicativos, onde ambos os interlocutores estão presentes. A língua escrita vai além disso: ela permite a comunicação sem depender de tempo e lugar. Isto se reflete na sua estrutura e nas suas necessidades de explicação. Isto deve ser profundamente compreendido pala criança [surda]. Caso contrário a língua escrita poderá ser inicialmente considerada pela criança como um outro modo de comportamento estranho e confuso em situações comunicativas. (Svartholm, 1999 apud SALES, 2004). 
 No período do estágio realizado na APADA- SE pudemos perceber que maior parte das crianças surdas que convivem em famílias de pais ouvintes não participam das conversas domésticas por falta de domínio dos pais em línguas de sinais ou por estes acharem desnecessário a participação desta criança nas discussões já que “elas não entendem mesmo” . Essa atitude contribui para o empobrecimento do conhecimento de mundo e o senso crítico da criança sobre os acontecimentos sociais onde a mesma está inserida. Decorrente dessetipo de situação é muito normal a criança surda chegar à escola sem conhecimento da língua utilizada no ambiente escolar e fraco conhecimento prévio adquirido da interação com a comunidade onde esta inserido. 
Alguns pesquisadores da surdez como Lane, Huffmester e Baham(1996) afirmam que:
 
... Tal conhecimento ajuda os alunos a criarem expectativas e hipóteses sobre os significados dos textos, não apenas de vocábulos isolados. Permite, ainda, lembrar o que leram um processo que é ajudado pela integração de informação nova àquilo que já sabem. Para os mesmos autores, o conhecimento que as crianças trazem para os textos inclui histórias que são passadas através das gerações, assim como acontecimentos do dia a dia, regras e valores culturais. (Lane, Huffmester e Baham 1996 apud PEREIRA, 2004). 
Crianças ouvintes estão a todo momento absorvendo informações que aguçam seu senso crítico e enriquecem seu vocabulário, ao chegar à escola essas crianças já trazem um certo conhecimento sobre a língua portuguesa, cabendo ao professor auxiliar na organização das ideias e ensinar regras que estruturem esse código linguístico. Situação diferente da criança surda, que geralmente tem seu primeiro contato com a língua portuguesa na escola e muitas delas apresentam domínio fraco dos sinais de LIBRAS, cabendo à escola promover essa aprendizagem, e o processo de aquisição da segunda língua acaba ficando prejudicado. 
Uma análise do processo de ensino da leitura e da escrita de alunos surdos leva a acreditar que muitos dos resultados insatisfatórios, obtido com maior parte dos alunos, não decorrem da dificuldade de lidar com símbolos escritos, mais da falta de uma língua construída com base na qual possa construir a escrita. (PEREIRA, 2009, p.14).
No processo de aquisição de uma segunda língua acontece uma sucessão de estágios em que o indivíduo constrói mentalmente esquemas gramaticais que vão caminhando em direção à língua – alvo (nova língua que se deseja aprender). Esses estágios diferentes, que são como degraus, levam à aquisição de uma segunda língua são conhecidos como interlínguas. Quadros (2006) afirma que a segunda língua apresentará vários estágios de interlíngua, isto é, no processo de aquisição do português, as crianças surdas apresentarão um sistema que não mais representa a primeira língua, mas ainda não representa a língua alvo. Apesar disso, estes estágios da interlíngua apresentam características de um sistema linguístico com regras próprias e vai em direção à segunda língua. (BROCHADO, 2002 apud QUADROS 2006).
O texto escrito é peça fundamental na comunicação entre surdos e ouvinte, embora a língua portuguesa não seja sua língua materna, porém o surdo está inserido em uma sociedade cuja língua majoritária é o português e ele precisa ter certo domínio deste código para identificar uma rua, ter acesso a médicos, ter conta em banco, entrar em um curso superior, entre outras coisas.
É visível a diferença entre a língua oral e de sinais, e o maior obstáculo do surdo na sua produção textual é fazer a conexão ente frases, orações e parágrafos, ou seja, construir uma sequência organizada de pensamentos que tornem o texto coerente para o ouvinte. Essa dificuldade leva muitas pessoas a pensarem que o texto produzido pelo surdo não tem coerência. Segundo SALES (2004) “pesquisas revelam que textos em português escritos por surdos usuários de LIBRAS apresentam alguns problemas na forma, mas não tem violado o princípio de coerência. O surdo consegue expressar de forma inteligível suas ideias”. (SALES, 2004, p.35). É importante frisar que mesmo o texto sendo inteligível não se descarta a importância da norma gramatical cabe, portanto, ao professor ir norteando esse processo de aprendizado com metodologias que facilitem a assimilação do aluno em relação as normas gramaticais.
Amostra de produção textual de alunos surdos
Os dados que serão analisados foram coletados no período de estágio realizado na APADA - SE (Associação de Pais e Amigos do Deficiente Auditivo de Sergipe) com alunos do 8º e 9º ano matriculados na rede regular de ensino estadual e no IPAESE (Instituto Pedagógico de Apoio à Educação do Surdo de Sergipe), escola particular.
Antes de iniciar a análise de alguns textos vale apena conceituar Análises de Erro. O termo “Erro” é utilizado para qualificar as formas de descumprimento das normas gramaticais da língua – alvo. PET CORDER (1974) afirma que os erros são evidências que se constroem na aquisição. Esses erros indicam processos que podem ser vistos de três formas:
Os “erros” podem demonstrar para o professor em que grau de desenvolvimento está o processo de aquisição do aprendiz e o que ainda falta ser ensinado para que o mesmo chegue ao seu objetivo. 2) Os “erros” dão base para pesquisas de aquisição de linguagem sobre quais estratégias e procedimentos devem ser empregados na aquisição da nova língua ;3) Os “erros” são indispensáveis para o próprio aprendiz, por que é através das tentativas e hipóteses criadas por eles que chegam à aquisição da língua – alvo. (CORDER 1974 apud ALMEIDA 2007).
Diante de tudo que foi abordado neste trabalho sobre aquisição da língua portuguesa pelo surdo como segunda língua e a interferência da LIBRAS na produção textual, faremos uma breve análise de fragmentos de textos produzidos por surdos coletados no período de estágio realizado na APADA – SE, afim de identificar essas particularidades entre LIBRAS e Português.
Texto 1: Gravidez na Adolescência.
Aluno(a): Surdez Profunda, 15 anos , cursando 8º ano na rede particular (IPAESE).
Atividade: A professora trabalhou com vídeo que aborda gravidez na adolescência. Após o vídeo, foi debatido o tema em LIBRAS e em seguida a professora pediu que os alunos produzissem um texto.
“Menina jovem gravidez” 
Eu gravidez jovem já idade 15 anos.mãe você estudar esforço futuro menino não querer estudar. Menina quero drogas menino também drogas bom e menina vai médico explicar pesquisar exame menina ver rir.
Análise:
Percebemos que o aluno (a) se limitou em reproduzir as imagens do vídeo e não acrescentou seu ponto de vista e nem sua visão de mundo. O texto apresenta dificuldade em usar:
Conectores: ausência de artigos, preposição e conjunção que acaba prejudicando na conexão entre as frases passando a impressão de texto com ideias desorganizadas.
 Verbos: problemas de conjugação verbal que reflete a influência da primeira língua na produção escrita da segunda. “No fragmento do texto “menino não querer estudar”, o verbo querer foi escrito no infinitivo e não de acordo com as normas gramaticais da língua portuguesa “ menino não quer estudar”.
Não apresenta erros ortográficos e pontuação. 
Texto 2: Trabalho com Imagem.
Aluno (a): Surdez profunda e com boa leitura labial, tem 16 anos e está cursando o 9º ano da rede pública de ensino.
Atividade:
 A professora após trabalhar preposições em sala de aula usou uma charge que foi analisada junto com o aluno em LIBRAS e depois pediu que o aluno (a) produzisse um texto usando as preposições sugeridas em cada quadrinho da imagem.
O menino quarto dormir sobre cama e cachorro entre menino móvel brincar pular menino chato cachorro depois cachorro sair cama e sob cama dormir. Livre calma cachorro sonho risda ficou cachorro sorrir. 
Análise:
O texto apresenta dificuldade no emprego de verbos de ligação e na conjugação destes também, mostra que o aluno (a) tem noção de conectivos e artigo quando faz tentativas de uso.
A produção textual apresenta problemas com pontuação e erro ortográfico em uma palavra, “risda” (risada). A troca ou ausência de letra é algo constante entre alunos surdos, sendo importante entender que não há palavras na mente da pessoa surda e sim sinais, portanto se não é uma palavra usada frequentemente pode acontecer esquecimento ou equívoco na ordem das letras. 
Apesar dos desvios gramaticais atinge o objetivo que é empregar as preposições especificadas na ilustração.
Texto 3: Gravidez na AdolescênciaAluno (a): Surdez moderada com perfeita leitura labial, tem 17 anos e está cursando o 8º ano na rede particular de ensino (IPAESE).
Atividade: Mesma atividade realizada para a produção do texto 1.
A menina precisa ter cuidado evitar gravida e tem responsabilidade então não é bom namorar com vagabundo é muito perigosa então é muito importante estudar e fazer faculdade para depois casar e muito importante estudar então a menina não quer estudar e por isso o vagabundo abanodou e ela ficou sozinha gravida sofrendo quando nasce da muito então é ruim precisa ter cuidado camisinha.
Análise:
Embora apresente os erros recorrentes dos outros textos analisados anteriormente, o aluno apresenta um bom domínio de segunda língua. O grau de surdez interfere diretamente no aprendizado e na produção escrita, visto que este aluno consegue captar com mais facilidade as particularidades gramaticais da segunda língua conseguindo fazer uma análise mais crítica do tema abordado, apresentando uma maior facilidade na representação das ideias no texto escrito. Mesmo com problemas de pontuação e coesão é possível captar o pensamento do aluno. Os desvios encontrados no texto foram:
Falta de pontuação no texto que reflete aspectos da LIBRAS no texto escrito em língua portuguesa. 
Equivoco na escrita da palavra “ abanodou” (abandonou) também reflexo da primeira língua que por ser visual as vezes acontece troca de letras na escrita.
Algumas frases ficaram com raciocínio incompleto como: “ela ficou sozinha gravida sofrendo quando nasce da muito então é ruim precisa ter cuidado camisinha”. Faltou alguma palavra para acompletar o sentido da frase, quando nasce da muito o que?.
Conclusão
A LIBRAS mesmo sendo reconhecida oficialmente no Brasil ainda é estranha para a maior parte da população, essa falta de conhecimento gera preconceito que acaba por estigmatizar o surdo como um indivíduo incapaz de uma produção intelectual. 
Diante de tudo que foi exposto anteriormente pode – se observar, que um dos maiores empecilhos na produção escrita do surdo é a diferença estrutural e gramatical existe entre a LIBRAS e o Português. Algumas classes gramaticais usada na língua portuguesa como: artigo, conjunção e preposição não existem na língua brasileira de sinais ou existem de forma bem reduzida como o caso das preposições, sem falar nos verbos que em LIBRAS só existem no infinitivo. Todas essas particularidades devem ser levadas em conta pelo professor que tem um aluno surdo em sala de aula. 
Muito já foi feito para a inclusão do deficiente auditivo, porém muitas lacunas ainda faltam ser preenchidas para que essa inclusão aconteça de fato. Sabemos que não é fácil adaptar um deficiente em uma sala regular de ensino, a carência de profissionais capacitado é muito grande, a falta de conhecimento da realidade desses alunos por parte dos professores, a demora dos familiares em procurar um apoio educativo, como também resistência destes em aprender LIBRAS comprometem o seu processo educativo.
A inclusão de LIBRAS na grade curricular das licenciaturas foi um passo muito importante para o processo de inclusão do surdo, a partir do momento que apresenta esse outro mundo com suas particularidades para futuros professores que já verão esses estudantes com um olhar menos crítico, porém a maior parte do curso está voltado para discussões de leis e ensino de sinais, os professores deveriam trabalhar as diferenças estruturais e gramaticais da LIBRAS e Língua Portuguesa, principalmente para os cursos de línguas e pedagogia, não que leis e sinais sejam irrelevantes , mais o tempo e muito pouco para que se possa internalizar uma quantidade de sinais, já o conhecimento das particularidades da língua e o processo criativo do surdo desmistificariam vários preconceitos e instigariam os futuros professores a descobrir novos métodos de se trabalhar e avaliações diferenciadas para esses alunos especiais. O Decreto Federal 5.626, de 22 de dezembro de 2005, afirma em seu art. VI que as escolas devem adotar mecanismos de avaliação coerentes com aprendizado de segunda língua, na correção de provas escritas, valorizando o aspecto semântico e reconhecendo a singularidade linguística manifestada no aspecto formal da Língua Portuguesa. 
Referências Bibliográficas:
ALMEIDA, Janete Alves de. Aquisição do sistema verbal do português escrito pelos surdos. Brasília; UNB/LIP, 2007. Disponível em: http://www.revistainterlinguagens.com.br acessado em 30.maio de 2013.
BRASIL, Decreto nº 5.625 de 22 de dezembro de 2005. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais. 
LEFFA, Vilson J. Metodologia do ensino de línguas. In BOHN, H.I, VANDRESEN. P. Tópicos em linguística aplicada: O ensino de línguas estrangeiras. Florianópolis. Ed. Da UFSC, 1988. 
PEREIRA, Maria Cristina da Cunha. Leitura e surdez. São Paulo, FDE, 2009.
QUADROS, Ronice Muller de, et all . Ideias para ensinar português para surdo, MEC, SEESP, 2006.
SALLES. Heloisa Maria Moreira Lima, et all. Ensino de língua portuguesa para surdo. Caminhos para a prática pedagógica. Brasília; MEC/SESP, 2004.

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