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Mariana Barbosa Nº 25741 A obra A Economia Moral da Multidão na Inglaterra do século XVIII é um dos vários livros de autoria de Edward Palmer Thompson, historiador inglês nascido na década de 20 e marxista convicto. 1 A obra em análise é constituída por nove subdivisões, precedidas por uma nota de apresentação da autoria do sociólogo Frederico Ágoas e do historiador José Neves. Neste trabalho, está bem marcada a sua preocupação relativa aos aspectos morais do comportamento, o que se deve “ao facto de a sensibilidade Thompsiana acolher não só uma tradição marxista mas ainda o universo romântico”2. E. P. Thompson começa por verificar que, ao contrário do que anteriormente se pensava, os primeiros indivíduos a serem considerados agentes históricos, não são as gentes revolucionárias da época da Revolução Francesa. Estas são já herdeiras da cultura popular do século XVIII, que lutava contra as imposições do laissez-faire que então se começava a impor. 3 Recorrendo a sublevações, a população defendia a manutenção de uma economia moral, que “assentava num sólido e tradicional entendimento acerca das normas e obrigações sociais, e das funções económicas inerentes aos diversos sectores da comunidade”4. Para o funcionamento deste modelo económico, o modelo paternalista, eram impostas uma série de regras que iam de encontro da economia moral do povo. Os agricultores, por exemplo, deviam levar os cereais para o mercado, em vez de os vender enquanto ainda estivessem no campo, ou retê-los na esperança da elevação de preços. 5 Também os fazendeiros eram moralmente impedidos de vender as suas colheitas a intermediários e os abastados de comprar antes dos pobres, entre outras restrições. Ao contrário deste primeiro modelo, que apela a uma norma moral e ao que devem ser as obrigações recíprocas dos homens, o novo modelo económico de laissez- faire que então se impunha, previa uma auto-regulação da economia, sem interferência 1 - http://www.infoescola.com/biografias/edward-palmer-thompson/; 2 – E. P. Thompsom, A Economia Moral da Multidão na Inglaterra do Século XVIII, Lisboa, editores refractários, 2008, p. 12; 3 – Ib., p.19; 4 – Ib., p. 23; 5 - Ib., p. 30. Mariana Barbosa Nº 25741 do Estado. 6 Através deste último, gerava-se, contudo, um ambiente propício àquele que pode lucrar mais sobre o que pode menos, já que os comerciantes, detentores únicos de certas mercadorias essenciais, passam a controlar o preço dos produtos de primeira necessidade no mercado. 7 Thompson refere que, apesar de este último modelo ser o mais adequado às realidades século XVIII, a mudança não acontecia, porque as autoridades se encontravam “em certa medida reféns da população, que adoptara elementos do modelo paternalista enquanto direito próprio e seu património legítimo”8 Enquanto o modelo paternalista vigorava, não se verificava um elevado número de agitações populacionais. No entanto, com a crença no mito da auto-regulação do mercado, as práticas liberais foram sendo paulatinamente impostas, o que levou a que os fazendeiros burlassem os costumes, vendessem as suas colheitas através de intermediários, se recusassem a vender pequenas quantidades, entre outros actos, que o governo, cada vez mais ambíguo nas suas normas, agora pouco fiscalizava. Aclarado o cenário vivido pela população da época, o autor procura “romper com a visão redutora do homem que não encontra na origem dos protestos e revoltas sociais do período estudado senão a reacção a simples estímulos económicos”9. As revoltas não eram meramente motins espontâneos gerados por épocas de más colheitas e fome, mas sim resultantes de uma cultura consensual que vinha sendo, aos poucos, destruída pelas práticas mercantis liberais. Não se tratava de uma reacção da multidão à fome pela fome, mas uma reacção à fome direccionada àqueles que lha causavam: os comerciantes, moleiros, agricultores, entre outros, por não estarem a cumprir o seu papel social de sustento da população, mas sim a lucrar com a sua actividade. É certo que na sociedade de hoje, se torna difícil imaginar uma época “onde se considerava «antinatural» um homem lucrar com as necessidades dos outros e em que se entendia também que, em tempo de escassez, os preços dos bens de «primeira 6 - E. P. Thompsom, A Economia Moral da Multidão na Inglaterra do Século XVIII, Lisboa, editores refractários, 2008, p. 40; 7 – Ib., p. 46; 8 - Ib., p. 38; 9 - Ib., p. 9. Mariana Barbosa Nº 25741 necessidade» deveriam permanecer ao nível habitual – mesmo que fossem menos abundantes”10. Porém, na Inglaterra do século XVIII, ao verem o pão, seu alimento mais básico, ser-lhes retirado, “a impaciência dos pobres transforma-se em incontida fúria e desespero”11. Assim, os motins de subsistência eram um “aspecto constante nos episódios de intimidação popular, quando homens e mulheres quase a morrer de fome atacavam moinhos e celeiros para castigarem os seus proprietários e não para roubarem alimentos”12. Este relato de Thompson constitui uma inovação ao “frágil conhecimento acerca da multidão amotinada”13, ao apresentar um novo sujeito revolucionário, que não é o proletariado, nem procura qualquer tipo de organização ou partido. Estas rebeliões, segundo o autor, eram actos de um sujeito colectivo que surgia numa conjuntura específica. Por outro lado, Thompson mostra-se quase nostálgico relativamente ao arcaico modelo paternalista, classificando os avanços na ciência económica quase como anti-éticos. 10- E. P. Thompsom, A Economia Moral da Multidão na Inglaterra do Século XVIII, Lisboa, editores refractários, 2008, p. 113; 11 - Ib., p. 54; 12 - Ib., p. 81; 13 – Ib., p.9.
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