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Social construction: entering the dialogue by Kenneth J. Gergen and Mary Gergen. Copyright © 2004 by Kenneth J. Gergen e Mary Gergen. Direitos de tradução em português licenciados pelo editor em língua inglesa, Taos Institute Publications Publicado por Taos Institute em 2004 www.taosinstitute.net Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida – em qualquer meio ou forma, seja digital, fotocópia, gravação etc – nem apropriada ou estocada em banco de dados, sem a autorização dos detentores dos direitos autorais. Produção editorial Anna Carla Ferreira Copidesque Leonora Corsini Revisão Paulo Henriques Capa Ilustrarte Design e Produção Editorial Editoração eletrônica Abreu’s System CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ G317c Gergen, Kenneth J. Construcionismo social: um convite ao diálogo / Kenneth J. Gergen e Mary Gergen; tradução Gabriel Fairman. - Rio de Janeiro: Instituto Noos, 2010. Tradução de: Social construction: entering the dialogue ,QFOXL�ELEOLRJUD¿D ISBN 978-85-86132-14-8 1. Percepção social. 2. Psicologia social. 3. Ciências sociais ��)LORVR¿D�����,QWHUDomR�VRFLDO��,��*HUJHQ��0DU\�0����������,�� Título. 10-4394 CDD: 155.91 021461 CDU: 159.942.6 Sumário Por uma apresentação dialogada .............................................7 Capítulo 1 – O cenário da construção social ........................17 Capítulo 2 – Da crítica à reconstrução ..................................35 Capítulo 3 – Construção social e prática pro!ssional ..........55 Capítulo 4 – A pesquisa como prática de construção ............79 Capítulo 5 – Da crítica à colaboração ....................................99 Referências bibliográ!cas ....................................................112 7 Por uma apresentação dialogada: Suspendendo as grandes narrativas para a construção de novas práticas 1992 – Conhecer Kenneth Gergen foi um evento transforma- dor em nossos estudos de família quando buscávamos o entendi- mento das mudanças pelas quais passava o paradigma sistêmico na ocasião. Nosso primeiro contato foi o livro El Yo Saturado. Desde suas primeiras páginas, o desa!o de suas ideias – múltiplos selves – vinha acompanhado pelo nosso fascínio por um cenário teórico que dava sentido às experiências pessoais daquele mo- mento: nossa saturação diante dos avanços tecnológicos! Desde então, aceitamos o convite para conhecer melhor o Construcionismo Social, capaz de articular descrições teóricas à nossa experiência cotidiana. Do pessoal ao pro!ssional, logo pu- demos sentir o quão útil seria esse caminho. Da Terapia Familiar ao campo de resolução de con"itos – Me- diação Transformativa e Justiça Restaurativa, a presença de seu “Diálogo Transformador” é notável e fundamental. Igualmente importantes são as noções de “autorre"exividade”, “responsabi- lidade relacional”, “cocriação de realidades”, necessárias na con- sideração de mundos sociais construídos por nós mesmos, em nossas relações mútuas e nossa sociedade. Quando ampliamos o foco de nossa prática pro!ssional para a capacitação de agentes de mudança em projetos de implantação de novas práticas, as ações conversacionais constitutivas de rela- ções e realidades redobram sua importância. Há um efeito em- poderador do indivíduo quando este se percebe ator e autor de mudança do mundo em que vive e que deseja mudar; quando se dá conta de que nossas descrições linguísticas nos implicam em uma, e não em outra, forma de estar no mundo. Construcionismo Social 8 Nesse contexto de capacitações de processos transformativos onde partilhamos a crença de que “para acender uma lâmpada, basta saber como ligar o interruptor; porém, sabendo como fun- ciona uma lâmpada, pode-se fazer in!nitas outras coisas, além de acendê-la”, é onde mais temos sentido falta de textos construcio- nistas que nos ajudem a potencializar esse processo de empode- ramento do indivíduo e de disseminação de novas práticas. Nesse sentido, este livro de Kenneth e Mary Gergen é mais uma expressão de seus esforços constantes de “unir a teoria à prá- tica de forma que dê vitalidade àquela e inteligibilidade a esta”. Em forma e conteúdo, o Construcionismo Social é apresentado como uma práxis, uma maneira de ser, uma forma de estar no mundo, cativando o leitor no diálogo que inaugura sutilmente. Seu valor é inestimável por ser uma forma de acesso ao conheci- mento para aqueles que se aproximam e desejam ampliar o po- tencial transformador experienciado no processo de aprendiza- gem de novas práticas. Vania Curi Yazbek Nos últimos dezesseis anos tenho me dedicado a dirigir uma organização sem !ns lucrativos na cidade do Rio de Janeiro, o Instituto Noos. Constituído por pro!ssionais das ciências sociais, humanas e da saúde, o Noos busca metodologias que promovam a saúde das relações familiares e comunitárias e as difunde. Tra- balhamos com terapia de família, terapia comunitária, grupos re- "exivos de gênero e outras práticas sociais que contribuam para a dissolução pací!ca de con"itos familiares e comunitários. Desde o início de nossas atividades adotamos uma aborda- gem relacional sistêmica, no que entendemos ser sua vertente construcionista social. Percebemos, no início do nosso percurso, Por uma apresentação dialogada 9 que essa abordagem poderia contribuir, de forma intensa e dife- renciada, para a construção de soluções alternativas nas áreas de atenção em saúde mental, desenvolvimento comunitário e social e garantia de direitos. Os problemas enfrentados nessas áreas costumam ser com- plexos, entendidos como aqueles que possuem múltiplos fatores desencadeadores, onde muitas vezes não se consegue delimitar com precisão nem mesmo se pertencem à esfera da saúde ou se são provenientes das desigualdades econômicas e sociais. Além disso, as soluções predominantes costumam vir de fora do gru- po que vive o problema, impostas por especialistas, a partir de um saber cientí!co e acadêmico, deixando, quase sempre, de escutar aqueles que vivem a situação que se pretende mudar. No Noos, privilegiamos as metodologias participativas e cola- borativas, que, preferencialmente, utilizem equipes transdisci- plinares. Acreditamos que as soluções assim construídas serão mais abrangentes e, cada participante, seu coautor. Desta forma, ganham muito mais chances de serem de fato adotadas e seus efeitos perdurarem. Apesar do longo tempo de experiência e dos resultados com- provados, ainda precisamos de subsídios que nos auxiliem na difusão teórica do que fazemos. Este livro de Kenneth e Mary Gergen contribuirá inequivocamente para enfrentarmos este de- sa!o, pois, de maneira clara, consegue levar aos leitores, estudan- tes, pro!ssionais ou curiosos, os fundamentos do construcionis- mo social, a diversidade de suas aplicações e responder às críticas mais comuns que recebemos cotidianamente de nossos pares. E, além disso, demonstra o alcance de uma abordagem nova, esti- mulante e revolucionária. Carlos Eduardo Zuma Construcionismo Social 10 O cenário do nosso sistema de saúde se apresenta atualmen- te bastante focado num esforço de re-organizar suas práticas de saúde, com diretrizes que favorecem o desenvolvimento de ações mais interativas, horizontais, inclusivas e corresponsáveis. No entanto, a forma biologizante, dualista e hierárquica com que o sistema de saúde funcionou por muito tempo, tem tornado difícil uma mudança nas suas tradicionais práticas, apontando, assim, a necessidade de produção de novos conhecimentos na área, que apoiem e sustentem tais transformações. Falando do lugar de psicóloga e pesquisadora inserida na Saú- de Coletiva e sobretudo interessada nas práticas do cuidado que aí se desdobram, particularmente acredito queeste livro possa trazer contribuições especiais na compreensão desses novos dis- cursos propostos na saúde, dando sustentação a eles e legitimida- de na criação de práticas mais dialógicas. O livro descreve com simplicidade e seriedade a importância das interações humanas, da responsividade e da coordenação en- tre as pessoas na produção dos sentidos e das ações no mundo, num discurso que tem em sua inteligibilidade a construção dia- lógica e compartilhada de nossa realidade social. Traz também ideias que rompem com o entendimento tradicional do que é ci- ência, linguagem e identidade. Ao discutirem esses temas como produtos de uma construção social, os autores ampliam as pos- sibilidades de composição de práticas mais progressistas, fortale- cendo e sustentando a importância do processo de se relacionar. Este livro é uma oportunidade para os pro!ssionais de saúde, ávidos por novos entendimentos que sustentem novas práticas na área, se aproximarem de uma teoria relacional que faz mais sentido dentro da proposta atual do sistema de saúde brasileiro. Uma oportunidade de entrarem em contato com uma metodolo- Por uma apresentação dialogada 11 gia que embase e legitime as ideias de corresponsabilidade, coo- peração, interação e contexto. Uma oportunidade de re!etirem sobre o signi"cado da construção social e relacional das ações no mundo e suas implicações, compreendendo a importância e a complexidade de um diálogo, da interação e do vínculo entre pro"ssional de saúde-usuário, que muitas vezes "ca colocado em segundo plano em relação a procedimentos técnicos. A proposta construcionista social apresentada neste livro aponta também que não se trata de acabar com protocolos e téc- nicas, mas também de convidar a pensar todas essas ferramen- tas como socialmente construídas, dentro de uma lógica e de um tempo especí"co. E, por terem sido construídas num determi- nado momento histórico, podem ser desconstruídas e recons- truídas caso não estejam sendo úteis para determinada função. Neste processo de reconstrução, nada mais potente do que pôr as pes soas juntas para o diálogo, para a re!exividade e para a cons- trução de formas de trabalho que possam ser mais produtivas, e"cazes e prazerosas. Celiane Camargo-Borges Este livro é um presente para todos os construcionistas bra- sileiros. Há muito se aguardava a tradução das obras dos Gergen para o português. Pois ela chegou da melhor forma! Com um tex- to claro e abrangente, este livro honra seu título e possibilita o início de um diálogo sobre a construção social. A maneira simples e didática, recheada por vários exemplos, tem um forte apelo, facilitando o diálogo sobre as contribuições radicais deste jeito de pensar o mundo. A obra é uma síntese preciosa sobre as principais dimensões do movimento constru- cionista e suas implicações para a prática pro"ssional, seja nos Construcionismo Social 12 campos da psicoterapia, do desenvolvimento organizacional, da educação, da resolução de con!itos e da pesquisa. Os pro"ssionais comprometidos com o desenvolvimento co- munitário encontrarão no livro ferramentas úteis para sua atua- ção. Ao enfatizar a análise da construção e das consequências dos discursos, ele mostra a possibilidade – e, por vezes, a necessidade – de mudança destes discursos, rumo a uma sociedade voltada ao bem comum. Além disso, ao apontar a importância de buscar- mos alternativas ao discurso individualista, ele contribui para o fortalecimento do trabalho com famílias, grupos e comunidades. No contexto acadêmico, esta obra permite a pesquisadores em ciências sociais e humanas a expansão das sensibilidades críticas, ao mesmo tempo em que faz reconhecer os limites das mesmas. Desta forma, substitui a crítica antagonista pelo diálogo, levando a uma valorização da pluralidade, abrindo espaço para a constru- ção do mundo de maneira colaborativa. Para além do campo pro"ssional, este texto pode ser útil a di- ferentes públicos. Ele convida a novas formas de relação inter- pessoal, à ampliação das possibilidades de signi"cação, à conver- gência entre domínios de signi"cados divergentes, diminuindo os con!itos e promovendo a convivência humana. Simples em sua apresentação e revolucionário em sua propos- ta, o livro mostra como podemos construir uma vida marcada pela ousadia e esperança. Ele já nasce sendo um clássico da lite- ratura da área no Brasil! Emerson Rasera Para mim, este livro é um presente inestimável. Eloquente e coloquial, complexo e humilde, poderoso e res- peitoso. Por uma apresentação dialogada 13 Um convite ímpar para um diálogo sobre ideias que, de tão eloquentes, viram do avesso nossas formas mais habituais de pen- sar e viver o mundo e nós mesmos. Mas também é um convite que, por sua linguagem quase coloquial, inclui a todos. Não é pre- ciso estar familiarizado com grandes teorizações nem interessado nelas para ser bem-vindo a este diálogo. Basta !car curioso para conhecer um modo de falar de nós, humanos, como autores e res- ponsáveis pelo que gostamos e pelo que abominamos, no mundo em que vivemos. Ele é complexo porque complexas são as tramas que nos cons- tituem. Tão complexas que não é fácil conversar sobre nossas verdades. Tramas que nos fazem acreditar que nossas verdades (pessoais e pro!ssionais) são melhores que as das outras pessoas. E nos fazem sentir que estamos fazendo o melhor quando bus- camos fazer os outros compartilharem dessas nossas verdades “melhores”. Mas, também é humilde porque não se outorga o pri- vilégio de uma verdade superior. Ao contrário, é um convite para legitimar muitas verdades e construir com elas uma vida humana mais plural. Uma vida humana onde não caibam práticas sociais que trabalhem a favor da dominação de um segmento cultural em detrimento de outro. Ele é um convite poderoso porque poderosas são as ideias que nos tiram do lugar (já não tão cômodo) de indivíduo-centro- -do-mundo. Ideias que nos convidam a prestar mais atenção ao modo como nós, humanos, coordenamos nossas ações no mun- do, e como com nossas relações criamos e sustentamos as reali- dades em que vivemos. Poderoso pelo paradoxo em que ele nos coloca: como humanos podemos tudo, mas sozinhos não pode- mos nada. Mas é também respeitoso porque reconhece e chama para o diá logo as vozes de tantos outros movimentos culturais do Construcionismo Social 14 mundo contemporâneo que com ele compartilham da fertilidade na construção de futuros possíveis e desejáveis. Deixe-me explicar melhor de que lugar eu falo. Durante mui- tos anos trabalhando nos meios acadêmicos, a eloquência, a complexidade e o poder do discurso construcionista social foram fundamentais para o meu desejo de compartilhar essas ideias. Agora, fora da universidade, sinto-me desa!ada a aprender uma nova retórica para promover diálogos com pro!ssionais que es- tão, antes de tudo, seriamente comprometidos em fazer melhor o que de melhor já sabem fazer (médicos, advogados, psicólogos, assistentes sociais, empresários, administradores, gestores de equipes, educadores). Sem deixar de ser denso e transformador, o diálogo coloquial, humilde e respeitoso deste livro é, para mim, um presente inestimável – daqueles presentes que te chegam no tamanho certo e na hora exata. Marisa Japur “Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios” (Manoel de Barros) Neste livro, Ken e Mary Gergen desenvolvem uma tradu- ção didática e objetiva do conjunto complexo e revolucionário de ideias que compõem o campo da Construção Social. Dando ênfase aos processos relacionais a partir dos quais produzimos conhecimento sobre o mundo e sobre nós mesmos, os autores apresentam uma nova forma de inteligibilidade, que nos tira da posição confortável de conhecedores da Verdade e nos compro- mete com a tarefa de assumir responsabilidadena construção das verdades a partir das quais organizamos nossas vidas e relaciona- mentos. Enfatizando o caráter relacional e situado das realidades Por uma apresentação dialogada 15 que criamos em nossas práticas discursivas, os autores nos con- vidam a assumir participação ativa na construção de um mundo mais !exível e plural. Assim, este livro tem sido um grande aliado em minha prática pro"ssional, sobretudo em minha atuação como pesquisadora, terapeuta de família e facilitadora de grupos. Embora pareça na- tural que o trabalho com famílias e grupos seja necessariamen- te investido de uma “perspectiva relacional”, esse tipo de práti- ca ainda se encontra marcada por uma visão estática de família (que busca investigar estruturas, papéis e modelos normativos de comportamento) e de grupo (que busca de"nir estágios e fases de desenvolvimento). Em ambos os casos, prevalece o olhar de um terapeuta / coordenador que, do lugar de especialista, busca desvendar os jogos e os papéis que as pessoas supostamente de- sempenham em suas relações. Apesar da força dessas teorias de família e de grupo no mun- do acadêmico, tenho buscado exercer novas posições em minha prática pro"ssional, entendendo que trabalhar com famílias ou com grupos signi"ca investir na construção de espaços dialógicos menos hierárquicos, em que as pessoas sejam efetivamente con- sideradas como participantes de um processo colaborativo de ne- gociação de signi"cados. Essa visão construcionista traz também para o trabalho com famílias e grupos o compromisso ético com a análise dos efeitos de determinadas narrativas na legitimação de formas de vida e, assim, cria oportunidade para, num exercício colaborativo, investirmos na construção de novas histórias, ricas em recursos e potencialidades. Ao participarem desse tipo de prática, todos – pro"ssionais, familiares ou participantes de grupos – aprendemos que a solu- ção para os dilemas humanos não reside em descobertas "nais, Construcionismo Social 16 objetivas e essenciais, mas em construções conjuntas de pesso- as em diálogo que, deixando as grandes narrativas em suspenso, “desaprendem” e, assim, podem criar novos princípios... Carla Guanaes 17 Capítulo 1 O cenário da construção social Uma dramática transformação vem tendo lugar no mundo das ideias, e, por toda parte, as tradições estão sendo questionadas. Aumenta a incerteza em relação aos padrões universais e o!ciais de verdade, objetividade, racionalidade, progresso e moralidade. Enquanto a insegurança bate incessantemente à porta, questio- na-se a fé em todo lugar. Entretanto, dessa situação tumultuada emergem novos diálogos e novas vozes de esperança para a exis- tência humana. São conversações que cruzam continentes e cul- turas, fazendo-se acompanhar de um grande número de novas práticas pro!ssionais – nas organizações, na educação, na tera- pia, na pesquisa e na assistência social, no aconselhamento, na resolução de con"itos, no desenvolvimento da comunidade e em muitas outras áreas. Vários nomes já foram atribuídos a essa revolução de pensa- mento e de práticas, sendo frequentes denominações como “pós- -fundamentalismo”, “pós-empirismo”, “pós-iluminismo” e “pós- -modernismo”. Entretanto, entremeada em todos os debates está a noção da “construção social” ou seja, a criação de sentido atra- vés de nossas atividades colaborativas. A construção social não é de autoria de um único indivíduo ou grupo, nem tampouco exclusiva e uni!cada; ela pressupõe um signi!cativo comparti- lhamento entre diferentes comunidades. Os contrastes, tensões e incertezas não intimidam, uma vez que a tentativa de estabelecer Construcionismo Social 18 uma verdade de!nitiva, uma lógica fundante, um código de va- lores ou uma lista de práticas seria algo absolutamente contrário ao desenvolvimento das ideias defendidas pelos construcionistas sociais. Nós, os autores, ocupamo-nos durante a maior parte de nossas carreiras pro!ssionais com diálogos construcionistas, e a intenção deste livro é apresentar um relato que permita que alunos, colegas e pro!ssionais, ou mesmo aquelas pessoas que são apenas curio- sas, obtenham um conhecimento básico e avaliem o poder e a for- ça dessas ideias. Nos dois primeiros capítulos serão delineados al- guns dos mais importantes desenvolvimentos teóricos, e, a seguir, analisaremos o impacto dessas ideias na maneira como vivemos e trabalhamos. Nosso foco será as ideias construcionistas em ação, seja nas organizações, na psicoterapia, na educação, na resolução de con"itos, na pesquisa social ou na vida cotidiana. E também trataremos das críticas comumente feitas ao construcionismo.* A ideia básica: nós construímos o mundo Embora o construcionismo social se baseie numa ideia maior, simples e clara, observamos que, à medida que desvendamos suas implicações e consequências, esta simplicidade rapidamen- te se desfaz. Isto porque esta ideia básica faz com que tenhamos que repensar praticamente tudo que nos ensinaram a respeito do mundo e de nós mesmos. Ao repensar esses conhecimentos, so- mos convidados a novas e instigantes formas de ação. * O termo “construtivismo” é frequentemente tomado como equivalente a “construcionismo”. O construtivismo entende que o locus de construção do mundo está dentro da mente ou no inte- rior do indivíduo. Embora existam certos pontos em comum entre este movimento e o constru- cionismo social, no presente trabalho empregaremos exclusivamente o termo “construcionis- mo” para enfatizar a importância atribuída não aos indivíduos, mas às relações, como o locus de construção do mundo. (N.R.) O cenário da construção social 19 Para terem uma ideia das possibilidades, considerem o co- nhecimento do senso comum. O que seria mais óbvio do que o fato de o mundo estar simplesmente lá fora para que possamos observá-lo e entendê-lo? Existem árvores, edifícios, automóveis, mulheres, homens, cães e gatos, e assim por diante. Se observar- mos com atenção, podemos aprender como proteger as !orestas, como construir edifícios sólidos e como melhorar a saúde das crianças. Agora, vamos virar essas hipóteses con"áveis de cabeça para baixo. Vamos supor que a"rmássemos que árvores, edifícios, mulhe- res, homens etc. não existem, até sermos "nalmente convencidos que, sim, eles existem. “Bobagem”, vocês diriam. “Olhem ao seu redor! Tudo isso já estava aí muito antes de chegarmos!” Parece fazer sentido, mas e se convidássemos a pequena Julie, que tem um ano de idade, para dar uma volta? Seu olhar vagueia para além das árvores, dos edifícios e dos automóveis e ela parece não ser capaz de distinguir homens de mulheres. William James a"rmou certa vez que o mundo de uma criança é uma “confusão crescente e ativa”. Você poderá concordar ou não, mas o mundo de Julie não parece ser o mesmo mundo no qual nós, adultos, vivemos. Dife- rentemente de Julie, percebemos as folhas de outono que mudam do verde para o dourado; vemos que a casa à nossa esquerda foi construída em estilo vitoriano, que o automóvel passando na rua é uma BMW, e que a mulher de pé junto à porta é, na realidade, um travesti. O que chega aos nossos olhos pode não ser diferente do que Julie vê, mas o signi"cado deste mundo para nós é bem diferente. Nós construímos o mundo de forma diferente, e esta diferença encontra-se enraizada em nossas relações sociais, a par- tir das quais o mundo se tornou o que é. Construcionismo Social 20 diferentes “vocês” a partir de diferentes pontos de vista Agora, vamos tomar você, leitor, como objeto da nossa aula: quem é você e o que você faz? Imagine-se de pé, diante de um grande grupo de pessoas com os mais variados estilos de vida, oriundas de diferen- tes regiões do mundo. Cada pessoa olhará para você e dirá o que vê diante de si, podendoresultar em algo assim: Para um Você é Biólogo “um mamífero” Cabeleireiro “corte do ano passado” Professor “alguém que tem potencial” Homossexual “heterossexual” Cristão fundamentalista “um pecador” Pai/ Mãe “um sucesso surpreendente” Artista “um excelente modelo” Psicólogo “ligeiramente neurótico” Físico “uma composição atômica” Banqueiro “um futuro cliente” Médico “um hipocondríaco” Hindu “estado imperfeito de Atman” Amante “uma pessoa maravilhosa” Ifaluquiano* “cheio de liget” Se não houvesse ninguém para identi!cá-lo, quem você seria nesse caso? Será que você realmente seria algo? A ideia fundante da construção social parece bem simples, mas, ao mesmo tempo, é profunda. Tudo que consideramos real é resulta- do de uma construção social. Ou seja, de maneira mais contundente, Nada é real, a menos que as pessoas concordem que assim o seja.* * Habitante de Ifaluk, um atol de corais nas Ilhas Cardinas, pertencentes aos Estados Federados FC�/KETQPÃUKC��0C�NÈPIWC�FQU�JCDKVCPVGU�FG�N¶��ő.KIGVő�UKIPKſEC�TCKXC�� O cenário da construção social 21 Sua voz cética poderia replicar: “Quer dizer que a morte não é real?”, ou “o corpo?”, ou “o Sol?”, ou “esta cadeira?”... A lista é in!- nita. É preciso ter muita clareza quanto a este ponto: os constru- cionistas sociais não dizem “não existe nada”, ou “não há realida- de”; a questão importante é que quando as pessoas de!nem o que é “realidade”, sempre falam a partir de uma tradição cultural. Sem dúvida, alguma coisa aconteceu, mas, para descrever este fato, é necessário que o mesmo seja representado a partir de um ponto de vista cultural particular — numa linguagem particular ou por intermédio de um meio visual ou oral particular. A título de ilustração, se dissermos “o pai dele morreu”, na maioria das vezes estaremos falando a partir de um ponto de vista biológico. Construímos o acontecimento como a cessação de determinada função corporal (muito embora até os médicos possam discordar quanto à de!nição de morte, pois um cirur- gião especialista em transplantes pode ter uma opinião diferente da de um clínico geral). A partir de outras tradições, poderíamos ainda dizer “ele foi para o céu”, “ele viverá para sempre no cora- ção dela”, “este é o começo de um novo ciclo de reencarnação”, “foi aliviado de seu fardo”, “viverá no legado de suas boas obras”, “sua vida terá continuidade em seus três !lhos”, ou “a compo- sição atômica desse objeto foi alterada”. O que mais há para ser dito fora de qualquer convenção relativa ao entendimento? Para a pequena Julie, o acontecimento pode, de fato, não ser absolu- tamente fora do comum. Para o construcionista, a questão não é “nada existe”, mas sim “nada existe para nós”, ou seja: é a partir das nossas relações que o mundo se faz preenchido com o que nós concebemos como “árvores”, “sol”, “corpos”, “cadeiras” e as- sim por diante. Construcionismo Social 22 Num sentido mais amplo, podemos dizer que, ao nos comuni- carmos uns com os outros, construímos o mundo no qual vivemos e, se mantivermos nossas tradições, a vida poderá prosseguir como de costume. Desde que façamos as distinções que nos são familiares, como, por exemplo, entre homens e mulheres, ricos e pobres, cul- tos e ignorantes, a vida continuará sendo relativamente previsível. Entretanto, tudo aquilo que aceitamos como óbvio também pode ser questionado. Por exemplo, não existem “problemas” no mundo para que todos os vejam, mas, pelo contrário, construímos mundos “do bom” e consideramos “um problema” todos os acontecimentos que obstruam o caminho, impedindo-nos de alcançar aquilo que mais valorizamos. Será que tudo que construímos como “proble- ma” não poderia ser reconstruído como “oportunidade”? Da mes- ma forma, enquanto conversamos, poderíamos estar criando novos mundos. Poderíamos construir um mundo no qual existissem três gêneros, ou um mundo onde os “doentes mentais” fossem “heróis”, ou um mundo em que “o poder de todas as organizações repousasse não em líderes individuais, mas em relações”. É neste ponto que você poderá começar a apreciar o enorme potencial das ideias construcionistas pois, para o construcionista, nossas ações não são limitadas por qualquer coisa tradicional- mente aceita como verdadeira, racional ou correta. Diante de nós existe um amplo espectro de possibilidades, um convite in!nito à inovação, o que, entretanto, não quer dizer que devamos abando- nar tudo aquilo que consideramos real e bom. De forma alguma. Quer dizer, sim, que não estamos presos aos grilhões da história ou da tradição. Ao conversar, ouça novas vozes, levante questões, avalie metáforas alternativas e brinque nas fronteiras da razão, porque, assim, atravessaremos o limiar dos novos mundos de sig- ni!cado. O futuro é nosso para que o criemos... juntos. O cenário da construção social 23 envelhecimento positivo: um estudo de caso É comum vermos o envelhecimento como um período de declínio: entendemos que a infância é um período de desenvolvimento, na fase adulta atingimos a maturidade e, na terceira idade, a vida entra em declínio. Considere essa construção bastante comum: vivemos a nossa idade adulta com pavor de envelhecer, procurando incansa- velmente meios de “permanecer jovens” ou, pelo menos, de “parecer jovens”. Ser velho é ruim e para muitas pessoas a visão do declínio também é algo cuja previsão está fadada a se cumprir. “Estou !cando velho, preciso reduzir as atividades, exercícios e interesses” e, como resultado, o corpo e o entusiasmo pela vida enfraquecem. Mas se o envelhecimento é uma construção social, por que deve- ríamos sustentar esta compreensão negativa? Não existiriam manei- ras que nos permitissem ver o envelhecimento como um processo positivo, um período de crescimento, enriquecimento e desenvolvi- mento? Sentindo-nos desa!ados por essa possibilidade, criamos um boletim eletrônico intitulado “Envelhecimento Positivo” [Positive Aging]. Nele incluímos um variado material de pesquisa que destaca o potencial positivo do envelhecimento. Parece ter sido do agrado dos leitores em geral. Como declarou um leitor, “o boletim me per- mitiu manter a esperança de que continuarei levando uma vida gra- ti!cante por muito tempo”. Os workshops que realizamos com pessoas interessadas no en- velhecimento positivo também foram extremamente esclarecedo- res para nós. Desa!amos essas pessoas a reconstruírem os eventos mais temidos como, por exemplo, “declínio físico”, “doença crônica”, “perda da atratividade física” e “perda de entes queridos”. Os grupos foram, em geral, fantasticamente criativos, mostrando, por exem- plo, que uma doença crônica também oferece oportunidade para se avaliar a importância das pessoas amadas, para aprender a ser pa- ciente e tolerante, para deixar de lado as máscaras, para ter tempo de aprender, explorar e criar novas atividades (por exemplo, criar um site da família na Internet, participar de grupos de apoio e ajuda mútua, desenvolver uma nova habilidade ou escrever poemas). Eles nos ensinam que, juntos, podemos produzir novas realidades de en- velhecimento. Construcionismo Social 24 Dos jogos de linguagem aos mundos possíveis A ideia básica do construcionismo social é, ao mesmo tempo, simples e desa!adora. Outras dimensões vão se revelando à medida que exploramos âmbitos mais amplos das ideias cons- trucionistas. Começamos focalizando a linguagem, mas, como veremos, nossos interesses se ampliam rapidamente para incluir todas as formas de vida cultural. Linguagem: da imagem à prática Por muito tempo consideramos a linguagem como uma for- ma de imagem. Quando os cientistas fazem seus relatos acerca do mundo, supomos que suas palavras sejam o retrato !el de suas ob- servações. Da mesma forma, procuramos noticiários que nos pro- porcionem uma descrição precisa dos acontecimentos.Embora possa parecer óbvio, o simples processo de dar nomes às pessoas – Frank, Sally, Ben e Shawn – é bastante emblemático. Porque es- ses indivíduos di!cilmente vieram ao mundo com seus crachás pendurados. Os pais lhes atribuíram esses nomes e, neste sentido, foram arbitrários. Exceto, talvez, por questão de tradição familiar, Frank poderia ter sido chamado de Ben, Robert, Donald ou rece- ber qualquer outro nome. Mas, antes de tudo, por que lhes foi atri- buído um nome? A principal razão é a praticidade. Se, por exem- plo, precisarem falar a respeito do bem-estar de Sally, veri!car se ela está se alimentando bem, se é preciso trocar sua fralda, ou se seu irmãozinho Frank está com ciúmes, seus pais utilizam um nome para realizar essas tarefas típicas de bons pais e, mais tarde, precisarão do nome para outros !ns práticos, como matriculá-la na escola e perguntar a Sally por que chegou tão tarde em casa. De maneira geral, tanto as palavras que usamos como os nomes que O cenário da construção social 25 atribuímos uns aos outros são usados para efetuar relações. Não são imagens do mundo, mas ações práticas no mundo. Isto é fácil de entender no caso de expressões como “Pare!”, “Pe- rigo!” ou “Jogue a bola!”, em que podemos ver como os nomes pró- prios são úteis do ponto de vista social. Entretanto, já não !ca tão óbvio no caso de notícias, descrições cientí!cas ou quando se trata de contar a alguém como foi o seu dia; nestes casos, as palavras parecem funcionar como imagens e podem ser veri!cadas quanto à sua exatidão. Mas considere novamente: o fato de um relato pa- recer ser “exato” ou não é algo que irá depender de uma tradição da comunidade (lembre-se do exemplo dos vários “vocês” no início do capítulo). Como cada tradição tem seus próprios critérios de juízo, acreditar ou não que uma testemunha esteja falando a verdade é algo que dependerá do fato de ela utilizar ou não a mesma forma de linguagem que usamos. Se os incorporadores estão promovendo o desenvolvimento e criando novos bairros ou destruindo espaços abertos é algo que depende do que cada um entende por “desen- volver”. Neste sentido, “falar a verdade” é falar de uma forma que con!rme a tradição de uma determinada comunidade. Jogos de linguagem e os limites de nosso mundo O famoso !lósofo Ludwig Wittgenstein introduziu a metáfora do jogo de linguagem, que permitiu mostrar como as palavras que usamos se encontram embutidas em sistemas de regras ou em con- venções compartilhadas. Isto é algo que pode ser facilmente veri!- cado no caso da Gramática, onde existem regras comuns que nos impedem de dizer “ela vai em praia” ou “bola bateu ele”. Contudo, em qualquer cultura existem muitos jogos de linguagem diferentes, ou seja, existem muitas convenções locais usadas para descrever e Construcionismo Social 26 explicar; uma vez que alguém faça parte de uma convenção local, sua liberdade de expressão !ca radicalmente limitada. Por exemplo, no caso dos diferentes “vocês”, cada grupo se baseia em um jogo de linguagem diferente, uma vez que os biólogos se en- contram mergulhados em jogos de linguagem diferentes dos jogos dos físicos, dos banqueiros ou dos sacerdotes. No momento em que precisam descrever “você”, cada um jogará fazendo uso de regras di- ferentes, cada um criará um signi!cado em seu jogo. Porém, é arris- cado invadir qualquer uma dessas culturas e fazer uso das próprias regras; di!cilmente você perguntaria a um biólogo sobre a alma de um sapo, ou pediria a um cabeleireiro a composição atômica de um !o de cabelo, sem que sua sanidade mental fosse posta em dúvida. Por outro lado, não estamos aqui tratando apenas das regras de linguagem, já que as palavras se encontram normalmente incor- poradas às nossas atividades, na forma como nos movimentamos ou nos vestimos, ou mesmo nos objetos que carregamos e no que fazemos com eles. No jogo de xadrez, por exemplo, falamos em “peões”, “torres”, “xeque-mate” e assim por diante, mas ninguém sai na rua gritando “xeque-mate!” sem que as pessoas olhem de modo estranho. A frase só faz sentido quando as pessoas estão de- sempenhando certas atividades especí!cas e fazendo uso de obje- tos especí!cos. Isto também signi!ca que as palavras que usamos informam as pessoas sobre as ações que elas devem realizar. Se al- guém aponta para um objeto e o chama de “cadeira”, você poderá se sentir à vontade para se sentar ali; mas se alguém chama este objeto de “antiguidade preciosa”, provavelmente você se sentará em outro lugar. Para o construcionista, somos convidados a uma dupla escuta: escuta do conteúdo, por um lado, e da importância, por outro. Nos termos de Wittgenstein, nossos “jogos de linguagem” O cenário da construção social 27 encontram-se incorporados em padrões mais abrangentes de ati- vidade, que o !lósofo chamou de formas de vida. De fato, biólogos, cabeleireiros e banqueiros estão engajados em diferentes formas de vida. As palavras ajudam a manter essas formas de vida, ao mesmo tempo em que as formas de vida conferem signi!cado às palavras. Concomitantemente, essas formas de vida começam a formar os limites de nossos mundos. O real como o bom Aprendemos a diferença entre fatos e valores. Que os fatos são “reais”, declarações de evidência, objetivos, não in"uenciados por desejos, políticas, religião e assim por diante. Em contraste, apren- demos que os valores são frágeis e subjetivos, que não têm a menor base sólida e que representam simplesmente os investimentos parti- culares do indivíduo. Todos deveríamos concordar com os fatos, em- bora cada um tenha direito aos próprios valores. O construcionismo social desa!a esta distinção que vigorou durante muito tempo. Para uma apreciação do argumento, analise três manchetes de jornal que descrevem os acontecimentos no momento em que o regime iraquiano de Saddam Hussein entrou em colapso em 2003: t� Tropas americanas vitoriosas em Bagdá t� Império americano declara vitória no Iraque t� Forças iraquianas se escondem enquanto americanos ocupam Bagdá Cada uma dessas manchetes procura descrever “o que acon- teceu no Iraque”, mas todas diferem signi!cativamente quanto às suas implicações dos acontecimentos. A primeira manchete, de um jornal americano, simplesmente considera os americanos vi- toriosos e expressa sua autocongratulação. A segunda, re"etindo Construcionismo Social 28 o ponto de vista de um jornal brasileiro, usa o termo “Império” em tom irreverente, indicando que a vitória é apenas uma preten- são e que o futuro pode se provar diferente. A última manchete, ecoando a visão de alguns países árabes, sugere que a “vitória” seria tão somente uma “ocupação” temporária e que as forças ira- quianas estariam se escondendo em meio à população civil, pron- tas para voltar após a partida das tropas americanas. Os eventos narrados podem ser idênticos, mas a descrição dos “fatos” depende da tradição segundo a qual cada um estiver escre- vendo. Para o bem ou para o mal, cada tradição possui seus próprios valores e, neste sentido, não existem descrições isentas de valores. Você poderá objetar e dizer que “inquestionavelmente os fatos das ciências naturais são neutros em termos de valores”. Mas ana- lise mais uma vez: por que aceitamos como imparcial a ideia de que a ciência médica “cura” doenças? Isto ocorre porque, em geral, atribuímos valor a certas mudanças que os médicos ajudam a pro- mover no corpo humano e este valor é representado pela palavra “cura”. Se alguém descrevesse os mesmos procedimentos médicos como “interferências nos processos da natureza”, consideraríamos tal declaração parcial. Da mesma forma, se você reduzir o mundo à linguagem da física, da química ou da biologia, a linguagem da “ação moral” deixará de existir. Se continuar falando exclusivamen- te em termos cientí!cos,o lançamento de uma bomba atômica em Nagasaki ou a realização de experiências biológicas com prisionei- ros nos campos de concentração deixarão de ser questões de “as- sassinato” ou de “moral”, já que essas palavras são irrelevantes para a ciência como tal. Da mesma forma, forças militares podem atacar um país e simplesmente falar dos milhares de civis mortos como sendo um “dano colateral”. Certamente as ciências naturais pos- O cenário da construção social 29 suem valores, porque analisam dados de forma a permitir que as !- nalidades de previsão e controle possam se cumprir; seus discursos estão atrelados a esses propósitos. Se alguém permanecer exclusi- vamente no âmbito de uma determinada tradição, outras tradições de valor serão consideradas irrelevantes ou serão reprimidas. Pluralismo radical A maioria das pessoas tende a concordar com o fato de que mui- tas de nossas categorias são construídas socialmente. Todos sabe- mos, por exemplo, que existem in!ndáveis desacordos quanto ao signi!cado de “justiça”, “moralidade” ou “amor”. Entretanto, muitas pes soas resistem às ideias construcionistas quando as mesmas se re- ferem ao mundo físico, ao mundo pré-linguístico do diretamente observável. É verdadeira ou falsa a a!rmativa “a Lua é feita de quei- jo”? Que insensato seria responder “verdadeira”! E não é também óbvio que o mundo é redondo e que as estações mudam na Nova Inglaterra? Mas analise novamente: se considerarmos que o que é real deriva de acordos entre comunidades de pessoas, as a!rmações da verdade devem se encontrar no âmbito dessas relações. Ou, mais uma vez, a verdade só pode ser encontrada dentro da comunidade; porque fora da comunidade há o silêncio. Neste sentido, os constru- cionistas sociais não adotam as verdades universais, nem a Verdade com “V” maiúsculo, às vezes chamada de Verdade Transcendental. Naturalmente existe a verdade com um “v” minúsculo, ou seja, a verdade decorrente dos modos de vida compartilhados dentro de um grupo. Às vezes, esse grupo pode ser enorme, como o grupo que comumente declara que 2 + 2 = 4. Se uma criança disser que a resposta é 3, ela será imediatamente corrigida. Por outro lado, os matemáticos poderiam dizer que a resposta 4 está Construcionismo Social 30 correta se a base do sistema utilizado for decimal; caso contrário, a resposta não é 4. A divisão de pessoas em dois sexos, masculi- no e feminino, é algo comumente aceito. No entanto, há certas culturas que constroem um terceiro sexo, intermediário entre o masculino e o feminino. A noção de raças também é uma noção desenvolvida no âmbito das comunidades e, em algumas cultu- ras, as posições sociais foram hierarquizadas em sistemas de clas- ses ou de castas. Assim, ao perguntar se a Lua é feita de queijo, a resposta dependerá da comunidade onde estamos inseridos. Num sentido poético poderíamos inclusive dizer que a Lua é a deusa antiga, Diana. A ideia de verdade em uma comunidade é de suma importância e, como vimos, todas as construções do verdadeiro estão ancoradas nas formas de vida, e todas as formas de vida se caracterizam por valores. Isso signi!ca que as a!rmações de verdade encontram-se invariavelmente vinculadas às tradições de valor. Assim sendo, numa comunidade de cientistas espaciais, é importante saber se é verdadeira ou falsa a a!rmação de que um foguete segue uma de- terminada trajetória, pois esta verdade está vinculada ao valor que os mesmos cientistas atribuem ao fato de que os foguetes chegarão em segurança ao seu destino. Os psiquiatras procuram a verdade sobre a doença mental e tal busca está atrelada aos valores que os psiquiatras atribuem ao que consideram formas normais de vida. Entretanto, nossos problemas começam quando a!rmações lo- cais de verdade (v) são tratadas como verdade transcendental (V); quando uma comunidade acredita que o mundo foi criado pelo “Big Bang” e outra defende que o mundo foi criado pelo “Gran- de Deus” [Big God]; quando uma comunidade a!rma que o ho- mossexualismo é uma doença e outra insiste que se trata de algo O cenário da construção social 31 normal; ou quando alguém declara que todos os comportamen- tos são predeterminados e outro a!rma que as pessoas exercem o livre-arbítrio. Tal como na maioria das a!rmações de saber, a humildade do local se vê substituída pela arrogância do universal. O construcionismo social nos exime da tarefa de decidir qual tradição, conjunto de valores, religião, quais ideologias políticas ou qual ética é a derradeira, transcendentalmente Verdadeira ou Correta. A partir de uma perspectiva construcionista, tudo pode ser válido para um determinado grupo de pessoas, e as ideias construcionistas convidam a um pluralismo radical, ou seja, a uma abertura para múltiplas formas de denominar e avaliar. Como não há fundamento com o qual reivindicar a superiori- dade de nossa própria tradição, somos convidados a adotar uma postura de curiosidade e de respeito para com as outras tradições. O que será que as outras tradições oferecem que não está contido em nossa própria tradição? Que aspectos de nossa tradição po- dem ser compartilhados e úteis para as demais? Naturalmente, uma visão pluralista como esta é mais fácil de se sustentar em termos abstratos do que no corre-corre da vida coti- diana. Di!cilmente !caremos calados diante do que enxergamos como preconceito, opressão, injustiça e brutalidade. Contudo, para o construcionista, a tendência a eliminar aquilo que despre- zamos é um passo na direção errada. É a Verdade em operação. Preferencialmente, o construcionista tende a favorecer formas de diálogo a partir das quais possam emergir novas realidades e no- vos valores. O desa!o não é encontrar a “única e melhor forma”, mas criar tipos de relação através dos quais se possa construir o futuro de maneira colaborativa. Voltaremos a abordar esses tipos de relação no Capítulo 3. Construcionismo Social 32 Ciência versus religião? A maioria dos cientistas acredita que existe um mundo real e um mundo material independente das pessoas e, além disso, acredita ser possível descobrir esse mundo por meio de uma medição sis- temática (telescópios, microscópios etc.), e representá-lo com pre- cisão por meio de sistemas simbólicos, inclusive pela linguagem e por fórmulas matemáticas. Os cientistas geralmente argumen- tam que, através de seus métodos, eles conseguem chegar cada vez mais perto do mundo como ele realmente é. O sucesso alcançado pelas iniciativas cientí!cas, desde a erradicação de doenças fatais até o controle da energia atômica, levou muita gente a aceitar o poder da ciência como a revelação da Verdade sobre o mundo. Nem todas as ideias construcionistas desvalorizam as iniciati- vas cientí!cas, mas, certamente, desa!am a ideia de que a ciência revela a Verdade. Tampouco os frutos da ciência justi!cariam tal reivindicação. Uma prática efetiva de terapia, por exemplo, não torna Verdadeiras as palavras utilizadas para descrever ou expli- car tal prática. Este é um ponto importante porque, durante sé- culos, foram usadas a!rmações relativas à Verdade cientí!ca para desacreditar as a!rmações das tradições espirituais ou religiosas. A ciência serviu de baluarte numa luta de poder em que o contro- le da sociedade foi arrancado à força das instituições religiosas. Diz-se que a ciência trata da verdade, enquanto as tradições reli- giosas e espirituais se baseiam em fantasias ou mitos. O construcionismo proporciona uma nova maneira de ver este antagonismo. Tanto a tradição cientí!ca quanto a religiosa/espiri- tual têm suas próprias maneiras de construir o mundo; cada uma delas encerra determinados valores e aprova determinadas formas O cenário da construção social 33 de vida. Não há forma de comparação direta entre a verdade das tradições e a verdade da ciência,visto que qualquer tipo de men- suração se dá necessariamente em uma realidade construída por alguma tradição. Não podemos medir a verdade do espírito por meios cientí!cos, assim como não podemos avaliar a verdade da ciência através da sensibilidade espiritual. Além disso, as duas tra- dições produzem frutos de acordo com seus próprios termos: no caso das tradições cientí!cas, são os foguetes espaciais e a energia atômica; ao passo que, para as tradições religiosas, são as institui- ções preocupadas com o ser humano e visões da boa moral. Nenhu- ma das duas pode produzir em seus próprios termos o que a outra oferece. O construcionismo nos pede que eliminemos a tradicional oposição Ciência versus Religião. Preferivelmente, adotamos uma posição de “ambas/e” quando somos convidados a explorar as con- sequências positivas e negativas de cada uma delas. Foco do capítulo Podemos ver o construcionismo social como um permanente diálo- go sobre as fontes daquilo que acreditamos ser o conhecimento do real, do racional, do verdadeiro e do bom – com efeito, tudo é sig- ni!cativo na vida. Talvez seja útil pensar nas ideias construcionistas como sendo um guarda-chuva sob o qual se encontram abrigadas todas as tradições de signi!cado e de ação. O guarda-chuva constru- cionista permite que nos movimentemos através das tradições para apreciar, avaliar, absorver, amalgamar e recriar. Ao mesmo tempo, é preciso reservar um lugar para as próprias ideias construcionistas debaixo desse guarda-chuva. Elas também devem evitar a!rmações do tipo Verdade transcendental. Ao escrevermos estas palavras tam- bém nos empenhamos em gerar signi!cado junto com você, leitor. A questão importante não é se nossas palavras são verdadeiras ou ob- jetivas, mas sim o que acontece com nossas vidas quando iniciamos esta forma de entendimento. Como esperamos poder demonstrar, existem muitos novos e promissores caminhos à frente. 35 Capítulo 2 Da crítica à reconstrução Uma das coisas mais fascinantes sobre o nosso próprio compro- misso com as ideias construcionistas é a incessante criatividade que elas estimulam. Aqueles que buscam a Verdade procuram reduzir o mundo a um conjunto !xo e único de palavras. Declarar A Verda- de é congelar profundamente as palavras, reduzindo desta forma o reino das possibilidades para o surgimento de novos signi!cados. Em contraste, os construcionistas preferem o diálogo constante e aberto, no qual há sempre lugar para outra voz, outra visão e outra revisão, e para uma expansão adicional na esfera da relação. Neste capítulo, apresentamos uma série de grandes desenvol- vimentos nos diálogos construcionistas. Inicialmente, levamos a contribuição construcionista à re"exão crítica. Essa discussão nos prepara para considerar o grande desa!o que as ideias construcio- nistas trazem à tradição ocidental do individualismo. O construcio- nismo privilegia, em nosso entender, a substituição do indivíduo como fonte de signi!cado pela relação. Finalmente, iremos explorar algumas tentativas recentes de reconstruir o conceito de “self”. Desconstrução e além À medida que as ideias construcionistas tornaram-se mais dis- seminadas, também se disseminou a re"exão crítica sobre nossa vida cotidiana. Por que isso aconteceu? Porque a partir do mo- mento em que percebemos que qualquer pronunciamento sobre a Construcionismo Social 36 natureza das coisas — seja qual for o status social, as realizações ou a aparente genialidade do enunciador — é apenas “uma maneira de colocar as coisas”. A partir daí, também nos conscientizamos de que poderia ser de outra forma. Cada maneira de construir o mundo sustenta certas tradições, carregadas de valores particu- lares, ao passo que, simultaneamente, ignora tudo o que estiver fora delas. Assim, nossa curiosidade sobre quais tradições estão sendo respeitadas ou não estão sendo questionadas e que vozes se calam ou estão sendo abafadas é despertada. Começamos a nos questionar, por exemplo, que tipo de mundo é construído por um determinado noticiário, por um discurso político ou por um con- junto de textos cientí!cos. Quem é favorecido, quem é margina- lizado? Será que queremos realmente abraçar essa nova maneira de construir o mundo? Esta sensibilidade crítica tem se difundido cada vez mais no mundo ocidental. Estamos nos tornando mais sensíveis às formas pelas quais a televisão constrói vários grupos – afro-americanos, mulheres, italianos, idosos, e assim por diante. Alguns programas da mídia nos alertam sobre a forma pela qual os “fatos são tramados” por políticos e como a ideologia políti- ca se encontra sutilmente embutida nos noticiários. Os pais estão muito preocupados com as atitudes consumistas que a televisão passa aos !lhos. Tudo isso aponta para um posicionamento crí- tico diante dos mundos construídos por outros, e, neste sentido, o conhecimento acadêmico construcionista apenas expressa uma ampla sensibilidade que já se encontra em movimento. Na esfera acadêmica, essa orientação crítica tornou-se extrema- mente aguçada e, nesse sentido, as teóricas feministas exerceram um papel bastante relevante. Já suas primeiras contribuições nos !zeram perceber os vieses sutis subjacentes a palavras tais como “humanidade”, “policial” e “presidente”; aliás, atualmente, muitos Da crítica à reconstrução 37 questionam a representação masculina de Deus. Outros grupos que também sentem o peso opressivo da cultura dominante sobre suas formas de vida juntaram-se às acadêmicas feministas. Hoje, muito deste pensamento crítico está também presente nos Estudos Afro-americanos, nos Estudos Orientais, na Teoria Queer*, nos Es- tudos Culturais, entre outros. No próximo capítulo, exploraremos o trabalho especí!co do movimento da “educação crítica”. quem tem o poder? o esperma ou o óvulo? Um poderoso exemplo de trabalho feminista crítico encontra-se no es- tudo de Emily Martin sobre os textos médicos que descrevem o processo da fertilização humana. A autora observa que a maioria das descrições populares segue um padrão de conto de fadas, no qual uma multidão de espermas ativos (os heróis da história) se esforça, lutando contra gran- des adversidades para invadir a fortaleza e penetrar no Óvulo-Princesa. Enquanto isso, a princesa permanece passivamente sentada à espera do feliz e heroico vencedor do combate. A fertilização é o !nal feliz da bem-sucedida conquista do herói. Como ressalta Emily Martin, esta ex- plicação biológica da fertilização agrega autoridade cientí!ca ao antigo mito cultural do macho poderoso e ativo e da fêmea passiva e indefesa. Quando assistimos um vídeo sobre o processo de fertilização, ve- mos virtualmente o esperma ativo penetrar no óvulo passivo. Mas será mesmo assim? Emily Martin indaga o que veríamos se nossa história retratasse um exótico Óvulo-Sereia que atrai os incautos e indefesos espermas para seu esconderijo? Enquanto o Óvulo-Sereia os atrai em sua direção, seleciona um dos espermas e destrói os ou- tros. Neste caso, o óvulo se transforma na força dominante e nossa visão do que ocorreu no vídeo muda completamente. * Queer Studies no original. A Teoria Queer defende que o gênero é uma construção social e que, por- tanto, as identidades, papéis e orientações sexuais dos indivíduos não são uma essência, tampouco estão relacionados a uma inscrição biológica na natureza humana; são antes formas socialmente va- riáveis de desempenhar um ou vários papéis sexuais. De modo geral, a Teoria Queer busca ir além das teorias feministas baseadas na dicotomia homem x mulher, dando maior atenção aos processos sociais amplos que sexualizam a sociedade como um todo de forma a heterossexualizar ou homos- sexualizar instituições, discursos, direitos. Neste sentido, a Teoria Queer se distingue dos estudos gays e lésbicos, pois considera queessas culturas sexuais foram normalizadas e não apontam para a mudança social. Daí o interesse em estudar o travestismo, a transexualidade e a intersexualidade, bem como as culturas sexuais não-hegemônicas caracterizadas pela subversão ou pelo rompimento com normas socialmente prescritas de comportamento sexual e/ou amoroso (N.R.). Construcionismo Social 38 Certamente, a segunda história é tão verdadeira quanto a primeira (e nem um pouco mais politicamente correta!). Ambas são construções narrativas do que está ocorrendo, embora as implicações cientí!cas se- jam totalmente diferentes. A autora, uma médica antropóloga, consi- dera de fundamental importância que a natureza política de nossas in- terpretações seja entendida, inclusive porque o resultado disso também será uma biologia melhor. Na pesquisa tradicional sobre a infertilidade, atribui-se grande importância à mobilidade e à resistência do esperma. Ao adotarmos a segunda história – a do óvulo como sereia – a atenção se volta para as características do óvulo e à passagem que o esperma deve atravessar. No entanto, as duas histórias são limitadas. Será que não poderiam existir outras narrativas ou metáforas proveitosas para aumentar o nosso entendimento sobre a reprodução humana? Os esforços críticos são extraordinariamente importantes para o desenvolvimento da democracia, pois frustram a tentati- va de qualquer grupo que pretenda dominar ou anular os outros através de sua construção particular do real e do bom, além de multiplicar os controles recíprocos da sociedade que asseguram uma participação total. Por exemplo, sabendo que os principais jornais reproduzem as notícias a partir de um ponto de vista particular e que existem muito poucos jornais independentes, as centenas de sites e fóruns de discussão na Internet aumentam as possibilidades para a expressão pública. Além de estimular a democracia, muitos consideram esse importante trabalho como libertador. Quando as pessoas são capazes de ver os limites e os vieses naquilo que comumente se aceita como óbvio, elas !cam livres para considerar alternativas. Contudo, ainda que indispensável para uma sociedade impar- cial, o impulso crítico também é perigoso, visto que a crítica ques- tiona a legitimidade do que é dito ou escrito. E, se suas palavras estiverem sendo questionadas, é possível que você seja apresentado Da crítica à reconstrução 39 como preconceituoso, egoísta, opressivo ou explorador. Não sur- preende o fato de que muitas vezes a raiva e o contra-ataque sejam a resposta à crítica. Tanto aquele que critica quanto o seu alvo, via de regra, acredita no bem que está fazendo, mas, rapidamente, a possibilidade de con!ança é destruída e a hostilidade mútua preva- lece. Neste sentido, tornam-se necessárias novas formas de discur- so para substituir a tradição da crítica total. Como re"etir de forma crítica sem demonizar? Como superamos as barreiras do “fazer sentido” isoladamente para construirmos, juntos, futuros mais pro- missores? Vislumbraremos algumas possibilidades no Capítulo 3. Do indivíduo à relação O que pode haver de mais óbvio do que a constatação de que nosso mundo se compõe de indivíduos separados, na maioria das vezes dotados da capacidade de tomar decisões conscien- tes? A partir desta constatação óbvia, favorecemos uma demo- cracia na qual cada cidadão adulto tem direito a voto, onde há tribunais, em que atores individuais são considerados respon- sáveis por suas ações, onde existem escolas para avaliar o tra- balho de cada aluno e organizações nas quais os funcionários são submetidos individualmente a avaliações de desempenho. É basicamente por isto que caracterizamos a cultura ocidental como individualista. Entretanto, para um construcionista, o fato óbvio do “indi- víduo como um tomador de decisões consciente” não é algo tão óbvio assim. Pelo contrário, vemos isto apenas como uma forma de construir o mundo. Aliás, a orientação individualista com re- lação à vida social não é tão antiga do ponto de vista histórico (possivelmente data de três séculos), e não é compartilhada pela Construcionismo Social 40 maioria das pessoas no mundo. Não que isto faça com que esta orientação seja errada, mas nos permite dar um passo além de nossas certezas e indagar sobre os prós e os contras desta con- cepção. O que podemos ganhar com essa forma de construir o mundo? O que podemos perder? Quais são as alternativas? Certamente pode-se dizer muita coisa em favor do individua- lismo, como, por exemplo, que a vida é signi!cativa e importan- te para muitas pessoas, porque elas se sentem amadas, honradas e valorizadas pelo que são. E, para a maioria de nós, não existe melhor alternativa à democracia. Ao mesmo tempo, o individu- alismo tem suas desvantagens. Do ponto de vista individualista, somos instados a ver o mundo social como se ele, basicamente, fosse constituído de seres isolados. Aprendemos que não pode- mos penetrar na mentes dos outros e, assim sendo, não pode- mos conhecer ou con!ar totalmente nos outros. O pressuposto de que cada um está apenas preocupado consigo mesmo exige um treinamento moral para que passemos a nos preocupar com os demais. A autoavaliação transforma-se na dimensão essencial em torno da qual vivemos nossas vidas, com medo de sermos tratados com desdém, procurando ser sempre melhores do que os outros. Num mundo individualista, as relações são relegadas a um segundo plano, porque são tratadas como artifícios que, pro- vavelmente, demandam tempo e que são essenciais apenas nos casos em que não somos autossu!cientes. É exatamente nesse ponto que as ideias construcionistas vão deslanchar. Se uma determinada construção do eu ou do mun- do vai contra o nosso bem-estar, somos instados a desenvolver alternativas. De fato, a partir da perspectiva construcionista, são as relações, e não os indivíduos, que constituem a base da so- Da crítica à reconstrução 41 ciedade. Vamos ampliar esta possibilidade, não porque a visão relacional seja a verdadeira, mas porque, ao entrarmos nessa construção, podemos promover novas e mais promissoras for- mas de ação. O signi!cado como ação coordenada Geralmente falamos de signi!cado como algo que mora nas men- tes dos indivíduos. Pressupomos que as palavras sejam a expressão externa das elucubrações internas da mente. Quando perguntamos a alguém “O que você quer dizer com isso?”, esperamos que o in- terlocutor esclareça seus pensamentos privados. Esta concepção de signi!cado encontra-se próxima ao cerne da tradição individualis- ta e considera o indivíduo como a fonte de todo signi!cado. Entre- tanto, além de seu viés individualista, esta concepção também gera um problema insolúvel para o entendimento humano, porque, se o signi!cado se encontra “dentro da mente do outro” e a única pista “do que acontece lá” são expressões verbais, jamais teremos a capa- cidade de entender o outro. Nunca chegaremos a veri!car se esta- mos certos ou não, a não ser por meio do que o outro externaliza. Contudo, essas externalizações nos deixam no mesmo dilema, pois como poderemos saber o que signi!cam? Entramos então no que os estudiosos chamam de “círculo hermenêutico”, um interminável círculo no qual cada resposta simplesmente cria outra pergunta. A melhor forma de escapar do círculo é abandonar a construção de “um mundo interno” onde o signi!cado é criado. Deixamos de nos concentrar no signi!cado dentro da mente e focalizamos a manei- ra pela qual o signi!cado é criado na relação. Passamos do “entre” para o “dentro”. Mas como podemos entender o signi!cado como algo relacional? Construcionismo Social 42 Considere as seguintes proposições: 1. Os enunciados de um indivíduo não têm signi!cado em si mesmos. Um homem passa por uma mulher na rua, sorri e diz: “Oi, Anna!” Elanão ouve a saudação e segue seu caminho em silên- cio. O que ele disse, então? Certamente pronunciou duas pala- vras. Entretanto, por maior diferença que isso faça, ele poderia ter escolhido duas sílabas quaisquer ou simplesmente poderia não ter dito nada, pois, sozinho, ele não constrói um signi!cado. 2. O potencial de signi!cado é concretizado através de uma ação complementar. As expressões de um indivíduo começam a adquirir sig- ni!cado quando outro indivíduo responde, ou seja, quando a outra pessoa agrega uma ação complementar. Se Anna tivesse respondido: “Oi! Bom dia...”, ela teria feito das palavras dele um cumprimento. Comunicar requer que outros nos concedam o privilégio de um signi!cado. Se os outros não tratarem as nos- sas expressões como comunicação (dizendo, por exemplo, “Isto não faz absolutamente o menor sentido”), se não conseguirem se coordenar com relação ao que oferecemos (“Isto é uma total idiotice”), não teremos produzido o menor signi!cado. Combinando essas primeiras duas proposições, vemos que o signi!cado não reside em nenhum dos dois indiví duos, mas somente na relação de ambos. Tanto a ação quanto o comple- mento precisam estar obrigatoriamente coordenados para que o signi!cado ocorra. É como um aperto de mãos, um beijo, ou dançar tango: são sempre necessárias duas pessoas. 3. A própria ação complementar requer um complemento. Qualquer complemento age duplamente: em primeiro lugar, conferindo signi!cado àquilo que o precedeu e, em se- gundo, como uma ação que, por sua vez, também requer com- plemento. Com efeito, o signi!cado conferido permanece em Da crítica à reconstrução 43 suspenso até ser também ele complementado. Considere uma mulher em terapia que fala de sua sensação de desamparo por- que se sente incapaz de lidar com um marido agressivo e com um emprego insuportável. O terapeuta pode tomar essas verba- lizações como expressões de depressão, respondendo “Sim, eu entendo que você está deprimida; fale mais a respeito”. Enquan- to a paciente não apresentar outra questão, este permanecerá inativo em termos de signi!cado. Se a paciente simplesmente ignorar o que foi dito, terá negado um signi!cado às palavras do terapeuta. Por outro lado, se ela disser, “Eu não disse que estou deprimida; estou apenas com raiva!”, estará reduzindo a declaração do terapeuta a uma a!rmação arrogante. Porém, se a paciente disser “Sim, estou terrivelmente deprimida...”, a de- pressão se torna uma realidade que poderá ser trabalhada em conjunto com o terapeuta. De uma forma geral, podemos dizer que vivemos nossas vidas dialogicamente. Fazemos sentido só em função daquilo que precede e daquilo que segue. 4. As tradições nos oferecem possibilidades de signi!cado, mas não determinam o que deve ser. É importante reconhecer que as palavras e as ações com as quais contamos para juntos gerarmos um signi!cado mui- tas vezes provêm de um outro tempo e de um outro lugar. Se alguém o abordasse e começasse a emitir uma série de vogais, “aaaaa, eeeee, oooo, uuuu...”, com certeza você !caria intrigado e talvez até procurasse a saída mais próxima, porque as ações desse indivíduo não fazem parte de qualquer sequência coor- denada que seja familiar a você. Com efeito, nossa capacidade de juntos produzir sentido hoje baseia-se numa história, muitas vezes com muitos séculos de existência. Neste sentido, devemos a um histórico de coordenações nossa capacidade de nos apai- xonar, de apoiar uma causa justa ou de acompanhar com prazer o desenvolvimento de nossos !lhos. Em cada um desses casos, tomamos emprestados os tesouros das relações passadas. Mas nós não somos determinados pelo passado. Combinações originais de ação/complemento estão em constante movimento. Construcionismo Social 44 Pense em uma animada conversa; para qualquer expressão, há dezenas de complementos possíveis e signi!cativos. Conforme ela vai se desenrolando, traz um resultado que é uma criação to- talmente exclusiva. Aqui também é possível ver o valor do jogo. Quando concordamos em brincar ou em passar o tempo nos di- vertindo, dizemos e fazemos coisas que não são propriamente convencionais. Novas sequências são geradas... o riso corre sol- to... e até mesmo novas percepções poderão ser criadas. O “Eu” relacional Como é ser um ser humano? Qual é a nossa natureza fundamen- tal? Estas são perguntas que não nos fazemos com frequência, porque mais ou menos pressupomos que nós, seres humanos, somos criaturas que têm a capacidade de tomar decisões racio- nais, sentir emoções e desejos, recordar o tempo passado, e assim por diante. Contudo, como já mencionamos anteriormente, essas crenças comuns só vieram a ter importância na cultura ocidental nos últimos séculos. Foi somente no século XVII, quando Des- cartes a!rmou “Penso, logo existo”, que se tornou patente o fato de que podíamos pensar e que o pensamento era chave para a exis- tência de uma pessoa. Da mesma maneira, o conceito de “senti- mento” apareceu apenas por volta do século XVIII; nesse ínterim, outras qualidades humanas foram desaparecendo. Por exemplo, de certa forma nos esquecemos da importância da “melancolia”, um estado emocional que foi descrito em certo momento como silêncio macabro e súbitos acessos de raiva. A melancolia era algo tão óbvio no século XVII que Robert Burton escreveu um livro de 500 páginas a respeito de suas causas e curas. A “alma” foi tida como um fato da vida humana por anos, ao passo que hoje mui- tos a consideram um mito. Da mesma forma, nos últimos sécu- Da crítica à reconstrução 45 los, o livre-arbítrio tem sido considerado uma virtude exclusiva das pessoas, embora para a maioria dos cientistas, cuja visão do mundo é determinista, o livre-arbítrio seja uma evidente !cção. doença mental como discurso do déficit Você toma medicamento contra depressão? Conhece algum jovem que tenha sido diagnosticado como portador de TDA (Transtorno do Dé- !cit de Atenção)? A resposta a essas perguntas vem sendo progressiva- mente a!rmativa. Contudo, até o século XX, não existiam distúrbios mentais com o nome de depressão ou dé!cit de atenção. É interessante observar que no ano de 1900 havia apenas um punhado de termos que identi!cavam as doenças “mentais” e, até o ano 2000, os pro!ssionais da saúde já haviam “descoberto” mais de 400 formas de doença men- tal. Atualmente, a doença mental representa um dos maiores gastos na área da saúde nos Estados Unidos, e os psicofármacos transformaram- -se num negócio multibilionário. À medida que o discurso do dé!cit adquire credibilidade cientí!ca e essas de!ciências se tornam de conhe- cimento público, também nós acabamos por nos construir dessa forma. De acordo com a perspectiva do construcionismo social, a doença mental não “existe” no mundo simplesmente à espera de ser desco- berta. Pelo contrário, nós construímos... ou não... certas ações como “doença”. Uma pessoa que está “triste”, “indiferente” ou “na fossa” não precisa ser diagnosticada como “doente”. Mais apropriadamente, po- demos acreditar que a pessoa possa estar precisando de um pouco de apoio dos amigos ou da família, de um pouco de sucesso e de reco- nhecimento, de uma nova namorada ou de tempo para superar uma perda. Mas se rotularmos essa pessoa como portadora de “depressão clínica”, ela pode acabar sendo encaminhada para um tratamento que poderá levá-la, inclusive, a se tornar dependente de antidepressivos pelo resto da vida. Se descrevermos uma criança como “transbordan- do de curiosidade” ou “precisando de muito estímulo”, podemos en- contrar coisas mais interessantes para ela fazer. Se essa mesma criança for diagnosticada como portadora de transtorno do dé!cit de atenção, muito provavelmente o especialista lhe prescreverá Ritalina (metilfe- nidato) por muitos anos. Na condição de construcionistassociais, es- tamos sensíveis a esses efeitos problemáticos do discurso do dé!cit e incentivamos a busca por construções alternativas mais promissoras. Construcionismo Social 46 Concentremo-nos agora no mundo da atividade mental como o consideramos atualmente. Com certeza, falar de nossos pensa- mentos, sentimentos, desejos e memórias é algo extremamente precioso para nós. Qual seria, por exemplo, o valor de um rela- cionamento íntimo se não acreditássemos estar compartilhando nossos sentimentos mais profundos? Contudo, o fato de as for- mas com que construímos nossas mentes sejam tão importantes para nós não as colocam além da re!exão. Vamos considerar que as palavras “pensamento”, “emoção”, “desejo” e “memória” cons- truam um mundo “dentro da cabeça” do indivíduo. Como dis- cutimos no tópico sobre o Eu Relacional, se o “mundo interior” for o aspecto mais importante do signi"cado de existir como um ser humano, criaremos um mundo de separação, isolamento e con!ito, e talvez não sejamos sequer capazes de explicar como é possível a comunicação. Basicamente, ao construirmos essa noção de pessoa contribuímos para uma ideologia de individu- alismo cujas implicações para a vida social não são totalmente satisfatórias. Para o construcionista, esses problemas também trazem de- sa"os à reconstrução. O construcionista pergunta: “É possível reconstruir o ‘mundo mental’ de tal maneira que ele não seja mais privado, ‘aqui dentro’, ‘atrás dos olhos’?” “Será que podemos começar a considerar que pensamentos, sentimentos, desejos e memórias nascem de relações e que não fazem sentido fora de- las?” Se formos bem-sucedidos em nossa reconstrução, não nos veríamos mais como seres isolados e independentes, basicamente à procura de satisfazer os próprios interesses ou ameaçados de extinção pelos competidores. Poderíamos nos ver como resulta- Da crítica à reconstrução 47 do de uma relação, e o “Eu versus o Outro” se transformaria no “Eu através do Outro”. Vejamos então alguns passos importantes para a construção do Eu Relacional. A reconstrução relacional da mente A tarefa de criar o Eu Relacional não é fácil, basicamente, por- que as palavras para nós disponíveis são fruto de uma tradição individualista. Dispomos de milhares de termos que “tornam reais” as condições e os conteúdos da mente individual. Po- demos falar inde!nidamente sobre nossos pensamentos, senti- mentos, desejos, esperanças, sonhos, ideais, e assim por diante. No entanto, dispomos de pouquíssimas palavras para descrever relações. É como se tivéssemos uma linguagem extremamente rica para descrever as peças de um tabuleiro de xadrez, mas poucas para descrever o jogo propriamente dito. Como pode- remos proceder para que um Eu Relacional faça sentido sem tomar como ponto de partida a suposição de mentes indivi- duais? Muitos acadêmicos estão justamente tentando respon- der a essa pergunta. Considere agora as seguintes hipóteses que começam a am- pliar as perspectivas. 1. O discurso da mente nasce do diálogo. Muitos acreditam que as palavras que exprimem esta- dos mentais sejam imprescindíveis em virtude da existência factual de tais estados. Ou seja, pelo fato de o pensamento realmente existir na mente, pudemos chegar a desenvolver o termo “pensamento”. Em contrapartida, o construcionista pode argumentar que não dispomos do substantivo “pensar” porque, ao perscrutarmos nossas mentes, identi!camos um processo que agora chamamos de “pensamento”. Mas, a!nal, Construcionismo Social 48 para que estaríamos olhando já que não podemos enxergar os pensamentos no nosso cérebro, e como poderíamos identi!- car um “pensamento” como oposto a uma “atitude” ou a uma “esperança”, se isto fosse possível? Nossas linguagens nascem no interior de nossos diá- logos com os outros. A declaração de Descartes a respeito de seu “pensar” só é razoável no contexto de uma história especial de diálogo. E se, em sua conversa com outros !ló- sofos, eles lhe tivessem perguntado: “Que diabos você quer dizer com a palavra ‘pensar’?” Sem a coordenação humana, o discurso permanece vazio. Uma vez que as palavras que dirigimos à mente são criadas no diálogo, !ca fácil enten- der porque termos e expressões aparecem e desaparecem ao longo da história e porque é relativamente fácil inventar centenas de novos termos para a doença mental. Isto tam- bém explica porque as diferentes culturas do mundo não compartilham o mesmo entendimento a respeito de “como as pessoas funcionam”. 2. O discurso da mente adquire valor através do seu uso. A!rmar que o discurso da mente nasce no diálogo é a!r- mar também que seu signi!cado depende de seu uso social. Não precisamos nos questionar se as palavras que usamos re- tratam com exatidão nosso estado interno. Se você diz “Eu quero muito que você esteja aqui comigo”, a questão não é se a palavra “quero” corresponde a uma condição em seu cérebro, e sim como essas palavras funcionam dentro de uma relação. Quais são as consequências sociais quando você pronuncia essas palavras? Considere todos os termos disponíveis em nosso vocabu- lário para expressar estados de atração. Você pode dizer “Eu admiro você”, “Eu só quero ser seu amigo”, “Você é o máxi- mo!”, “Eu gosto de você”, “Sou louco por você”, “Eu te amo”, “Eu te adoro”, “Você me enlouquece”, “Estou desesperado por você” e assim por diante. As possibilidades são praticamente Da crítica à reconstrução 49 in!nitas. Agora, considere o impacto sobre as outras pessoas se você usasse uma dessas frases em oposição a outra. De- pendendo do momento ou a quem você dirige essas palavras, as pessoas poderão se aproximar, !car pasmas ou até mes- mo mandar expedir uma liminar contra você! Dispomos de inúmeras formas para falar de atração, não porque existam inúmeros estados de espírito, mas em virtude das demandas de uma vida complexa de relações. 3. A linguagem é apenas um componente de ações plena- mente realizadas. Até agora colocamos grande ênfase nas palavras – pala- vras como “pensamento”, “emoção” e assim por diante. Po- rém, essas palavras evidentemente se fazem acompanhar de expressões faciais, posturas, movimentos corporais, gestos etc. Tais ações corporais são vitais para o modo como as pa- lavras irão funcionar. Você pode dizer para alguém “Sinto muito por ter te magoado”, mas se essa expressão for acom- panhada por uma gargalhada ou for feita num tom zombetei- ro, você poderá se meter em encrenca. Para dar credibilidade a esta declaração é preciso que a expressão facial seja séria. Neste caso, é interessante pensar nos atores que devem criar interpretações convincentes das emoções, seja de amor, raiva, ou compaixão. Suas palavras são apenas um componente da interpretação corporal completa, e os atores não se questio- nam a respeito de seus verdadeiros sentimentos, pois estão simplesmente preocupados em representar essas emoções. É importante frisar que não estamos dizendo que essas “performances” sejam super!ciais ou “calculistas”. Por exem- plo, quando nos encontramos no “calor da ira”, estamos mais envolvidos do que o ator no palco. Inversamente, o ator preci- sa manter sua performance a uma certa distância, porque ele deve “representar o papel” e não “exercer o papel”. Da mesma maneira que um jogador de basquete salta com ânimo por entre vários corpos para poder fazer cesta, devemos “atu- Construcionismo Social 50 ar” nossas emoções com inquebrantável imersão. De forma não muito diferente do ator, necessariamente calculamos os efeitos de nossa atuação. Normalmente, não realizamos duas performances ao mesmo tempo, dizendo “Agradeço imensa- mente por sua ajuda” enquanto pensamos “Se eu disser isso, ele me ajudará de novo”. Naturalmente, essa dupla atuação é possível, mas na maioria das vezes estamos simplesmente“lá”, presentes, atuando de forma autêntica. 4. Performances são componentes de sequências relacionais. O signi!cado de uma palavra depende fundamentalmente da frase na qual está inserida. O signi!cado de “bala” depen- de totalmente da frase: “Dê-me uma bala” em contraposição a “Ele foi atingido por uma bala”. Da mesma forma, perfor- mances de pensamentos ou sentimentos só fazem sentido em momentos especí!cos dentro de uma sequência relacional. Você não pode sair correndo em direção a um estranho e gri- tar “Estou furioso!”, e esperar que isto faça sentido. Entretanto, se o estranho estiver fugindo depois de ter dani!cado o seu carro, essa mesma expressão tem um sentido adequado. Neste caso, poderíamos até desaprovar a pessoa que não expressas- se sua raiva. Existem apenas alguns tempos e lugares em que uma determinada expressão seja apropriada do ponto de vista relacional; do contrário, ela pode soar, no mínimo, estranha. Talvez seja interessante aqui pensar em uma dança, seja um samba, um tango ou uma salsa. Os movimentos do casal de dançarinos fazem sentido somente nos limites da dança e nenhum dos dois dançarinos poderia executá-los sozinho. Os movimentos do par são necessários para ocasionar a dança. Além disso, para serem bem-sucedidos, os movimentos de um dos dançarinos devem estar coordenados com os movimentos do outro. Não existem movimentos puramente solo, mas em determinados momentos certos movimentos são necessários, como, por exemplo, quando um dos dançarinos precisa sina- lizar ao outro para se preparar para girar no meio da dança. Da crítica à reconstrução 51 Da mesma maneira, as performances da mente só fazem sentido no âmbito de determinados relações, são esperadas em certos momentos dos relacionamentos, não esperadas em outros, e exigem a cooperação da outra pessoa para que tenham signi!cado. Se um amigo seu complementá-lo, esta ação preparará o terreno para que você expresse prazer (ou acanhamento). E se você disser algo como “Ah! Isso me deixa muito feliz”, estará preparando o terreno para uma resposta do tipo “Você merece!”. Cada ação leva a uma próxima, cada ação exige outra para se legitimar. Em termos mais gerais, as performances da mente não são uma propriedade particular, são componentes de relação. a dor como evento relacional Dor é dor, independentemente de como falamos dela. Ou assim, acre- ditamos que seja. Uma das implicações mais interessantes da visão relacional do discurso mental é que, no !m das contas, a dor pode não ser um acontecimento tão pessoal assim. Em vez disso, a forma como vivenciamos a dor pode depender da história e do contexto das relações. Pense num jogador que termina uma partida de futebol americano todo contundido, sangrando, e ainda assim diz “Foi muito bom!”. Há também o sadomasoquista que paga para que a mulher do- minadora o chicoteie, além dos penitentes cristãos da Idade Média que se auto"agelavam para se aproximar do sofrimento de Cristo na cruz. Certamente existe uma sensação física especial em todos esses casos, mas quali!cá-las como uma “dor horrível” ou como “uma experiência bem-vinda” é algo que vai depender de uma cultura relacional. Grandes somas de dinheiro são despendidas anualmente no con- trole da dor. A maioria desses esforços pressupõe que dor seja dor e que sua minimização dependa obrigatória e basicamente da al- teração da química cerebral. No entanto, do ponto de vista cons- trucionista, a questão mais importante consiste em ver se somos capazes de reconstruir a dor e encaixar a experiência em novas e mais promissoras formas relacionais. Arthur Frank, em seu livro revolucionário “!e Wounded Storyteller” (O Contador de Histó- rias Ferido), propõe que nossa experiência de dor depende pri- mordialmente das narrativas através das quais a dor é entendida. Construcionismo Social 52 Por exemplo, na narrativa de restituição (“Eu estava sem dor antes; agora estou com uma dor terrível, mas ela logo irá passar”) !ca su- bentendido que a dor dará lugar a um estado de bem-estar. Nesta narrativa, a dor é simplesmente um estorvo indesejável e senti- mo-nos pessimamente mal até que a normalidade se restabeleça. A história das cólicas menstruais consiste numa típica narrativa de restituição. Mais promissora, entretanto, é a narrativa de busca. Nes- te caso, vemo-nos como se estivéssemos numa missão em busca de maior compreensão, talvez até de uma iluminação espiritual. O so- frimento permite que sejamos testemunhas, que informemos outras pessoas a partir de uma ocasião de sabedoria, o sofrimento adquire um signi!cado positivo. As dores do parto podem ser o exemplo mais elementar da narrativa de busca, porque a dor, ou seja, a sabedoria e a alegria se entrelaçam de maneira indissolúvel. Ao adotar esta visão relacional, podemos reconstruir tudo o que supúnhamos serem eventos pessoais, isolados e “da men- te” – pensamentos, emoções, planos, ou desejos – como sendo eventos fundamentalmente relacionais. Sentir tristeza ou alegria, êxtase ou agonia, amor ou ódio, desejo ou desprezo, é participar da tradição da relação. Não possuímos esses estados dentro de nós, tampouco eles se encontram encerrados nas estruturas do cérebro; pelo contrário, somos nós que os executamos ativamen- te. Esses estados não nos impulsionam para a ação, nem a nossa ação os estimula para a vida. Estados e ação são a mesma coisa. Sua voz cética poderá responder “Mas eu tenho experiências privadas porque geralmente penso ou sinto emoções quando es- tou totalmente sozinho”. Vejamos: podemos estar isolados de ou- tras pessoas em termos físicos, mas as atividades que realizamos sozinhos estão estreitamente vinculadas à nossa imersão nas rela- ções. “Sentir tristeza” ou “estar pensando a respeito de um proble- ma” são, basicamente, atuações parciais, afastadas das circunstân- Da crítica à reconstrução 53 cias normais da relação. Neste sentido, “pensar com seus botões” é como realizar um diálogo em público, apenas sem ser a perfor- mance completa de quando falamos com outra pessoa. A tristeza na privacidade de um quarto não é essencialmente diferente da tristeza vivenciada em público, só que, sozinhos, podemos não desempenhá-la “por completo”, com as expressões faciais e a pos- tura corporal apropriadas. Estar sentado sozinho e sentindo-se triste é participar da dança cultural, mas sem a presença de outras pessoas. Sem uma história de relações há muito pouco que possa- mos chamar de “um mundo particular”. Foco do capítulo Neste capítulo tratamos com respeito e apreço os processos relacio- nais. É a partir da relação que tudo o que consideramos real, racional, verdadeiro e de valor emerge. As implicações da ênfase relacional são vitais, não só porque permitem desestabilizar a tradição enraizada do individualismo, mas também porque somos instados a reconside- rar muitas de nossas instituições, desde os rituais do relacionamento íntimo até nossas práticas na educação, na política e nas leis. Uma perspectiva racional desperta o apreço por nossa vida com os ou- tros, no lugar de uma vida separada dos outros ou contra os outros. Centramo-nos no poder gerador da relação e do !uxo de ações co- ordenadas. Por meio de performances junto aos outros e junto a nós mesmos, criamos nossas realidades racionais e emocionais. Aquilo que antes era denominado “processos mentais” foi recriado como “processos relacionais”. O Eu Relacional passa a existir através das relações com outros. Nos dois capítulos a seguir, iremos explorar as práticas nas organizações, escolas, processos terapêuticos e na pes- quisa que levam os conceitos relacionais à ação. 55 Capítulo 3 Construção social e prática pro!ssional Uma coisa é gerar ideias atraentes, mas a questão importante é veri!car se existe uma relação produtiva entreas palavras e nos- sos modos de vida. Nós, autores, vivemos a maior parte de nossa carreira pro!ssional na academia e testemunhamos muitas ideias interessantes que apareceram e desapareceram. Entretanto, uma das razões pelas quais as ideias construcionistas nos atraíram de maneira especial se deve ao fato de que elas !zeram e fazem uma importante diferença em nossas vidas. Uma vez que a consciência da construção se estabelece, torna-se difícil !car quieto. Quando nos damos conta de que tudo que aceitamos como real, racional e bom o é tão somente em virtude de convenções, começamos a fazer perguntas como: “Por que devemos aceitar o que a tradição nos oferece?”, “O que estamos deixando de considerar?”, “Não se- ria melhor se pudéssemos reconstruir?” São perguntas perturba- doras com in!nitas repercussões. Neste capítulo, discutiremos o impacto das ideias construcio- nistas nas práticas pro!ssionais. Ilustraremos os desdobramentos em pro!ssões vinculadas a terapias, desenvolvimentos organiza- cionais, ensino e resolução de con"itos, ou seja, nas pro!ssões especi!camente voltadas à mudança do ser humano. Em cada uma dessas áreas, as ideias construcionistas estimularam novas e interessantes alternativas. Construcionismo Social 56 Construção social e a mudança terapêutica Trabalhar para aliviar o sofrimento individual não é tarefa fácil, e a busca pela “melhor forma de terapia” tem sido incessante. Um dos benefícios de uma perspectiva construcionista consiste no fato de que podemos parar de buscar a solução perfeita conside- rando que “gosto não se discute”. Tanto para os clientes quanto para os terapeutas, os métodos de terapia deveriam ser sensíveis aos estilos e preferências pessoais, às diferentes tradições e valo- res, ou seja, às múltiplas construções do real e do bom. Tradições terapêuticas constituem em si mesmas bolsões de signi!cado cultural; aliás, por que deveria existir um único sistema de sig- ni!cado que seja útil para todas as pessoas? Dito isto, existem três formas de terapia que são especialmente apropriadas à sensi- bilidade do construcionista com relação às múltiplas realidades. Cada uma delas oferece importantes recursos para a mudança. Terapia narrativa: reescrevendo vidas Entendemos nossa vida em grande parte a partir das histórias nas quais somos os protagonistas. Podem ser histórias sobre tor- nar-se adulto, se apaixonar, sobre a busca por uma carreira pro- !ssional e assim por diante. São histórias de sucesso e de fracas- so, de fazer as coisas bem ou menos bem. Quem poderíamos ser se não tivéssemos histórias? Assim, quando um indivíduo passa por algum sofrimento em sua vida, esse problema só tem lógica a partir de alguma história. Por exemplo, muitas vezes sofremos ao nos confrontarmos com uma perda, ao sermos rejeitados, ou quando sentimos que nossa vida perdeu o rumo. Entretanto, per- da, rejeição e falta de rumo na vida não são “problemas que exis- tem lá fora, na natureza”, e só podem ocorrer no enredo de uma %QPUVTWÁºQ�UQEKCN�G�RT¶VKEC�RTQſUUKQPCN� 57 história. O fato de você “perder” alguma coisa (um emprego, um ente querido, o amor de alguém) signi!ca que você leva consigo uma história própria, onde você é o personagem principal que enveredou por um caminho de evolução ou de realização (o !nal de uma boa história), ou que sofreu um revés. Os terapeutas narrativos têm grande apreço por essas ideias e acreditam que, ao “reescrevermos” nossa história de vida, “os problemas” podem ser transformados, novas histórias podem ser criadas e, a partir delas, novos rumos poderão se abrir. Por exemplo, algumas pessoas carregam uma história na qual foram bastante feridas por pais abusivos e sentem-se incapazes de se- guir em frente. No entanto, se tiverem a oportunidade de revisi- tar sua infância, valorizando o fato de que conseguiram sobrevi- ver corajosamente e destacando-se como heróis, talvez possam começar a enxergar novas opções e alternativas de ação que se- jam mais otimistas. O trabalho inovador dos terapeutas de família, Michael White e David Epston, focaliza especialmente os potenciais políticos do “reescrever a sua história”. A maioria das pessoas vê seus proble- mas como algo que mora “em suas mentes” e se sente “disfun- cional”, incapaz como pessoa. De acordo com White e Epston, tais narrativas ofuscam a possibilidade de entender os problemas individuais como algo que emana de condições sociopolíticas. O que costuma ser considerado disfunção pessoal, como a depres- são, por exemplo, poderia ser “reescrito” de forma tal que permita a alguém ver que está atravessando momentos políticos ou eco- nômicos estressantes. Ao entender que o problema “não está em nós, mas no sistema”, desaparece uma camada de dúvidas acerca de nós mesmos, abrindo possibilidades para novas alternativas Construcionismo Social 58 de ação. White, por exemplo, ajuda os aborígines australianos a enxergar sua angústia pessoal como resultado das condições de opressão social em que vivem, pois, em sua relação com os pode- rosos brancos, eles começaram a sentir que haviam perdido seu poder. Esta história de luta contra uma força externa é reforçada pela demonstração dos preconceitos culturais contra os aborígi- nes. Quando são construídas histórias alternativas de tenacidade, frequentemente consegue-se reduzir a a!ição individual abrindo novas perspectivas de ação política. Terapias breves e focadas em soluções: a magia da palavra Em geral, os pacientes iniciam a terapia trazendo os proble- mas que desejam discutir, e, apesar de haver um mérito nessas discussões, não deixam de existir de"ciências. De um ponto de vista construcionista, quando falamos sinceramente sobre um problema, ele se torna mais real e irremediavelmente mais terrí- vel. Se falarmos por muito tempo a respeito de um determinado problema, poderemos acabar nos sentindo aprisionados por ele e incapazes de nos defender. A partir de ideias construcionistas, os terapeutas cujo foco é a terapia breve, voltada para a solução dos problemas, buscam alternativas para substituir a “discussão de problemas” que ressaltem as di"culdades do indivíduo. Esses terapeutas preferem estimular conversas sobre as forças, os re- cursos e as possibilidades relacionais. Consideremos, por exem- plo, o que chamamos de “pergunta milagrosa”, quando pergun- tamos ao cliente: “O que aconteceria se amanhã você acordasse e o problema simplesmente tivesse deixado de existir?” A partir desse tipo de pergunta, o terapeuta vai poder ajudar os clientes a se transportarem para onde quer que suas fantasias os levem. %QPUVTWÁºQ�UQEKCN�G�RT¶VKEC�RTQſUUKQPCN� 59 Concentrar-se num futuro positivo em vez de em um “velho pas- sado ruim” transforma-se na base para passos mais proativos em direção à mudança. As terapias breves também são interessantes quando compara- das às de longo prazo, tais como a psicanálise. Em contraste com uma abordagem construcionista, as terapias psicanalíticas exigem anos de sondagem porque constroem a pessoa como possuidora de “problemas profundamente arraigados”. Se os problemas são de!nidos como algo que está oculto em memórias inconscien- tes da primeira infância, certamente as longas horas de análise parecerão ser algo razoável. No entanto, também podemos cons- truir o indivíduo de forma diferente, de uma maneira que tenha como pressuposto a ideia de que vivemos no aqui e no agora e que nosso bem-estar está fundamentalmente vinculado às nossas relações atuais. Se adotarmos este posicionamento, a terapia po- derá ser muito mais breve (e mais econômica). As repercussões da terapia também se estruturam de modo diferente porque, em vez de sondar um passado conturbado, a terapia se concentra em meios que permitam relacionamentos presentes mais adequados. Ao fazermos a reconstrução do passadopara o presente e deslo- carmos o foco dos problemas para as potencialidades, é possível esperar mudanças mais rápidas. A terapia pós-moderna e a posição do “não-saber” As escolas da terapia tradicional baseiam-se na hipótese do notório saber, ou seja, terapeutas são pessoas treinadas para reco- nhecer as causas e as curas dos problemas dos indivíduos (“doen- ças”). Evidentemente, o que se “sabe” varia enormemente de uma escola de terapia para outra. Diferentes escolas sustentam de dife- Construcionismo Social 60 rentes maneiras que os problemas do indivíduo estariam ligados a desejos sexuais reprimidos, falta de amor dos pais, sentimento de inferioridade e assim por diante. Um terapeuta comprometi- do com uma dessas explicações sabe quais são os problemas do paciente antes mesmo que ele entre no consultório. A terapia a partir da “posição do saber” não reconhece sequer minimamente o “saber” do paciente. Harry Goolishian e Harlene Anderson do Houston-Galves- ton Institute for Family !erapy propuseram uma alternativa denominada posição “do não-saber”. Neste caso, o terapeuta se deixa guiar por uma intensa curiosidade a respeito do que di- zem os clientes e de como eles constroem seu mundo. Tais tera- peutas não abandonam todo o conhecimento prévio, mas veem as experiências dos clientes como possíveis recursos para en- riquecer o discurso terapêutico. Sobretudo, o terapeuta desen- volve sua sensibilidade com relação aos novos signi"cados, que podem ser construídos a partir das percepções que os clientes trazem para a terapia. A mudança cresce a partir das realidades do cliente. A título de ilustração, considere uma família cujo pai pareça ser um tirano. Um terapeuta que adota a postura do “saber” po- derá rapidamente concluir que esse pai esteja expressando um distúrbio de personalidade, o que está provocando uma resistên- cia rebelde em seus "lhos. Ainda que isto pareça bastante razoá- vel, o terapeuta que adota a posição do “não-saber” consideraria esta hipótese como apenas uma das interpretações possíveis. Ao explorar curiosamente o mundo em que o suposto tirano vive, é provável que se revelem outras possibilidades. Por exemplo, o pai pode revelar que se envergonha por seu nervosismo e que %QPUVTWÁºQ�UQEKCN�G�RT¶VKEC�RTQſUUKQPCN� 61 gostaria de ser capaz de expressar mais abertamente seu amor pelos !lhos. Com esta mudança na conversa, a terapia poderá transformar-se. Ao invés de procurar compreender porque papai é sempre tão mau, os familiares poderão encontrar formas me- lhores para se relacionar com ele, que encontrará novas formas de se expressar. Passemos agora a um segundo local de prática construcionis- ta: a organização. A construção social e a e!cácia organizacional O sucesso de qualquer organização ou empresa depende, subs- tancialmente, da capacidade de seus membros para uma e!caz negociação de signi!cados. Equipes deixam de ser e!cientes quando seus membros estão em con"ito, quando os líderes dei- xam de liderar, quando ninguém entende ou valoriza o que os líderes dizem. Assim, não surpreende o fato de que as ideias do construcionismo social venham exercendo grande in"uência no trabalho organizacional. Acadêmicos construcionistas vêm destacando que as em- presas se assemelham a pequenas culturas, e a forma como essas culturas são vinculadas entre si tem a ver com o compar- tilhamento de hipóteses quanto ao que é real e bom. As nar- rativas de uma cultura são de vital importância, e são particu- larmente decisivas aquelas que criam um sentido coletivo de história e de destino. A maioria dos leitores pode reconhecer o poder das histórias em sua família (as bizarrices do vovô, os estranhos bolos de aniversário da mamãe, as travessuras do cachorro) na criação do significado “nossa família”. Com as organizações é bastante semelhante. As histórias podem su- Construcionismo Social 62 gerir que, através da coragem, perspicácia e do trabalho duro evidenciado no passado, o fato de trabalharem juntos pode levar a grandes realizações. Vamos analisar duas outras recen- tes contribuições das ideias construcionistas para as práticas organizacionais. Da liderança individual à liderança relacional Quando se pensa num líder famoso, provavelmente se imagina um único indivíduo – via de regra do sexo masculino –, abençoa- do e dotado de habilidades especiais, de sabedoria ou de poder de persuasão. De fato, muitos estudos tradicionais sobre liderança or- ganizacional abraçam a visão do líder como o “Grande Homem”. A partir dessa perspectiva, os líderes exercem uma in!uência so- bre seus liderados, e líderes e"cazes são aqueles que inspiram e comandam de maneira a gerar o sucesso organizacional. Entretanto, para os construcionistas, essa visão de liderança é profundamente falha, pois deixa de considerar a maneira pela qual o signi"cado é criado no contexto das relações. Ninguém poderá atuar como líder se não se associar a outras pessoas no processo de criação de signi"cado. Quando os líderes da ex- União Soviética controlavam as principais instituições do país, o governo entrou em colapso sem que houvesse ocorrido um con- !ito. O povo não aceitava a realidade construída pelo pessoal de cima porque as pessoas haviam negociado uma outra construção do destino de seu país. Sensíveis à coconstrução de signi"cados e ansiando por melhorar a qualidade de vida nas organizações, tanto os teóricos quanto os prá- ticos hoje se veem atraídos por novas visões de liderança, elaborando conceitos e práticas em que a liderança é um processo relacional. %QPUVTWÁºQ�UQEKCN�G�RT¶VKEC�RTQſUUKQPCN� 63 Um dos mais ricos relatos de liderança relacional pode ser en- contrado no livro de Wilfred Drath: !e Deep Blue Sea: Rethinking the Source of Leadership (O profundo mar azul: repensando a fonte da liderança). A liderança relacional surge quando pessoas criam, através do diálogo, papéis e atividades de liderança. Nas palavras de Drath, entende-se por liderança “não algo que seja propriedade do líder, mas um aspecto da comunidade” (pg. XVI). Ao invés de um único indivíduo estabelecer programas e objetivos, estes se con!- guram através de diálogos entre as partes envolvidas. Vamos pensar na maneira como funciona um grupo de ami- gos. Na maioria dos casos, todos os participantes têm o direito de se pronunciar quanto ao que o grupo deseja fazer. De vez em quando os amigos poderão designar um dos membros como “lí- der” do grupo. Diferentes amigos apresentarão diferentes habili- dades ou recursos especiais. Assim, a contínua negociação é vital para que a amizade perdure. A aplicação de uma perspectiva rela- cional à liderança tem implicações revolucionárias. Por exemplo, se abandonarmos o modelo do líder como um visionário obce- cado, perceberemos maior participação dos demais membros do grupo, que deixarão de simplesmente executar ordens e de espe- rar com indiferença as horas passarem. Em vez disso, por seu en- volvimento pessoal nas políticas e práticas de seu grupo, eles es- tarão completamente engajados. Elogios e críticas também serão distribuídos de maneira mais uniforme. Por exemplo, o salário de um CEO, em média, é mais de 500 vezes maior que o salário médio de um de seus funcionários, que recebem por hora de tra- balho. Este é o resultado do modelo de liderança do herói indivi- dual. Se um CEO fosse considerado como parte de um processo relacional, os salários seriam distribuídos mais equitativamente e o CEO seria menos culpabilizado pelos insucessos. Além disso, Construcionismo Social 64 a ética organizacional poderia melhorar, pois os delitos tendem a acontecer quando somente alguns indivíduos tomam decisões organizacionais a portas fechadas. Com o diálogo amplo, é mais fácil fazer prevalecer as convenções comuns de honestidade. liderançarelacional em ação Barbara Waugh é considerada uma líder de visão na atual indústria da computação. Por mais de 17 anos, foi Gerente de Recrutamento da empresa Hewlett-Packard, e agora encabeça uma iniciativa cuja meta é levar as oportunidades da Internet ao mundo em desenvolvimento. Barbara Waugh também é uma líder que utiliza forte orientação re- lacional em seu trabalho, e citamos aqui um trecho de seu livro !e Soul in the Computer (A alma no computador): Sem os meus relacionamentos pessoais e pro"ssionais, dentro e fora da empresa, nada em minha vida teria se realizado... A pró- pria HP é um bom exemplo do poder das relações. A empresa foi fundada com base numa relação de amor e de respeito entre duas pessoas. Não se trata de uma companhia Hewlett ou de uma Packard, mas da Cia. Hewlett-Packard. A ordem dos nomes não foi decidida pela superioridade ou pela inferioridade de cada um, mas pelo simples lançar de uma moeda quando os dois jogaram cara ou coroa. A empresa cresceu através de centenas de relacio- namentos signi"cativos, e não apenas pelas relações entre os pares, mas também por relações envolvendo postos hierárquicos tanto para cima como para baixo... Não podemos criar ou manter relacionamentos se não estivermos dispostos a ouvir com atenção. Ouvir totalmente, sem estar prepa- rando a próxima observação, sem pensar em reabastecer o carro no caminho de volta para casa ou se o "lho conseguiu uma boa nota na prova de matemática. Devemos obrigatoriamente desligar a incessante “máquina de julgar” que nos impele a decidir quem é o mais sabido, o mais correto, o que tem as maiores probabilidades de sucesso. Precisamos ver-nos uns aos outros, porque, ao fazer- mos isso, coisas mágicas acontecem e são muito maiores do que podería mos imaginar (p. 200-201). %QPUVTWÁºQ�UQEKCN�G�RT¶VKEC�RTQſUUKQPCN� 65 Investigação apreciativa: inspirando a mudança organizacional No mundo das empresas são frequentes as referências a “pro- blemas”. Ouvimos as pessoas dizerem “Temos um problema com o Marketing”, “Nosso diretor executivo não tem imaginação”, “Os funcionários estão insatisfeitos”, e assim por diante. Imagina- mos que, se todos os problemas fossem resolvidos, a organização funcionaria perfeitamente. Mas será assim mesmo? Quando nos concentramos nos problemas individuais, perdemos de vista o todo e nossos olhos deixam de focalizar o futuro. Começamos a encontrar falhas uns nos outros, tornamo-nos descon!ados e adotamos uma posição defensiva. O sonho organizacional parece ser sempre adiado, pois os problemas que precisam ser solucio- nados não têm !m. Em uma perspectiva construcionista, falar de problemas é algo opcional e somente existirão problemas se construirmos o mundo dessa forma. Como falar de problemas frequentemente nos desvia de nossas metas, podemos perguntar se existem outras formas de conversa ou de diálogo que sejam mais e!cazes para a organização. Um grupo de especialistas organizacionais nos respondeu com um vigoroso “Sim!”. Esse meio poderoso para mobilizar grupos e or- ganizações chama-se Investigação Apreciativa – IA (“Appreciati- ve Inquiry” – AI). Este método é uma alternativa às abordagens da mudança organizacional focadas em problemas. Aqueles que praticam o método da Investigação Apreciativa criam uma visão de mundo que prefere enxergar um copo “meio cheio” ao invés de um copo “meio vazio”. David Cooperrider, um de seus criado- res, descreve: “A única coisa mais produtiva que um grupo pode fazer, se estiver conscientemente buscando construir um futuro melhor, é descobrir o ‘núcleo positivo’ de qualquer sistema para depois transformá-lo em propriedade comum e explícita de to- Construcionismo Social 66 dos.” Cooperrider enfatiza a importância do foco nas forças e nos recursos de uma organização, e não em suas áreas problemáticas. Ao explorar o núcleo positivo do sistema humano, quanto mais os membros do grupo participarem, melhor, mais profundo, e mais duradouro será o processo de mudança. No sistema da In- vestigação Apreciativa, descobrem-se as realidades relacionais do grupo. Através do diálogo e da conversa formam-se novas relações, e o futuro da organização começa a emergir através desses rela- cionamentos. Numa sessão clássica de Investigação Apreciativa, os membros da empresa são separados em pares e recebem instruções para compartilhar histórias a partir desse núcleo positivo. Os par- ticipantes descobrem os melhores momentos da vida organizacio- nal. São histórias que dizem respeito, basicamente, às experiências na organização nas quais os participantes puderam experimentar um sentido de realização, energia e prazer. As histórias podem, por exemplo, referir-se a um projeto bem-sucedido do qual aquele que narra tenha participado ou a um projeto com o qual os partici- pantes tenham se sentido altamente estimulados. Essas histórias podem ser posteriormente compartilhadas com grupos maiores, com o propósito fundamental de extrair delas os elementos da or- ganização que conferem vida, vitalidade e força às narrativas. Ao compartilharem histórias positivas, os participantes come- çam a discutir o futuro da organização e de que modo poderão tirar o máximo proveito desses reservatórios de vitalidade. Com o es- tabelecimento de uma visão nova e convincente, põem em prática planos para propiciar as mudanças desejadas. O processo colabora- tivo como um todo geralmente desperta entusiasmo e boa vontade, além da determinação de realizar grandes feitos. Primordialmente, a Investigação Apreciativa assenta as raízes do futuro nas terras do %QPUVTWÁºQ�UQEKCN�G�RT¶VKEC�RTQſUUKQPCN� 67 passado; os participantes não compartilham apenas “castelos no ar”, mas fazem uso do melhor de suas realizações passadas para gerar possibilidades realistas e idealistas para o futuro. Durante o proces- so, são os aspectos colaborativos e relacionais que conferem poder ao esforço de mudança, uma vez que através do diálogo e do ato de compartilhar, nascem no âmbito do sistema organizacional novas realidades que possibilitam uma mudança positiva duradoura. Os princípios fundamentais da metodologia da Investigação Apreciati- va baseiam-se no enfoque da construção social. Apesar de muitos projetos de Investigação Apreciativa serem rea- lizados no ambiente corporativo, existem inúmeras outras aplicações deste modelo em escolas, igrejas, ONGs e comunidades, bem como na vida privada. Alguns praticantes da metodologia IA, tais como Jane Watkins e Ralph Kelly, organizam workshops para ajudar as pessoas a redescobrir o brilho da paixão que as levou a se casarem; o workshop ajuda a estimular relacionamentos amorosos através da exploração da positividade. Outros promovem workshops que aju- dam as pessoas a desenvolverem práticas de liderança e estilos de vida pessoais baseados em princípios apreciativos. Consulte as re- ferências bibliográ!cas no !nal do livro para informações a respeito de oportunidades de aprendizado e leituras adicionais sobre Investi- gação Apreciativa. Passaremos agora a um terceiro contexto onde as práticas construcionistas estão "orescendo: a educação. O construcionismo e a sala de aula Como professores de Psicologia, notamos que as ideias constru- cionistas têm efeitos admiráveis sobre nossas práticas de ensino. Por exemplo, procuramos, sempre que possível, substituir pa- lestras por diálogos com os alunos. Por quê? Porque o conceito Construcionismo Social 68 tradicional de ensino se vê prejudicado por sua base individua- lista e pela falha de não reconhecer a produção relacional do signi!cado. Assim, não consideramos mais como nosso dever “despejar conhecimento sobre nossos alunos”. Ao invés disso, le- vamos para a sala de aula aquilo que enxergamos como recursos que capacitarão os alunos a se envolverem em novos diálogos. Entretanto,também acreditamos que os alunos tragam consigo relatos úteis do real, do racional e do bom. Através do diálogo eles poderão fazer uso de suas habilidades e gerar conversas que sejam de valor; ao mesmo tempo, devem aprender a levar em consideração o que os outros (inclusive nós, professores) têm a dizer. Se a classe for respeitosa e receptiva, os alunos se sentirão estimulados e se engajarão. Através do diálogo, terão maior pro- babilidade de incluir em suas perspectivas pessoais o que temos para oferecer a partir da nossa tradição de conhecimento. Tam- bém aprendemos com eles, de forma que o processo de ensinar e o de aprender converge. Naturalmente não estamos sós em nossa tentativa de colocar ideias construcionistas para funcionar na sala de aula. Vamos ex- plorar agora dois movimentos bastante ativos em Educação que foram favorecidos pelas ideias construcionistas. Pedagogia crítica e além Embora políticos e administradores de escolas costumem de- clarar que a “boa educação” é isenta de vieses políticos ou ideoló- gicos, o construcionista entende que a educação é inerentemente política. Assim, a exigência de pro!ciência em inglês declara que todos devem obrigatoriamente falar um idioma, ao que muitos nomeariam como idioma dos privilegiados. O simples fato de %QPUVTWÁºQ�UQEKCN�G�RT¶VKEC�RTQſUUKQPCN� 69 eliminar o ensino de religião das escolas passa a ideia de uma so- ciedade essencialmente secular. E, de modo mais sutil, favorecer métodos experimentais para estudar o comportamento humano signi!ca que entendemos melhor os outros se formos desapaixo- nados e manipuladores. Não estamos querendo dizer que o vínculo entre a educação e os preconceitos e juízos de valor seja perigoso ou deva ser evi- tado. Com efeito, muitos dos vieses de nossos currículos e pro- gramas sustenta as formas de vida preferidas pela maioria (geral- mente, é apenas nos casos em que não sustentam a nossa forma de vida que talvez sejam reconhecidos como vieses!). O fato de um professor insistir para que os alunos votem não é considerado um viés, mas se ele insistisse para que os alunos votassem pelo Partido Democrata, aí sim seria um viés. No entanto, do ponto de vista construcionista, podemos também atribuir valor ao fato de adquirir uma percepção com relação a esses vieses, compreen- dendo quem está sendo privilegiado e quem é tornado invisível por eles. Ao fazer isto, podemos começar a enxergar alternativas. Se prestarmos atenção em quem mais se pronuncia nas discus- sões em classe e quem !ca mais calado, podemos aprender algo a respeito de vozes silenciosas ou ausentes e de como habilitar essas vozes silenciosas para que se expressem. Há muito tempo essas preocupações vêm se re"etindo no movimento pedagógico crítico, bastante inspirado pelo livro de Paulo Freire, Pedagogia do oprimido. Freire se preocupava par- ticularmente com a estrutura de muitos sistemas educacionais que basicamente preparam as classes menos privilegiadas para vidas de silenciosa servidão. Desde então, vários outros críticos vêm se concentrando especialmente nos preconceitos de raça Construcionismo Social 70 e gênero embutidos nos currículos e métodos escolares. Em- bora seja vital evidenciar os preconceitos de classe, de raça e de gênero implícitos em nossas tradições de conhecimento, o construcionismo convida a darmos outros passos. Em primeiro lugar, é preciso expandir as sensibilidades críticas, de modo que todas as pessoas, oriundas de todas as tradições, possam com- preender melhor as lacunas e os silêncios presentes em nossas práticas educacionais. Raramente os preconceitos se limitam à classe, raça e gênero. Eles também são relativos à religião, pre- ferência sexual, conhecimentos de habilidades tradicionais (por exemplo, redação, música, esportes) e muitas outras questões. Começamos a ter que lidar com as múltiplas realidades que constituem o maior desa!o da educação. Além disso, o construcionista nos incentiva a substituir a crí- tica antagonista pelo diálogo. Uma coisa é acreditar que nossa tradição seja oprimida, mas deixar-nos subjugar pelo opressor é bem diferente. O opressor também carrega uma tradição de valo- res, e, se colocássemos todas as tradições umas contra as outras, a vida seria abominável, embrutecida e breve. Como não existem meios de!nitivos para julgar as tradições, é importante adqui- rir habilidades para nos envolver na exploração mútua. Nesse contexto, o construcionismo solicita que nos conscientizemos dos limites da crítica. Ao enfatizarmos as de!ciências, estaremos solidi!cando suas realidades: enxergaremos apenas o negativo, e praticamente nada além. Portanto, há um bom motivo para complementar as práticas críticas com explorações de positivi- dade; quando também reconhecemos o que é positivo em outra tradição, a exploração mútua tem maior probabilidade de gerar novas formas de vida. %QPUVTWÁºQ�UQEKCN�G�RT¶VKEC�RTQſUUKQPCN� 71 Aprendizado colaborativo O ensino tradicional segue uma orientação individualista, pois espera melhorar a mente de um único indivíduo: julga-se o aluno por seu “trabalho individual” e as notas são atribuídas individual- mente. Entretanto, as ideias construcionistas vão levantar questões a respeito do individualismo, tanto como uma visão das pessoas quanto uma ideologia política. Já argumentamos aqui que o que chamamos de “pensamento” individual é de fato um subproduto da imersão de alguém nas relações. Se não estivermos equipados com uma linguagem de justiça ou de responsabilidade, como poderemos pensar nessas questões? E, se considerarmos o indivíduo como a unidade básica da sociedade, criaremos uma cultura de isolamento e alienação. Por outro lado, se tudo que considerarmos real, lógico e desejado, for subproduto da relação, passa a fazer todo sentido colocar o processo relacional no centro da prática educacional. um diálogo sobre práticas pessoais ken: Eu gosto desses desdobramentos do Construcionismo em prá- ticas pro!ssionais, mas você sabe que as ideias construcionistas tam- bém permeiam a vida pessoal de forma signi!cativa. Talvez fosse útil que os leitores pudessem perceber as práticas construcionistas nos relacionamentos cotidianos. mary: Isto é algo que também me parece importante. Ocorreu-me uma brincadeira de nós dois a respeito da minha irritação quando você chegava tarde para jantar e eu perguntava, em tom acusador, por que você tinha chegado àquela hora, ao que você gentilmente respondia com a pergunta: “Que desculpa você prefere que eu dê?” Depois dessa resposta, era impossível manter o meu papel de espo- sa magoada e eu caía numa gargalhada. Percebi que você estava me lembrando de que há vários modos de construir a realidade e que você estava procurando um modo que nos levasse de volta a um bom relacionamento. Construcionismo Social 72 ken: Pois é, também me lembro de uma ocasião em que eu cheguei em casa, depois do trabalho, de mau humor. Bastou que eu entrasse para contaminar o ambiente. Decidimos então que essa não era uma boa realidade de vida, e você me pediu que eu saísse e tornasse a entrar. A segunda vez foi muito melhor. Desta forma pudemos des- construir o primeiro encontro e abrimos caminho para um segundo encontro mais construtivo. mary: Ajuda muito saber que, se criamos um mau momento entre nós, esse momento é tão somente uma forma de ser, o resultado de uma maneira de construir o mundo e de nos construir um ao outro, sendo possível, portanto, buscar alternativas. ken: O que me parece maravilhoso, pois, quando eu por alguma razão me sinto desanimado, você pode me indicar maneiras de re- construir positivamente a situação. Você reaviva minha percepção de mundo e minhas energias, e eu lhe sou imensamente grato por isso. mary: Estou sempre à procura de maneiras que me permitam es-tar de bem com a vida. Isso foi especialmente importante para mim em momentos de doenças graves. Também é importante na maneira como me relaciono com os outros, inclusive as crianças, colegas, ami- gos. Sentimentos ruins são resultado de construções ruins, e, como nenhuma construção é a Verdadeira, elas podem ser substituídas. O desa!o consiste em encontrar a forma de substituir essas construções por outras que permitam que nos sintamos bem. Devo dizer que con- versas com outras pessoas podem ser de grande valia na reformula- ção dos signi!cados da vida. Os educadores estão se voltando cada vez mais para a orienta- ção relacional, e um resultado importante é o aprendizado colabo- rativo, ou seja, a aprendizagem com outros e através dos outros. Os tipos de práticas dialógicas que discutimos anteriormente são apenas um exemplo disso, e talvez a mudança mais festejada rumo ao relacional seja a escrita colaborativa. Desde os estudos do ensi- no fundamental até a universidade, os professores vêm passando de tarefas de redação individual à escrita colaborativa. %QPUVTWÁºQ�UQEKCN�G�RT¶VKEC�RTQſUUKQPCN� 73 Na escrita colaborativa, os alunos formam pares ou peque- nos grupos, mas sempre trabalhando juntos para produzir um trabalho !nal. Como os professores vêm a descobrir, o processo colaborativo aproveita as forças e habilidades de todos os mem- bros do grupo. Alguns alunos podem, por exemplo, ser bons em abstrações, enquanto outros talvez ofereçam boas histórias que podem ser usadas para ilustrar ideias; alguns podem ter percepções estranhas ou inusitadas, enquanto outros podem contribuir dando entusiasmo ao grupo; cada um dá uma contri- buição especial e única ao todo. Além de permitir que os alunos contribuam a partir de uma posição de potência e força, os alu- nos também aprendem uns com os outros. O aluno conceitual aprende com o aluno entusiasmado e assim por diante. Além disso, todos podem se bene!ciar ao adquirir percepções a partir das diversas vozes de avaliação incluídas no trabalho. Assim, também estarão mais adequadamente preparados para atuar de maneira colaborativa na vida futura. Vamos agora passar para um último contexto onde as práticas construcionistas são extre- mamente valiosas. Confrontando o con!ito de maneira construtiva Con"itos estão presentes em todo o mundo – muitos deles são apavorantes, outros tantos são devastadores. Por que o con"ito é tão prevalente e como podemos construir formas mais sustentá- veis de vida? Estas, certamente, são perguntas muito antigas, as- sim como a história das tentativas de reduzir con"itos. Embora o construcionismo não ofereça promessas concretas a esse respeito, ele oferece um ponto de vista e um rumo às práticas de redução de con"itos. Construcionismo Social 74 Para os construcionistas, a maioria dos con!itos humanos pode ter suas origens identi"cadas no processo de produção de sentido. À medida que as pessoas se coordenam entre si, também geram linguagens compartilhadas sobre o real e o bom. Essas lin- guagens encontram-se imbricadas em seus costumes e conven- ções. Ao mesmo tempo, essa criação do “nós” e do “nosso modo” cria um domínio externo do “eles” e do “modo deles”. Em geral, as pessoas, no âmbito de uma tradição, veem os que estão de fora como equivocados, inferiores ou indesejáveis. Na pior das hipó- teses, as pessoas de fora são vistas como inimigas. Desta forma, quando compartilhamos as mesmas opiniões a respeito do real e do bom, prevalece a harmonia. Mas quando você “vê do seu jeito” e eu “vejo do meu jeito”, encontramo-nos diante da possi- bilidade do “ou eu ou você”. É como #omas Cleveland escreve na obra Natural History (História natural) “...aqueles que provo- cam guerras geralmente parecem acreditar na maior correção do rumo escolhido. É esta capacidade que torna os seres humanos uma espécie tão perigosa”. Ao abordar o con!ito do ponto de vista construcionista, evita- se a questão de quem está certo ou quem está errado. Se o nosso objetivo é sair do con!ito, a questão central é como fazer conver- gir domínios de signi"cado divergentes. Em virtude da centrali- dade da linguagem na construção das realidades con!itantes, da- mos atenção particular ao diálogo. Será que não existem formas de falarmos uns com os outros que permitam uma convivência mais amigável? Esta ênfase no diálogo não é novidade, mas o construcionismo nos pede para olhar além dos conteúdos con!itantes dos discur- sos – considerando as formas da fala: como as coisas são ditas, o %QPUVTWÁºQ�UQEKCN�G�RT¶VKEC�RTQſUUKQPCN� 75 que se enfatiza, onde se estão os silêncios e assim por diante. Por exemplo, se discordamos de algo podemos provocar uma discus- são. Mas a discussão como forma de conversa nos contrapõe ao outro; um lado deve vencer, e o outro, perder. A discussão é, em geral, uma “guerra por outros meios”. Então, quais seriam as alter- nativas a uma discussão para resolver problemas? O projeto Conversas Públicas Uma prática muito promissora, desenvolvida por um grupo de terapeutas de família da área de Boston, se chama “Projeto Conversas Públicas”. A preocupação principal do grupo de te- rapeutas era o rancor e a violência suscitadas pela discussão da questão do aborto, tanto em Boston quanto no país como um todo. Com boas pessoas de ambos os lados, todas contundentes e intensas em suas reivindicações quanto ao direito moral, e o aumento da frequência de homicídios e atividades terroristas, a necessidade de novas conversas era premente. A resposta do Projeto Conversas Públicas foi criar de uma forma de diálogo que não levasse ao ataque, à humilhação ou ao desejo de vin- gança. O processo de escolher e reunir pessoas e ajudá-las a conversar é cuidadosamente planejado. A seguir, um panorama do processo. Numa noite qualquer, os representantes dos grupos antagôni- cos são convidados a se reunir. Ao invés de serem postos imedia- tamente em debate, os grupos primeiro jantam juntos. Durante a refeição, não são permitidas conversas sobre os problemas que os fazem divergir, e, com efeito, nessa etapa não há como os par- ticipantes possam identi!car os respectivos posicionamentos dos demais. Desta forma, o jantar prossegue com conversas a respeito Construcionismo Social 76 de temas e assuntos de interesse geral, como trabalho, crianças, o tempo etc. Via de regra, costuma prevalecer o sentimento de que todos têm em comum a mesma natureza humana. Quando tem início o debate, os facilitadores insistem que os participantes falem mais de suas experiências pessoais, ao invés de trocar con- ceitos e noções mais do que conhecidos por ambas as partes. Eles são convidados a narrar as histórias pessoais que tenham relação com seus posicionamentos. Muitas vezes, os participantes falam da dor ou do sofrimento que vivenciaram a respeito da questão em discussão e, apesar de poderem !car na defensiva quando o debate é baseado em princípios, as pessoas são capazes de ouvir as histórias dos outros com compaixão. O resultado é que come- çam a entender emocionalmente porque seus oponentes se sen- tem da forma como se sentem. Num outro momento os partici- pantes serão convidados a falar de suas “áreas cinzentas”, ou seja, das dúvidas e incertezas a respeito do próprio posicionamento. Assim, começa a se delinear uma segunda voz, uma voz que !ca mais parecida com a voz do oponente. Um dos resultados dessa conversa cuidadosamente orquestra- da, que em geral inclui de seis a dez participantes, costuma ser a desintensi!cação do con"ito. Embora não se peça aos participan- tes que mudem de opinião (de fato não mudam), as razões dos opositores conseguem ser entendidas com maior benevolência. Além disso, em algumas situações os participantes começam a construir novas possibilidades. Por exemplo, no caso do deba- te “pró-vida”versus “pró-aborto”, os participantes concordaram em trabalhar juntos para evitar situações em que o aborto pu- desse se tornar uma opção. Uma vez, chegaram a combinar de se avisarem em casos de perigo iminente. Alguns participantes se %QPUVTWÁºQ�UQEKCN�G�RT¶VKEC�RTQſUUKQPCN� 77 entusiasmaram com essas conversações de tal maneira que vol- taram a se reunir posteriormente para continuar a conversar. Por meio da remodelagem de uma determinada forma de conversa, o ódio mútuo deu lugar à investigação colaborativa. A abordagem construcionista para a resolução de con!itos entende que nenhu- ma das partes é dona da verdade e que há vários aspectos de um determinado problema. O diálogo conjunto pode construir novas soluções de forma criativa. Foco do Capítulo As práticas terapêuticas, de mudança organizacional, educação e redução de con!itos da comunidade foram todas estimuladas por ideias construcionistas. Destacamos aqui as práticas da terapia nar- rativa. Nas práticas de mudança organizacional, examinamos a li- derança relacional e a Investigação Apreciativa. Dentre as práticas educacionais, destacamos a pedagogia crítica e as abordagens do aprendizado colaborativo. Através do diálogo e, particularmente, através do Projeto Conversa Pública, apresentamos formas de mini- mizar con!itos. Poderíamos também escrever sobre novas práticas de aconselhamento, assistência social, religião e outros. Con"amos que nossa discussão estimule o leitor a também localizar outras áreas onde essas ideias possam inspirar inovação. O futuro é moldado a partir das relações. 79 Capítulo 4 A pesquisa como prática de construção Muitas de nossas hipóteses tradicionais a respeito do conhecimento e da prática de pesquisa são desa!adas pelas ideias construcionis- tas. Neste capítulo apresentaremos inicialmente algumas das mais importantes mudanças de entendimento promovidas pelo constru- cionismo. Em seguida, apresentaremos algumas aplicações dessas ideias na pesquisa em ciências sociais. Se o construcionismo oferece uma visão alternativa do conhecimento, qual a sua repercussão nas formas como procuramos conhecer os outros e a nós mesmos? Reconstruindo práticas de conhecimento A busca por conhecimento sempre esteve intimamente associada à busca da Verdade. Contrastando com esta tradição, os cons- trucionistas entendem o conhecimento como produto de deter- minadas comunidades, sendo orientado por hipóteses, crenças e valores particulares. Não existe uma “Verdade para todos”, mas uma “verdade no âmbito de uma comunidade”. Pessoas que são chamadas de “ignorantes” não são destituídas de todo saber; elas simplesmente não fazem parte da comunidade que as considera ignorantes e funcionam com um tipo diferente de conhecimento. Assim, professores de matemática não sabem mais do que joga- dores de basquete, da mesma maneira que historiadores não sa- bem mais do que pedreiros. O saber de cada grupo funciona de forma diferente e atende a diferentes !nalidades. Esta mudança para a perspectiva da pluralidade de saberes prepara o caminho Construcionismo Social 80 para lançarmos outros desa!os construcionistas às tradicionais formas de produção de saber. Perturbando as fronteiras entre as disciplinas As disciplinas do conhecimento cientí!co, tais como a Quími- ca ou a Geologia, estão bastante assentadas na ideia de que existe uma verdade objetiva sobre o mundo e que tal verdade pode ser descoberta. De acordo com esta tradição, cada disciplina possui objetos de estudo especí!cos (por exemplo, os elementos quími- cos, as espécies animais, a economia, a mente) e cada uma requer métodos de pesquisa especializados (experimentos, equipamen- tos de laboratório, análises de amostras). Esta orientação levou à formação de verdadeiras ilhas de produtores de conhecimento, que raramente se comunicam entre si e que di!cilmente são in- teligíveis pelo público em geral. Na maioria dos campi univer- sitários, cada departamento é alojado num edifício especí!co, separado dos demais, e seus habitantes raramente visitam seus vizinhos. Os que se encontram nas “torres de mar!m” vão buscar menos ainda comunicar-se com o público de fora. O construcionismo coloca em xeque esse isolamento, porque para o construcionista os objetos de pesquisa são construídos pe- las comunidades de produção de conhecimento a que pertencem. As comunidades criam a realidade da química, da psicologia, da física, da economia e assim por diante. Como propôs o famoso historiador da ciência "omas Kuhn, as comunidades desenvol- vem “paradigmas”, sendo que um paradigma é constituído pelo conjunto compartilhado de hipóteses, métodos, formas de escrita, recompensas etc. que mantém a comunidade unida. Paradigmas são os “motores” de produção de sentido numa comunidade, e, circunscritos nesses paradigmas, os problemas importantes para a A pesquisa como prática de construção 81 comunidade serão resolvidos. Embora existam importantes van- tagens no âmbito desses paradigmas, também existem limitações. Muitas vezes o paradigma funciona como uma venda, porque im- pede a visão além dele mesmo. Se a sua realidade for “material”, por exemplo, qualquer pessoa que falar de “espírito” parecerá não fazer absolutamente o menor sentido. Se seu paradigma o desa!ar a produzir a !ssura de um átomo, algo que poderia ser útil para fabricar uma bomba, perguntas a respeito do bem e do mal das guerras parecerão irrelevantes, pois tais perguntas pertencem ao reino da política ou da religião, mas não à ciência como tal. Portanto, o construcionista tem o desa!o de embaralhar as fronteiras entre as disciplinas. Nosso maior bem-estar vem do diá- logo cruzado, o tipo de diálogo que permite a intersecção de múlti- plas realidades e de múltiplos valores. A falta de compartilhamento ocasiona a cegueira para os valores e para o potencial de tradições alternativas. Seria também importantíssimo fazer as disciplinas es- colares dialogarem com a cultura circundante. Todas as partes se bene!ciam através desse tipo de encontro; e mais: o trabalho aca- dêmico e cientí!co tem maior probabilidade de tratar de questões que são signi!cativos para a sociedade. Este aspecto está intima- mente relacionado com o argumento que discutiremos a seguir. Investigando utilidade e valor Na perspectiva construcionista, a pesquisa cientí!ca que se inse- re em um determinado paradigma pode ser muito valorizada pela comunidade comprometida com o mesmo. Os economistas apre- ciarão os resultados de uma modelagem econômica, assim como os neurocientistas terão grande interesse nos resultados da pesquisa de neuro-imagem. Entretanto, os construcionistas também nos pedem para considerar a utilidade dessas linguagens e seus resultados fora Construcionismo Social 82 dos limites da comunidade. De que maneira a pesquisa econômica ou de neuroimagem pode contribuir (ou eventualmente prejudicar) as vidas das pessoas em geral? Será que as pessoas de fora das disci- plinas têm o direito de emitir sua opinião a esse respeito? Essas são essencialmente questões de atribuição de valor. Que formas de vida queremos incentivar? O que desejamos para nos- sos !lhos e netos? Os historiadores, por exemplo, têm a incum- bência de relatar a verdade sobre a História. Mas como deveria ser descrita a história do Oriente Médio? Dependendo de quem a estiver narrando, em que época e com que propósito, ela pode ser narrada de muitas maneiras diferentes. Alguns relatos favorecerão a religião islâmica, outros não. Algumas narrativas dirão que as nações islâmicas não conseguiram embarcar na era da tecnologia, enquanto outras a!rmarão que as nações islâmicas conseguiram resistir à deterioração de suas tradições. Não há como escapar de todas as tradições para escrever essa história e, enquanto estiver-mos envolvidos no con"ito entre os pontos de vista, o diálogo so- bre essas questões será de importância vital. Se tudo o mais fracas- sar, a alternativa poderá ser a mútua aniquilação. Encorajando métodos múltiplos A pesquisa tradicional pressupõe a existência de um mundo de objetos e eventos isolados do pesquisador; é também tarefa do pesquisador revelar suas características. Via de regra, isto signi- !ca fazer uma medição minuciosa e precisa do assunto que está sendo pesquisado. Por exemplo, aqueles que acreditam que as “atitudes” existem nas mentes das pessoas desenvolvem pergun- tas para “sondar as atitudes das pessoas”; os que acreditam no “processo econômico” podem usar eventualmente o PIB (Produ- to Interno Bruto) como uma medida do progresso econômico. A pesquisa como prática de construção 83 De fato, há uma crença predominante de que é possível encontrar a “verdade através do método”. Do ponto de vista construcionista, os métodos de pesquisa re- !etem hipóteses e valores de uma determinada comunidade. Con- sequentemente, os métodos não nos oferecem os re!exos da natu- reza, mas criam o que acreditamos ser a natureza. Se os psicólogos valorizam algo chamado de “inteligência” e estão dispostos a de"nir certas ações (como resolver problemas verbais) como algo inteli- gente, naturalmente podem desenvolver uma medida de inteligên- cia denominada QI. No entanto, as respostas das pessoas a um teste de inteligência são apenas indicadores de inteligência congruentes com a visão de mundo dos psicólogos. Portanto, os testes de inte- ligência não re!etem “diferenças de inteligência”. Eles constroem, mais propriamente, um mundo no qual essas diferenças de inteli- gência parecem óbvias. O mesmo vale para as medidas da autoes- tima, personalidade, funcionamento cognitivo e assim por diante. Não estamos sugerindo que se abandonem os métodos de pes- quisa tradicionais, apesar desta visão do poder dos métodos para criar realidades. Lembre-se de que toda verdade existe “no con- texto de uma tradição” e que cada tradição sustenta certos valores. Assim, para atingir algumas "nalidades especí"cas, os métodos de pesquisa de uma determinada tradição podem agregar uma im- portante contribuição. Se construirmos o mundo baseado em saú- de física e doenças e quisermos evitar essas últimas, os métodos da pesquisa clínica serão de inestimável valor. Isto, porém, não faz com que a ciência médica seja Verdadeira, ou que seus métodos sejam superiores em todos os casos. É preciso estar de acordo com a tradição e seus valores. Geralmente temos poucas oportunida- des para questionar esses valores, embora discussões a respeito do melhor método para testar a inteligência, por exemplo, sejam Construcionismo Social 84 comuns. Mas raramente se dá atenção à questão de se devemos ou não aceitar a noção de “inteligência”. Este conceito tem uma natureza altamente valorativa: promove certas pessoas às custas de outras. Mas não se costuma indagar que tipo de sociedade é cria- da ao enquadrar todos os seus membros nessa escala de valores e a!rmar que cerca de metade dessas pessoas está abaixo da média. Expandindo formas de expressão A maior parte das pesquisas cientí!cas é comunicada aos pa- res por meio de relatórios escritos. Para os que não são membros da comunidade cientí!ca, esses relatórios são frequentemente di- fíceis de entender; mesmo algumas pessoas da própria comuni- dade consideram-nos maçantes e complexos. Este estilo de escrita pode estar em parte relacionado com uma “tradição da Verdade” que privilegia declarações precisas acerca dos fatos e abomina os estilos retóricos que possam in"uenciar o leitor. Como se costu- ma dizer, os cientistas devem manter a paixão fora de seus artigos de forma a não ofuscar os julgamentos do leitor. Entretanto, se entendemos a verdade como uma criação conjunta, essas exigên- cias com relação aos textos deixam de ser obrigatórias. Em vez disso, !camos instigados a ver os textos cientí!cos como uma for- ma de relação dentro de uma comunidade. À luz disso, podemos entender a tradicional escrita cientí!ca como apenas uma forma de expressão possível, útil para certos propósitos (por exemplo, para a comunicação e!ciente entre um grupo de elite de cientistas), ao mesmo tempo em que é limita- da em outros aspectos. Por exemplo, se o texto cientí!co é diri- gido apenas aos cientistas, as pessoas que se encontram fora do mundo da ciência não poderão participar do diálogo. As ciências tornam-se exclusivistas. No campo das ciências sociais, onde ge- A pesquisa como prática de construção 85 ralmente os cidadãos comuns são objeto de pesquisa, esta crítica torna-se especialmente importante. As ciências sociais têm uma longa história de descobrir defeitos em vários grupos de pessoas, que são rotuladas de “não-inteligentes”, “de visão estreita”, “con- formistas”, “de!cientes mentais”, “preconceituosos” e por aí vai. Porém, essas formas de descrição praticamente não oferecem qualquer espaço para que as “vítimas” desses julgamentos com- preendam ou contestem tais descrições. Informados por essas discussões, muitos acadêmicos, particu- larmente da área de ciências sociais, vêm experimentando novas formas de escrever. Através de novas formas, constroem-se novas realidades. Alguns pesquisadores usam sua “voz pessoal” para apre- sentar suas pesquisas. Quando está escrito em primeira pessoa, o relato se torna mais convidativo à leitura e revela o engajamento de “corpo e alma” do cientista. Este tipo de texto também traz im- plícito que o relato é uma construção e que outros podem lê-lo de maneira diferente. Já outros autores experimentam escrever em muitas vozes a !m de revelar diferentes perspectivas. Recentemen- te, uma psicóloga da tribo Maori da Nova Zelândia incluiu em sua dissertação três vozes diferentes (e três tipos de fontes): uma voz cientí!ca (neutra e objetiva); uma voz pessoal (muito veemente); e uma voz Maori (escrita na linguagem de seu próprio povo). Num caso fascinante, Karen Fox trouxe a voz de uma paciente se- xualmente violentada pelo padrasto. Mas ela também entrevista este padrasto, que está na prisão por abuso sexual. E !nalmente, por ter sido ela mesma vítima de abuso sexual, inclui a própria voz. As três vozes "uem simultaneamente numa mesma página, de forma que o leitor não apenas possa vivenciar as múltiplas perspectivas, mas tenha um ganho adicional ao entender a situação através da justapo- sição dessas vozes. Apresentamos a seguir um pequeno trecho: Construcionismo Social 86 Ben: autor de abuso sexual “Quando elas vieram morar comigo... Elas nunca tinham tido muita coisa. Elas, na maior parte das vezes, co- miam panquecas... Eu as le- vei a muitos lugares. O pai delas nunca tinha feito isso. Por isso, eu era muito mais presente.” Sherry: vítima “Ele nos deu uma vida que nunca havíamos tido antes. Eu só cheguei a comer car- ne pela primeira vez aos 7 anos de idade. Nós sobrevi- víamos comendo panquecas e ovos. Ele nos deu um lar. Ele nos ensinou disciplina. Nós, crianças, não tínhamos freios... De qualquer forma, de modo algum suas boas ações superaram as más. Isso não desculpa o que ele fez. Eu sentia amor por ele, como se ele fosse um pai.” Karen: a pesquisadora “A esposa, Betty Ann, diz que Ben e Sherry eram muito ligados. Eles con- versavam a respeito de tudo. Ela fala- va com ele sobre sua menstruação...” Ben: autor de abuso sexual “Enquanto nós, acusados de crime de violência sexual, negarmos o fato, ninguém poderá nos ajudar. Temos que admitir o que !zemos de errado. Eu sei disso agora.” Sherry: vítima “Eu acho que ele está come- çando a entender. Está sendo ajudado. Ninguém se cura em dois anos.” Por outro lado, alguém poderia ser até mais ousado e perguntar: “Por queessa ênfase na forma escrita de apresentação de um rela- tório de pesquisa”? Há muitas formas de apresentação disponíveis para nós, e as palavras às vezes são muito limitantes. Por que não fazer uso de !lmes, gravações, música, arte, dança, multimídia e ou- A pesquisa como prática de construção 87 tros? Cada forma de apresentação oferece novas possibilidades para construirmos o mundo e para estabelecermos relações dentro e fora das comunidades produtoras de conhecimento. Esses desa!os são estimulantes e trazem também implicações radicais. No entanto, existem os que precederam este tipo de trabalho. Os antropólogos utilizaram !lmes para documentar a vida de povos indígenas por quase cem anos. Esses registros visuais são geralmente mais infor- mativos do que os relatos orais disponíveis. Através dos dispositivos de gravação podemos compartilhar modos de vida que, de outra forma, não poderiam ser documentados. Novas construções do mundo podem ser produzidas por intermédio das novas mídias, e cada uma delas tem uma capacidade diferente de criar realidade. a mudança social através da fotografia Por muitos anos, a pesquisadora social M. Brinton Lykes trabalhou com mulheres nas regiões montanhosas da Guatemala. Essas mu- lheres haviam sofrido muito com as guerras civis que devastaram suas terras; seus familiares haviam sido mortos e suas aldeias des- truídas por tropas inimigas. Como parte dos propósitos da pesquisa e para contribuir para a criação de solidariedade entre as mulheres, Lykes deu de presente a cada uma delas uma máquina fotográ!ca, para que pudessem documentar a destruição e a violência que ha- via acontecido. Mais tarde, a pesquisadora pediu àquelas mulheres que compartilhassem suas fotogra!as e falassem sobre as implica- ções daquelas cenas em suas vidas. As conversas sobre as fotogra!as levaram a uma compreensão mais profunda e mais complexa dos eventos, além de ajudarem a abrir caminho para a reconstrução da comunidade. Por meio das fotogra!as as mulheres tiveram a opor- tunidade de expressar sua visão sobre suas próprias vidas e sobre o futuro e, por terem compartilhado essa experiência, de desenvolver o tipo de solidariedade e inspiração que ajudaram a abrir o caminho para a mudança. As fotogra!as e conversas ajudaram-nas a criar no- vas realidades, realidades que possibilitaram novas visões e novos planos para o futuro. Para essas mulheres, o resultado foi uma maior esperança com relação ao que poderiam vir a ser. Construcionismo Social 88 O desabrochar dos métodos da pesquisa social Estes quatro desafios – romper as fronteiras entre as discipli- nas; avaliar as funções societais; incentivar os métodos múlti- plos; expandir formas de expressão – são relevantes em todas as áreas de produção de conhecimento. Como se pode imagi- nar, as ideias construcionistas exerceram maior impacto nas ciências sociais e humanas do que nas ciências naturais. Nas ciências sociais e humanas, novas práticas de pesquisa pude- ram florescer. Ilustraremos uma série desses desdobramentos, abordando especificamente as explorações pertinentes ao es- tudo da narrativa, à análise do discurso, à etnografia e à pes- quisa-ação. Narrativas do Eu Na pesquisa tradicional, o cientista social observa e tira con- clusões sobre os outros, seus motivos, problemas, hábitos, rela- ções, e assim por diante. Por sua vez, o construcionista pergunta: “Por que não permitir que as pessoas falem por si próprias? Será que os sujeitos de nossos estudos nos autorizam a falar por eles? Acaso sabemos se concordam com as nossas conclusões?” Ao in- vés de escrever a respeito delas, por que não permitimos que elas mesmas retratem suas próprias vidas? Um importante meio para dar aos sujeitos das pesquisas o direito a se expressar consiste nos métodos narrativos. Talvez você se recorde de nossa discussão sobre narrativas nos capítu- los precedentes. Neste caso, os pesquisadores possibilitam que as pessoas contem suas próprias histórias. Podem, por exemplo, colecionar histórias de vida, analisar autobiogra!as ou localizar cartas em arquivos históricos. Assim, a pesquisa narrativa tem A pesquisa como prática de construção 89 sido usada para propiciar novas percepções sobre questões como envelhecimento, imigração, criminalidade, uso de drogas, “sair do armário” e muito mais. São histórias importantes não apenas porque nos dão uma ideia das realidades vivenciadas por outras pessoas, mas também porque nos permitem ver a vida a partir de seus pontos de vista. enfrentando o mito fundador dos grandes feitos Para exempli!car uma abordagem narrativa em ação, trazemos a pesquisa de Mary Gergen sobre as autobiogra!as de grandes rea- lizadores americanos. Autobiogra!as de líderes nas áreas de negó- cios, das ciências, das artes e dos esportes sugeriam que a vida desses homens parecia dominada pelo que costuma se denominar “mito fundador”, ou seja, o antigo mito de um homem que parte numa missão ou numa busca (matar o dragão, derrotar um inimigo) para, em seguida, ressurgir como herói iluminado e vitorioso. Esse mito funciona aparentemente como um recurso para os homens, ofere- cendo um modelo básico que orienta suas vidas. Ao mesmo tempo, ao examinar autobiogra!as de mulheres realizadoras, a pesquisadora encontrou poucas evidências de mito fundador. Em vez disso, as mu- lheres realizadoras pareciam ser contadoras de histórias medío cres, frequentemente descrevendo relacionamentos importantes para elas, mas sem relação com suas carreiras. Mary Gergen queria saber se a ausência de um mito fundador na vida das mulheres poderia explicar por que as mulheres tinham menor probabilidade de serem grandes realizadoras. Ou ainda, se não era possível que o modelo comum de narrativa fosse muito limitado para abranger as atividades das mu- lheres contemporâneas. Além disso, considerando um mundo onde as relações são essenciais em tudo o que acontece, a pesquisa interro- gava se o mito fundador seria uma boa forma narrativa para orientar a vida de nossos jovens ou uma “camisa de força”. Esta também é uma questão de valor, e homens e mulheres muitas vezes têm pontos de vistas diferentes neste sentido. Construcionismo Social 90 Estudos sobre o discurso O in!uente teórico francês Michel Foucault explicou como vá- rias comunidades, cientí"cas, religiosas, de governo ou outras, pro- duzem regimes disciplinares. O regime disciplinar é um conjunto de regras que aprendemos e que regulam nossa conduta e nossa expressão. Quando absorvemos uma disciplina, aprendemos a nos comportar de uma determinada forma e não de outra. Ao invés de termos outras pessoas vigiando nossos movimentos, aprendemos a nos policiar para não fazer coisas que possam ser consideradas tolas, repugnantes ou más. Contudo, as disciplinas também criam uma certa cegueira para tudo o que está fora delas; as disciplinas simplesmente impedem outras possibilidades, e levam à desquali"- cação daqueles que se encontram do lado de fora. In!uenciados por esses argumentos, muitos pesquisadores construcionistas vêm sen- do atraídos pela análise do discurso e de seu impacto na sociedade. Esses pesquisadores estão particularmente interessados em saber como as formas que usamos ao falar ou escrever modelam nossos padrões de vida. De que forma as palavras que usamos nos convidam a seguir um rumo e nos cegam para outros? Os analis- tas do discurso desejam elucidar as linguagens segundo as quais vivemos, não apenas porque sejam interessantes, mas porque pre- tendem estimular a mudança social. Pretendem desa"ar e colocar em xeque os mundos aceitos como verdadeiros para que possa- mos ser livres e agir de forma diferente. Por exemplo, quando ob- servamos a distinção tida como verdadeira entre heterossexual e homossexual, ou gay e não-gay, começamos a percebero quanto essas categorias são limitadas. Classi"camos um complexo mundo de relacionamentos sexuais em duas categorias exclusivas, mesmo sabendo que a vida sexual das pessoas é, muitas vezes, bem mais A pesquisa como prática de construção 91 complexa. Ao examinar o discurso comum com maior cuidado e de maneira mais crítica, somos levados a reconsiderar nossas for- mas de vida e a buscar novos caminhos. No caso da sexualidade, podemos começar criando novos termos, como metrossexual, po- lissexual, LUG*, bissexual, e assim por diante, que abrem as portas para novos modelos de vida cultural. Na opinião de muitos pes- quisadores, o foco das análises do discurso é a liberação. “estou velho demais para isso...”, uma explicação assassina Havia escassez de enfermeiras no estado de Illinois, e o sociólogo Chris Bodily se pôs a campo para estudar por que enfermeiras com mais de 50 anos de idade não estavam trabalhando e nem pareciam interessadas em voltar ao trabalho. Analisando mais de mil respostas, o sociólogo !cou impressionado com a fre quência com que se indi- cava o fator da idade como razão para o afastamento. Comentários como “pela minha idade...” ou “seria impossível na minha idade...” foram usados como se o fato de não continuarem trabalhando fosse simplesmente óbvio. Como destaca Bodily, não há nada com relação ao número de anos vividos por uma pessoa que impeça a atividade contínua. Usando discursos parecidos, as pessoas dizem, “Estou ve- lho demais para correr”, “para jogar tênis” ou “para ter um romance com alguém”. No entanto, a pesquisa sugere que o declínio da aptidão física é resultante da diminuição da atividade física e não o contrário. De fato, o nosso potencial físico não declina drasticamente porque envelhecemos; pelo contrário, com a idade, ocorre o declínio físico principalmente porque deixamos de ser ativos. Mantendo níveis de atividade, as pessoas mais velhas podem fazer baixar a pressão san- guínea, reduzir a ansiedade, melhorar os padrões de sono, fortalecer os ossos, melhorar a resistência cardiovascular e se tornar mais sau- dáveis e mais fortes. A aceitação do discurso comum, “Estou velho demais...”, pode ser o convite a uma morte prematura. * LUG – Lesbian Until Graduation, termo utilizado para designar mulheres que vivem experiências homossexuais enquanto estão na escola ou na faculdade, mas depois assumem uma identi- dade heterossexual. Construcionismo Social 92 Mundos vividos: aventuras etnográ!cas O objetivo de muitas pesquisas tradicionais é estabelecer um conjunto de teorias ou de princípios abstratos na esperança de poder prever o comportamento humano. Para muitos constru- cionistas, as teorias abstratas parecem distantes da vida cotidiana e insensíveis às mudanças que ocorrem ao longo do tempo. Além disso, nunca se sabe como, quando e onde um conceito abstrato se aplica à determinada situação. O resultado é que muitos pes- quisadores sociais abandonaram as teorias abstratas para favore- cer a pesquisa etnográ!ca – estudos que elucidam a vida de vários grupos de pessoas. O raciocínio é que ao conseguirmos entender como outras pessoas vivem e constroem seus mundos, amplia- mos nossos próprios horizontes, nossas apreciações e nosso po- tencial de vida. Como consequência, veri!cou-se uma prolifera- ção dos métodos etnográ!cos. Indiscutivelmente o estudo da etnogra!a não é novidade na esfera das ciências sociais, embora inicialmente esse tipo de in- vestigação tenha se desenvolvido na antropologia. Os pesquisa- dores costumavam viajar para terras distantes e viviam em meio a comunidades tribais. Estudaram os habitantes das ilhas Tro- briand, os balineses, os minangkabau e assim por diante. Com o desaparecimento das culturas “exóticas” intocadas pelo mundo ocidental, veri!cou-se uma mudança de orientação para as várias subculturas nas sociedades modernas. Os sociólogos frequente- mente se reuniam com os antropólogos a !m de estudar peque- nas comunidades étnicas, cultos religiosos, pro!ssionais do sexo, !siculturistas, gangues de motoqueiros, todos grupos relativa- mente inacessíveis à cultura geral. A pesquisa como prática de construção 93 O estudo da etnogra!a atrai grandemente muitos construcio- nistas, não apenas porque ilumina construções alternativas do mundo, mas também por não exigir o tipo de manipulação e enganação que frequentemente acompanha os experimentos la- boratoriais. Por outro lado, as ideias construcionistas também es- tão abrindo novos horizontes para a etnogra!a. Vejamos dois dos mais interessantes desenvolvimentos: t� Etnogra!a colaborativa. Cada vez mais os pesquisadores se perguntam: “O que me dá o direito de repassar infor- mações sobre outras pessoas e traduzir suas vidas através das minhas palavras? Por que as pessoas não podem ter o direito de se de!nir elas próprias para os outros?” Esta re"exão estimulou muitos pesquisadores a buscar meios de trabalhar de forma colaborativa com as pessoas que preten- dem estudar. Por exemplo, há muitos anos, James Scheuri- ch, um colega do Texas, se interessou em dar expressão à experiência dos imigrantes mexicanos em seu estado. Ele conseguiu a colaboração de dois alunos de pós-graduação oriundos de famílias mexicanas que se puseram a criar um “happening” de pesquisa para o qual algumas pessoas fo- ram convidadas a apresentar performances audiovisuais, estéticas e intelectuais. Vários imigrantes compartilharam suas histórias por escrito, em !tas K-7, fotogra!as e slides. As apresentações, com música e poesia, incluíram a parti- cipação do público presente. O objetivo era apresentar uma experiência polivocal em que não houvesse um tema cen- tral ou uma metáfora dominante. Não houve uma única apresentação de imigrante mexicano, e os visitantes, cada um de sua maneira particular, puderam entrar em sinto- nia com os eventos. A ênfase no potencial construtivo de cada espectador/participante evitou uma possível rejeição, que uma apresentação univocal poderia suscitar. Através das apresentações, pôde-se demonstrar que não existe uma compreensão simples e única da vida dos outros. Construcionismo Social 94 t� Autoetnogra!a. Os pesquisadores vêm se questionando cada vez mais: “Por que devo dar informações sobre a vida dos outros se eu nunca vivenciei o que eles vivenciaram?” Este tipo de re!exão estimulou o desenvolvimento da au- toetnogra"a, ou seja, a revelação das experiências pessoais de vida para elucidar uma determinada subcultura. Assim Carol Rambo Ronai, por exemplo, escreveu sobre suas ati- vidades como dançarina erótica e lutadora em ringue de lama num “Clube para Cavalheiros”. Sua autoetnogra"a é ao mesmo tempo re!exiva e descritiva do sentido de si, dos vínculos relacionais com as colegas, seu patrão, o público e a atmosfera do clube que envolve esse tipo de pro"ssão. Sua história é, ao mesmo tempo, repleta de drama, tensão emocional, violência, entusiasmo sensual e transgressão. O intuito de Carol, como dançarina e como estudiosa, é mais o de fazer com que o leitor conheça as experiências de uma dançarina nesse tipo de estabelecimento do que qualquer retrato menos emocionante e com menor envolvimento: Assim que Kitty foi declarada vencedora e saiu do ringue, dei-lhe uma palmada no traseiro. Ela olhou para mim, cansada, e me ignorou. Dessa vez, dei-lhe outra palmada com força. O som do tapa reverberou pela sala. A plateia se in"amou... Kitty avançou e saltou para cima de mim. A plateia delirava. Para enfatizar o fato de que ela havia sido a vencedora, sentou-se sobre o meu tórax com seus braços erguidos, num gesto de vitória. Esgo- tada e humilhada... fui ao camarim para me trocar... Minhas emoções eram uma colagem de momentos de calma pontuados por acessos de choro... A realidade vi- brava com o zumbido das máquinas no prédioe amea- çava me atacar por todos os lados. Desesperada, procurei me ocupar com qualquer outra coisa, sufocando o medo com uma calma arti!cial. (p. 119-120) A pesquisa como prática de construção 95 Criando novos mundos: pesquisa-ação Uma das mais gritantes diferenças entre o tipo de pesquisa pre- ferida pelos tradicionalistas e pelos construcionistas reside nos pon- tos de vista contrastantes com relação à mudança pessoal e social. A pesquisa tradicional tende a pressupor um alto grau de estabilidade na conduta humana. Os pesquisadores dirigem seu foco, por exem- plo, aos processos cognitivos, à liderança, às diferenças étnicas ou à estrutura social como se fossem coisas estáveis e duradouras. Ba- seando-se principalmente nas teorias neurológicas e evolutivas, os psicólogos muitas vezes supõem que as descobertas recentes sejam válidas para todos os tempos e culturas. Em contrapartida, os cons- trucionistas ressaltam o potencial para a mudança do ser humano porque percebem como as formas da vida cultural são sustentadas por signi!cados e valores compartilhados; mudando os discursos e os valores, a vida cultural pode mudar drasticamente. A rápida as- censão do Maoísmo na China, a deterioração da União Soviética, o colapso do Apartheid na África do Sul e o surgimento do terrorismo mundial são alguns exemplos. Se a pesquisa de ontem ainda será útil amanhã é uma questão que continua sempre em aberto. A partir deste ponto de vista, os pesquisadores estão sendo cada vez mais atraídos pela possibilidade de usar a pesquisa não com o propósito de registrar a trajetória do passado para prever o futuro, mas para criar imediatamente novos futuros. A pesquisa-ação se de- dica a esta !nalidade. Originada na década de 1970, a pesquisa-ação compartilhou muito do fervor intelectual e político da época. Esses pesquisadores não !cavam reclusos em seus laboratórios estudando pessoas e animais para publicar artigos em revistas especializadas ou para obter ganhos a longo prazo pelos resultados cientí!cos. Eles saíram a campo e ofereceram seus serviços aos mais necessitados. Tinham, particularmente, a esperança de que as pesquisas pudes- Construcionismo Social 96 sem ajudar a libertar as pessoas das condições políticas e econômi- cas opressivas e a gerar novas possibilidades de vida para elas. Esta forma especial de compromisso com a pesquisa cresceu ao longo dos anos, principalmente na Grã-Bretanha, na Escandinávia e na América do Sul. No !nal da década de 1990, foi realizado na cidade de Cartagena, Colômbia, um Simpósio Mundial de Pesquisa-Ação em que se reuniram 2.000 delegados de 61 países. Atualmente, os principais objetivos da pesquisa-ação incluem o alívio do sofrimen- to, o estabelecimento da justiça, a redução de con"itos e o aprimo- ramento do processo democrático. A pesquisa-ação é utilizada em diversas práticas, incluindo o desenvolvimento organizacional, a educação, o desenvolvimento comunitário e as terapias. Pesquisa-ação em ação Um centro de ajuda social a meninos e jovens moradores de rua em Ottawa, no Canadá, vinha passando por uma crise. Alguns acre- ditavam que o centro precisava de mais infraestrutura e de mais re- gras, enquanto outros pensavam que um maior número de orienta- dores e de funcionários seria fundamental. Outros ainda cogitavam que o centro deveria ser fechado a !m de dissuadir os “moleques” de !carem vadiando pelas redondezas. O centro era mantido por uma agência municipal de atendimento à juventude, que decidiu primeiro estudar o que poderia ser feito para depois iniciar a refor- ma. Entretanto, ao invés de usar o método tradicional de estudar a distância e anunciar os resultados, escolheu-se a pesquisa-ação. Os pesquisadores desenvolveram um sistema de parceria com os jovens, na expectativa de que eles participassem de forma ativa para criar outros futuros dentro do centro. Os pesquisadores e os facilitadores do centro auxiliaram o processo. A equipe de pesquisa consistia de seis jovens, dois facilitadores e um pesquisador externo. A pesquisa como prática de construção 97 O primeiro passo da pesquisa-ação, o processo de formação da equipe de trabalho, requeria que os jovens viessem a conhecer e a con!ar não apenas no processo, mas nos adultos envolvidos. O objetivo era avaliar o centro, fazer um diagnóstico e recomen- dações à agência e ajudá-lo a proporcionar um melhor serviço a seus clientes. Todas essas metas foram atingidas num período de 18 meses de lutas e sucessos. Ao apropriarem-se do proces- so, os meninos de rua se engajaram completamente e puderam fazer avaliações do centro cuja importância foi vital. Eles se en- volveram em atividades criativas com os adultos e chegaram a preparar um “pacote” que se tornou a base das apresentações para grupos de fora e para os outros jovens. Embora o conteúdo deste pacote se baseasse em dados consistentes, as apresentações eram calorosas, coloridas e cheias de vida e de humor. Por meio desse empenho coletivo, o centro se transformou num aspecto vibrante na vida dos jovens e contribuiu signi!cativamente para o futuro autossustentável da instituição. Foco do capítulo A introdução das ideias construcionistas nas comunidades de pes- quisa promove a autorre"exão, o entusiasmo e a inovação. Atualmen- te, as ciências sociais encontram-se num estado de extraordinária transformação e o futuro está longe de estar decidido. As ideias cons- trucionistas favorecem o pluralismo, ou seja, múltiplas vozes, méto- dos e valores. Dentre as formas de pesquisa que descrevemos aqui estão o estudo da narrativa, a análise do discurso, a etnogra!a e a pesquisa-ação. Cada uma delas enfatiza uma abordagem construcio- nista para ampliar a compreensão das realidades sociais e auxilia para que a mudança efetivamente ocorra no âmbito das comunidades en- volvidas. No entanto, com o pluralismo "uindo livremente, também preparamos a cena para associações e colisões criativas. Com sorte, as transformações irão continuar. 99 Capítulo 5 Da crítica à colaboração Para muitas pessoas, as ideias construcionistas são profundamente preocupantes, pois vão questionar realidades e valores centrais da vida cotidiana sem oferecer uma lista precisa de alternativas. Uma vez que as ideias construcionistas minam as reivindicações de ver- dade, objetividade e certeza, elas acabam exercendo também um papel central nas assim chamadas “guerras culturais”. Neste caso, os críticos questionam a possibilidade de cada subcultura ter direito a suas próprias verdades e valores. As ideias construcionistas também contribuíram de maneira signi!cativa para “a guerra das ciências”, pois os críticos não aceitam que a verdade cientí!ca seja apenas uma entre muitas outras. Assim, podemos veri!car que o constru- cionismo tem sido severamente criticado em vários setores. Neste capítulo levantaremos algumas das linhas centrais des- sas críticas, procurando oferecer respostas convincentes às mes- mas. No entanto, precisamos estar atentos tanto à forma quan- to ao conteúdo de nossas respostas. Se fosse o caso de estarmos comprometidos com uma única verdade, forma de raciocínio ou conjunto de valores, talvez tentássemos demonstrar que as críti- cas estão simplesmente equivocadas, tendo incorrido em algum erro fundamental. Contudo, de um ponto de vista construcionis- ta, erros fundamentais não existem. Não precisamos entrar numa luta para garantir que as perspectivas construcionistas prevale- çam sobre todas as outras. Em vez disso, podemos usar a críti- ca como convite ao diálogo e a possíveis colaborações das quais Construcionismo Social 100 possam emergir novos entendimentos, percepções ou perspecti- vas. Por isso, buscamos respostas que não acusem ou alienem o formulador da crítica e, sim, respostas que possam nos aproximarpara criar o “novo”. Trataremos aqui de três críticas comuns: a crítica do niilismo, do realismo e do relativismo moral. Do niilismo* a realidades mais ricas Muitas pessoas !cam alarmadas com o modo pelo qual as ideias construcionistas vão minando todas as crenças; queixam-se de que, segundo o construcionismo, não se pode mais con!ar na ciência para conhecer a verdade, já que a ciência é apenas uma história entre muitas. Igualmente, todos os pressupostos da pró- pria história, da política, da situação mundial, da religião etc., são também apenas histórias. Será que isto não nos leva a um va- zio niilista? Será que não existe nenhuma verdade, nada em que possamos verdadeiramente con!ar ou acreditar? E, se tudo o que consideramos verdadeiro e bom for uma construção, não estarí- amos sendo levados à apatia, eximindo-nos da responsabilidade de questionar o futuro, ou pior, livrando-nos até mesmo de agir? Podemos responder a esta acusação dizendo que os constru- cionistas também têm simpatia por realidades con!áveis. Quem não gosta de saber quando uma explicação é verdadeira em con- traposição a uma outra, falsa? Não desejamos todos nos apegar a promessas como “este remédio poder curar sua infecção”, ou “este voo vai para São Francisco”? Queremos ter certeza também de * Niilismo – Termo usado na maioria das vezes com intuito polêmico, para designar doutrinas que se recusam a reconhecer realidades ou valores cuja admissão é considerada importante. Assim, *COKNVQP�WUQW�GUUG�VGTOQ�RCTC�SWCNKſECT�C�FQWVTKPC�FG�*WOG��SWG�PGIC�C�TGCNKFCFG�UWDUVCPEKCN� (Lectures on Metaphysics, I, pp. 293-94); nesse caso a palavra quer dizer fenomenismo. Em outros casos, é empregada para indicar as atitudes dos que negam determinados valores morais ou políticos. Nietzsche foi o único a não utilizar esse termo com intuitos polêmicos, empregando- �Q�RCTC�SWCNKſECT�UWC�QRQUKÁºQ�TCFKECN�CQU�XCNQTGU�OQTCKU�VTCFKEKQPCKU�G�´U�VTCFKEKQPCKU�ETGPÁCU� metafísicas (ABBAGNANO, Nicola. &KEKQP¶TKQ�FG�(KNQUQſC. São Paulo: Martins Fontes, 2007.) Da crítica à colaboração 101 que os jornalistas e cientistas não vão deturpar as informações que veiculam. Neste sentido, os construcionistas são bem pouco niilistas. Há espaço aqui para uma criação colaborativa. Imbuídos desse espírito, vamos considerar primeiramen- te as implicações da queixa “É apenas uma construção social”. Esta frase é bastante signi!cativa porque nos apegamos à ideia de que alguns relatos da realidade não são construções sociais, e que alguns são mais “acertados” com relação ao mundo. Se aban- donamos a visão de que algum arranjo especial de palavras foi feito sob medida para o mundo tal como ele é, nos livramos da maldição do niilismo, porque o construcionismo não signi!ca desistir de algo chamado verdade; em vez disso somos convida- dos a enxergar todos os tipos de discurso da verdade como ori- ginários das relações que têm lugar em determinadas condições culturais e históricas. Isso não torna as declarações de médicos, jornalistas ou pilotos de avião inverídicas ou não-con!áveis. Em vez disso, sabemos que suas declarações podem ser muito úteis em determinadas circunstâncias. Se estamos de acordo em nossas construções sobre doença, sobre a vida ou sobre a morte, vamos querer con!ar nas a!rmações médicas de cura; se concordarmos com o signi!cado de “voar para São Francisco”, con!aremos na verdade das informações do comandante quanto ao nosso desti- no. No âmbito de uma tradição, as declarações relativas à verdade são fundamentais para que as coisas funcionem bem. Uma vez estabelecida a importância das verdades locais, esta- mos preparados para enfrentar duas outras questões importantes: em primeiro lugar, existem razões para se querer resistir à tentativa de qualquer grupo que pretenda que suas verdades locais sejam universais ou que devam suplantar todas as outras. A história hu- mana adquiriu enormes cicatrizes como resultado das tentativas de Construcionismo Social 102 determinados grupos de impor sua verdade sobre os outros, seja a respeito de um deus, da justiça, da raça pura ou da natureza do mal. A questão é de fundamental importância, considerando-se as atuais condições do mundo, quando várias crenças culturais são lançadas em crescentes con!itos, e onde existe uma grande pre- disposição da cultura ocidental a acreditar que suas verdades são superiores às verdades de outras culturas. Se desejamos uma con- vivência pací"ca no planeta, é importante que nenhum grupo em particular sinta-se no direito de aniquilar as vozes discordantes. Igualmente importante é o fato de que, ao enfatizarmos as vantagens de uma verdade local, atraímos ao mesmo tempo explorações alternativas às nossas confortáveis visões sobre a verdade e sobre o bom. Não se trata aqui de uma mera adver- tência para não ultrapassarmos as fronteiras de nossas reali- dades locais, porque também vamos ser estimulados a buscar construções alternativas ao verificar que algumas construções são extremamente úteis para aqueles que as desenvolveram. Neste sentido, um cientista não precisa ignorar o espiritualis- mo ou mesmo o criacionismo. Estes tipos de formulação de verdade não estão disputando um estatuto científico, mesmo porque são discursos que atendem a outros propósitos, ofere- cendo um valor e um significado ao universo que a ciência não pode suprir. Ao invés de condenar peremptoriamente aqueles que participam das chamadas atividades “terroristas”, poderia ser útil entrar em seu mundo de significado e compreender como suas ações são justificadas no âmbito de suas comuni- dades. Através de uma troca total e recíproca, talvez possamos encontrar, juntos, meios para a cocriação de alternativas à ani- quilação mútua. Da crítica à colaboração 103 Além do realismo: corpos, mente e poder Muito próximos aos que acusam o construcionismo de niilismo, estão aqueles que argumentam que as ideias construcionistas não contradizem fatos óbvios da vida. Este tipo de resistência é parti- cularmente intenso em três setores. Em primeiro lugar, existem os críticos que consideram que o corpo humano é central para uma compreensão da vida social; para eles, o corpo é uma realidade inescapável. A proposição mais frequente é de que nosso corpo nos de!ne, vivenciamos o mundo através do corpo e, à medida que ele se modi!ca, muda também o signi!cado do mundo e do “eu” para nós. Em segundo lugar, há os críticos que consideram de importância central o mundo particular da mente. Pois não é certo que usamos as nossas mentes para interpretar nossas experiências do mundo, e que nossas emoções e pensamentos in"uenciam o que fazemos? Finalmente, muitos cientistas sociais criticam a falha dos cons- trucionistas ao lidar com as óbvias desigualdades de poder entre os grupos sociais. Segundo esses críticos, se não confrontarmos as diferenças de poder, não poderemos aliviar as condições de opressão sob as quais tantas pessoas vivem. Se as relações de po- der não forem incluídas como questão central em nossa análise, estaremos implicitamente apoiando o “status quo”; se, por exem- plo, a pobreza, a opressão, a fome e o genocídio forem somente construções, não há motivação para agir. Geralmente essas críticas se intitulam realistas, pois pretendem se ater a a!rmações de realidade especí!cas; também são chamadas de essencialistas, pois declaram que algo como o corpo, a mente ou o poder constitui um aspecto essencial ou inegável do mundo, que Construcionismo Social 104 antecede a linguagem. Certamente são críticas importantes por- que, a!nal, quem gostaria de deixar de lado a preocupação com o corpo, com a mente ou com as estruturas de dominação e de injustiça social? Mas, antes de considerarmos outras maneiras de poder colaborar com essas preocupações, é importante destacar um mal-entendidofundamental que volta e meia acompanha es- sas críticas. Em primeiro lugar, as ideias construcionistas funcio- nam basicamente no que se poderia chamar de metanível. Ou seja, são construções que se ocupam da forma como compartilhamos os conceitos comuns do real e do bom. Por exemplo, procuramos explicar como passamos a entender o nosso corpo como uma “máquina” em vez de entendê-lo como um “vasilhame sagrado”. As ideias construcionistas preocupam-se com o conceito ociden- tal da mente e as formas pelas quais este conceito difere do de outras culturas. Também apontam para as várias maneiras pelas quais o poder é construído e as vantagens ou desvantagens vincu- ladas a cada um dessas maneiras. Com efeito, os construcionistas procuram entender a nossa compreensão e, ao fazê-lo, oferecem um conjunto de ferramentas ou discursos que podem ser usados para vários !ns. Talvez você se recorde da metáfora do construcionis- mo como um grande guarda-chuva sob o qual todas as formas de construção de realidade podem ser consideradas, inclusive a aparente realidade criada pelo próprio construcionismo. Infelizmente, os críticos muitas vezes confundem uma cons- trução de metanível com uma pretensão do construcionista de acessar a real verdade sobre o mundo. De acordo com os críti- cos, se deixarmos de fora o corpo, a mente ou o poder, estaremos cegos ao real. Mas esta é uma compreensão equivocada. Quan- do pensamos em metanível, esperamos simplesmente ampliar a Da crítica à colaboração 105 consciência dos possíveis, adotar uma orientação para o sentido e para o conhecimento, e não gerar uma “nova verdade”. Ao contrá- rio, sob o guarda-chuva construcionista, queremos considerar ou- tras realidades. Neste contexto, movimentando-nos sob o guarda- -chuva vamos trabalhar em colaboração com os proponentes do corpo, da mente e das relações de poder. Identi!camos, para tanto, três opções principais para trabalhar juntos de maneira criativa. 1. Juntar-se à produção da realidade A metateoria construcionista não exige qualquer via de mão única para entender o mundo, e, assim sendo, somos li- vres para explorar os potenciais de qualquer outra perspec- tiva existente. Seguramente, a maioria de nós trata o corpo e a mente como partes da realidade cotidiana, e não se faz qualquer exigência ao construcionista (ou a qualquer pessoa) com relação a interromper tais práticas. Embora estejamos profundamente engajados nas ideias construcionistas, nós os autores participamos de bom grado de conversas a respeito do corpo e da emoção. Esses são aspectos de suma importância para que possamos efetivamente existir em nossas relações. Prontamente nos associamos à construção desta realidade. Por outro lado, isso não signi!ca abandonar as ideias cons- trucionistas. Envolver-se com as realidades locais não signi!ca se desfazer do construcionismo, da mesma forma que apreciar a música de Mozart não signi!ca abandonar sua paixão pelo “blues”. Igualmente, as ideias construcionistas podem ser extre- mamente úteis quando falamos do corpo, da mente e do poder. Muitos acadêmicos, por exemplo, estão preocupados com a opressão e a injustiça no mundo e estão comprometidos com a mudança do que interpretam como estruturas de poder. Esses mesmos acadêmicos voltam-se para as premissas construcionis- tas para desmontar realidades impostas de cima para baixo pelas autoridades o!ciais; mostram como uma declaração “o!cial” de um fato é sempre uma construção ideológica que deveria ser con- Construcionismo Social 106 testada. Será que a capacidade de usar ambos os discursos, tanto o construcionista quanto o realista, não nos bene!ciaria a todos? Para participar das conversas cotidianas é de suma importância compartilhar conversas de “realidade” com outras pessoas. 2. Explorar juntos os limites Embora a conversa cotidiana seja caracteristicamente rea- lista (real para nós, no momento), o construcionismo também nos leva a considerar juntos os limites de nossa linguagem. Por exemplo, o discurso de poder é importante para nos motivar em nossa luta por justiça. Na tradição ocidental, praticamente não conseguimos tolerar a ideia de que outras pessoas con- trolem nossas ações e vivam comodamente às custas de nossa escravidão. Entretanto, esta visão de poder também traz em- butida a discórdia, pois promove os outros (os “poderosos”) a vilões, favorecendo uma postura agressiva segundo a qual os vilões devem ser obrigatoriamente vencidos. Nós temos o poder agora! Naturalmente, quando aqueles que isolamos como “poderosos vilões” tomam conhecimento da nossa in- satisfação, estes assumem uma postura defensiva acreditando que têm boas razões para fazer isso e pressupondo que nosso objetivo não é apenas destruí-los, mas destruir também tudo de bom que criaram. Em pouco tempo, encontramo-nos em campos opostos, armados e separados, e as possibilidades de trabalharmos de maneira colaborativa por uma sociedade jus- ta passam a ser ín!mas. Portanto, ao participarmos de con- versas cotidianas, procuramos estar cientes de suas limitações. 3. Criar juntos novas visões A exploração dos limites leva naturalmente a uma opção !nal, que é a de trabalharmos juntos para criar novas e pos- sivelmente mais viáveis formas de entendimento e de ação. Consideremos mais uma vez o conceito de poder; porém, ao invés de ver o poder como uma estrutura piramidal, onde os maus estão no topo e os bons na base, poderíamos pensar no Da crítica à colaboração 107 poder emergindo das relações existentes. Se um número de pessoas começa a compartilhar as mesmas opiniões e valores, elas tenderão a se organizar para desenvolver um sentido de união, para propor programas e planos e, por !m, para poder alcançar suas metas de maneira e!ciente. Em resumo, criarão um centro de poder. De acordo com esta perspectiva, podem existir vários centros de poder, que poderão mudar à medi- da que as conversas evoluem. Ao vermos o poder distribuído desta forma, podemos entender a mudança social como um trabalho em conjunto com vários e diferentes grupos, que, sem dúvida, vão incluir muitas daquelas pessoas que, de ou- tra forma, seriam consideradas como os inimigos lá em cima. Imaginem uma empresa que criasse um fórum para que cada pessoa, cada departamento, cada nível hierárquico, pudesse conversar sobre esperanças e sonhos com relação à própria organização. Imaginem também uma comunidade ou uma municipalidade que abrisse um diálogo convidando cada ci- dadão – jovens e idosos, ricos e pobres – a compartilhar suas esperanças e sonhos para o futuro. O construcionismo não abandona as tradições de signi!cado, mas estimula passos em direção a uma reciprocidade mais viável. Além do relativismo moral Uma última e costumeira crítica ao construcionismo social apon- ta para o que parece ser uma debilidade moral. Segundo esta proposição, o construcionismo parece destruir os fundamentos de todas as perspectivas morais sem substituí-las por ideais pró- prios. Os construcionistas frequentemente propõem que todos os pressupostos dos padrões éticos ou dos princípios religiosos são produzidos dentro de comunidades especí!cas. Neste senti- do, esses padrões e princípios não são outorgados por qualquer autoridade divina, tampouco são racionalmente necessários ou universalmente vinculantes. Os críticos manifestam seu pesar Construcionismo Social 108 a!rmando que, desta forma, todos os princípios morais parecem ser iguais; como os construcionistas vão poder dizer que bondade é melhor do que crueldade, ou que a diplomacia seja preferível ao genocídio? Acabaríamos caindo numa posição de “tanto faz, quanto tanto fez”. Naturalmente, ninguém deseja ver seus padrões do bem des- truídos. Acaso não temos todos nós preferência por determi- nados estilos de vida? Será quealgum de nós gostaria de ver a brutalidade humana ser colocada no mesmo nível de qualquer outra forma de tratamento das pessoas? Os construcionistas fazem parte da sociedade tanto quanto qualquer outra pessoa, e, neste sentido, também contribuem e investem em diversas visões do bem. O construcionismo não instiga as pessoas a abandonar as suas perspectivas morais, pois isso nos levaria a deixar de lado todas as tradições. Ao contrário, o construcionis- mo nos convida a apreciar as visões locais e a estar atentos para quem quiser destruí-las. Sem dúvida, para muitos intelectuais foi precisamente o entendimento das ideologias morais como construções humanas que lhes permitiu que se pronunciassem a respeito. Para as feministas, ativistas de minorias raciais, ativis- tas dos direitos dos homossexuais, para os grupos de pacientes da saúde mental, de!cientes auditivos e de outras minorias, as ideias construcionistas têm sido concessoras de poder. O cons- trucionismo promove o questionamento aberto do “status quo” e busca a legitimação de pontos de vista que, de outra forma, estariam marginalizados. Uma vez que tanto os construcionistas quanto seus críticos têm interesse em alguma forma de vida moral, o desa!o consis- te em encontrar um denominador comum para construir um Da crítica à colaboração 109 futuro viável. Essa conversa poderia muito bem começar com a seguinte pergunta: “Será que queremos realmente conceder a qualquer grupo o direito de declarar seu sistema moral como sendo universal e impô-lo ao resto do mundo?” Como o mundo é constituído de várias orientações morais, a resposta provavel- mente será negativa, pois sabemos que as culturas visivelmente discordam quanto à exata natureza do bem. A discussão sobre se crianças de 8 anos deveriam ou não trabalhar numa fábrica de tapetes para ajudar no sustento de suas famílias está aberta a argumentações dos dois lados; se Israel deveria se retirar do território palestino ou construir um muro para manter os pa- lestinos fora de seu território também é uma questão que gera controvérsia de todos os lados; se o presidente americano de- veria ter o poder de alterar a Convenção de Genebra com re- lação a proteger os prisioneiros da tortura quando existe uma ameaça terrorista também é um assunto altamente polêmico. As tradições de quem deveríamos destruir? A tirania de quem deveríamos aceitar? Nesse sentido, nossos problemas não se devem à falta de valores morais das pessoas; todos estamos inseridos em tradi- ções que valorizam certas ações enquanto condenam outras. O maior desa!o reside na abundância de “bens morais” e na tenacidade com a qual nos prendemos a eles. Aqui, as ideias construcionistas começam a contribuir de forma signi!cativa. Se todos os “bens morais” se originam das tradições de relação, precisamos primeiro reconhecer a inevitabilidade da diferença, não somente a que reside dentro de nossas tradições, mas tam- bém aquelas que vão surgindo todos os dias. Além disso, sendo os valores morais construções culturais, não devemos discutir a Construcionismo Social 110 respeito de qual é o sistema superior ou o melhor. A busca pelo melhor código moral não é diferente da busca pelo melhor gê- nero de música ou pela melhor culinária como preparação para eliminar todos os outros. Para o construcionista, pelo contrário, o desa!o é essencialmente pragmático. Se não quisermos que as pessoas nos imponham suas visões com relação ao bem, ou não quisermos que os con"itos terminem em genocídio, deve- mos em conjunto dar início a novas investigações. Precisamos nos unir para considerar outros meios práticos de lidar com os con"itos de valor. Devemos localizar ou criar práticas e!cazes para amenizar as diferenças, cruzando fronteiras e estabelecen- do novas relações. Mais uma vez, os construcionistas podem oferecer contri- buições signi!cativas, pois, como vimos nos capítulos anterio- res, as ideias construcionistas incentivaram uma diversidade de práticas para melhorar a coordenação entre as pessoas, para reunir diferentes indivíduos em prol de uma causa comum e para minimizar as diferenças entre adversários. Num sentido mais amplo, todas essas práticas possibilitam que as pessoas deem um passo além de um único compromisso moral, da úni- ca crença Verdadeira, e possam conviver com a multiplicidade. Essas práticas nos conduzem, no melhor sentido, para além da mera tolerância, para uma apreciação do mundo plural, diver- so. Isto não signi!ca uma posição de relativismo indolente. Em vez disso, seremos todos reciprocamente transformados, e es- tas transformações nos proporcionarão novas formas de vida que favoreçam uma convivência melhor. Estamos hoje apenas começando a desenvolver as formas de prática necessárias. O futuro está agora em nossas mãos. Da crítica à colaboração 111 Foco do capítulo Neste capítulo levantamos as críticas relativas do niilismo, realismo e relativismo moral e procuramos responder a cada uma delas. Se exis- te um problema abrangente com relação à maioria das críticas contra o construcionismo, ele consiste numa visão obsoleta da Verdade. De maneira geral, os críticos abordam as ideias construcionistas como se fossem candidatas à verdade universal. Os críticos do construcio- nismo acreditam que aceitá-lo como Verdadeiro signi!ca que toda e qualquer outra pretensão ao conhecimento seja falha ou falsa. En- tretanto, como procuramos demonstrar, as ideias construcionistas desa!am a hipótese de que exista uma verdade transcendente. Para os construcionistas, a linguagem é usada pelas pessoas para realizar coisas em conjunto. Quanto mais ricas forem as nossas conversas e diálogos, maiores serão nossas aptidões para a coordenação humana. Não estamos aqui declarando que as ideias construcionistas sejam Verdadeiras, mas que o construcionismo promove novas formas de entendimento e de ação. A questão importante refere-se às suas im- plicações para nosso futuro. A nosso ver, trata-se de um discurso de magní!ca utilidade, pois oferece um convite único à multiplicidade e à inovação. O construcionismo propicia a esperança de uma forma de diálogo que se constrói entre todos, em prol da constante inte- gração, da invenção de formas de vida e da substituição do con"i- to mortal pela comunhão que proporciona vida. Esperamos que, ao longo da leitura deste livro, os leitores tenham podido apreciar esses potenciais. 112 Referências bibliográ!cas Capítulo 1: O cenário da construção social Berger, Peter; Luckmann, *omas. !e Social Construction of Reality. Nova York: Doubleday, 1966. (Primeiro livro de ciên- cias sociais que articulou a noção do construcionismo social. Sua ênfase foi, todavia, colocada nas estruturas sociais e nos processo cognitivos com o objetivo de gerar signi+cado, contrastando com nossa ênfase nas pessoas em relação). Gergen, Kenneth J. An Invitation to Social Construction. *ousand Oaks, CA; Londres: Sage, 1999. (Oferece uma intro- dução mais extensa às ideias do construcionismo social e suas implicações na pesquisa e na prática). Gergen, Mary; Davis, Sara N. (eds.). Toward a New Psychology of Gender. Nova York: Routledge, 1997. (Inclui discussões sobre o construcionismo social e sua relação com o pensamento feminista). Gergen, Mary; Gergen, Kenneth J. (eds.). 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