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NICOLAI HARTMANN A FILOSOFIA ... DO IDEALISMO ALEMAO Tradução de José Gonçaives Belo 2.ª edição FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN J LISBOA Primeira Parte FICHTE, SCHELLING E O ROMANTJSMO PREFÁC I O O livro que temos diante de nós distingue-se das outras exposições sobre a mesma matéria em dois aspectos diferentes. Considera que o significado dos grandes sistemas idealistas não se esgota no que têm de sistemático ; vê neles o desenvolvi mento dum património filosófico que, como tal , não é de modo algum idealista, mas, antes, é, ou devia ser, peculiar a toda a filosofia. O interesse principal não reside nas grandiosas dou trinas segundo o ponto de vista dos grandes mestres, mas sim na vastidão do horizonte dos problemas e na força da sua pene tração , quer em toda a linha, quer em pontos isolados. O idealismo é uma forma especial da própria penetração · do pensamento, e esta forma é a predominante no período que vai de Kant a Hegel . O conteúdo de toda a problemática toma, em maior ou menor grau, um cunho idealista nestes pensadores. Mas esse conteúdo por si não é de modo algum idealista, e o tratamento que sofre neste caso é, como tal, algo completamente diferente do desenvolvimento ulterior das teorias em que está inserido. Quem tiver ainda hoje um modo de pensar puramente idealista , encontrará, sem dúvida, um acesso mais fácil a estas teorias; o seu pensamento comparticipa da mesma forma de pensar daqueles pensadores. Mas, em si mesmo, a matéria dos problemas que eles elaboraram pertence, tanto históricà como sistemàticamente, a um contexto mais vasto. Este livro tem em mira a segunda: é a matéria ou conteúdo que há-de tornar fértil e visível o panorama filosófico para quem quer que seja, inclusive para quem tenha pontos de vista adversos. Nos sistemas idealísticos, os problemas filosóficos funda mentais estão submetidos quase todos a um aprofundamento radical e, em parte, a um;;i redescoberta. O valor duma· tal redes coberta é imperecível , pois é independente do grau em que a satisfazem as tentativas de solução daqueles sistemas. Ora, se a construção dos sistemas consiste unicamente nas conclusões, 6 se permanece e cai com elas a concepção do universo esboçada, creio não ir longe de mais quando ouso afirmar que a análise dos problemas no pensamento de Fichte e de Schelling é um empreendimento muito maior, e que perdura com mais vigor num sentido muito diferente do que os imponentes edifícios dos seus respectivos sistemas. A análise dos problemas é o que per manece, ontem como há cem anos, o que vive na sua filosofia - no meio da obra humana transitória da especulação de altos vo9s. Que sucede o mesmo, e ainda em sentido reforçado, pode dizer-se de Hegel , como o provaremos na segunda parte deste l ivro . Naturalmente , não se diz com isto que se possa evidenciar historicamente o conteúdo dos problemas sem ir no encalço destes mesmos problemas. Escolhi este caminho seguindo o rasto dos meus antecessores, na medida em que os encontrei . E aqui reside o segundo ponto, com o qual , em relação a outras expo sições, procuro oferecer ao leitor qualquer coisa de novo. No nosso tempo, inclinado à especulação, não é tão necessária a interpretação, quer dizer, a opinião do expositor, como o contacto directo do leitor com o pensador exposto . Dar a conhecer pensamentos sobre Fichte, por mais engenhosos que sej am, é diferente de fazer ouvir os pensamentos de Fichte. Sem dúvida, o traçado da linha dialéctica das suas ideias j ustifica, em parte, o processo usual de estabelecer formulações seguras, em vez de as pôr em movimento vivo . Mas acontece facilmente que o expositor, na sua aspiração de ser compreensível, apresenta ao leitor unicamente a fórmula fixa, escamoteando assim a vida ondulante do pensamento . Que uma interpretação do idealismo alemão num sentido completamente diferente é p,�rfeitamente possível, provou-o de modo exempla·r a obra bela, metódica e .inovadora de Richard Kroner « Von Kant bis Hegel » [ «De Kant a Hegel »], cuj o primeiro volume (Tübingen, 1 921 ) contém pela primeira vez valiosa análise dialéctica da problemática do Fichte da j uventude e de Schelling. A exposição presente não pretende concorrer com essa obra, que assenta inteiramente sobre uma nova penetração no assunto . O objectivo desta exposição é mais limitado, .a sua finalidade é puramente introdutória, tanto mais razão para eu vivamente remeter quem estej a interessado por este assunto para aquela obra fundamental. NICOLAI HARTMANN INTRODUÇÃO A.. série de filósofos que designamos por « idealistas alemães » , a avalancha d e sistemas originais sobrepondo-se e m catadupas, o encadeamento rico e imenso das controvérsias literárias , cujo conjunto representa para a posteridade a época do « idealismo alemão » , tudo isto constitui um movimento espiritual que difi cilmente se pode equiparar, no que toca a concentração e ele vação especulativa, a qualquer outro na História. Começa na década de oitenta do século XVIII e prolonga-se, nas suas últimas ramificações, até à metade do século XIX. O seu apogeu recai no primeiro decénio do século XIX, no qual Fichte, infatigável crijidor, atinge a maturidade ser.ena do seu desenvolvimento espiritual , o Schelling precocemente amadurecido publica os seus escritos mais s ignificativos e eficientes, e Hegel, avançando vagarosamente, elabora a concepção fundamental do seu sistema gigantesco . A capital deste mundo espiritual , fechado em s i mesmo, é durante mais de duas décadas a Universidade de lena, na qual , desde o primeiro aparecimento de Reinhold (1787) até à partida de Hegel de lena ( 1 808) , trabalham, ensinam e permu tam animados pontos de vista pessoais os cérebros dirigentes do movimento . Mais tarde, encontra�se um segundo berço do movimento na Universidade de Berlim, recentemente fundada, onde Fichte, Schleiermacher e Hegel desenvolvem a sua actividade. O que reúne os pensadores do idealismo alemão num grupo homogéneo , a despeito das oposições e pontos de discussão cons cientes , é, em primeiro lugar, a posição do problema comum. O ponto de partida para todos eles é a filosofia kantiana, cuj a riqueza inesgotável produz sempre novas tentativas de solução para os problemas propostos . Cada um destes pensadores em particular estuda-a intensamente, em profundidade, procura suprir as suas carências reais· ou presumíveis , solucionar os problemas que se levantavam, levar a cabo as tarefas por ela iniciadas . A meta comum a todos é a criação dum vasto sistema 10 de filosofia, rigorosamente homogéneo, baseado em fundamentos últimos e irrefutá'l'eis . Paira distintamente diante de todos o ideal daquela «metafísica futura» («künftige Metaphysik») para a qual o pensamento portentoso de Kant tinha só fornecido os prolegómenos . Em verdade, não lhes escapava inteiramente que Kant, nas últimas Críticas, já construíra os alicerces desta meta física. Mas as bases não lhes bastam. O sistema deve surgir duma só peça, numa certeza inequívoca, que realize a sua con cepção de filosofia. A direcção em que procu,r.avam este sistema ideal diferia de uns para os outros, e cada novo estudo torna-se de facto um novo sistema, embora nos possa parecer que sobre qualquer oposição prevaleça 'ª íntima afinidade de concepção fi losófica que descobrimos naquelas criações , vistas como os planos duma posição histórica �fastada. A crença, porém, de que um tal sistema ideal é possível , de que sej a. acessível à razão humana, é, de facto, comum a todos eles . Todo o movi mento vive sob o signo dum optimismo filosófico j uvenil no seu vigor e propenso à criação. Todo o cepticismo tem sempre para estes pensadores o significado duma fase de transição , duma instância de exame e reflexão , dum caminho que leva a uma interiorização mais profunda e ao esgotamento dos pro blemas . Pode por isso indicar-se, em geral, como o elemento carac terístico das grandes doutrinas idealistas , a marcha unitária em direcção a um sistema. Não que pensadores anteriores não se tivessem já esforçado também por alcançar um quadro uni tário de conju.nto ; mas eles não partem do aspecto fechado da unidade do todo, como também não expõem este formalmente - ou só lhe dão expressão incompleta. Procuram, em primeiro lugar, problemas particulares ou grupos de problemas ; uma construção metodicamente unitária e fundamentalmente cerrada como a « Ética» de Spinoza constitui uma absoluta excepção . Os idealistas, pelo contrário, tanto uns como outros , dirigem-se desde o começo para .a ideia eia totalidade e quase todas as suas obras contêm um novo es.boço de sistema; e mais do que um:· iio decurso --ulterior do seu desenv�lvimento illtelectual, transforma o sistema já anteri�rmente -�sboçado . A época pós -kantiana -coloca-se com isso em manife-�ta oposição a Kant , para quem, a despeito da base profundamente metafísica do seu modo de pensar, a primeira exigência era não tanto o sistema como, em última análise, a Crítica, enquanto pressuposto do sistema. Para o espírito da metafísica especulativa, que desper tava de novo com o idealismo alemão, havia na simples tarefa da Crítica, por menos céptica que ela possa ser considerada, 1 1 qualquer coisa de negativo, quer dizer, d e meramente prepara tório . A série precipitada dos grandes sistemas que se seguem a Kant não é um acaso . :t a reacção histórica da sistemática construtiva contra a crítica destrutiva . Ou, se quisermos assinalar mais agudamente os contrastes, como os seus próprios represen tantes os podiam sentir, é a reacção do sistematismo contra o criticismo . Os primeiros pensadores pós-kantianos não se propõem ainda tanto a transformar como a compreender a verdadeira teoria kantiana. Que, no princípio, houvesse falta duma tal compreensão, não é de admirar, por causa da dificuldade que apresentam as invest igações da Crít ica da Razão Pura. A filosofia popular que predomina na época do racionalismo, que pouco a pouco se extinguira, não estava à altura desta tarefa. O que o bom "senso não podia compreender, tinha de ser considerado como paradoxo , como ameaça à sua própria autoridade. Quanto menos se compreendia Kant, tanto mais absurdo devia parecer o empreendimento da Crítica. A sátira de Fr. Nicolais chegara a considerá-la como um caminho errado que j á nem a si mesmo se entendia, e até pensadores mais sérios da escola wolfiana, como Moses Mendelssohn, souberam extrair dela sàmente o aspecto negativo , quer dizer, o cepticismo metafísico . Semelhan temente a julgou Herder na sua Metakritik [ «Metacrítica» ] (1799) , e até nos escritos positeriores de Jakobi , que se esforçava s�ria mente por compreender Kant, encontramos traços de igua1l es pírito . O mérito de Reinhold é ter dado o impulso mais decisivo para promover uma forma diferente de apreciação de valor. As suas B riefe über die Kantische Philosophie [« Cartas sobre a filosofia kantiana» ] , publicadas em 1786/87, no Deutscher Merku.r [ «Mercúrio Alemão »] de Wieland, lançaram a questão . Com decisão acertada, tomou como ponto de partida aqueles aspectos da teoria kantiana que iam na generalidade mais ao encontro da compreensão de ·esferas mais amplas, os problemas morais e religiosos , indicando depois o caminho natural que ele próprio tinha aberto para a Crítica da Razão Pura. Relatava na sua exposição a impressão do que sentia espontâneamente e do que intimamente vivia, como j amais poderia havê-lo feito Kant com a sua linguagem obj ectiva , cautelosa e ponderada. Com a divulgação da doutrina kantiana introduz-se, no entanto , não só a interpretação do seu significado específico, mas também a tendência de retirar dela certos pontos insatis fatórios . O próprio Reinhold faz a primeira tentativa desta interpretação e torna-se o primeiro continuador da nova teoria. 1 2 Mas o impulso que dele parte era já duplo : por um lado em dkecção a Kant, por outro lado, para além dele; quer dizer, acusara a ,tendência para se afastar daquilo mesmo sobre que se debruçara. Ambas as direcções se reflectem distintamente no desenvol vimento subsequente, e são, em parte, os mesmos cérebros filosóficos que continuam a trabalhar tanto numa como noutra direcção . Todavia, ambos os movimentos descrevem círculos muito diferentes que necessitam de considerações separadas . Direct�mente ligada a Reinhold, surge na última década do século xvrrr uma série de defensores e adversários da filosofia crítica, para os quais ainda se trata, em primeiro lugar, de interpretar Kant e de tomar uma posição cm relação a ele . Desta série fazem parte Schulze , Maimon, Beck, bem como num contexto um pouco mais vasto, Jakobi e Bardil i . Só poucos anos mais tarde , mas ainda na mesma década, com o aparecimento de Fichte, se inicia um movimento novo e mais amplo, cujos condutores se propõem, com uma atitude independente, os mais altos objectivos especulativos . Bardili pertence j á em parte a um movimento, em parte ao outro . À nova corrente , que abrange, além de Fichte, Schell ing e Hegel, também Schleiermacher e Krause (bem como uma série mais numerosa de adeptos dos mesmos), vem desembocar em período mais avançado o êxito literário de Schopenhauer. A escola dos poetas pré-românticos desempenha um papel integrador especial neste desenvolvimento filosófico. A sua influência exerce-se quase ao mesmo tempo que os primeiros trabalhos de Schelling e em estreita relação recíproca com os progressos deste filósofo . São principalmente Friedrich Schlegel e Novalis que se aventuram no campo filosófico e cujo espírito leva parq a especulação idealista a sua nostalgia voltada para o infinito' e para o irracional . O mesmo se pode dizer de Hol derlin, dentro de certos limites. Na mais íntima conexão com esta nova corrente espiritual encontra-se a influência, que domi nara também uma sénie de pensadores anteriores : Pllotino, Bruno, - Spinoza, Jakob Bõhme. Na estrutura do pensamento crítico e sistemático age o elemento romântico, panteísta e místico, a princípio ainda como um corpo estranho, que só lentamente o impregna e o desvia do seu caminho recto. O Fichte do período final , o Schelling da fase média, e a elevação filosófica de Hegel não podem conceber-se sem este factor. Ainda mais profundamente penetrado por ele é o labor intelectual de Schleiermacher, que conserva também formalmente uma estreita conexão com aquele elemento . A viragem que o idealismo sofreu 13 a partir daqui , determinada de um modo racional por Kant, mostra-se da maneira mais positiva no campo da ética, da estética e da filosofia da religião . Mas o irracionalismo propria mente dito penetra só tarde na última fase de Schopenhauer e Schelling, ao passo que Hegel , que deve à poesia e à vida românticas uma grande quantidade de motivos intelectuais , nunca desconfia da omnipotência da razão. A evolução de cada um dos filósofos particulares mostra no conjunto uma série variada de fases , que se cruzam frequentemente urnas com as outras , e se condicionam entre si dê maneira diversa. A actividade dos filósofos considerados isoladamente não se pode separar cronolàgicamente da actividade dos outros . O aparecimento dum pensadqr segue· o dum outro tão de perto, que a sua evolução pessoal não está condicionada unilateralmente pelos antecessores ou sucessores , mas , pelo contrário, decorre paralelamente por meio de influências e oposições recíprocas . Para demonstração deste facto junta-se, em apêndice a este volume, um quadro cronológico das principais obras filosóficas de toda a época idealista que começa com a Crítica da Razão Pura e termina com as últimas publicações de Schelling e Schopenhauer. As obras editadas mais tarde para a posteridade, ainda que. st!j am de decisiva importância para o quadro total dum filósofo , como sucede com Fichte e Hegel , não fazem parte deste quadro, porque nele só se tomam em consideração as obras realmente publicadas; só estas obras desempenham um papel na trama dos fios que se entretecem variadamente das influências vivas recíprocas . Em contrapartida, fazem também parte do quadro, para não se omitir nada na visão de conjunto , as obras principais de alguns pensadores que não contam porventura directamente para o idealismo, como Fries e Herbart, porque o seu ordena mento no tempo, entre as criações do idealismo, é indirectamente também característico delas. Esta situação histórica representa para a compreensão do período no seu conjunto uma dificuldade que não é menos importante . Não é possível compreender a evolução dum filósofo sem a referir à dum outro . A evolução do desenvolvimento dum pressupõe já em parte o que pode seguir-se na exposição do seguinte. Isso tem importância especial em Schelling , que no início segue muito de perto Fichte e, inclu sive, em parte o repete, embora nas suas últimas publicações ultrapasse temporalmente Hegel, mas que no decurso do seu labor de quase 50 anos percorre nada menos do que cinco sistemas claramente diferentes. O mesmo é válido dizer-se de Fichte, que deixou uma enorme quantidade de esboços de sis temas diferentes, reiniciados por ele continuamente. O Fichte 14 da fase final não se compreende histàricamente sem Schelling; . o Schelling da fase média sem os românticos, e o Schelling da fase final sem Hegel . Um método que consistisse na exposição histórica de pro blemas que renunciasse a uma apresentação uniforme dos filó sofos particulares, dominaria imediatamente esta dificuldade. Todavia, com este método teriam de passar a um plano secun dário os traços característicos que continuamente acompanham o desenvolvimento individual dos diferentes filósofos . E destes traços depende precisamente o que, em certa medida, interessa e é capaz de atrair os epígonos actuais, que partem de perspec tivas totalmente diferentes no meio da heterogeneidade da estrutura intelectual dos idealistas. A exposição presente renun ciou, por isso, à sucessiva apresentação histórica dos problemas da evolução sistemática, quando o quadro homogéneo dos grandes vultos de pensadores individuais o tornava necessário . Notas relativas ao que antecede e ao que se segue, procuram compensar esta falta, evitando a falsa aparência de autonomia do particular, e lembrando constantemente as múltiplas ramificações dos fac tores que o acondicionam. A imagem de conjunto do desenvol vimento individual dos problemas é ocasionalmente acrescentada como complemento . Capítulo 1 Kantia nos e Antika ntia nos 1 .º Rein hold Que uma ideia grande, uma vez apreendida e formada, cai como um raio abrasador, se propaga, agita de novo milhares de problemas adormecidos , e incita os espíritos mais dotados duma época à continuação dum trabalho que desconhece a fadiga , é um facto que talvez não tenha sido nunca tão evidente e sensível na história da filosofia como o foi no caso das ideias críticas de Kant e do movimento imediato e subsequente do idealismo alemão . É, todavia, compreensível que num movimento deste tipo ideias assim não desempenhem um papel junto dos espíritos verdadeiramente criadores e geniais , mas justamente naqueles que necessitam dum apoio e sej am capazes de as compreender; os espíritos independentes seguem-nos a uma certa distância. Os adeptos imediatos de Kant, como Reinhold, Maimon e Beck, e não menos os seus adversários , como Schulze e Jakobi, ainda representam mais ou menos todos eles o tipo do adepto que disputa sobre a doutrina do mestre e duma ou outra forma está completamente sob a sua influência . Reinhold, o primeiro intérprete de Kant, é quem representa na sua forma mais pura este tipo. Recebe as novas ideias , sabe dar-lhes uma forma luminosa e compreensível, e tenta pela primeira vez a sua siste matização . Pela posição que tomam em relação a ele e à sua interpretação de Kant, distinguem�se os primeiros partidários e adversários da filosofia crítica. Todavia, esta concepção não é em si de modo algum exaus t iva. Ela parte das necessidades metafísicas da fé moral e religosa e mostra como a crítica mantém abertas as suas portas na forma de três ideias: Deus , libe_rdade, imortalidade, e torna claras as pesadas investigações teóricas de Kant como condições para assegurar estas necessidades mais íntimas do espírito . Se Reinhold denuncia j á distintamente a atitude da filosofia 1 6 popular do racionalismo, que Kant tinha combatido conscien temente, a parcialidade mostra-se sobretudo no campo teórico . A ideia da Crítica da Razão resolve-se para ele em dois pares de noções : . forma e matéria, por um lado, fenómeno e coisa-em-si , por outro lado . Por mais importantes que estas noções pareçam ser· na estrutura da Crítica, a sua essência não se esgota de modo algum. Todavia, Reinhold, com a escolha de ambas estas linhas de pensamento, tocou pontos que tinham de provocar a luta das opiniões . A coisa-em-si tornou-se o obj ecto central da discussão filosófica nos anos mais próximos . As próprias formulações de Kant, que neste ponto não são de modo algum claras, favoreceram o crescimento do problema debatido . Schulze, Maimon, J akobi e Beck vêem na coisa-em-si o problema central e decisivo da Crítica, e tanto Fichte como Schelling iniciam os seus primeiros esboços de sistemas com investigações perfeita mente análogas . Se se abstraírem certos pontos especulativos culminantes da Lógica Hegeliana, pode afirmar-se que em forma potenoial e mu1tiplamente variada se conserva a mesma linha problemática através de toda a época do idealismo alemão ; encontramos Schopenhauer navegando ainda nas mesmas águas , com a dualidade de vontade e representação. Não podemos resistir, na verdade, à impressão de que, ,apesar da grande pre ponderância que outra série de problemas adquire posterior mente, a energia impulsara e a agudeza de visão com que todos estes pensadores sabem sustentar o seu idea!lisimo teór:ico se mantêm o mais estreitamente ligadas ao conflito em redor da coisa-em-si , que a interpretação kantiana de Reinhold provocou. Sej a como for que se compreenda o ser-em-si neste grande conceito enigmático , esse ser-em-si foi e continua a ser um ele mento anti-idealista, de facto o elemento propriamente anti-idea lista que permaneceu no limiar do idealismo, sendo impossível desconhecê-lo sem o fazer desaparecer. E porque Kant não tinha desaprovado totalmente a coisa-em-si , a filosofia crítica na sua interpretação dual parecia, por assim dizer, partida em dois fragmentos que os filósofos de agora em diante competirão entre si . Karl Leonard Reinlmld nasceu em Viena em" 1785, ingressou aos 14 anos no Colégio dos Jesuítas de Santana e, como este fosse em breve extinto, entrou para um Colégio dos Barnabitas , no qual permaneceu durante nove anos , primeiro como noviço e mais tarde como professor de Filosofia. Pelos fins desta época, cai sob a influência dum círculo de racionalistas, e em 1783, impelido pelo desej o de liberdade, viaj a secretamente para Leipzig. :E descoberto al i e parte para Weimar, visto que o 1 7 regresso se lhe tornou impossível . Uma recomendação a Wieland abre-lhe a porta deste. Torna-se genro de Wieland e seu cola borador no Deutscher Merkur [ «Mercúrio Alemão »]. Aqui conhece, em 1785, a Crítica da Razão Pura e torna-se seu par tidário e�tusiasta, depois de uma luta exaustiva com a nova problemática. Já no ano seguinte, escreve as suas Briefe iiber die Kantische Philosophie [« Cartas sobre a filosofia kantiana»]. Esta primeira obra, que foi para os contemporâneos o primeiro guia de Kant, "torna-o de repente conhecido, traz-lhe o aplauso de Kant e a chamada para pro.fessor de Filosofia na Universidade de lena. Os sete anos da sua actividade docente em lena assi nalam o apogeu da sua obra. Durante sete anos produz a Ele mentarphilosophie [ « Filosofia Elementar» ] . Encontramo-la ex posta nas suas três obras principais , o Versuch einer neuen Theorie des menschlichen Vorstellungsvennogen [ « Ensaio duma nova teoria da faculdade humana de representação» ] (1789) , as B eitriigen zur Berichtigung bisherigen Missvers tiindnisse der Philosophie [ « Contribuições para a rectificação dos erros até hoje cometidos pela Filosofia» ] ( 1790) e o Fundament des philosophischen Wissens [ « Fundamento do saber filosófico» ] . N o ano d e 1794 Reinhold aceitou u m convite para Kiel , onde exerceu a actividade docente até à sua morte, em 1 823. O seu espírito extraordinàriamente vivo, capaz de transformações, não podia parar naquilo que ele próprio produzia. Adapta-se fir memente a novos métodos . Por volta de 1797 torna-se partidário da Teoria da Ciência de Fichte que ele mesmo defende e ensina; alguns anos mais tarde, J akobi convence-o da sua filosofia da fé, depois duma troca de pontos de vista pessoais ; e desde 1 800 torna-se discípulo de Bardili em cuj a Erste Logik [ « Primeira Lógica» ] intui , com verdadeiro- sentido filosófico, os germes de novos desenvolvimentos intelectuais - intuição a que grandes sistemas mais tarde deram uma razão que ele talvez nem sequer pudesse então pressentir. Finalmente, tenta uma sinonímia filo sófica que passa despercebida. Por mais instrutivo que sej a o exemplo do seu espírito inquiridor, infatigável e j amais estático, todavia só a sua Filosofia Elem.entar adquiriu significação autó noma e deu estímulo a Fichte e a Schelling nos seus primeiros trabalhos. E. só da sua Filosofia Elementar que nós aqui vamos tratar. Reinhold é o primeiro que surge com a pretensão de trans formar a Crítica num sistema. A Crítica, na sua parte teórica, tem como ponto de partida a experiência; · na sua parte prática, a lei moral, isto é, um princípio . Falta-lhe portanto um pressu posto uniforme, um princípio amplo de que tudo sej a derivado . 2 18 Ora, Reinhold crê reconhecer semelhante princípio no que ele chama. a « tese da consciência»: na consciência, a representação é diferente do representado e, do representante e refere-se a ambos. Nem o sujeito nem o obj ecto coincideµi, portanto, com a representação, mas estão ambos, sem dúvida, contidos nela como factores . A consciência representativa, todavia , conhece imediatamente tanto esta diferença como esta correspondência mútua, o que s ignifica que a tese da consciência é autónoma, quer dizer, evidente em si mesma. É dada no simples facto da consciência, portanto, certa . Por conseguinte , é também certo tudo o que se pode deduzir dela. Mas a dedução realiza-se na medida em que se �presentam as condições, sem as quais não é possível uma representação no sentido indicado . A série das condições dessa tese básica ao princípio tem de participar da certeza que o próprio princípio possui. Quais são estas condições ? Na tese da consciência, o sujeito e o objecto do representar são diferenciados da própria repre sentação ; o objecto , todavia, refere-se essencialmente a ambos . Ela deve, portanto, conter um elemento, com o qual se enraíza no sujeito, e um elemento com o qual �e enraíza no obj ecto. Eis como se apresentam as duas primeiras condições da repre sentação. Aqui Reinhold recorre agora à distinção kantiana de forma e de matéria. Toda a representação cónsiste na reunião de ambas, portanto, supõe-nas já como seus elementos. E numa interpretação sumária do pensamento kantiano, Reinhold dis tingue: o elemento formal pertence ao sujeito, o elemento mate rial ao objecto . A forma é produzida pela consciência, a matéria é-lhe dada; aquela faz parte duma faculdade, esta da recepti vidade. ConsequenteIJJente, a faculdade representativa tem de ser, ao" mesmo tempo, espontânea e receptiva . O sujeito produz a forma na matéria recebida; desta maneira a representação nasce de ambos. A representação é, portanto, produzida na consciência, mas não é totalmente criada por ela. A representação também não é por isso uma cópia do objecto , tal como existe, independente da consciência, nem é decalque duma « coisa-em-si » . Basta só a subj ectividade da forma para .a elevar a um original autónomo . É impossív,:el representar um obj ecto na forma que tem independentemente da faculdade de representação. A forma objectiva da coisa-em-si é , segundo a sua essência, irrepresentável . · Mas como chega então a teoria filosófica ao conceito de coisa-em-si ? Evidentemente, pela receptividade da faculdade de representação . O elemento material da representação enraíza-se na coisa-em-si; pois, senão, deveria ser espontâneamente pro- 19 <luzido como a forma e . não poderia ter nenhum carácter de coisa dada, como o mostra efectivamente o conteúdo da per cepção sensível . A afecção do sujeito pressupõe um afectante. Daqui não resulta, naturalmente, que a coisa-em-si, ao ser afec tada pelo sujeito, se tornasse cognoscível , mas que . o sujeito tem, em geral , que poder formar um conceito de�a, isto é , um conceito do !ncognoscível como tal . Reinhold não descobre contradição alguma no conceito duma coisa-em-si que existente condiciona materialmente a representação . Kant tinha atribuído a receptividade aos sentidos , mas a espontaneidade ao entendimento . Segundo Reinhold, isso não .é assim: não basta, como a Crítica prova, deixar à percepção sensível a sua forma particular; pelo contrário, esta, como toda a forma, tem que ser reconhecida como espontânea. Recepti vidade é, por sua vez, toda a faculdade que recebe a matéria. Mas não são só os sentidos que têm tal poder, pois a matéria pode ser diferente conforme o afectante. Nem toda a matéria provém da coisa-em-si, pode vir também do sujeito . Assim se pode distinguir a matéria subjectiva da matéria objectiva. Tanto a receptividade como a espontaneidade têm as suas formas que precedem a ideia na qualidade de condições e que , por conseguinte, são dadas a priori. Mas as formas da receptividade, como todas as formas, são subjectivas . Ora, uma vez que toda a matéria não é apreendida senão pela receptividade, necessà riamente toda a matéria das apresentações é ao mesmo tempo « subjectivamente determinada» . Isso é considerado evidente, tanto para a matéria subjectiva, como para a objectiva. Deste modo, da mesma maneira que na determinação _subjectiva, o sujeito recebe também a matéria objectiva mediante as formas particulares da receptividade . Uma segunda diferença segue paralela a esta. A mesma faculdade de representação pode ser também o afectante. Neste caso, as formas da representação são a matéria. Mas visto que estas têm carácter a priori, trata-se aqui de matéria a priori ou «pura». O contrário desta é a matéria «empírica» , que é « subjectiva» na afecção interna e « objectiva» na afecção externa, e só no último caso deriva da coisa-em-si . Dispostos assim os elementos da representação, deriva-se da condicionalidade da forma de todas as representações a aprioridade das formas de conhecimento ; da condicionalidade material da representação empírica da coisa, a existência neces sária da coisa-em-si , mas da determinação .formal subjectiva da receptividade, a impossibilidade duma representação da coisa-em-si . 20 Reinhold insere agora estes primeiros resul tados da sua « dedução » no esque�a da Crítica da Razão Pura de Kant. O conhecimento é a consciencial ização do obj ecto representado , a autoconsciência o conhecimento do suj eito representante. Conhecimento -é mais do que representação . Neste devem ser preenchidas du:as condições : primeira , um objecto tem que ser apresentado ; s�gunda, esta representação tem que ser consciente. Correspondem-!he duas diferentes qualidades de conheeimento: sensibilidade e entendimento . Na primeira, a representação pela sua matéria relaciona-se directamente com o objecto que lhe é dado « intuitivamente» . A esta « representação de primeiro grau» , o entendimento fornece uma representação de « segundo grau » , quer dizer, uma representação mediata do objecto através da relação da faculdade formativa com a intuição . A forma é unidade, a matéria que a intuição lhe oferece é multiplicidade. A síntese da multiplicidade representada e elevada a unidade é obra do entendimento . E a forma da síhtese é o conceito que é a unidade objectiva do múltiplo. Intuição e conceito só em conjunto dão lugar ao cqnhecimento, assim como a matéria e a forma apenas j untas dão lugar à representação . A relação da sensibilidade e do entendimento constituem na faculdade do conhecimento a mesma correlação que a relação da receptividade e espontaneidade na faculdade representativa. Assim chega Reinhold ao princípio kantiano de que as intuições sem conceito são cegas e de que os conceitos sem intuição são vazios . A dedução posterior d e Reinhold pouco mais · traz: essen cialmente de novo relativamente à exposição da crítica kantiana. A « teoria da sensibilidade» deriva da distinção entre o «sentido interno » e o « sentido externo» da diferença estabelecida entre a matéria subj ectiva e a matéria objectiva. Ambas mostram urna multiplicidade de natureza diferente; portanto, a sua forma a priori também tem que ser .diferente. A multiplicidade externa mostra uma « justaposição » contínua, a interna urna « sucessão» contínua. A unidade da primeira é o espaço simples, a unidade da segunda o tempo simples . A aprioridade de ambas resulta imediatamente do seu carácter formal; mas , ao mesmo tempo, com a aprioridade, resulta daqui a tese kantiana de que ambas não valem como coisas-em-si, mas sim exclusivamente corno fenómenos, pois só este é obj ecto da intuição empírica. Na teoria do entendimento, Reinhold parte da função do juízo . Esta é sempre originalmente urna função integradora, sintética. O seu resultado é o conceito . O j uízo analítico, que se limita a decompor o conceito, supõe sempre o « sintético» . A s formas originais d a síntese são a s categorias . Neste sentido 2 1 a s doze categorias d e Kant são derivadas das diferentes formas das relações possíveis entre o sujeito e ô predicado . Da mesma maneira se processa também a « teoria da razão » , no capítulo de dedução das ideias . Em relação a este, os conceitos assumem o papel de matéria, enquanto a « unidade absoluta» constitui a forma buscada. Quanto ·mais Reinhold se afasta do seu ponto de partida, tanto mais formal e esquemática se torna a dedução e tanto menos sabe adaptar-se ao esquema kantiano, isto é, tanto menos faz justiça às suas profundas intenções . Sàmente na transição para a « teoria da razão prática» consegue mais uma vez um lance audacioso que se revelou fértil nas suas consequências . A razão prática não é deduzível da faculdade de represen tação como tal , porque esta é absolutamente teórica. A prática refere-se à faculdade apetitiva . À primeira vista, pareceria que aqui toda a dedução teria que fracassar e a faculdade apetitiva, como uma novidade introduzida de fora, teria de pôr-se em contradição com o método usado até agora. E, efectivamente, Reinhold tem sido frequentemente mal compreendido neste sentido pelos seus expositores . Mas uma observação mais pene trante revela justamente o contrário . O que em Kant existe como consequência última da teoria ética da liberdade, quer dizer, a ideia do primado da razão prática, Reinhold toma-a como ponto de partida ao ocupar-se do problema do conheci mento, transcendendo a vinculação sistemática e natural da filosofia prática . · Segundo Reinhold, dedução não significa demonstração duma situação objectiva a partir das suas condições superiores, mas sim, inversamente, a apresentação das próprias condições , partindo da · situação real dàda. Segue nisso o método kantiano que ascende do « facto da experiência» para as « condições da sua possibilidade» . Mas, no sentido duma tal ascensão, é bem possível « deduzir» a faculdade apetit iva da faculdade de repre sentação, e tornar compreensível e inteligível a razão prática, partindo da teórica. Pois não se trata aqui de obter, à força de subtilezas , o desej o partindo da representação - como intér pretes anteriores frequentemente atribuíram à sua incapacidade especulativa - mas sim, pelo contrário, prová-lo como pressu posto, que deve ser satisfeito onde a representação tem lugar. Não é que o desej o estej a condicionado pela representação, mas o problema e a teoria filosófica do desejo estão condicionados pelo problema e teoria da representação. A dedução progride simplesmente do dependente para o independente e superior. A dedução de Reinhold fica, portanto, rigorosamente nas suas 22 águas navegáveis, mostrando que a razão prática é já condição da teórica, e , por conseguinte, deve subsistir de direito onde se verifica o conhecimento . A análise da faculdade de representação só permite des cobrir as condições da possibilidade de representação. Mas com a possibilidade da representação não se explica de modo algum a sua realidade. Para esse fim há ainda que mostrar o que ela realmente faz . Só pode tratar-se duma força impulsora, original . Nós encontramos semelhante força impuisora na faculdade ape titiva . A esta pertence o impulso que põe em actividade a representação e, com ela, o conhecimento. O desej o não é , portanto, consequência, mas sim o pressuposto da representação . A faculdade é só por si potência. A força fá-la actuar . Da faculdade e da força surge o « impulso » . A faculdade de representação é constituída pela matéria e pela forma na qua lidade de elementos. O impulso que a põe em actividade tem portanto de ser duplo : um impulso que recebe a matéria e um que lhe dá forma, « impulso material » e « impulso formal » . Sobre estes dois se constrói também a consciência prática. Correspondem aqui à. antiga dualidade da faculdade inferior e superior do desej o . O impulso material é uma necessidade de receber, o impulso formal aspira a dar, quer dizer, a manifestar a própria espontaneidade . O primeiro está vinculado ao empí rico e ao sensorial , o segundo é « puro » e intelectual . O primeiro é interessado e materialmente condicionado, o segundo desin teressado, formal e livre . O impulso intelectual aspira apenas à valorização do seu princípio formal supremo, a lei moral . A sua satisfação é a acção moral. Reconhecem-se fàcilmente nestas determinações os traços fundamentais da ética kantiana. Não se pode na verdade afirmar que eles tivessem apreciado com justiça esta última na sua profundidade peculiar. Reinhold dedica-se daqui em diante muito mais à dedução e ao sistema, e muito menos às dificuldades das questões particulares . A força de Kant tinha consistido na atitude contrária. C�ntudo , a solu ção da teoria elementar da filosofia crítica conserva a sua significação como uma tentativa de vincular estreitamente entre si a razão teórica e a- prática, ao mesmo tempo que com isso percorre pela primeira vez um caminho que leva· na sua sequência às maiores revoluções intelectuais . Os contemporâneos viram a filosofia de Kant à luz da de Reinhold ; assim, no primeiro momento, parecia que havia desa parecido a diferença entre ambas as doutrinas . ,Se isso foi com o andar dos tempos um impedimento para a compreensão de Kant , foi também uma razão para o desconhecimento de 23 Reinhold. Todavia, quanto mais estreitamente este se ateve às intenções da filosofia de Kant, tanto mais permanecé -histàri camente verdadeiro que uma série de traços peculiares da «filosofia elementar» continuou da maneira mais frutuosa a fazer sentir os seus efeitos . Estes traços característicos são : l .º Levar a cabo a teoria da forma e da matéria; 2.º A tese da necessidade e incognoscibilidade da coisa-em-si ; 3.º A unidade de princípio básico como ponto de partida do sistema; 4 .º O método da dedução como apresentação contínua de condições ; 5 .º O condicionamento da capacidade teórica pela capacidade da prática . Destes motivos da teoria elementar, os dois primeiros são o objecto predominante das controvérsias posteriores . Princi palmente as formulações de Reinhold a respeito da coisa-em-si evidenciam-se, sob este aspecto, como sendo inesgotáveis . Com os três restantes princípios, opera ele de modo puramente positivo . Os espíritos mais esclarecidos da época aproveitam-se deles e por esse modo se tornam seus discípulos. Sem dúvida, que bem depressa o superam, sendo Fichte o primeiro que percorre o caminho por ele traçado . 2.0 Schulze A aspiração da Filosofia Elementar era uniformizar a teoria kantiana dotando-a da forma rigorosa dum sistema. Com a unificação resulta ao mesmo tempo uma simplificação arriscada. A filosofia crítica ficou mais clara na sua disposição e mais compreensível, mas não se tornou indubitàvelmente mais crítica, e a profundidade do problema (esclarecer o que constituía para Kant a preocupação mais ardente) foi sacrificada pelo sistema à especulação superficial. A falta de reflexão com que Reinhold mede pela mesma medida tudo , a saber, o dualismo da forma e da matéria, e , principalmente, a certeza surpreendente com' que ele considera a coisa-em-si corno o afectante - em flagrante ..:ontraste com a circunspecção crítica com que Kant o deixa 24 pairar em toda a sua ambiguidade -, não podia deixar de pro duzir o desacordo daqueles que encaravam a sério os problemas da Crítica. O contra-ataque é desferido de início pelo lado céptico por intermédio de G. E. Schulze, que considera a teoria de Kant à luz da de Reinhold, de maneira que esta já não aparece como Crítica, mas sim, apenas, como nova forma do dogmatismo filosófico . A perspicácia deste adversário que enfrenta a Crítica com as armas do velho e novo cepticismo (Enesidemo-Hume) tem o grande mérito de ter preservado os pensamentos críticos de obstruções posteriores, a despeito da sua tendência puramente negativa e estéril em si . Gottlob Ernst Schulze nasceu em 1761, em Heldrungen, na Turíngia, estudou em Wittenberg e doutorou-se pouco depois por essa Universidade . Em 1 788 , foi nomeado professor em Helmstadt . Publicou aqui o livro que _o tornou conhecido com o título iinesidenws, oder über die Fundamente der _ von dem Herrn Professor Reinhold in lena gelieferten Elementarphilo sophie, nebst e iner Verteidigung des Skeptizismus gegen die Anma�ungen der Vernunftkritik [ « Enesidemo, ou os Fuqdamen tos da Filosofia Elementar apresentados pelo senhor Profes sor Reinhold em lena, acompanhados duma defesa do cepti�jsmo contra as pretensões da Crítica da Razão » ] . O livrb apareceu anónimo e sem a indicação do lugar de impressão; na contro vérsia que provocou, também o título do livro « Enesidemo» , em conformidade com o programa traçado, _não contém o nome do al,ltor . Uma segunda obra de maiores dimensões , concebiçla com o mesmo espírito, que Schulze publicoq em 1801, já não despertou qualquer atenção; o desenvolvimento dos grandes filosofemas tinha há muito tempo passado por ciÍna do seu cepticismo. O novo « Enesidemo » procura mostrar que o cepticismo de Hume não foi refutado no mais pequeno pormenor pela filosofia crític�. Esta raciocina da maneira seguinte : o conhecimento universal e necessário só é _possível como j uízo sintético a priori, portanto tem que haver j uízos sintéticos a priori. Por. seu turno, os últimos só são concebíveis por meio de uma faculdade pura, por conseguinte, esta faculdade deve « existir» também. Reinhold generalizou esta maneira de raciocinar, conduin.do, a partir do facto da representação , pela existência daquelas condições sem as quais a representação não pode ser pensada. E tal conclusão conduz-nos sempre a uma faculdade que constitui então a última ratio da fundamentação . Antes de tudo, está aqui inserido um erro ontológico . Porque qualquer coisa deva ser « pensada de certa forma», não é mister 25 que também « seja dessa forma» . O que está precisamente em questão é saber se o pensamento é competente para revelar o ser. Demonstrar a validade objectiva do juízo é precisamente a tarefa da Crítica. Ela não pode, portanto, ser já pressuposta por esta mesma demonstração, porque nesse caso a demonstração move-se num círculo vicioso . A necessidade do pensamento é subjectiva e por si mesmo não implica necessidade ontológica. f. Kant justamente quem refuta da maneira mais clara o pre conceito ontológico que induz aqui a erro, e com isso fez saltar dos gonzos as velhas provas de Deus e toda a metafísica dogmá tica. Ele deve, portanto, apoiar-se nisso o menos possível . Ao primeiro erro sobrevém um segundo . Partindo da hipótese de que fora exacto concluir por uma faculdade, pode esta explicar ou fundamentar · qualquer coisa? Que se obtém qualquer coisa quando a hipótese da matéria do conhecimento reconduz a uma faculdade receptiva da matéria, a síntese espontânea a uma faculdade sintética espontânea? Reinhold trabalha cons tantemente com tais reconduções à « faculdade» ; nada se modifica nela, tão-pouco, se em vez da faculdade aparece uma « força» ou, por exemplo, uma dignidade do «espírito » . Todos estes con ceitos indicam qualquer coisa que, em si mesma, não é cognos cível a que só pode chegar-se por inferência. E nesta inferência é mister explicar-se o conhecido pelo desconhecido . Na realidade, nada se explica e fica-se perante um vazio idem per idem. Mas o principal argumento céptico enuncia-se, todavia, de um modo mais radical . Supondo que fosse ontolàgicamente certo o raciocínio que leva do pensar ao ser, e que o espírito e a faculdade não fossem tautologias vazias, insere-se aqui no pro cesso crítico um pressuposto ainda mais desastroso. O raciocínio que infere as condições é, em geral , um raciocínio causal e supõe já a categoria da causalidade . Se concebe as condições do conhe cimento como causas reais do conhecimento, concebe-as como causas « que são-em-si» . Isto é de especial importância para a receptividade reinholdiana que, além das suas causas interiores formais, supõe, todavia, a causa externa, isto é, o afectante . Como a Filosofia Elementar provou, uma coisa-em-si só pode existir na matéria empírico-objectiva. Aqui, portanto, a categoria da causalidade é aplicada inadvertidamente à coisa-em-si, quando a dedução dos conceitos da razão pura ensina expressamente que as categorias só são aplicáveis aos obj ectos de experiência possível , isto é , aos fenómenos . Aqui é fácil ao céptico opor Kant a Kant . A tese de Reinhold de que as coisas-em-si não são cognoscíveis , mas são concebíveis , é falsa; pois esta possibilidade de pensá-las implica na verdade a hipótese da coisa-em-si como 26 causa do conhecimento, e deste modo se supõe como conhecido um aspecto essencial da coisa-em-si. Ora bem: ou a coisa-em-si não é a causa da afocção ou ela não é incognoscível . Estas teses não podem coexistir. A contradição nelas é evidente : a mesma teoria que impede que o conhecimento infira a coisa-em-si constrói-se precisamente sobre esta inferência. Se as coisas-em-si são incognoscíveis , nem se pode saber se elas são ou não causas do conhecimento . Mas se são cognoscíveis , desmorona-se no nada o resultado da Crítica e estão abertos de novo os portões da velha metafísica. Mas o mesmo argumento paradoxalmente dirige-se também contra o elemento formal do conhecimenfo . Este elemento deve ter a sua causa na constituição da faculdade do conhecimento, na razão pura, no « espírito» . Mas , que sabemos nós acerca do «espírito» ? Nada mais do que nos revela o raciocínio causal que parte do facto do conhecimento. Portanto, também aqui achamos um raciocínio que encontra uma « causa» existente em si. O espírito , a razão , o suj eito transcendental significam, no fundo, uma coisa-em-si tão desconhecida como o afectante dos sentidos . O que não é fenómeno, é coisa-em-si , ou, de outro modo, é nada. Mas o sujeito transcendental não é fenómeno. Portanto, apresenta-se aqui o mesmo deslocamento de limites no emprego da categoria da causalidade que se encontra quando se inferiu a existência da coisa-erri-si exterior. Todo o edifício da Crítica assenta sobre este modo de inferir as condições internas do conhecimento . Portanto, a Crítica assenta sobre uma série de conclusões que ela mesmo tem por impossíveis . Se as coisas-em-si são incognoscíveis , não se pode representar o espírito como fundamento real do conhecimento. Portanto, as formas do conhecimento não podem nascer no espírito, portanto também não podem ser de origem subjectiva. Se este argumento subsiste de maneira justa, a Crítzca da Razão Pura é estruturada sobre uma impossibilidade. O seu princípio CQIIltradiz o seu resulta:do . E visto que a exigência da Crítica é a j ustificação da experiência científica, esta ter-se-ia verificado agora como absurda, e Hume teria razão com a sua tese de que nós temos na verdade experiência, mas que não temos de modo algum um princípio seguro da ciência empírica. Que resta da Crítica da Razão Pura se se retira dela a coisa-em-si externa e se se lhe deixa , na sua base, a interna, isto é, a própria razão pura? Justamente o que Berkeley já tinha ensinado : o idealismo empírico - isto é, justamente aquele que Kant recusa mais decididamente . Berkeley também era da opinião que os 27 obj ectos são apenas representações . Kant só podia justificar que eles eram mais do que representações, isto é, que eram fenó menos objectivamente válidos , referindo-os ao Sujeito transcen dental . Mas se este tiver de ser abandonado, cai-se novamente nas simples representações stibjectivas . E é esta j ustamente a tese céptica de Schulze, que afirma não conhecer a consciência mais do que as· suas representações e não poder, de nenhum modo, obter a certeza de que as mesmas são, em. algum sentido, mais do que simples representações . Ao crítico da actualidade dificilmente pode escapar que este cepticismo não acerta no verdadeiro sentido da crítica kantiana; pois nem as « condições da possibilidade» do conhecimento de Kant deviam ser entendidas como « causas » do conhecimento, nem a coisa�em-s·i e o « sujeito em geral » como fundamentos reais da experiência. É indubitável que este ataque céptico abre caminho à interpretação reinholdiana da crítica kantiana e em especial à sua con<;epção da coisa-em-si . Apanhou aqui a Filosofia Elementar no seu ponto mais fraco e fê-la saltar dos gonzos à primeira arrancada. Reside na descoberta do erro de Reinhold a importância de Schulze para a elaboração e desenvolvimento posteriores do idealismo kantiano . Não se podia de modo algum ficar parado na Filosofia Elementar. O próprio Reinhold abandonou-a sem hesitação ao primeiro lampej o dum novo pensamento positivo . Tinha de ir-se para diante ou para trás. E , na realidade, o avanço positerior da especulação idealís1tica não se faz esperar. Este avanço j á começara com Maimon antes do aparecimento do « Novo Enesidemo » , mas com Fichte aplicou-se justamente e de modo característico à crítica deste livro. Todavia, não se pode deixar de reconhecer que o significado do « Novo Enesidemo » não foi esgotado de modo algum. Só nos seus últimos escritos e, sem dúvida, sob um aspecto totalmente diferente, Fichte consegue a superação do suj eito-em-si . Herbart foi o primeiro a aproveitar-se da análise destrutiva do conceito de faculdade, por detrás do qual se podiam ocultar tantos erros sistemáticos . A decomposição da coisa-em-si agiu dum modo tão directo e decisivo que os esforços especulativos de amigos e inimigos tiveram por algum tempo o cunho de « conflito em torno da coisa-em-si » . Mas não se encontrou nenhum que tivesse ampliado o cepticismo puramente como tal e tivesse seguido seriamente o apelo do « regresso a Hume » . Todos procuram realmente uma saída positiva. E encontram-na em direcções tão diferentes que a unidade do ponto de partida de Kant empalidece nelas cada vez mais . 28 3 .0 Ma i mon A biografia de Salomon Maimon, escrita por ele próprio (editada por Moritz em 1792) , é um testemunho cultural de espécie única, com interesse independentemente da importância filosófica do autor. Mostra a luta dum espírito dotado do mais alto talento que, vivendo nas condições mais penosas , a despeito de todos os obs_táculos , abre caminho à ciência. Nasceu em 1754, em Sukowiborg, Lituânia, cresceu na mais extrema miséria e desamparo, recebeu a educação talmúdica dos rabinos e casou-se aos 1 1 anos de idade. A sua sede de saber procura matéria de educação . Na solidão do seu mundo, cai-lhe pela primeira vez nas mãos um livro cabalístico e depois alguns l ivros científicos alemães. Finalmente, o desej o ardente de saber impele-o a emigrar para a Alemanha. Aqui começa uma vida errante que o torna por algum tempo um pedinte na verdadeira acepção da palavra. Encontra um lugar de preceptor por alguns anos , em Posen. Em Berlim, Moses Mendelssohn interessa-se por ele, mas não o pode ajudar por muito tempo . Vai a pé para Ham burgo e para a Holanda e depois outra vez para Breslau. Em parte alguma se sente em casa. Morreu em 1 800 numa propriedade do Con�e Kalkreuth, onde ünha obtido guarida. Os seus estudos filosóficos começam com Wolf, Locke e Spinoza. Era dotado de virtuosidade de compreensão ; no caso dele, a escola talmúdica comprova a sua utilidade : não pode ler qualquer obra sem ao mesmo tempo a comentar . Ê o que acontece também com a Crítica da Razão Pura. Durante a · leitura, surge-lhe uma série de anotações com as quais com·põe depois a sua Versuch über die Tranzenden.talphilosophie [ « Ensaio sobre a filosofia transcendental » ] (publicado em 1790) . Maimon nunca conseguiu apresentar uma exposição rigorosamente sistemática dos seus pensamentos; qualquer coisa sem plâno, em forma de comentário, aderindo também aos escritos mais amadurecidos qualquer coisa de dissonante, com tom qe polémica. Destes escritos , os mais importantes são : Vber die Progressen. der Philosophie [ « Sobre os Progressos da Filosofia» ] ( 1793) , Die Kategorien der Aristoteles, mit Anmerkungen erliiutert und als Propiideutik zu einer neuen Theorie des Denkens d(lrgestellt [ « AS categorias de Aristóteles, apresentadf).S com anotações explicativas e como propedêutica duma nova teoria do pensa mento» ] ( 1 794) , Streifereien auf dem Gebiet der Philosophie [ « Incursões no domínio da Filosofia» ] ( 1793) , Kritische Unter suchungen über den menschlichen Geis t oder das hohere Er kenntnis- und Willensvermogen [ « Investigações críticas sobre o 29 espírito humano ou a faculdade superior do Conhecimento e da Verdade »] (1797) e Versuch einer neuen Logik oder Theorie des Denkens, nebst angefügten Brief en des Philaletes an Anesi dem.us [ « Ensaio duma nova Lógica ou Teoria do pensamento com cartas anexas de Filaletes a Enesidemo » ] ( 1798) . As duas úl timas obras contêm a melhor exposição do seu pensamento, duma maneira mais compendiosa. O deslindar do cepticismo de Schulze é particularmente lúcido . O ensaio sqbre a Filosofia Transcendental contém já todos os essenciais quanto à questão. Por isso, esta primeira obra é a mais importante quanto à sua influência histórica . Para Maimon a coisa-em-si é também e antes de mais o principal ponto de controvérsia; também ele pensa na dissolução deste conceito. Mas não o procura de antemão à maneira céptica, em oposição à Crí tica , mas antes criticamente, isto é , trata de obtê-la justamente a partir das formulações da própria Crítica, as quais toma menos à letra do que os seus antecessores, mas de cujo verdadeiro sentido se aproxima mais por esse meio . É o primeiro que se ocupa seriamente com o ponto de vista idealista. Uma coisa real em si é , no sentido de Reinhold, não só incognoscível mas também inconcebível . Qualquer sinal carac terístico que lhe atribuamos - ainda que fora da causa da afecção - é colocado na consciência, portanto não corresponde à coisa, mas sim a um produto da consciência . A coisa-em-si , que em rigor fica fora da consciência, seria um objecto sem sinal característico, portanto, também não seria objecto do pensamento , porque todo o pensamento se move no âmbito da definição através de sinais característicos ; seria, portanto, um « absurdo » . Maimon compara a coisa-em-si à grandeza imaginária da Matemática. Criticamente entendida, deve ela comparar-se à grandeza irracional , que é tão real como a racional , formando o valor limite duma série infinita de valores aproximativos . Este conceito limite do cognoscível está para o não-conceito do incognoscível como a ..;2 está para a 7-a. Os limirtes irra cionais do conhecimento racional comportam também um sig nificado incontestável no idealismo em sentido restrito . Mas, então , a coisa-em-si não pode ser convertida na coisa dada da matéria do conhecimento. Esta deve, por mais impossível que possa parecer, ser explicada imediatamente como forma da própria consciência. Ora bem, há a ilusão de que a matéria é dada, ilusão que é inerente a toda a consciência dos objectos reais . Convém por isso explicar esta ilusão. De modo algum é possível produzir conscientemente o que se torna consciente como dado . Pois nesse caso a consciência 30 não o poderia conservar como um dado . O dado não pode resol ver-se nos elementos que estão sob a luz da consciência. Não se podem procurar as condições do dado nos elementos cons cientes do conhecimento, ainda que estas condições residam no sujeito. Só podem, portanto, encontrar-se numa « consciência imperfeita» . O dado é então aquilo cuj o modo de originar-se no sujeito nos fica desconhecido . Se se desce desta imperfeição, o grau de consciência pode diminuir até ao desaparecimento completo, até ao nada. O dado absoluto não é nada mais do que o conceito limite desta série. A matéria, portanto , pertence ao sujeito precisamente tanto quanto pertence à forma; s im plesmente, a sua génese no sujeito não deve ser colocada no campo da consciência. Ora, toda a experiência contém um factor do dado . Por consequência, toda a experiência permanece sendo um conhecimento imperfeito. A conhecida tese de que a expe riência não conduz a nenhuma generalidade nem necessidade, aparece a partir deste ponto de vista como evidente em si mesma; é uma proposição tautológica, enuncia apenas que o conheci mento imperfeito não alcança a perfeição . Por conseguinte, a própria experiência tem o carácter da série infinita; o seu conceito limite seria o conhecimento perfeito ou racional. Esta concepção do dado da coisa e da experiência não é uma simples imitação exterior da teoria do conhecimento de Leibniz, segundo a qual a consciência nada recebe do exterior, produzindo-se, pelo contrário, todo e qualquer conteúdo na gradação infinita da própria representação . Maimon segue cons cientemente as marcas de Leibniz : o conceito da petite perception tem para ele o significado da dissolução idealista do dado, o qual, n.a sua multiplicidade empírica, constitui o « diferencial da consciência» . O obj ecto da intuição empírica é, no fundo, produto do pensamento ; a receptividade apoia-se sempre na espontaneidade. O obj ecto nasce na consciência unicamente segundo as regras da mesma, mas estas regras não precisam, pela sua parte, de ser conscientes. A intL.tição, não menos do que o pensamento, está de acordo com as regras, mas não é conhecedora delas . Só o pensamento o está, e . uma consciência perfeita seria a visão perfeita das próprias regras . A particularidade individual dum obj ecto reside na regra especial da sua origem. Esta constitui o «modo do seu diferen cial » . A intuição apreende como um produto acabado o objecto surgido, mas a consciência pensante resolve-o pelo modo como se gerou. A intuição duma linha é a linha traçada, mas o seu conceito é o próprio traçar, quer dizer, o movimento do ponto . A intuição é sempre secundária: perante o conceito ; mas se o 3 1 consciente apreende o conceito primano que está por detrás dela, é outra questão . A teoria kantiana do espaço e do tempo é verdadeira, mas é somente a metade da verdade . Ambos · são de facto formas da intuição e, eles mesmos, intuições . Mas a sua essência não se esgota com isto. No sentido de pensamento perfeito ciue intui as suas próprias leis de formação, ambos são, antes, conceitos. São aquelas formas de diversidade e multipli cidade que estão na base do « pensamento real» , o qual supõe já a multiplicidade . O pensamento real não é o observável , o consciente, mas sim o que se estende para além de toda a imperfeição e deficiência da consciência. É sempre conectivo, é sempre síntese dum múltiplo , determinação dum determinável . Nisto consiste o « princípio da determinabilidade » que domina o sujeito cognoscitivo em todas as suas actividades . O espaço e o tempo j amais se tornam conscientes como determinações dum determinável, mas sempre como determináveis , isto é , como substratos de outras determinações . Por isso, a nossa consciência não pode decompô-los mais e, por isso também, lhes é aderente aquele carácter peculiar de serem dados que os distingue de outras formas da consciência . Ou seja, o carácter do conceptual que Kant desconhece neles e o faz renunciar a uma dedução propriamente transcendental da sua validade objectiva. Pois é . impossível intuir o modo como se originam no sujeito . Desta maneira, Maimon elimina sistemàticamente o dualismo do pen samento e intuição que Kant tinha oposto à teoria de Leibniz da actividade absoluta das mónadas . Mas esta eliminação também só é compreensível no campo do fundamental : ela só é dotada de valor no que respeita ao pensamento fundamellltal , ou « reaJ » ·e não para o conhecimento empírico da consciência imperfeita. Esta última admite os dados como não resolvidos ; para as suas operações subsiste a ilusão do dado e com ela o dualismo kantiano. No mesmo sentido subsiste a distinção do conhecimento a priori e do conhecimento a posteriori. Uma multiplicidade que é dada sem a consciência da síntese em que se origina, apresenta o carácter do dado a posteriori. Por isso só há juízos sintéticos a priori na ·Mate mática, que não contém nenhum dado empírico . Só a Matemática é conhecimento perfeito ; mas toda a experiência fica imperfeita. O ceptidsmo de Schulze no tocante à causa extraconsciente é assim refutado, pois, pelo contrário , o consciente traz em si mesmo esta causa . Mas aquele cepticismo dirige-se também contra os fundamentos internos do conhecimento, uma vez que os admite como forças ou faculdades da consciência. E neste sentido interessa também à filosofia transcendental de Maiillon. 32 Por isso, nas suas «Cartas a Enesidemo » dedicou uma análise especial às objecções deste líltimo, na qual defende o ponto de vista da Crít ica kantiana contra a interpretação de Reinhold e contra os ataques de Schulze. Hume tem toda a razão em opor-se ao s ilogismo causal que conclui na coisa-em-si mas no processo da Crí t ica da •Razão, a qual , partindo do facto do conhecimento, reflecte sobre as con dições do mesmo, não existe semelhante silogismo. Declarar as forças ou faculdades como fundamentos reais do conhecimento é , sem dúvida, um ponto de partida que nada explic.a. Mas este não é o ponto de partida da Crítica . Tão-pouco se torna esta culpada da inferência ontológica que vai do pensamento ao ser. Ela não fala de modo algum do fundamento real do conheci mento e das causas que de facto diferem dele, mas simplesmente dos modos do conhecimento realmente ' diferentes . . . A Crítica define tão pouco o espírito como a causa dós j uízos sintéticos necessários, como Newton define é!- força da atracção como algo exterio·r aos corpos que se atraem entr� · si , e causa dessa atracção; mas sim, que para ele a força da atracção é simples mente o modo de actividade universal da atracção determinado por leis . Da mesma forma Kant compreende por formas do conhecimento baseadas no espírito simplesmente os modos de actividade universais ou leis do conhecimento e não se importa de modo algum com as causas das mesmas . . . «A Crítica da Razão Pura não define nenhum ser como sujeito e causa do conhecimento, mas investiga simplesmente o que está contido no próprio conhecimento . » Não define o espírito nem como coisa-em-si ou r.túmero, nem como ideia. Nela, o espírito não é mais do que o sujeito totalmente indeterminado das represen tações ao qual elas se referem . . : O espírito é simplesmente pen sado como sujeito lógico, mas Iião sob a categoria que lhe corresponde, isto é, nem uma só vez como número (3 .ª carta) . P0rtanto, não se fala aqui duma hipóstase do sujeito , geral mente convertido em sujeito-em-si . Tão-pouco se fala daquele uso transcendental da categoria da causalidade que interdita a dedução dos conceitos puros do entendimento .. Maimon é o primeiro a perscrutar estes factos e a pôr em relevo por esta via o carácter « transcendental » do idealismo kantiano. Mas é significativo que justamente este motivo, talvez o mais impor tante da sua rica. ideologia, tenha ficado por mais tempo des percebido. Nem Fichte, nem Schelling, souberam fazer-lhe justiça; a hipóstase do sujeito continua a operar neles serenamente. Neste ponto Maimon excede os contemporâneos em larga escala 33 e está muito mais prox1mo do que eles do autêntico espírito da Crít ica. Mas só pouco a pouco se eleva a este . acume da sua visão . Ainda na Ve rsuch über die Tranzendentalphilosophie [ « Ensaios sobre a Filosofia Transcendental » ] e nas Kategorien eles Aristo teles [ « Categorias de Aristóteles » ] tem uma opinião completamente diferente do problema. Nessas obras classifica de círculo vicioso o processo da Crít ica : ela começa por demons trar, partindo da possibil idade da experiência, as condições da mesma , ' para , por ·sua vez, partindo desta tendência, demons trar a possibi l idade da experiência. Só no V ersuch einer neuen Logik [ « Ensaios sobre uma nova Lógica» ] viu bem o grosseiro mal-entendido. Os exageros do cepticismo de Schulze haviam-lhe aberto os olhos e na polémica contra ele concebe a ideia da « Filosofia Transcendental » que o eleva a um idealismo rigoroso, de orientação lógica . No apogeu do seu desenvolvimento , Maimon figura como o precursor mais importante do idealismo lógico, que histàricamente aparece, primeiro, no neokantismo de quase um século mais tarde , porque também Hegel segue um caminho diferente. Todavia, Maimon sabe distinguir o seu próprio ponto de vista da maneira mais exacta da Crítica da Razão Pura. A dife rença reside no ponto de partida, na quaestio facti . Como Kant, reconhece o facto da experiência, mas refuta a universalidade e a necessidade dos seus j uízos científicos . Nisto coincide com Rume. Só a Matemática tem juízos sintéticos a priori. Por isso chama ao seu ponto de vista « Cepticismo empírico » . Este não é anticrítico como o cepticismo de Schulze ; supõe, pelo contrá rio, a Crít ica e apoia-se nela. Pois só o método da crítica pode ensinar que _toda a experiência é conhecimento imperfeito . O « Cepticismo empírico » de Maimon não é, por isso, de modo algum empirístico, e distingue-se nisso do cepticismo de Rume e do «Novo Enesidemo » . Este baseia-se num empirismo dogmá tico ; o dado sensorial dos "factos particulares tem para ele a validade da realidade obj ectiva e a sua dúvida dirige-se simples mente contra o a priori do conhecimento� A dúvida de Maimon, pelo contrário, dirige-se justamente contra a realidade objectiva do conhecimento empírico dos factos . Este conhecimento não é « Consciência perfeita » ; a tal consciência pertenceria o conhe cimento perfeito das formas a priori que produziram os factos . Um apriorismo puro das formas , tal como teria de nele se revelar, realiza-se no «pensamento real» que está na base de toda a experiência; mas, justamente, dentre;> do campo da experiência falta ao pensamento real a « Consciência perfeita » . 34 O cepticismo empírico de Maimon é, portanto, no fundo, puro apriorismo . Constitui o contraste histórico mp.is extremo com o cepticismo empírico de Hume e poderia ser designado, com justa razão, de cepticismo racional, a priori, ou transcen dental , no que respeita aos seus fundamentos leibnizio-kantianos . 4 .º J . S. Bec k A Filosofia Elementar de Reinhold foi analisada à maneira céptica por Schulze e Maimon. Maimon reconstituiu ao mesmo tempo o sentido original do pensamento crítico-transcendental de Kant nos seus pontos centrais ; contudo, não acompanha completamente o ponto de vista deste : a sua filosofia transcen dental permanece céptica. Falta, todavia, uma explicação de conjunto do sistema kantiano que parta dum ponto de vista unitário, como Reinhold havia aspirado, se bem que não o tenha realizado efectivamente. Ora, quando já tinham começado as grandes e novas criações sistemáticas de Fichte e Schelling e se havia desviado de Kant o interesse filosófico central, Jakob Sigismund Beck ( 176 1 - 1 840) , discípulo pessoal de Kant, entrega-se a essa espinhosa tarefa. Na qualidade · de assistente livre em. Halle, escreve, durante os anos 1793-1796 , a sua principal · obra de comentários Erlii.uternder Auszug aus dem kritischen Schriften des Herrn Professor Kant, auf Anraten desselben [ « Extracto explicativo dos escritos críticos do senhor Professor Kant, a conselho do mesmo » ] . Dos três volumes desta obra, o último, com o título particular de Einzig moglicher Standpunkt, aus welchem die kritische Philosophie beurteilt werden mu� [ « Ü único ponto de vista possível pelo qual a Filosofia crítica pode ser apreciada» ] , adquiriu a maior importância. No mesmo ano, apareceu também o seu Grundri� der kritischen Philosophie [ « Compêndio da Filosofia Crítica» ] e , dois anos mais tarde, o Kommentar über Kants Metaphysik der Sitten [ « Comentário sobre a Metafísica dos Costumes de Kant» ] . A «Teoria do Ponto d e Vista» de Beck, éomo é designada em abreviatura, não se limita de modo algum a uma reprodução fácil das críticas kantianas , se bem que estej a muito mais pró xima da concatenação das ideias dela do que a própria Filosofia Elementar. A sua ideia basilar é a de que a condição decisiva do entendimento não é a apreensão dos problemas particulares , mas sim, unicamente, a perspectiva central a partir da qual estes devem ser tratados . E neste sentido procura substituir a 35 generosa multiplicidade de significações das formulações de Kant por um esquema uniforme de orientação basilar. É uma concessão à maneira ingénua de pensar o facto de 'a Cdtica da Razão Pura falar de coisas-em-si . Tem significação puramente didáctica, e · não sistemática. E é neste sentido que se deve entender «afectar» em Kant . A ilusão da afecção .externa existe e não se pode demonstrar o contrári� . Mas fazer desta ilusão uma teoria, como Reinhold fez, é renunciar a toda a explicação . Pelo contrário, só aqui começa a tarefa própria da filosofia teórica. A tese da consciência· de Reinhold afirma a diferença entre o representado e . a representação e, não obstante, a relação recíproca entre arrnbos . Mas é possível a relação se o apresentado existe em s� fora dª consciência e a representação na consciência ? O que é que os vincula entre s'i ? O realismo dogmático aventurou-se a forIIJ.ular estas perguntas sem ser capaz de as -solucionar. Ora se · a Crít ica se apoia neste mesmo problema insolúvel, desaparece dela toda a diferença caracte rística com respeito à metafísica dogmática, e os cépticos têm razão em atacá-la . Por es.te motivo, o ponto de vista de Reinho1d é, de antemão, um ponto de vista « impossfvel » . No seu princípio supremo, na distinção entre a representaç�o e o objecto, deixou escapar precisamente o «único ponto de . vista possível» para compreender a Crítica. Todos os despropósitos restantes são consequências necessárias deste erro primo. Na verdade, como · se relacionam representação e objecto ? Só há um caminho para a explicação : a eliminação da coisa-em-si e a to.tal incorporação do objecto na representação . · É e�te o sentido da equiparação kantiana do objecto e fenóIIJ.eno. A repre sentação tem que ser o original � o objecto, o produzido . O conceito de produzir, entendido como um acto- espontâneo, é trazido por Beck para o ponto focal, E aqui acolhe um motivo fundamental da Teoria da Ciência de Fichte entrementes vinda a lume (1794) . A consciência não começa com um facto acabado, mas sim com uma efectuação activa. Desta tem de tratar o princípio supremo da filçisofia. O único p<Jnto de vista possível , o transcendental , é o do « representar original »; no qual os obj ectos surgem pela primeira vez na consciência. Kant, no decorrer da sua investigação , atinge de facto este .ponto central na « unidade sintética da apercepção ;> . Beck converte-o em ponto de partida, pois só daqui se pode compreender o carácter ori ginário do representar. Aqui se enraíza toda a « composição» original do múltiplo, gias também, e ao mesmo tempo, todo o reconhecimento por meio do cenceito desse múltiplo como 36 objecto . Portanto, a intuição e o pensamento têm aqui a sua origem comum. Em rigor, Beck não apresenta uma teoria que explique como os objectos nascem desta origem subj ectiva. Permanece no postulado puro da actividade produtora do suj eito . Tão-pouco se ocupa do problema da possibilidade de o sujeito produzir os seus objectos e de, no entanto, os considerar em seguida como dados . Neste ponto não atinge a altura especulativa das ideias de Mairnon, que sabe dar uma resposta satisfatória a este problema. Tão-pouco se eleva ao idealismo lógico daquele,. pois o seu conceito do transcendental permanece fundamentado subjectivamente . A importância de Beck atinge o máximo e esgota-se na clarificação do suj eito transcendental entendido como espontaneidade pura, suficiente para a matéria pura e forma. É totalmente alheio ao que fica para além disso. E nem sequer a sua adesão às formulações de Fichte referentes ao seu princípio supremo é essencial para a sua teoria. Importante para esta é, apenas , a defesa .rigorosamente idealista de toda a condicionabilidade «exterior» do obj ecto e a redução inteira de todo o conteúdo às funções produtivas do suj eito, cuj a exis tência a Crít ica da Razão Pura demonstrou. 5 .º J a kobi Se não se prestar atenção ao carácter estritamente « trans cendental » do idealismo kantiano, que é apenas o da « cons ciência em geral » , e de modo algum o do suj eito individual empírico; se se deixar passar despercebida a ênfase que Kant põe na defesa do « realismo empírico » , como ponto de vista natural e inevitável do sujeito individual; e se se não puder chegar até à compreensão da relação recíproca especial de rela tividade e de complementaridade a que prudentemente a Crítica da Razão Pura conduz estes dois pontos . de vista - então deve parecer necessàriamente ambígua a atitude de Kant no tocante ao probl ema central do ponto de vista. Da falta de atenção a esta relação nasce na · fi losofia pós-kantiana imediata o conflito à volta da concepção do real ; conflito a que serviu de objecto a « coisa-em-si » - como conceito central daquela realidade - tra tada com tanta prudência por Kant. Reinhold falhou de maneira catastrófica no ponto em questão , e viu-se assim arrastado para o lado realista, sem a menor ideia do alcance da sua incongruên cia. Schulze vê-lhe o erro fatal à luz duma ampliação facciosa e t ira daí a sua conclusão céptica; Maimon e Beck regressam 37 com instinto certeiro à questão ebuliente do carácter transcen dental do idealismo, mas não encontram pràpriamente qualquer formulação positiva que assegure ao «conceito de fenómeno » de Kant o significado «emplricamentc realista» que assume para com a consciência individual e natural . Fica assim, também no caso deles , só. insatisfatàriamente resolvido o :rp.ais difícil de todos os problemas. Não é, portanto, de admirar que, apesar de todos os seus esforços e conclusões , em parte de alto valor, a reacção contra o realismo, que começa já a partir de 1787 com Jakobi, possa continuar a afirmar-se. É que se se não quiser abandonar inteiramente a justa pretensão da consciência natural de insistir na realidade das coisas e de não afastar da discussão por meio de qualquer subtileza, não se pode deixar de combater, até ao extremo limite, as tendências do idealismo contrário a essa pretensão e opor-lhes uma teoria que estej a assente de pés firmes sobre o fenómeno inegável da realidade dos objectos externos . O mérito de Jakobi é ter tirado esta consequência com intransigência parcial e tê-la convertido numa teoria anti-idea lística . Do ponto de vista histórico fica, por isso, sem rival entre os adversários de Kant, como o mais positivista e, no tocante à teoria, como o mais consequente. Friedrich Heinrich Jakobi nasceu em 1743 em Düsseldorf, recebeu . a maior parte da sua educação em Genebra, foi a prin cípio comerciante, depois funcionário, vivendo em seguida du rante anos no isolamento na qualidade de particular erudito em Pempelport, perto da sua cidade natal , donde se transferiu finalmente para Holstein. Em 1 804, obteve o cargo de presidente da Academia das Ciências de Munique, que desempenhou até à sua morte em 1 8 1 9 . Foi durante a sua vida retirada que pro duziu a maioria das suas obras . As mais importantes dentre essas obras são as seguintes : Vber die Lehre des Spinoza, in B riefen an Moses Mendelssohn [ « Sobre a Teoria de Spinoza, em cartas dirigidas a Moses Mendelssohn» ] ( 1 785) , David Hume über den Glauben, oder I dealismus und Realismus [ «David Rume sobre a Fé, ou Idealismo e Realismo »] ( 1787) , Sendschrei ben an Fichte [ «Missiva dirigida a Fichte >�] ( 1799 ) , Vber das Unternehmen des Kritizismus, die Vernunft zu Verstande zu bringen und der Philosophie überhaupt eine neue Absicht zu geben [ « Sobre o Empreendimento do Criticismo
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