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360468261 KOSELLECK Reinhart Uma Historia dos Conceitos pdf

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" 
A STORIADOS 
CONCEITOS:* 
problemas teóricos e práticos 
ReinJrarl Koselleck nasceu em Gor/ia IUJ 
Alemanha, em 23 tk abril tk 1923. Douwr 
em 1954, leve sua le'" publicada em 1959, 
com o título Kritik und Krise (/Iá traduções 
para o francês e o italiano). Seu campo de 
investigação diz respeito à teoria da hisLÓria e 
a aspectos da história moderna e 
contemporânea. F oi professor nas 
universidades tk Bocluun (1966), lIeidelberg 
(a parlir tk 1968) e Bie/efeld (tk 1973 até 
• hoje). E aulor tk Presussen zwischen Reforrn 
und Revolution (1967) e Vergangcne Zulrunft 
(1979), e co-aulor tk Das Zeitalter der 
europoischen Revolution (1969), 
Geschichte-Ereignis und Ertablung (1973), 
Objektivitat und Parteilichkeit in der 
Geschicbtswissenschaft (1977), 
Geschicbtliche Grundbegritfe. Historiscbc 
Lexikon zur politiscb-50zialen Sprache in 
Deutschland (tkstk 197Z),.Sprache und 
Gescbichte (tkr<k 1978). E aindn 
coliJborador da revista Gescbkhte und 
Gesellscbaft . 
Reinhart Koselleck 
referi nesta conferencia deixar de lado 
os problemas de ordem metodológi­
ca/prática relativos a uma história dos con­
ceitos, pois do contrário estaria me repetin­
do, já que há cerca de trinta anos venho me 
ocupando desta problemática. Seria cansa­
tiva a repetição do já conhecido. Optei pela 
abordagem das questões de natureza teóri­
ca, que certamente têm a ver com esse meu 
campo de investigação e de alguma forma 
também são fruto desse trabalho de trinta 
anos. 
Listei seis pontos que gostaria de tratar 
no decorrer desta palestra. O primeiro des­
ses pontos diz respeito ao que possa vir a 
ser um conceito a respeito do qual poder­
se-ia conceber uma história. Naturalmente 
não é toda palavra existente em nosso lé­
xico que pode se transfoffilar num conceito 
• Em alemão, B�,.jffs&eschjchle. Pode« compreender a Begriffsgcschichle como um projeto intelectual dn 
historiador Reinhart K06elleck. que se detlica há algwnas décadas i reOexáo teórioo-melOdológia acerca da história dos 
conoeilO6 e de sua relação com outros campos da reOexio hislÓriCl. A este respeito é bastante elucidativo seu trabalho 
"BegrilIsgeschichle und Sozial gesehichle" em seu livro V ergong�Zukwtft (21ed. F .. nkfurtam Ma in, S utut.a mp. 1984). 
Nota: Esta palestra roi transcrita, lraduz.ida e editada por Maooel Luis Salgado Guimarães. 
Estut/ruo Hi.n6rkos, Rio de Janeir� vot. S, n. 10, 1992, p. 134·146. 
UMA HISTÓRIA DOS OONCEITOS 135 
e que portanto pode ter uma história. Pala­
vras como oh!, ah!, und (e) etc., são pala­
vras que não comportariam prima facie 
uma história do conceito (seriam desprovi-
• 
das de sentido). E preciso estabelecer a 
distinção entre conceito e palavra, ainda 
que não me atenha à divisão dos lingüistas. 
De forma evidentemente simplificada, 
podemos admitir que cada palavra remete­
nos a um sentido, que por sua vez indica 
um conteúdo. No entanto, nem todos os 
sentidos atribuídos às palavras eu conside­
raria relevantes do ponto de vista da escrita 
de uma história dos conceitos. Quando do 
planejamento para a realização da pesquisa 
empírica visaudo a produção do Diciollá­
rio de cOllceilos, foram criteriosa mente se­
lecionadas as palavras cujos sentidos inte­
ressavam: a saber, conceitos para cuja for­
mulação seria necessário um certo IlÍvel de 
teorização e cujo entendimento é também 
reflexivo. 
Tomemos, por exemplo, as palavras Es­
tado (Staat), ou Revolução (Revolution), 
ou História (Geschichte), ou aasse (KIas­
se), ou Ordem (Stand), ou Sociedade (Ge­
sellschaft). Todas elas sugerem imediata­
mente associações. Essas associações 
pressupõem um mínimo de sentido co­
mum (minimal Bedeutungsgehalt), uma 
pré-aceiL1ção de que se trata de palavras 
importantes e significativas. A certa altura 
temos que nos intenogar acerca dos limites 
e fronteiras que separariam palavras em si 
teorizáveis, e acerca de que palavras se­
riam em si reflexivas. Trata·se na verdade 
de uma detenninação aleatória. Pode-se 
eventualmente, através da Begriffsgeschi­
chte), indicar a partir de quando um con­
ceito tornou-se fruto de uma teorização e 
quanto tempo levou para que isso aconte­
cesse. De fonna a melhor ilustrar o que 
estou entendendo por esse processo de teo­
rização de um conceito, gostaria de trazer 
um exemplo, por mim mesmo trabalhado, 
e que diz respeito à fonnulação do conceito 
possível de Bund (liga política, federaçao), 
para a qual um certo !trau de teoriza­
ção/abstração se faz necessário. 
Aqui é preciso distinguir o universo das 
línguas latinas, que possuem a forma subs­
tantivada para designar Bund (Confedera­
tio, Liga), presente nas fontes documen­
tais, e o espaço da língua alemã, que tem 
de recorrer a formas verbais para exprimir 
a formação dessas unidades. Nas fontes 
documentais de língua alemã dos séculos 
XID-XIV, sempre que era necessário des­
crever uma experiência histórica concreta 
de associação política ou econômica, re­
corria-se a fanuas verbais: uformar .uma 
Liga". Quando, por exemplo, os cantões 
suíços resolvem se unir, inexiste uma ex­
press.ío substantivada e ao mesmo tempo 
abstrata para descrever e designar esse ato 
concreto de realização de uma união. O 
mesmo se pode verificar com relação à 
união promovida por algumas cidades da 
Prússia Oriental, expressa por fonna ver­
bal e sempre com base em pontos concre­
tos e específicos em tomo dos quais são 
definidas e estabelecidas obrigações mú­
tU.1S. Não existe ainda nenhuma expressão 
capaz de conter de fonna sintetizada e 
abstrata uma teoria acerca da união políti­
ca. Inexiste também em tennos da expe­
riência histórica qualquer instituição capaz 
de ser pensada como referente. 
-
Após duas gerações, já é possível cons-
tatar que tais acordos verbais funciona­
vam, por exemplo, na Suíça, com a Liga 
Suábia (der Schwlibische BUltdi, ou na 
Holanda. Essa nova experiência histórica 
reflete-se na autodenominação dos suíços 
de "Confedcratio", também aplicável ao 
caso holandês. Passa a existir um referen­
cial histórico, um modelo de uniões possí­
veis. Após a experimentação por duas ge­
rações sucessivas da renovação de acordos 
verbais em tomo de pontos específicos, 
podia-se, numa visão retrospectiva, cons­
tatar que se havia estabelecido uma Liga, 
uma união. Tornou-se possível, portanto, a 
partir de cada ponto isoladamente acorda-
136 ESruDOS HlSTÓRlCOS-1992/10 
do para o estabelecimento de uma li­
ga/aliança, pensar numa unidade maior por 
sobre cada um desses pontos isoladamen­
te. Pôde-se pensar não apenas numa Liga 
de cidades que, isoladamente entre si, es­
tabeleceriam uniões ou alianças mas tam­
bém na expressão "cidade da Liga" (Stiidte 
des Bundes). Aqui o tenno Bund ganhou 
em abstração e teorização, tornando-se um 
conceito generalizante para além das 
uniões e associações particulares enseja­
das por cada cidade isoladamente. Consti­
tuiu-se uma nova totalidade da qual cada 
cidade participa. Não se trata de uma Liga 
de cidades, mas de cidades de uma Liga, a 
qual se torna uma entidade capaz de ação 
histórica. A Liga Suábia era uma nova 
entidade política no cenário europeu, so­
mente viabilizada a partir desse procedi­
mento de abstração e agregação, e chegou 
a constituir-se na maior potência militar 
européia da época. Sem sua atuação deci­
siva, certamente as Guerras Camponesas 
de 1525 teriam conhecido desfecbo dife­
rente do que efetivamente tiveram. 
O procedimento aqui exemplificado 
com a construção do conceito de Liga pode 
na verdade ser aplicado a uma série de 
conceitos que são social e politicamente 
relevantes, como Estado ou Revolução. A 
história dos conceitos coloca-se como pro­
blemática indagar a partir de quando deter­
miruidos conceitos são resultado de um 
processo de teorização. Essa problemática 
é possível de ser empiricamente tratada,objetivando essa constatação, por meio do 
trabalho com as fontes. 
Um segundo ponto que eu gostaria de 
aholdar diz respeito à utilização/emprego 
de conceitos (BegriffsveJWeudung), ques­
tão bastante controversa no interior do de­
bate teórico. Defendo a hipótese de que 
todo conceito é sempre concomitantemen­
te Fato (Faktor) e Indicador (Indikator). 
Todo conceito é não apenas efetivo en­
quanto fenômeno lingüístico; ele é tam-
bém imediatamente indicativo de algo que 
se situa para além da língua. 
O caso trabalhado anterionnente-como 
chegou a se constituir historicamente a for­
mulação do conceito deBund -é um exem­
plo clássico. No momento em que o con­
ceito de Liga foi formulado em termos 
lingüísticos, posso pensar a partir dele a 
realidade histórica, conceber a constituição 
de uma Liga política, enfim, a partir de um 
fato lingüístico, posso atuar sobre a realida­
de de forma concreta. A formulação, em 
termos de possibilidade, do conceito de 
Liga instau", por sua vez formas de com­
portamento e atuação, regras jurídicas e 
mesmo condições econômicas só possíveis 
de serem pensadas e efetivadas a partir da 
existência de um conceito como Liga. Um 
conceito relaciona-se sempre ilquilo que se 
quer compreender, sendo portanto a relação 
entre o conceito e o conteúdo a ser com­
preendido, ou tomado inteligfvel, uma re­
lação �riamente tensa. Dessa relação 
chegarei a falar mais tanIe. Isto porque 
considero teoricamente errônea toda postu­
ra que reduz a história a um fenômeno de 
linguagem, como se a língua viesse a se 
constituir na líltima instãncia da experiên­
cia histórica. Se assumíssemos semelhante 
postura, teríamos que admitir que o traba­
lbo do historiador se localiza no puro cam­
po da hennenêutica. 
O terceiro ponto a ser abordado nesta 
. 
conferência diz respeito aos critérios sele­
tivos quando se pensa na escrita de uma 
história dos conceitos. Com relação a este 
ponto, bouve críticas contundentes, como 
por exemplo a que aponta um pretenso 
desconhecimento de nossa parte acerca da 
análise de discursos, modismo que aliás 
considero extremamente rico e importante. 
Todo conceito articula�e a um certo 
contexto sobre o qual também pode ablar, 
tornando-o compreensível. Pode-se enten­
der esta formulação IDrnando-<l mais insti­
gante. Posso dizer que procederei com mi­
nha análise a partir do texto/contexto, da 
UMA HISTóRIA OOS OONCEI I OS 137 
mesma forma como se faz em Saint Cloud, 
na Califórnia ou em Chicago, entendendo­
se texto/contexto na sua acepção mais re­
duzida; o parágrafo no conjunto de um 
texto maior. Eu mesmo fiz um teste em 
relação ao termo crise, indagando nos tex­
tos clássicos franceses armazenados em 
computador acerca do contexto em que o 
tenno surgia num dado período de tempo. 
Dez minutos depois a resposta vinha, e 
contexto significava uma frase anterior e 
uma frase posterior à localização do termo 
solicitado. Ainda que seja de utilidade esse 
tipo de locali7ação, ela não dispensa o re­
curso às bibliotecas no sentido da melhor 
contextualização, incapaz de ser realizada 
pelo computador. Um desdobramento lógi­
co desse procedimento exige necessaria­
mente a contextualização dos termos em 
unidades maiores, num conjunto de textos, 
por exemplo, como livros, panfletos ou ma­
nifestos' cartas, jornais etc. Por sua vez, 
esse texto maior, no qual o tenno se insere, 
articula-se a um contexto ainda mais am­
pliado para além do próprio texto escrito ou 
falado. O que significa dizer que todo con­
ceito está imbricado em um emaranhado de 
perguntas e respostas, textos/contextos. 
Esse procedimento metodológico nada 
tem de novo em relação aos tradicionais 
métodos histórico-filológicos de trabalho. 
Temos de ir adiante, avançando teorica­
mente um pouco na esteira do trabalho que 
Diderot já fizera em relação à Enciclopé­
dia, em que a língua francesa é posta como 
condição última de possibilidade para a 
formulação de certos conceitos. Assim, 
além de investigar que conceitos foram 
formulados na língua francesa, temos de 
interrogar acerca das possibilidades de for­
mulação conceitual efetivamente passíveis 
de serem deduzíveis do léxico da língua 
francesa. Em que medida, portanto, um 
certo léxico próprio à língua francesa via­
bilizaria ou não certas formulações concei­
tuais. Numa concepção um tanto estática 
da língua, poder-se-ia pressupor que a for-
mação de palavras pode ser derivada do 
conjunto mais amplo de palavras à dispo­
sição nesta língua. 
Podemos assumir que a língua (Spra­
chhaushalt) pode ser pensada corno ele­
mento importante na compreensão e enten­
dimento do uso de certos conceitos e não de 
outros para a inteligibilidade de realidades 
históricas.3 Assim procedendo estamos 
construindo uma cadeia, através do conjun­
to da língua, que articula um conceito a 
outro. Através desse procedimento pode­
mos constatar, por exemplo, estreita articu­
lação dos conceitos de Estado e Sociedade, 
articulação hoje esquecida, posto que a par­
tir de Hegel esses dois conceitos foram 
pensados separadamente. Podemos ainda 
nuançar e separar conceitos tornando pos­
síveis de serem ditos e expressos conteúdos 
que não tinham expressão. 
A história dos conceitos pode ser pen­
sada a partir de um procedimento metodo­
lógico que poderíamos chamar de Seleção 
(Ausgrenzung) daquilo que diz respeito a 
um conceito daquilo que não diz respeito, 
o que pode vir a ser realizado, em grande 
parte, pela análise mesma da língua. No 
caso da antítese entre Estado e Sociedade, 
realizada teoricamente, ainda que ernpiri­
camente possa ser questionada, pode ficar 
claro esse procedimento de nuançar e dife­
renciar próprio da história dos conceitos. 
Poder-se-ia aclarar esta disOlssão atra­
vés da utilização da metáfora do fotógrafo. 
Para tirar uma fotografia posso ajustar mi­
nha máquina de acordo com a distância do 
objeto a ser fotografado: a perspectiva (se 
de mais perto ou de mais longe) vai me 
obrigar a um foco diferente. Assim, tanto 
poderei proceder à análise dos conceitos a 
partir de um método que privilegiará textos 
comparáveis, quanto poderei proceder me­
todologicamente expandindo minha análi­
se ao conjunto da língua. Entre esses dois 
procedimentos haveria ainda fonuas inter­
mediárias. O objeto se mantém o mesmo, e 
o que se altera é apenas a perspectiva em 
138 I'Sruoos HlSTÓRlCOS-199:1110 
relação a ele. Esta seria minha resposta 
àqueles que atgUmentam se só seria possí­
vel a realização de alÚlises de diSCllrsos. 
Esta seria uma das possibilidades, posto 
que a história dos oonceitos pennanece uma 
metódica consistente, com suas fronteiras, 
seuS limites e vantagens, naturalmente. 
Tc.memos nosso quarto ponto, a saber, 
uma afirmação hipotética que posterior­
mente procurarei relativi2llr e que tem a 
seguinte fonnulação: todo conceito só pode 
enquanto tal ser pensado e falado/expressa­
do uma única vez. O que signi fica dizer que 
sua fonnulação teórica/abstrata relaciona­
se a uma situação concreta que é única. Essa 
tese, defendida no seio dos historiadores da 
Época Moderna, custou-me críticas fulmi­
nantes, posto que, segundo argumentavam, 
se cada conceito só pode dizer respeito a 
uma única situação específica e concreta a 
qual ele designa, tornando-a pensável e in­
teligível, como então pensar uma história 
dos conceitos, uma vez que este car.iter 
único (Eiumaliqkeit) do uso da língua inva­
lidaria a possibilidade da escrita de uma 
história enquanto diacronia. 
Vejamos por exemplo Aristóteles com a 
sua formulação do conceito de Koinonia 
politike,4 posteriormente traduzido como 
respublica ou também societas civilis. Cer­
tamente ao fonnular o conceito de Koino­
nia politike tinha Aristóteles diante de si, 
como experiência empírica, a realidade da 
polis e de sua comunidade de cidadãos.TInba, portanto, diante de si a realidade 
específica e concreta ta nto da cidade de 
Atenas quanto das outras cidades estado da 
Grécia. Foi para esses cidadãos que Aristó­
teles pensou e concebeu sua Política. Com 
a tradução do tenno para o latim como 
societas civilis, na forma em que aparece 
em Cícero, altera-se o quadro de experiên­
cias históricas que possibilitaram a Aristó­
teles a formulação do conceito deKoinonia 
politike. Mesmo que o termo possa ainda 
referirojle à cidadania romana, visto que a 
cidade de Roma m3Jltém-se no quadro po-
titico de uma cidade..",tado, a expansão do 
direito de cidadania nos séculos nem para 
as áreas do mar Mediterrâneo configura um 
quadro de dados históricos empiricamellte 
verificáveis bastante diverso daquele que 
ensejara a formulação do conceito original 
de Aristóteles. Agora o conceito de cidada­
nia, restrito à experiência histórica de uma 
única cidade, ganha IIOva conotação, pas­
sarvlo a designar cidadãos de um mundo 
baSlante ampliado. A palavra pode perma­
oecer a mesma (a tradução do conceito ),110 
entanto o conteúdo por ela designado alte­
raojlC substancialmente. O que portanto é 
uma societas civilis depende do momento 
em que o tenno é empregado, se no primei­
ro ou quarto século depois de Cristo. Isto 
significa assumir sua variação temporal, 
por isso mesmo histórica, donde seu caráter 
único (eirunalig) articulado ao momento de 
sua utilização. 
A questão irá certamente complexifi­
car-se quando pensarmos no emprego do 
mesmo termo societas civiJis em nossas 
sociedades modernas. Em sua acepção 
moderna, o emprego do conceito socie/as 
civilis é um fenômeno próprio dos rUIS do 
século xvm, quando a expressão foi tra­
duzida por bürgerliche Gesellsclzaft em 
alemão, socié/éciviJe oupolitique em fran­
cês ou ainda civil society em inglês. O caso 
inglês parece apresentar certa especificida­
de, que poderíamos abordar no debate, 
uma vez que, se do ponto de vista teórico 
marcaria uma utili2llção inovadora do ter­
mo, enquanto linguagem política traria um 
viés marcadamente conservador. 
Tornemos o exemplo alemão, por ser 
relativamente mais fácil: bargerliche Ge­
sellschaft refereojle a unidades de poder 
político (Herrscbaftseinbeiten) no interior 
das ql1ais os cidadãos de alguma forma 
exercem poder político. Qnais deles têm o 
direito ao exercício do poder político rela­
cionaojle também com a utilização do con­
ceito. Exemplificando: nas cidades econo­
micamente ricas e pujantes, eram os gran-
UMA lDSTÓRIA IX)S OONlE lOS 139 
des COII �ICiantes que poosufam o direito de 
cidadania. Eles tinham assento no Senado 
dessas cidades, participavam das corpora­
ções (Zünfte) urbanas. Ao lado desses cida­
dãos havia uma grande camada de não-ci­
dadãos urbanos. Essa situação se assemelha 
em algt·ma medida à realidade hislÓriro­
política da cidade de Atenas, habitada tanto 
por àdadãos com direitos políticos quanto 
pelos meteros e escravos, destituídos da 
cidad;mia plena. Essa ronvergência entre 
sociedade civil e organivoção do poder po­
lítico-organização esta subsumida ao con­
ceito de Estado a partir do século XVIII e 
tã()-50mente a partir daí -pressupõe uma 
artirulação entre os conceitos de cidadão e 
poder polítiro: a cidadania implicava algu­
ma forma de exercício de poder polítiro. 
Mas na forma romo nós hoje roncebemos 
o conceito de sociedade civil, desde a sepa­
ração eDsejada por Hegel entre sociedade 
civil e Estado, ou desde a utilização tomada 
clássica por Marx - autores, portanto, que 
operam a separação entre Estado e Socie­
dade -o ronceito diferencia-se de sua for­
mulação original. Na moderna acepção do 
conceito e em seu emprego há um sentido 
IlOVO que não implica necessariamente uma 
forma de poder (de exercício de poder). 
Nesse novo sentido o conceito aplica-se ao 
entendimento de uma rede de cidadãos 
(Bürger), que satisfazem livremente suas 
necessidades, se auto-organizando, que 
dispõem de um código jurídiro (Recbtsord­
nung) ou podem influenciar na constituição 
de um, capaz de garantir o funcionamento 
de um Estado sob o princípio da igualdade 
de direitos, da liberdade e do contrato entre 
as partes. Asociedade civil estaria portanto 
organizada a partirde rondiÇÔe5 rontratuais 
entre iguais, sendo as desigualdades pre­
sentes em seu seio de natureza ecollÔmica 
e não política. Há pessoas que são ricas, 
outrasquesão pobres, poosuiodo diferentes 
graus de influência. Contudo, sob o ponto 
de vista jurídico-polítiro, falando..se em 
tennos ideal-típicos, naturalmente, tem..se 
uma sociedade de iguais. O exercício do 
poder polítiro, até o séallo XVIII nasmãos 
do príncipe (Fiirst) ou da comuna (Gemein­
de), instâncias últimas do exercício desse 
poder, é transferido .0 Estado, que p •••• a 
agenciar a soberania do poder político, con­
ceituahnente, é claro. Soberano passa • ser 
o Estado, e não mais o príncipe: esta passa 
a ser • linguagem usual no séallo XIX. 
Temos assim • transferência do poder polí­
tiro da sociedade civil para o Estado, sendo 
• partir de enlão • desigualdade ecollÔmica 
localizada na snciedade civil. Vale re<saltar 
que essa desigualdade econômica presente 
na sociedade civil existe, no entanto, a partir 
da premissa de uma igualdade política. É 
nes" formulação anti-aristotélica que au­
tores como Tteilscbke,s que mesmo criti­
cando-a, ronbecem-na, compreendem o 
conceito de sociedade civil. 
Ainda uma .dvertênci. para clarearain­
da mais este problema: para que seja pos­
sível pensar-se numa sociedade econômica 
é necessário como pressuposto que o pró­
prio ronceito de economia tenha sofrido 
modificações. Até • metade do século 
XVIII o conceito de eronomia (Okono­
mie) designava/.plicav.-se .0 conbeci­
mento do governo da casa (economia do­
méstica - Hausbaltslebre) da qual se era 
senhor, quer se tratasse de um camponês, 
de um proprietário territorial, de um nobre 
ou de um citadino que poosuía sua própria 
casa. Portanto, a economia era a ciência 
( die Lebre) da economia doméstica. Esta 
concepção da economia expandiu-se ao 
longo do século XVIII, alterando seu v.lor 
designativo. Cada vez ma is o ronceito pas­
sou a ser aplicado primordialmente ao ron­
junto do território. É por isso que a partir 
de 1720 os mercantilistas puderam roll"'­
çar a pensar a operar com um conceito de 
economia que operava a transferência en-· 
Ire uma economia doméstica (empirica­
mente caracterizada pelos dependentes de 
uma casa) e uma economia de um terrilÓrio 
.. sensivelmente ampliado, pressupondo cáJ-
140 ES1UDOS IDSTÓIUCOS -1991/10 
culos econômicos mais sofisticados e uma 
preocupação orçamentária. Este foi um 
processo que começou a se desenvolver na 
primeira metade do século XVIII e que 
lnmi>u pensável um novo conceiln de eco­
nomia, o qual, posteriormente, com Adam 
Smilh, encontraria uma formulação antro­
pol()gicamente fundada e pressuporia a sa­
tisfação global da lntalidade do Logos a 
partir das necessidades de cada um. Um 
conceito em que a economia para além dos 
limites de uma forma política especifica, 
seria pensada como estando voltada para 
suprir as necessidades e aumentar a satis­
fação geral dos homens através de condi­
ções de produção adequadas à realização 
de tais objetivos. Um conceito em que a 
economia, para além do Estado, é pensada 
como dotada de au tonomia, um fenômeno 
próprio da modernidade. Vemos surgir aí 
um novo conceiln de economia. 
Quando descrevi anteriormente a alte­
ração do valor conceitual do termo socie­
dade civil, seria preciso relacioná-Ia ao 
esfacelamento da tríade aristotélica (Etica­
Oikos-Politike). A partir desse esfacela­
menln posso interpretar a política de forma 
puramente econômica, ou posso interpre­
tar a moral de forma econômica - O que, 
aliás, freqüentemente aconteceu no século 
XIX. Posso a partir daí desenvolvercrité­
rios ideológicos de crítica (Ideologie Kritik 
Kriterien) e afirmar que determinadas for­
mas de exercício da política atendem a 
interesses econômicos especificas que lhe 
são subjacentes. Estabeleço uma relação 
entre política e economia, medindo uma 
em relação a outra, atitude teoricamente 
realizável somente a partir do século 
XVIIl. Este seria um exemplo ilustrativo 
da afirmação - enquanto tese por mim 
anteriormente proposta -acerca do caráter 
único (EinmaJiqkeit) e particular que con­
figura o momenln concreln em que um 
conceito é formulado e articulado. A histó­
ria dos conceitos mostra que novos concei­
tos, articulados a conteúdos, são produzi-
dos/pensados ainda que as palavras empre­
gadas possam ser as mesmas. Este grande 
vôo, de Aristóteles ao século XVIIl, sem 
maiores referências ao que ficou no meio, 
mostra-nos que da mesma palavra um no­
vo conceito foi fOljado, e que portanln ele 
é único a partir de uma nova situação his­
tórica que não só engendra essa nova for­
mulação conceitual, como também poderá 
se lnrnar através dela inteligível. Podemos, 
radicalizando esta problemática, sugerir 
uma nova questão: os conceitos não pos­
suiriam uma história e conseguiriam tomar 
inteligível somente aquilo que se apresen­
tasse no seu caráter único e de novidade 
(Neuheit). Esta hipótese é um tanto radical, 
e gostaria de contestá-Ia imediatamente. 
No entanln, parece-me que faz sentido for­
mulá-Ia, pois a questão pode contribuir 
para o debate acerca das dificuldades de se 
escrever uma história dos conceilns. Tenho 
propostas a esse respeito formuladas no 
decorrer das últimas décadas, que implica­
riam obrigatoriamente uma outra Begriffs­
geschichte, com claros desdobramenlns de 
ordem metodológica demandando novos 
programas de pesquisa. Ainda que sem 
condições de desenvolvê-Ias, gostaria de 
apresentar essas propostas enquanto su­
gestões. 
lbmemos o caráter único da utilização 
da língua (Sprachhandlung) a partir do 
Tropos tradicional da pragmática (prag­
matik), considerando também um outro 
aspecto: o da semântica. O que é decisivo 
é que o uso pragmático da língua é sempre 
único. Eu falo uma única vez aqui e agora, 
procurando convencê-los do que penso; a 
vocés e não àqueles que não me ouvem. 
Trata-se de uma situação característica do 
uso pragmático da língua: é uma situação 
única, e neste sentido também irrepetível. 
Contudo, tudo o que eu disser só será com­
pICensível na medida em que os senhores 
conhecerem minha seffiâ ntica, pois sem o 
conhecimento prévio do significado das 
palavras que utilizo, nada será compreell-
UMA msTóRIA [X)S CONCElIOO 141 
dido. A semântica é assim imprescindível 
para a comunicação lingüística (Spra­
cbhandlung) e para o uso pragmático da 
língua. É ainda imprescindível para que se 
possa fazer política, exercer influência so­
cial, exercer poder político, fazer revolu­
ção, enfim tudo aquilo que se possa imagi­
nar como atos sociais e históricos. Todos 
esses liSOS pragmáticos articulados a uma 
língua, ou que pela língua são iniciados, 
vivem na verdade de uma semântica que é 
pré-<lxistente e nos é dada. Dificilmente 
posso pressupor que uma situação revolu­
cionária haja possibilidade de formulação 
de conceitos absolutamente novos em ter­
mos da semântica. Recentemente na Ale­
manha Oriental por exemplo, a utiüzação 
de expressões oomo "nós somos um povo" 
(Wir sind ein Volk) ou "nós somos o povo" 
(Wir sind das 'vblk) vive de uma semântica 
que pressupõe o conhecimento por cada 
um do que seja um povo. Do ponto de vista 
do uso da língua, tratava-se de um ato 
efetivamente revolucionário, posto que 
punha em xeque a legitilnidade do poder 
do partido ú,úco (SED)6 No entanto, o que 
um povo/nação deveria ser, portanto do 
ponto de vista da semântica,já estava dado; 
o que estava implícito no ato de linguagem 
era um povo soberano, e não mais a sobe­
rania do partido. A expressão pragmática 
"nós somos um povo" e seu uso político 
alteraram a situação. Portanto, o que a 
semântica indica é que ela é repetível. Tra­
ta-se de estruturas lingüísticas que se repe­
tem e cuja repetição é necessária para que 
o conteúdo seja compreensível, ainda que 
uma única vez. Eu só posso ser compreen­
dido se um mínimo de repetição da semân­
tica estiver pressuposto. E a&<im os senho­
res têm uma outra possibilidade da histó­
ria, a ser pensada não apenas de forma 
linear sucessiva. Devemos partir teorica­
mente da possibiüdade de que em cada uso 
pragmático da linguagem (Sprachpragma­
tik), que é sempre sincrônico, e relativo a 
uma situação específica, esteja contida 
também uma diacronia. Toda sincronia 
contém sempre uma diacwnia presente na 
semântica, indicando temporaüdades di­
versas que não posso alterar. E aqui situa­
se o ponto que pode sustentar núnha defesa 
de uma história dos conceitos: ela pode ser 
escrita, posto que em cada utiüzação espe­
cífica (situative Verwenduog) de um con­
ceito, estão contidas forças diacrônicas so­
bre as quais eu não tenho nenhum poder e 
que se expressam pela semântica. As mu­
danças neste campo são muito mais lentas 
do que no campo do uso pragmático da 
língua. A esse respeito os senhores podem 
encontrar exemplos no Dicionário de con­
ceiJos,1 ainda que sob este ângulo especi­
ficamente a questão não tenha sido traba­
lhada pelos autores. No último artigo do 
professor Schreiner acerca da toleríincia, 
tentamos considerar de forma mais cuida­
dosa os aspectos de longa duração da se­
mântica como dado. Este procediJnento, 
no entanto, está sujeito a enonnes dificul­
dades do ponto de vista metodológico, uma 
vez que cada fonte é única enquanto fonte 
impressa (temos apenas uma carta, um tex­
to). Tentar apreender estruturas profundas 
de continuidades, próprias da semântica, 
demandaria um procedimento analítico 
comparativo com outras fontes textuais, já 
que a partir de um texto ú,úco isto não nos 
seria possível. Tarefa hercúlea, por exem-. 
pio, a análise que buscasse desvendar a 
semântica de Wolff ou de Leibniz8 ainda 
presente ou não na filosofia kantiana, pro­
cedendo de forma criteriosa através do mé­
todo comparativo. Hegel foi o único que 
soube fau-Io. 
Bem, voltemos ao nosso tema: a diaclO­
nia está contida na sincronia. Quero trazer­
lhes um exemplo que esclareça este ponto. 
No debate poderei trazer outros. Tomemos 
o próprio conceito de história (Geschichte) 
fOljado no século xvm. Os senhores de­
vem saber que o conceito de história era até 
o século xvm um conceito plural (as his­
tórias): "as histórias nos ensinam como nos 
142 ESTIJOOS HIsTóRICOS - 1992/10 
comportar". As histórias continham sem­
pre exemplos morais para os homens. Re­
pentinamente o conceito ganha uma acep­
ção singular, que pode ser acompanhada 
nos textos. Não pude provar que esta utili­
zação singular do conceito fosse uma ati­
tude consciente dos autores. No entanto, 
após vinte anos desse uso, por volta de 
1780, há subitamente crítiOls ao uso singu­
lar do conceito de história, e a novidade 
nessa utilização no singular do conceito de 
história, possível de ser fonnulado, estava 
em que não se tratava mais de um conceito 
que se reportasse a uma clara relação su­
jeit% bjeto. "A história ensi.-1", e com esta 
nova afinoação estava claro aquilo a ela 
subjacente: a história do Papado, da Igreja, 
de moa batalha, enfim, a história de alguma 
coisa ou de alguém (portanto histórias) 
ensinava a alguém o que acontecera. 
A conseqüência lógica desta acepção 
particular do conceito de história - conce­
bida sempre no plural-vigente até o século 
XVIII era de que, ao se traL1r da história de 
um país (por exemplo da história da Ingla­
terra), subentendia-se na verdade a história 
das histórias desse país (relatos, descrições 
etc.). Thdo se transfonoa quando passo a 
falar de história simplesmentee no singular 
de uma fonDulação conceitual altamente 
abstrata e teorizada, que transfonna a his­
tória em seu próprio sujeito e também seu 
próprio objeto. E este conceito altamente 
elaborado abstratamente, em oposição à 
natureza, possui na língua alemã uma traje­
tória só aí perceptível no quadro europeu. 
Ingleses, franceses, nlssos, italianos, todos 
mantêm o tenno história (Historie), pren­
dendo.,;e portanto à idéia do relato da res­
[aetecom a separação analítica radical entre 
pe,\S3r, escrever, falar sobre aquilo que é 
feito, sobre aquilo que é pensado. O concei­
to de Geseilicilre (história), falando franca­
mente, articula tantos sentidos em si, que 
para efeitos analíticos não deveria ser utili­
zado. Pois que o conceito indica num pri­
meiro momento a soma de tooas as histórias 
• 
• 
• • posslvelS, seu campo empmco; ao mesmo 
tempo significa o relato, o pensamento, o 
falar sobre esta história, enquanto campo 
empírico. Tomou-se assim um conceito 
transcendental, articulando condições pos­
síveis da realidade no ato do pensamento. 
Procedimento hegeliano, portanto: o con­
ceito de história expressa a convergência 
entre sujeito e objeto. Hegel pensou a Ges­
eiliclrLe desta forma, posto que o conceito 
já fora assim concebido, fenômeno lingüís­
tico constatável entre 1770-1780. Neste 
sentido a filosofia transcendental alemã ar­
ticula-se a esta concepção de história, que 
no Ocidente não é assim fonDulada, ainda 
que posterionnente seja também assumida. 
Por exemplo, Napoleão sentia-se responsá­
vel frente à história, não apenas frente àque­
les que escreviam sobre a história, mas 
também frenteà história enquanto sucessão 
contúlUa de atos encadeados em direção ao 
futuro. Esta mesma postura assumiu Hitler, 
o que em ambos os casos pressupõe uma 
concepção de história como unidadé abs­
trnta que se prolonga em direção ao futuro, 
onde se torna pensável e realizável, como 
procedimento teleológico. Mas como pode 
ser alguém responsável frente à história? 
Pode-se ser responsável frente a outros ho­
mens, não frente a uma unidade abstrata 
como a história. Resumindo, o conceito foi 
fonnulado, e minha tese é de que a diaciO­
nia está contida na sincronia: quando se 
fonDulou o conceito de história como um 
coletivo transcendental singular, definiu-se 
um conceito de história, mna concepção de 
história, vigente desde mais ou menos 1780 
até hoje. Tomemos por exemplo as falas do 
chanceler alemão Helmut Kohl, com seus 
apelos à história, por cujos desdobramentos 
ele também se sente responsável - o que 
aliás não é totalmente errado se pensannos 
em temlOS da sua efetividade política, mas 
é analitica mente pouco fundado se pensar­
mos a a fiffi13ção em tennos científicos. Há 
portanto uma diaaorua a impregnar o uso 
lingüístico do conceito de história em ale-
UMA HlSTÓRlADOS (X)NCEJ lOS 143 
mio. Esse conceito pn<Sui, portanto, essa 
ambivalência de considerar como sendo 
iguais sujeito e objeto, de considerar as 
condições da história pn<Sível e da história 
coou.,. também iguais, além de manter 
sua relação com l'ma filosofia transcenden­
tal. Certau",nte a formulação do conceito 
de história é lima criação lingüística genial, 
quando se pensa no momento histórico des­
sa criação no século Xvm, molliento em 
que as condições de pen:epção das histórias 
individuais, até então percebidas isolada­
'""ote de forma relativamente fácil, tor­
nam-se cada vez mais difíceis. Isto porque 
a compreensão de fatos históricos únicos 
demanda O estabelecimento de relações 
múltiplas com outros fatos, constituindo-se 
num todo altamente agregado de partes, 
cuja intelegibilidade escapa à experiência 
individual particular. 
Tomemos o exemplo da Guena dos 7 
anos,9 uma guena cujas batalhas desenvol­
viam-se tanto no Canadá quando na índia­
uma guena com dimensões mundiais. As 
decisões políticas a serem tomadas pelo 
Estado pmssiano demandavam o controle 
sobre o desenrolar das lutas no Canadá ou 
na índia, ainda que o conhecimento desses 
desenvolvimentos não f"",e partilhado pe­
lo soldado - mosqueteiro pmssiano -dire­
tamente envolvido no cotidiano da luta. 
Certamente por trás dessa$ decisões esta­
vam interesses econômicos mundiais da 
Inglatena e da Frnnça em disputa por áreas 
coloniais. A história do sucesso e dos even· 
tos cotidianos da Guena dos 7 anos, parn 
, 
que pudesse ser trnnsmilida em sua articu­
lação com a história dos sucessos e eventos 
de outras regiões extrn..,uropéias, como o 
Canadá e a lndia, passou por um processo 
de abstrnção e agregação de elementos que 
tomou possível, pela via do conceito de 
história, em sua acepção a partir do século 
XVIII, a sua compreensão e inteligibilidade 
como fenômeno histórico. Trnta-se portan­
to de um conceito altamente sofisticado do 
ponto de vista teórico, capaz de articular 
experiências individl'sis 
abstrnta. 
tollllidade 
O quinto ponto diz respeito à seguinte 
questão, fruto da tese anteriormente for­
mulada, de que a diaCJonia está contida na 
sinCJonia; esta força diaClÔnica deve. ser 
passível de ser mensurada de alguma for­
ma, quando se pretende trabalhar empiri­
camente. Mas como fazer isso? Para a 
elaboração do Dicionário de cOIICeitolO 
concebemos três grupos de fontes e busca­
mos descrever de forma sistemática as es­
truturas tempornis desses textos, no senti­
do de apreender quando estruturas repeti­
tivas poderiam indicar forças diaClÔnicas e 
quando, por outro lado, um uso único da 
língua não deixaria pensarnuma semântica 
que se repetiria, Confesso que, do ponto de 
vista teórico, o que trago aqui para discus­
são ainda são observações preliminares, 
mas podem esclarecer problemas de méto­
do com relação ao trnbalbo empírico. 
Em primeiro lugar, existem as fontes 
pnSprias da linguagem do cotidiano, que ÍIO 
seu uso são únicas por princípio. Quando 
escrevo uma carta contendo uma informa­
ção, por exemplo "quebrei o pé", trata-se da 
informação de um ato único, que não acon­
tece todos os dias, evidentemente. Objetiva 
alcançar um único ouvinte. O m",mo pode 
ser pressuposto parn um texto político, ca­
mo por exemplo um artigo de jornal, suas 
maocbetes e editoriais, que se ligam a um 
dia e fatos espeáficos, e que, passados 
cinco dias, peroem a força que pn<Sufam no 
momento de sua publicação, posto que o 
cotidiano pode superá-los, Em relação à 
história alemã, no caso recente da unifica­
ção, isto pode ser facilmente observado e 
comprovado, demonslrnndo o caráter sin­
gular e especifico desses textos. Outros ti­
pos de fontes com o mesmo caráter seriam 
os manifestos, as petições e requerimentos, 
ligados à linguagem do cotidiano e que em 
termos de volume configurariam uma grnn­
de massa documental. Estas seriam fontes 
primárias, que do ponto de vista da sua 
144 FSlUOOS lOSTóRlCOS - 1992/10 
estrutura se articulam ao cotidiano, e cujo 
sentido primeiro é uma leitura única. 
O gênero Zeit é bastante mais interes­
sante, posto que a relação entre repetição e 
unicidade/singularidade aparece de forma 
clara, a saber: os dicionários. Tomemos os 
dicionários. Pode-se traduzir o que cada 
palavra significa. Exemplo: Staat, State, 
État, e para esta tradução poderemos en­
contrar, por suposição, quin7..e significados 
diversos. A princípio Estado (Staat) signi­
fica situação (Zustad); a situação de um ser 
humano, e de maneira alguma o Estado em 
sua acepção moderna. Antes a descrição de 
uma situação. Um outro significado seria 
o de Estado enquanto expressão de uma 
ordem, um lugar detenninado na socieda­
de, segundo a concepção de uma sociedade 
de ordens. Nesta acepção e nesle emprego 
poderíamos compreender por exemplo o 
lugar da mulher assim como as di ferentes 
fonnas de representaÇ<1o próprias a cada 
ordem específica da sociedade. E Estado 
pode significar, além disso, naFrança, a 
partir do século XVII, o que posterionnen­
te iremos' designar por Estado na A1ema-
• 
nha. Portanto, o conceito de Estado é plu-
rivalente, multifacetado no que pode de­
signar até sua especificação e limitação 
restrita ao conceito ainda de Estado. Em­
piricamente este trabalho pode ser realiza­
do através da análise dos dicionários, de 
maneira comparotiva, paro constatarquan­
do numa língua detenninada o conceito de 
Estado altero-se em relação a outro língua. 
Atrovés desta fonte pode-se consL1tar, por 
exemplo, quando na língua alemã o con­
ceito moderno de Estado supero aquele de 
Estado como ordem, tomando-se mesmo 
seu oposto. A palavro é a mesma, mas 
ganhou outro valor. O trobalho fica ainda 
mais interessante quando se tomam as en­
ciclopédias e não apenas os dicionários, 
uma vez que estas têm por finalidade a 
descrição normativa dos conteúdos. No 
caso de duas importantes enciclopédias em 
IÚlgua alelnã - Brockhaus e Mayer - po-
de-se constatar facilmente que em linhas 
gerais elas se copiam. Isto porque esta 
descrição normativa comum às duas enci­
clopédias parte do pressuposto de que os 
conteúdos a serem descritos podem ser 
compreendidos, subsumidos a um mesmo 
conceito. O leitor sente-se esclarecido so­
bre detenninado conteúdo ao ler um artigo 
de enciclopédia. No entanto, a observação 
de sucessivas edições pode mostrar nuan­
ces, pequenas alteroções, capazes de indi­
ciar redefinições de conceitos, mas ainda 
são nuances. Penoanece ainda o conjunto 
central de uma semãntica a ser preservada 
e repassada, e novas definições marginais, 
ainda que introduzindo novos sentidos pa­
ra um conceito, não representam uma que­
bra radical com o conjunto da língua dis­
pOlúvel. Isso não seria possível. Metodo­
logicamente o procedimento com este tipo 
de fonte requer uma leitura cuidadosa e 
minuciosa, capaz de, a partir das estruturas 
repetitivas próprias da semântica, medir 
inovações de sentido. Assim, pode-se atra­
vés dessas enciclopédias, medir as mudan­
ças de experiência tão logo estas tenha m 
sido fonouladas linguisticamente. Pode 
ser um procedimento metodológico cansa­
tivo, mas certamente frutífero. 
O terceiro conjunto de fontes que bus­
camos descrever diz respeito àqueles tex­
tos que permanecem inalterados no decor­
rer de suas sucessivas edições: é o caso por 
exemplo da obra de Kant, do texto bíblico, 
da obra poética, enfun aplica-se aos cha­
mados textos clássicos dos diferentes cam­
pos do saber. 
A tese principal é a de que as estruturas 
repetitivas, de acordo com o tipo específi­
co de texto, encontram-se diferentemente 
distribuídas. Este me parece ser o argu­
mento decisivo: a semântica comporta 
sempre em si estruturos de repetição, mas 
a semântica mesma, de arorda com o gê­
nero e o tipo de texto, possibilitará, impe­
dirá ou mesmo proibirá diferentes fonnas 
de repetição. 
UMA HISTÓRlADOS OONCElIOS 145 
Acredito poder tenDinar por aqui, não 
sem antes esclarecer que uma história dos 
conceitos só é possível de ser pensada sob 
a premissa teórica de que se realize uma 
separação analítica entre Spraclrausage e 
Sachanalyse quando se quer ter cJare71l 
acerca do que se fala. A separação analítica 
entre cada afirmação lingüística presente 
em todas as fontes textuais e a história 
concreta, o que deveria ser ou supostamen­
te é, deve ser obrigatoria mente reali71lda de 
forma rigorosa do ponto de vista teórico. 
Só então posso perguntaràs fontes textuais 
o que elas indiciam em relação à história 
concreta e que qualidades possuiriam para 
coproduzirem história enquanto textos. 
Para exemplificar a importãncia desta se­
paração, tomemos os textos de Marx e 
Engels que foram canoni71ldos pelos parti­
dos leninistas internacionais. E no momen­
to mesmo em que foram canonizados po­
dem estes textos alterar os fatos, ainda que 
a linguagem pennaneça a mesma. Eles têm 
que, a partir da mesma lingu.1gem, realizar 
um proced imento de acomodação da reali­
dade à mesma linguagem. O que significa 
dizer que cada nova situação está sempre 
submetida à necessidade imperiosa de sub­
sumir-se à mesma linguagem, ao mesmo 
conjunto ortodoxo de conceitos e catego­
rias. Foi uma tarefa extremamente cansa­
tiva, tanto para os mssos quanto paIa o 
comunismo da Europa Oriental. Isto por­
que as definições lingüísticas ortodoxas, 
extremamente rígidas, mostravam-se pou­
co elásticas para a interpretação do mate­
rial empírico, da novidade, de fonna a 
concebê-Ia conceitualmente. Quando sur­
giu o fascismo, não previsto nesta lingua­
gem ortodoxa, ela só poderia ser interpre­
tado enquanto estágio mais avançado do 
capitalismo. O exemplo do marxismo in­
dicativo da necessidade imperiosa dessa 
sepa rnção analítica entre apreensão lin­
güística e realidade concreta dos fatos é 
relativamente simples, posto que a admi­
nistração da linguagem estava a cargo do 
Estado que realizava de forma centralizada 
esta tarefa. O mesmo problema existe parn 
nós, que também usamos os conceitos de 
fonna ingênua, a partir de uma semântica 
que temos em nossas cabeças como um a 
priori. O mesmo problema, visível de for­
ma talvez contundente em relação ao mar­
xismo, existe portanto para todos aqueles 
que se utili71lm de uma linguagem política 
ou social e fonnulam-nas conceitualmente 
de fonna a dar conta (em tennos de com­
preensão) das experiências de vida. 
Notas 
1 . o autor rcfere·se ao trabalho do qual é 
co-editor, i niciado em 1972, e cujo título é Ges· 
clrichl/icht: GrundlxgrifTe. flu'lorisdle Le.xikon 
zur poliJisch.sozialen Spraclll! in DeulselrlaM. 
2. Liga (1488-1534), organizada por ordem 
de Frcderioo IH rom o intuito de manter a paz e 
que viria a se tomar instrumento de poder dos 
J-Iabsburgos. Por ocasião das Guerras Campone. 
sas, o exército da Liga (oi acionado contra os 
camponeses rebelados. As contradições internas 
dos membros da Liga, assi m como as sllcessivas 
Guems de Religião, terminaram {Xlr levar à sua 
desagregação. 
3. A importância ronferida pelo autor à i nves­
ligação da relação entre U nguagem/Língua e 
História expressa-se no trabalho realizado em 
co-edição Spradle und Gesdlielue (Língua e 
História). 
4. Aristóteles, Apolírica, \jvro I, t (1252 A) 
(Paris, Belles I...o.!Ures, 1968). 
5. Tcata·se do historiador alemâo Heinrich 
von Treits"hke (1834-1896). Adepto em sua ju­
ventude da Revol ução de 1848 e (errenho adver· 
sário de Bismarck, Treitschke tornou-se 
posteriormente defensor das polílicas interna e 
t:xterna bismarck.iana, sustentando na imprensa 
a unificação alemã sob a direção política do 
estado prussiano. Foi profcssor nas universida· 
des de Kiel, J-Ieidelberg e Berlim. Ao longo de 
sua vida (oi se tomando cada vez mais defensor 
de uma {XlI íl'ica conservadora em nome dos 
146 fSlUOOS msTóRlcos -1992/10 
ideais do nacionalismo alemão. Sua principal 
obra, História alemã no século XIX impregnou 
várias gerações de intelectuais alemães até 00-
mcços do século XX. 
6. Abreviação para Soz;alistische EinheiJs­
portei Deu/schumds (partido da Unidade Socia­
lista da Nemanha). fruto da união dos dois 
partidos ligados à classe operária, o SPD (parti­
do Social Democrata Nemão) e o KPD (Partido 
Comunista Alemão), DO Congresso da Unirica­
ção realizado em Berlim em 21 e 22 de abril de 
1946. Tomou-se o partido dirigente na ex-Repú­
blica Democrática Nemã (DDR). 
7. Ver nota 1. 
8. Olrislian Wolff (1679-1754), filósoro ale­
mão que desenvolveu o direito natural, acredita­
va queo ser e a nalurC7.a dos homens e das coisas 
são o ponto de partida para o oonhecimento 
radonaL Professor de matemática na Universi­
dade de Halle a partir de 1706 por reoomcndação 
de Leibniz, aí pennancceu até ser exilado para 
Marburg em 1723. Somente com a ascensão ao 
poder de Frederico n. o monarca esclarecido, 
pôde voltarà Prússia. 
• 
• 
Gonrried Wilhelm l.eibniz (1646-1716), Ii-
looofo alemão, estudou nas universidades de 
Leipzig e Jena, doutorando-se em 1667 em Alts­
dorf. A serviço de alguns principes eleitores 
dedicou-se à filosofia e ao direito e à defesa de 
um Estado racional concebido em termos deuma 
I6respublica OIristiana", 
9. A Guerra dos Sete Anos (1756-1763), foi 
uma guerra de dimensões globais. cujo Cinal 
redefiniu o sistema polítiCXJ europeu, marcando 
a definitiva ascensão da Prússia ao quadro das 
potências políticas européias. O desfecho da 
guerra selou ainda o destino da política inglesa 
no continente norte-americano, de onde a França 
se viu definitivamente alijada. e consolidou a 
supremacia maritima inglesa sobre Espanha e 
França, Como resultado da guerra houve tam­
bém um crescimento do poder político russo. 
10. Ver nola I.

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