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" A STORIADOS CONCEITOS:* problemas teóricos e práticos ReinJrarl Koselleck nasceu em Gor/ia IUJ Alemanha, em 23 tk abril tk 1923. Douwr em 1954, leve sua le'" publicada em 1959, com o título Kritik und Krise (/Iá traduções para o francês e o italiano). Seu campo de investigação diz respeito à teoria da hisLÓria e a aspectos da história moderna e contemporânea. F oi professor nas universidades tk Bocluun (1966), lIeidelberg (a parlir tk 1968) e Bie/efeld (tk 1973 até • hoje). E aulor tk Presussen zwischen Reforrn und Revolution (1967) e Vergangcne Zulrunft (1979), e co-aulor tk Das Zeitalter der europoischen Revolution (1969), Geschichte-Ereignis und Ertablung (1973), Objektivitat und Parteilichkeit in der Geschicbtswissenschaft (1977), Geschicbtliche Grundbegritfe. Historiscbc Lexikon zur politiscb-50zialen Sprache in Deutschland (tkstk 197Z),.Sprache und Gescbichte (tkr<k 1978). E aindn coliJborador da revista Gescbkhte und Gesellscbaft . Reinhart Koselleck referi nesta conferencia deixar de lado os problemas de ordem metodológi ca/prática relativos a uma história dos con ceitos, pois do contrário estaria me repetin do, já que há cerca de trinta anos venho me ocupando desta problemática. Seria cansa tiva a repetição do já conhecido. Optei pela abordagem das questões de natureza teóri ca, que certamente têm a ver com esse meu campo de investigação e de alguma forma também são fruto desse trabalho de trinta anos. Listei seis pontos que gostaria de tratar no decorrer desta palestra. O primeiro des ses pontos diz respeito ao que possa vir a ser um conceito a respeito do qual poder se-ia conceber uma história. Naturalmente não é toda palavra existente em nosso lé xico que pode se transfoffilar num conceito • Em alemão, B�,.jffs&eschjchle. Pode« compreender a Begriffsgcschichle como um projeto intelectual dn historiador Reinhart K06elleck. que se detlica há algwnas décadas i reOexáo teórioo-melOdológia acerca da história dos conoeilO6 e de sua relação com outros campos da reOexio hislÓriCl. A este respeito é bastante elucidativo seu trabalho "BegrilIsgeschichle und Sozial gesehichle" em seu livro V ergong�Zukwtft (21ed. F .. nkfurtam Ma in, S utut.a mp. 1984). Nota: Esta palestra roi transcrita, lraduz.ida e editada por Maooel Luis Salgado Guimarães. Estut/ruo Hi.n6rkos, Rio de Janeir� vot. S, n. 10, 1992, p. 134·146. UMA HISTÓRIA DOS OONCEITOS 135 e que portanto pode ter uma história. Pala vras como oh!, ah!, und (e) etc., são pala vras que não comportariam prima facie uma história do conceito (seriam desprovi- • das de sentido). E preciso estabelecer a distinção entre conceito e palavra, ainda que não me atenha à divisão dos lingüistas. De forma evidentemente simplificada, podemos admitir que cada palavra remete nos a um sentido, que por sua vez indica um conteúdo. No entanto, nem todos os sentidos atribuídos às palavras eu conside raria relevantes do ponto de vista da escrita de uma história dos conceitos. Quando do planejamento para a realização da pesquisa empírica visaudo a produção do Diciollá rio de cOllceilos, foram criteriosa mente se lecionadas as palavras cujos sentidos inte ressavam: a saber, conceitos para cuja for mulação seria necessário um certo IlÍvel de teorização e cujo entendimento é também reflexivo. Tomemos, por exemplo, as palavras Es tado (Staat), ou Revolução (Revolution), ou História (Geschichte), ou aasse (KIas se), ou Ordem (Stand), ou Sociedade (Ge sellschaft). Todas elas sugerem imediata mente associações. Essas associações pressupõem um mínimo de sentido co mum (minimal Bedeutungsgehalt), uma pré-aceiL1ção de que se trata de palavras importantes e significativas. A certa altura temos que nos intenogar acerca dos limites e fronteiras que separariam palavras em si teorizáveis, e acerca de que palavras se riam em si reflexivas. Trata·se na verdade de uma detenninação aleatória. Pode-se eventualmente, através da Begriffsgeschi chte), indicar a partir de quando um con ceito tornou-se fruto de uma teorização e quanto tempo levou para que isso aconte cesse. De fonna a melhor ilustrar o que estou entendendo por esse processo de teo rização de um conceito, gostaria de trazer um exemplo, por mim mesmo trabalhado, e que diz respeito à fonnulação do conceito possível de Bund (liga política, federaçao), para a qual um certo !trau de teoriza ção/abstração se faz necessário. Aqui é preciso distinguir o universo das línguas latinas, que possuem a forma subs tantivada para designar Bund (Confedera tio, Liga), presente nas fontes documen tais, e o espaço da língua alemã, que tem de recorrer a formas verbais para exprimir a formação dessas unidades. Nas fontes documentais de língua alemã dos séculos XID-XIV, sempre que era necessário des crever uma experiência histórica concreta de associação política ou econômica, re corria-se a fanuas verbais: uformar .uma Liga". Quando, por exemplo, os cantões suíços resolvem se unir, inexiste uma ex press.ío substantivada e ao mesmo tempo abstrata para descrever e designar esse ato concreto de realização de uma união. O mesmo se pode verificar com relação à união promovida por algumas cidades da Prússia Oriental, expressa por fonna ver bal e sempre com base em pontos concre tos e específicos em tomo dos quais são definidas e estabelecidas obrigações mú tU.1S. Não existe ainda nenhuma expressão capaz de conter de fonna sintetizada e abstrata uma teoria acerca da união políti ca. Inexiste também em tennos da expe riência histórica qualquer instituição capaz de ser pensada como referente. - Após duas gerações, já é possível cons- tatar que tais acordos verbais funciona vam, por exemplo, na Suíça, com a Liga Suábia (der Schwlibische BUltdi, ou na Holanda. Essa nova experiência histórica reflete-se na autodenominação dos suíços de "Confedcratio", também aplicável ao caso holandês. Passa a existir um referen cial histórico, um modelo de uniões possí veis. Após a experimentação por duas ge rações sucessivas da renovação de acordos verbais em tomo de pontos específicos, podia-se, numa visão retrospectiva, cons tatar que se havia estabelecido uma Liga, uma união. Tornou-se possível, portanto, a partir de cada ponto isoladamente acorda- 136 ESruDOS HlSTÓRlCOS-1992/10 do para o estabelecimento de uma li ga/aliança, pensar numa unidade maior por sobre cada um desses pontos isoladamen te. Pôde-se pensar não apenas numa Liga de cidades que, isoladamente entre si, es tabeleceriam uniões ou alianças mas tam bém na expressão "cidade da Liga" (Stiidte des Bundes). Aqui o tenno Bund ganhou em abstração e teorização, tornando-se um conceito generalizante para além das uniões e associações particulares enseja das por cada cidade isoladamente. Consti tuiu-se uma nova totalidade da qual cada cidade participa. Não se trata de uma Liga de cidades, mas de cidades de uma Liga, a qual se torna uma entidade capaz de ação histórica. A Liga Suábia era uma nova entidade política no cenário europeu, so mente viabilizada a partir desse procedi mento de abstração e agregação, e chegou a constituir-se na maior potência militar européia da época. Sem sua atuação deci siva, certamente as Guerras Camponesas de 1525 teriam conhecido desfecbo dife rente do que efetivamente tiveram. O procedimento aqui exemplificado com a construção do conceito de Liga pode na verdade ser aplicado a uma série de conceitos que são social e politicamente relevantes, como Estado ou Revolução. A história dos conceitos coloca-se como pro blemática indagar a partir de quando deter miruidos conceitos são resultado de um processo de teorização. Essa problemática é possível de ser empiricamente tratada,objetivando essa constatação, por meio do trabalho com as fontes. Um segundo ponto que eu gostaria de aholdar diz respeito à utilização/emprego de conceitos (BegriffsveJWeudung), ques tão bastante controversa no interior do de bate teórico. Defendo a hipótese de que todo conceito é sempre concomitantemen te Fato (Faktor) e Indicador (Indikator). Todo conceito é não apenas efetivo en quanto fenômeno lingüístico; ele é tam- bém imediatamente indicativo de algo que se situa para além da língua. O caso trabalhado anterionnente-como chegou a se constituir historicamente a for mulação do conceito deBund -é um exem plo clássico. No momento em que o con ceito de Liga foi formulado em termos lingüísticos, posso pensar a partir dele a realidade histórica, conceber a constituição de uma Liga política, enfim, a partir de um fato lingüístico, posso atuar sobre a realida de de forma concreta. A formulação, em termos de possibilidade, do conceito de Liga instau", por sua vez formas de com portamento e atuação, regras jurídicas e mesmo condições econômicas só possíveis de serem pensadas e efetivadas a partir da existência de um conceito como Liga. Um conceito relaciona-se sempre ilquilo que se quer compreender, sendo portanto a relação entre o conceito e o conteúdo a ser com preendido, ou tomado inteligfvel, uma re lação �riamente tensa. Dessa relação chegarei a falar mais tanIe. Isto porque considero teoricamente errônea toda postu ra que reduz a história a um fenômeno de linguagem, como se a língua viesse a se constituir na líltima instãncia da experiên cia histórica. Se assumíssemos semelhante postura, teríamos que admitir que o traba lbo do historiador se localiza no puro cam po da hennenêutica. O terceiro ponto a ser abordado nesta . conferência diz respeito aos critérios sele tivos quando se pensa na escrita de uma história dos conceitos. Com relação a este ponto, bouve críticas contundentes, como por exemplo a que aponta um pretenso desconhecimento de nossa parte acerca da análise de discursos, modismo que aliás considero extremamente rico e importante. Todo conceito articula�e a um certo contexto sobre o qual também pode ablar, tornando-o compreensível. Pode-se enten der esta formulação IDrnando-<l mais insti gante. Posso dizer que procederei com mi nha análise a partir do texto/contexto, da UMA HISTóRIA OOS OONCEI I OS 137 mesma forma como se faz em Saint Cloud, na Califórnia ou em Chicago, entendendo se texto/contexto na sua acepção mais re duzida; o parágrafo no conjunto de um texto maior. Eu mesmo fiz um teste em relação ao termo crise, indagando nos tex tos clássicos franceses armazenados em computador acerca do contexto em que o tenno surgia num dado período de tempo. Dez minutos depois a resposta vinha, e contexto significava uma frase anterior e uma frase posterior à localização do termo solicitado. Ainda que seja de utilidade esse tipo de locali7ação, ela não dispensa o re curso às bibliotecas no sentido da melhor contextualização, incapaz de ser realizada pelo computador. Um desdobramento lógi co desse procedimento exige necessaria mente a contextualização dos termos em unidades maiores, num conjunto de textos, por exemplo, como livros, panfletos ou ma nifestos' cartas, jornais etc. Por sua vez, esse texto maior, no qual o tenno se insere, articula-se a um contexto ainda mais am pliado para além do próprio texto escrito ou falado. O que significa dizer que todo con ceito está imbricado em um emaranhado de perguntas e respostas, textos/contextos. Esse procedimento metodológico nada tem de novo em relação aos tradicionais métodos histórico-filológicos de trabalho. Temos de ir adiante, avançando teorica mente um pouco na esteira do trabalho que Diderot já fizera em relação à Enciclopé dia, em que a língua francesa é posta como condição última de possibilidade para a formulação de certos conceitos. Assim, além de investigar que conceitos foram formulados na língua francesa, temos de interrogar acerca das possibilidades de for mulação conceitual efetivamente passíveis de serem deduzíveis do léxico da língua francesa. Em que medida, portanto, um certo léxico próprio à língua francesa via bilizaria ou não certas formulações concei tuais. Numa concepção um tanto estática da língua, poder-se-ia pressupor que a for- mação de palavras pode ser derivada do conjunto mais amplo de palavras à dispo sição nesta língua. Podemos assumir que a língua (Spra chhaushalt) pode ser pensada corno ele mento importante na compreensão e enten dimento do uso de certos conceitos e não de outros para a inteligibilidade de realidades históricas.3 Assim procedendo estamos construindo uma cadeia, através do conjun to da língua, que articula um conceito a outro. Através desse procedimento pode mos constatar, por exemplo, estreita articu lação dos conceitos de Estado e Sociedade, articulação hoje esquecida, posto que a par tir de Hegel esses dois conceitos foram pensados separadamente. Podemos ainda nuançar e separar conceitos tornando pos síveis de serem ditos e expressos conteúdos que não tinham expressão. A história dos conceitos pode ser pen sada a partir de um procedimento metodo lógico que poderíamos chamar de Seleção (Ausgrenzung) daquilo que diz respeito a um conceito daquilo que não diz respeito, o que pode vir a ser realizado, em grande parte, pela análise mesma da língua. No caso da antítese entre Estado e Sociedade, realizada teoricamente, ainda que ernpiri camente possa ser questionada, pode ficar claro esse procedimento de nuançar e dife renciar próprio da história dos conceitos. Poder-se-ia aclarar esta disOlssão atra vés da utilização da metáfora do fotógrafo. Para tirar uma fotografia posso ajustar mi nha máquina de acordo com a distância do objeto a ser fotografado: a perspectiva (se de mais perto ou de mais longe) vai me obrigar a um foco diferente. Assim, tanto poderei proceder à análise dos conceitos a partir de um método que privilegiará textos comparáveis, quanto poderei proceder me todologicamente expandindo minha análi se ao conjunto da língua. Entre esses dois procedimentos haveria ainda fonuas inter mediárias. O objeto se mantém o mesmo, e o que se altera é apenas a perspectiva em 138 I'Sruoos HlSTÓRlCOS-199:1110 relação a ele. Esta seria minha resposta àqueles que atgUmentam se só seria possí vel a realização de alÚlises de diSCllrsos. Esta seria uma das possibilidades, posto que a história dos oonceitos pennanece uma metódica consistente, com suas fronteiras, seuS limites e vantagens, naturalmente. Tc.memos nosso quarto ponto, a saber, uma afirmação hipotética que posterior mente procurarei relativi2llr e que tem a seguinte fonnulação: todo conceito só pode enquanto tal ser pensado e falado/expressa do uma única vez. O que signi fica dizer que sua fonnulação teórica/abstrata relaciona se a uma situação concreta que é única. Essa tese, defendida no seio dos historiadores da Época Moderna, custou-me críticas fulmi nantes, posto que, segundo argumentavam, se cada conceito só pode dizer respeito a uma única situação específica e concreta a qual ele designa, tornando-a pensável e in teligível, como então pensar uma história dos conceitos, uma vez que este car.iter único (Eiumaliqkeit) do uso da língua inva lidaria a possibilidade da escrita de uma história enquanto diacronia. Vejamos por exemplo Aristóteles com a sua formulação do conceito de Koinonia politike,4 posteriormente traduzido como respublica ou também societas civilis. Cer tamente ao fonnular o conceito de Koino nia politike tinha Aristóteles diante de si, como experiência empírica, a realidade da polis e de sua comunidade de cidadãos.TInba, portanto, diante de si a realidade específica e concreta ta nto da cidade de Atenas quanto das outras cidades estado da Grécia. Foi para esses cidadãos que Aristó teles pensou e concebeu sua Política. Com a tradução do tenno para o latim como societas civilis, na forma em que aparece em Cícero, altera-se o quadro de experiên cias históricas que possibilitaram a Aristó teles a formulação do conceito deKoinonia politike. Mesmo que o termo possa ainda referirojle à cidadania romana, visto que a cidade de Roma m3Jltém-se no quadro po- titico de uma cidade..",tado, a expansão do direito de cidadania nos séculos nem para as áreas do mar Mediterrâneo configura um quadro de dados históricos empiricamellte verificáveis bastante diverso daquele que ensejara a formulação do conceito original de Aristóteles. Agora o conceito de cidada nia, restrito à experiência histórica de uma única cidade, ganha IIOva conotação, pas sarvlo a designar cidadãos de um mundo baSlante ampliado. A palavra pode perma oecer a mesma (a tradução do conceito ),110 entanto o conteúdo por ela designado alte raojlC substancialmente. O que portanto é uma societas civilis depende do momento em que o tenno é empregado, se no primei ro ou quarto século depois de Cristo. Isto significa assumir sua variação temporal, por isso mesmo histórica, donde seu caráter único (eirunalig) articulado ao momento de sua utilização. A questão irá certamente complexifi car-se quando pensarmos no emprego do mesmo termo societas civiJis em nossas sociedades modernas. Em sua acepção moderna, o emprego do conceito socie/as civilis é um fenômeno próprio dos rUIS do século xvm, quando a expressão foi tra duzida por bürgerliche Gesellsclzaft em alemão, socié/éciviJe oupolitique em fran cês ou ainda civil society em inglês. O caso inglês parece apresentar certa especificida de, que poderíamos abordar no debate, uma vez que, se do ponto de vista teórico marcaria uma utili2llção inovadora do ter mo, enquanto linguagem política traria um viés marcadamente conservador. Tornemos o exemplo alemão, por ser relativamente mais fácil: bargerliche Ge sellschaft refereojle a unidades de poder político (Herrscbaftseinbeiten) no interior das ql1ais os cidadãos de alguma forma exercem poder político. Qnais deles têm o direito ao exercício do poder político rela cionaojle também com a utilização do con ceito. Exemplificando: nas cidades econo micamente ricas e pujantes, eram os gran- UMA lDSTÓRIA IX)S OONlE lOS 139 des COII �ICiantes que poosufam o direito de cidadania. Eles tinham assento no Senado dessas cidades, participavam das corpora ções (Zünfte) urbanas. Ao lado desses cida dãos havia uma grande camada de não-ci dadãos urbanos. Essa situação se assemelha em algt·ma medida à realidade hislÓriro política da cidade de Atenas, habitada tanto por àdadãos com direitos políticos quanto pelos meteros e escravos, destituídos da cidad;mia plena. Essa ronvergência entre sociedade civil e organivoção do poder po lítico-organização esta subsumida ao con ceito de Estado a partir do século XVIII e tã()-50mente a partir daí -pressupõe uma artirulação entre os conceitos de cidadão e poder polítiro: a cidadania implicava algu ma forma de exercício de poder polítiro. Mas na forma romo nós hoje roncebemos o conceito de sociedade civil, desde a sepa ração eDsejada por Hegel entre sociedade civil e Estado, ou desde a utilização tomada clássica por Marx - autores, portanto, que operam a separação entre Estado e Socie dade -o ronceito diferencia-se de sua for mulação original. Na moderna acepção do conceito e em seu emprego há um sentido IlOVO que não implica necessariamente uma forma de poder (de exercício de poder). Nesse novo sentido o conceito aplica-se ao entendimento de uma rede de cidadãos (Bürger), que satisfazem livremente suas necessidades, se auto-organizando, que dispõem de um código jurídiro (Recbtsord nung) ou podem influenciar na constituição de um, capaz de garantir o funcionamento de um Estado sob o princípio da igualdade de direitos, da liberdade e do contrato entre as partes. Asociedade civil estaria portanto organizada a partirde rondiÇÔe5 rontratuais entre iguais, sendo as desigualdades pre sentes em seu seio de natureza ecollÔmica e não política. Há pessoas que são ricas, outrasquesão pobres, poosuiodo diferentes graus de influência. Contudo, sob o ponto de vista jurídico-polítiro, falando..se em tennos ideal-típicos, naturalmente, tem..se uma sociedade de iguais. O exercício do poder polítiro, até o séallo XVIII nasmãos do príncipe (Fiirst) ou da comuna (Gemein de), instâncias últimas do exercício desse poder, é transferido .0 Estado, que p •••• a agenciar a soberania do poder político, con ceituahnente, é claro. Soberano passa • ser o Estado, e não mais o príncipe: esta passa a ser • linguagem usual no séallo XIX. Temos assim • transferência do poder polí tiro da sociedade civil para o Estado, sendo • partir de enlão • desigualdade ecollÔmica localizada na snciedade civil. Vale re<saltar que essa desigualdade econômica presente na sociedade civil existe, no entanto, a partir da premissa de uma igualdade política. É nes" formulação anti-aristotélica que au tores como Tteilscbke,s que mesmo criti cando-a, ronbecem-na, compreendem o conceito de sociedade civil. Ainda uma .dvertênci. para clarearain da mais este problema: para que seja pos sível pensar-se numa sociedade econômica é necessário como pressuposto que o pró prio ronceito de economia tenha sofrido modificações. Até • metade do século XVIII o conceito de eronomia (Okono mie) designava/.plicav.-se .0 conbeci mento do governo da casa (economia do méstica - Hausbaltslebre) da qual se era senhor, quer se tratasse de um camponês, de um proprietário territorial, de um nobre ou de um citadino que poosuía sua própria casa. Portanto, a economia era a ciência ( die Lebre) da economia doméstica. Esta concepção da economia expandiu-se ao longo do século XVIII, alterando seu v.lor designativo. Cada vez ma is o ronceito pas sou a ser aplicado primordialmente ao ron junto do território. É por isso que a partir de 1720 os mercantilistas puderam roll"' çar a pensar a operar com um conceito de economia que operava a transferência en-· Ire uma economia doméstica (empirica mente caracterizada pelos dependentes de uma casa) e uma economia de um terrilÓrio .. sensivelmente ampliado, pressupondo cáJ- 140 ES1UDOS IDSTÓIUCOS -1991/10 culos econômicos mais sofisticados e uma preocupação orçamentária. Este foi um processo que começou a se desenvolver na primeira metade do século XVIII e que lnmi>u pensável um novo conceiln de eco nomia, o qual, posteriormente, com Adam Smilh, encontraria uma formulação antro pol()gicamente fundada e pressuporia a sa tisfação global da lntalidade do Logos a partir das necessidades de cada um. Um conceito em que a economia para além dos limites de uma forma política especifica, seria pensada como estando voltada para suprir as necessidades e aumentar a satis fação geral dos homens através de condi ções de produção adequadas à realização de tais objetivos. Um conceito em que a economia, para além do Estado, é pensada como dotada de au tonomia, um fenômeno próprio da modernidade. Vemos surgir aí um novo conceiln de economia. Quando descrevi anteriormente a alte ração do valor conceitual do termo socie dade civil, seria preciso relacioná-Ia ao esfacelamento da tríade aristotélica (Etica Oikos-Politike). A partir desse esfacela menln posso interpretar a política de forma puramente econômica, ou posso interpre tar a moral de forma econômica - O que, aliás, freqüentemente aconteceu no século XIX. Posso a partir daí desenvolvercrité rios ideológicos de crítica (Ideologie Kritik Kriterien) e afirmar que determinadas for mas de exercício da política atendem a interesses econômicos especificas que lhe são subjacentes. Estabeleço uma relação entre política e economia, medindo uma em relação a outra, atitude teoricamente realizável somente a partir do século XVIIl. Este seria um exemplo ilustrativo da afirmação - enquanto tese por mim anteriormente proposta -acerca do caráter único (EinmaJiqkeit) e particular que con figura o momenln concreln em que um conceito é formulado e articulado. A histó ria dos conceitos mostra que novos concei tos, articulados a conteúdos, são produzi- dos/pensados ainda que as palavras empre gadas possam ser as mesmas. Este grande vôo, de Aristóteles ao século XVIIl, sem maiores referências ao que ficou no meio, mostra-nos que da mesma palavra um no vo conceito foi fOljado, e que portanln ele é único a partir de uma nova situação his tórica que não só engendra essa nova for mulação conceitual, como também poderá se lnrnar através dela inteligível. Podemos, radicalizando esta problemática, sugerir uma nova questão: os conceitos não pos suiriam uma história e conseguiriam tomar inteligível somente aquilo que se apresen tasse no seu caráter único e de novidade (Neuheit). Esta hipótese é um tanto radical, e gostaria de contestá-Ia imediatamente. No entanln, parece-me que faz sentido for mulá-Ia, pois a questão pode contribuir para o debate acerca das dificuldades de se escrever uma história dos conceilns. Tenho propostas a esse respeito formuladas no decorrer das últimas décadas, que implica riam obrigatoriamente uma outra Begriffs geschichte, com claros desdobramenlns de ordem metodológica demandando novos programas de pesquisa. Ainda que sem condições de desenvolvê-Ias, gostaria de apresentar essas propostas enquanto su gestões. lbmemos o caráter único da utilização da língua (Sprachhandlung) a partir do Tropos tradicional da pragmática (prag matik), considerando também um outro aspecto: o da semântica. O que é decisivo é que o uso pragmático da língua é sempre único. Eu falo uma única vez aqui e agora, procurando convencê-los do que penso; a vocés e não àqueles que não me ouvem. Trata-se de uma situação característica do uso pragmático da língua: é uma situação única, e neste sentido também irrepetível. Contudo, tudo o que eu disser só será com pICensível na medida em que os senhores conhecerem minha seffiâ ntica, pois sem o conhecimento prévio do significado das palavras que utilizo, nada será compreell- UMA msTóRIA [X)S CONCElIOO 141 dido. A semântica é assim imprescindível para a comunicação lingüística (Spra cbhandlung) e para o uso pragmático da língua. É ainda imprescindível para que se possa fazer política, exercer influência so cial, exercer poder político, fazer revolu ção, enfim tudo aquilo que se possa imagi nar como atos sociais e históricos. Todos esses liSOS pragmáticos articulados a uma língua, ou que pela língua são iniciados, vivem na verdade de uma semântica que é pré-<lxistente e nos é dada. Dificilmente posso pressupor que uma situação revolu cionária haja possibilidade de formulação de conceitos absolutamente novos em ter mos da semântica. Recentemente na Ale manha Oriental por exemplo, a utiüzação de expressões oomo "nós somos um povo" (Wir sind ein Volk) ou "nós somos o povo" (Wir sind das 'vblk) vive de uma semântica que pressupõe o conhecimento por cada um do que seja um povo. Do ponto de vista do uso da língua, tratava-se de um ato efetivamente revolucionário, posto que punha em xeque a legitilnidade do poder do partido ú,úco (SED)6 No entanto, o que um povo/nação deveria ser, portanto do ponto de vista da semântica,já estava dado; o que estava implícito no ato de linguagem era um povo soberano, e não mais a sobe rania do partido. A expressão pragmática "nós somos um povo" e seu uso político alteraram a situação. Portanto, o que a semântica indica é que ela é repetível. Tra ta-se de estruturas lingüísticas que se repe tem e cuja repetição é necessária para que o conteúdo seja compreensível, ainda que uma única vez. Eu só posso ser compreen dido se um mínimo de repetição da semân tica estiver pressuposto. E a&<im os senho res têm uma outra possibilidade da histó ria, a ser pensada não apenas de forma linear sucessiva. Devemos partir teorica mente da possibiüdade de que em cada uso pragmático da linguagem (Sprachpragma tik), que é sempre sincrônico, e relativo a uma situação específica, esteja contida também uma diacronia. Toda sincronia contém sempre uma diacwnia presente na semântica, indicando temporaüdades di versas que não posso alterar. E aqui situa se o ponto que pode sustentar núnha defesa de uma história dos conceitos: ela pode ser escrita, posto que em cada utiüzação espe cífica (situative Verwenduog) de um con ceito, estão contidas forças diacrônicas so bre as quais eu não tenho nenhum poder e que se expressam pela semântica. As mu danças neste campo são muito mais lentas do que no campo do uso pragmático da língua. A esse respeito os senhores podem encontrar exemplos no Dicionário de con ceiJos,1 ainda que sob este ângulo especi ficamente a questão não tenha sido traba lhada pelos autores. No último artigo do professor Schreiner acerca da toleríincia, tentamos considerar de forma mais cuida dosa os aspectos de longa duração da se mântica como dado. Este procediJnento, no entanto, está sujeito a enonnes dificul dades do ponto de vista metodológico, uma vez que cada fonte é única enquanto fonte impressa (temos apenas uma carta, um tex to). Tentar apreender estruturas profundas de continuidades, próprias da semântica, demandaria um procedimento analítico comparativo com outras fontes textuais, já que a partir de um texto ú,úco isto não nos seria possível. Tarefa hercúlea, por exem-. pio, a análise que buscasse desvendar a semântica de Wolff ou de Leibniz8 ainda presente ou não na filosofia kantiana, pro cedendo de forma criteriosa através do mé todo comparativo. Hegel foi o único que soube fau-Io. Bem, voltemos ao nosso tema: a diaclO nia está contida na sincronia. Quero trazer lhes um exemplo que esclareça este ponto. No debate poderei trazer outros. Tomemos o próprio conceito de história (Geschichte) fOljado no século xvm. Os senhores de vem saber que o conceito de história era até o século xvm um conceito plural (as his tórias): "as histórias nos ensinam como nos 142 ESTIJOOS HIsTóRICOS - 1992/10 comportar". As histórias continham sem pre exemplos morais para os homens. Re pentinamente o conceito ganha uma acep ção singular, que pode ser acompanhada nos textos. Não pude provar que esta utili zação singular do conceito fosse uma ati tude consciente dos autores. No entanto, após vinte anos desse uso, por volta de 1780, há subitamente crítiOls ao uso singu lar do conceito de história, e a novidade nessa utilização no singular do conceito de história, possível de ser fonnulado, estava em que não se tratava mais de um conceito que se reportasse a uma clara relação su jeit% bjeto. "A história ensi.-1", e com esta nova afinoação estava claro aquilo a ela subjacente: a história do Papado, da Igreja, de moa batalha, enfim, a história de alguma coisa ou de alguém (portanto histórias) ensinava a alguém o que acontecera. A conseqüência lógica desta acepção particular do conceito de história - conce bida sempre no plural-vigente até o século XVIII era de que, ao se traL1r da história de um país (por exemplo da história da Ingla terra), subentendia-se na verdade a história das histórias desse país (relatos, descrições etc.). Thdo se transfonoa quando passo a falar de história simplesmentee no singular de uma fonDulação conceitual altamente abstrata e teorizada, que transfonna a his tória em seu próprio sujeito e também seu próprio objeto. E este conceito altamente elaborado abstratamente, em oposição à natureza, possui na língua alemã uma traje tória só aí perceptível no quadro europeu. Ingleses, franceses, nlssos, italianos, todos mantêm o tenno história (Historie), pren dendo.,;e portanto à idéia do relato da res [aetecom a separação analítica radical entre pe,\S3r, escrever, falar sobre aquilo que é feito, sobre aquilo que é pensado. O concei to de Geseilicilre (história), falando franca mente, articula tantos sentidos em si, que para efeitos analíticos não deveria ser utili zado. Pois que o conceito indica num pri meiro momento a soma de tooas as histórias • • • • posslvelS, seu campo empmco; ao mesmo tempo significa o relato, o pensamento, o falar sobre esta história, enquanto campo empírico. Tomou-se assim um conceito transcendental, articulando condições pos síveis da realidade no ato do pensamento. Procedimento hegeliano, portanto: o con ceito de história expressa a convergência entre sujeito e objeto. Hegel pensou a Ges eiliclrLe desta forma, posto que o conceito já fora assim concebido, fenômeno lingüís tico constatável entre 1770-1780. Neste sentido a filosofia transcendental alemã ar ticula-se a esta concepção de história, que no Ocidente não é assim fonDulada, ainda que posterionnente seja também assumida. Por exemplo, Napoleão sentia-se responsá vel frente à história, não apenas frente àque les que escreviam sobre a história, mas também frenteà história enquanto sucessão contúlUa de atos encadeados em direção ao futuro. Esta mesma postura assumiu Hitler, o que em ambos os casos pressupõe uma concepção de história como unidadé abs trnta que se prolonga em direção ao futuro, onde se torna pensável e realizável, como procedimento teleológico. Mas como pode ser alguém responsável frente à história? Pode-se ser responsável frente a outros ho mens, não frente a uma unidade abstrata como a história. Resumindo, o conceito foi fonnulado, e minha tese é de que a diaciO nia está contida na sincronia: quando se fonDulou o conceito de história como um coletivo transcendental singular, definiu-se um conceito de história, mna concepção de história, vigente desde mais ou menos 1780 até hoje. Tomemos por exemplo as falas do chanceler alemão Helmut Kohl, com seus apelos à história, por cujos desdobramentos ele também se sente responsável - o que aliás não é totalmente errado se pensannos em temlOS da sua efetividade política, mas é analitica mente pouco fundado se pensar mos a a fiffi13ção em tennos científicos. Há portanto uma diaaorua a impregnar o uso lingüístico do conceito de história em ale- UMA HlSTÓRlADOS (X)NCEJ lOS 143 mio. Esse conceito pn<Sui, portanto, essa ambivalência de considerar como sendo iguais sujeito e objeto, de considerar as condições da história pn<Sível e da história coou.,. também iguais, além de manter sua relação com l'ma filosofia transcenden tal. Certau",nte a formulação do conceito de história é lima criação lingüística genial, quando se pensa no momento histórico des sa criação no século Xvm, molliento em que as condições de pen:epção das histórias individuais, até então percebidas isolada '""ote de forma relativamente fácil, tor nam-se cada vez mais difíceis. Isto porque a compreensão de fatos históricos únicos demanda O estabelecimento de relações múltiplas com outros fatos, constituindo-se num todo altamente agregado de partes, cuja intelegibilidade escapa à experiência individual particular. Tomemos o exemplo da Guena dos 7 anos,9 uma guena cujas batalhas desenvol viam-se tanto no Canadá quando na índia uma guena com dimensões mundiais. As decisões políticas a serem tomadas pelo Estado pmssiano demandavam o controle sobre o desenrolar das lutas no Canadá ou na índia, ainda que o conhecimento desses desenvolvimentos não f"",e partilhado pe lo soldado - mosqueteiro pmssiano -dire tamente envolvido no cotidiano da luta. Certamente por trás dessa$ decisões esta vam interesses econômicos mundiais da Inglatena e da Frnnça em disputa por áreas coloniais. A história do sucesso e dos even· tos cotidianos da Guena dos 7 anos, parn , que pudesse ser trnnsmilida em sua articu lação com a história dos sucessos e eventos de outras regiões extrn..,uropéias, como o Canadá e a lndia, passou por um processo de abstrnção e agregação de elementos que tomou possível, pela via do conceito de história, em sua acepção a partir do século XVIII, a sua compreensão e inteligibilidade como fenômeno histórico. Trnta-se portan to de um conceito altamente sofisticado do ponto de vista teórico, capaz de articular experiências individl'sis abstrnta. tollllidade O quinto ponto diz respeito à seguinte questão, fruto da tese anteriormente for mulada, de que a diaCJonia está contida na sinCJonia; esta força diaClÔnica deve. ser passível de ser mensurada de alguma for ma, quando se pretende trabalhar empiri camente. Mas como fazer isso? Para a elaboração do Dicionário de cOIICeitolO concebemos três grupos de fontes e busca mos descrever de forma sistemática as es truturas tempornis desses textos, no senti do de apreender quando estruturas repeti tivas poderiam indicar forças diaClÔnicas e quando, por outro lado, um uso único da língua não deixaria pensarnuma semântica que se repetiria, Confesso que, do ponto de vista teórico, o que trago aqui para discus são ainda são observações preliminares, mas podem esclarecer problemas de méto do com relação ao trnbalbo empírico. Em primeiro lugar, existem as fontes pnSprias da linguagem do cotidiano, que ÍIO seu uso são únicas por princípio. Quando escrevo uma carta contendo uma informa ção, por exemplo "quebrei o pé", trata-se da informação de um ato único, que não acon tece todos os dias, evidentemente. Objetiva alcançar um único ouvinte. O m",mo pode ser pressuposto parn um texto político, ca mo por exemplo um artigo de jornal, suas maocbetes e editoriais, que se ligam a um dia e fatos espeáficos, e que, passados cinco dias, peroem a força que pn<Sufam no momento de sua publicação, posto que o cotidiano pode superá-los, Em relação à história alemã, no caso recente da unifica ção, isto pode ser facilmente observado e comprovado, demonslrnndo o caráter sin gular e especifico desses textos. Outros ti pos de fontes com o mesmo caráter seriam os manifestos, as petições e requerimentos, ligados à linguagem do cotidiano e que em termos de volume configurariam uma grnn de massa documental. Estas seriam fontes primárias, que do ponto de vista da sua 144 FSlUOOS lOSTóRlCOS - 1992/10 estrutura se articulam ao cotidiano, e cujo sentido primeiro é uma leitura única. O gênero Zeit é bastante mais interes sante, posto que a relação entre repetição e unicidade/singularidade aparece de forma clara, a saber: os dicionários. Tomemos os dicionários. Pode-se traduzir o que cada palavra significa. Exemplo: Staat, State, État, e para esta tradução poderemos en contrar, por suposição, quin7..e significados diversos. A princípio Estado (Staat) signi fica situação (Zustad); a situação de um ser humano, e de maneira alguma o Estado em sua acepção moderna. Antes a descrição de uma situação. Um outro significado seria o de Estado enquanto expressão de uma ordem, um lugar detenninado na socieda de, segundo a concepção de uma sociedade de ordens. Nesta acepção e nesle emprego poderíamos compreender por exemplo o lugar da mulher assim como as di ferentes fonnas de representaÇ<1o próprias a cada ordem específica da sociedade. E Estado pode significar, além disso, naFrança, a partir do século XVII, o que posterionnen te iremos' designar por Estado na A1ema- • nha. Portanto, o conceito de Estado é plu- rivalente, multifacetado no que pode de signar até sua especificação e limitação restrita ao conceito ainda de Estado. Em piricamente este trabalho pode ser realiza do através da análise dos dicionários, de maneira comparotiva, paro constatarquan do numa língua detenninada o conceito de Estado altero-se em relação a outro língua. Atrovés desta fonte pode-se consL1tar, por exemplo, quando na língua alemã o con ceito moderno de Estado supero aquele de Estado como ordem, tomando-se mesmo seu oposto. A palavro é a mesma, mas ganhou outro valor. O trobalho fica ainda mais interessante quando se tomam as en ciclopédias e não apenas os dicionários, uma vez que estas têm por finalidade a descrição normativa dos conteúdos. No caso de duas importantes enciclopédias em IÚlgua alelnã - Brockhaus e Mayer - po- de-se constatar facilmente que em linhas gerais elas se copiam. Isto porque esta descrição normativa comum às duas enci clopédias parte do pressuposto de que os conteúdos a serem descritos podem ser compreendidos, subsumidos a um mesmo conceito. O leitor sente-se esclarecido so bre detenninado conteúdo ao ler um artigo de enciclopédia. No entanto, a observação de sucessivas edições pode mostrar nuan ces, pequenas alteroções, capazes de indi ciar redefinições de conceitos, mas ainda são nuances. Penoanece ainda o conjunto central de uma semãntica a ser preservada e repassada, e novas definições marginais, ainda que introduzindo novos sentidos pa ra um conceito, não representam uma que bra radical com o conjunto da língua dis pOlúvel. Isso não seria possível. Metodo logicamente o procedimento com este tipo de fonte requer uma leitura cuidadosa e minuciosa, capaz de, a partir das estruturas repetitivas próprias da semântica, medir inovações de sentido. Assim, pode-se atra vés dessas enciclopédias, medir as mudan ças de experiência tão logo estas tenha m sido fonouladas linguisticamente. Pode ser um procedimento metodológico cansa tivo, mas certamente frutífero. O terceiro conjunto de fontes que bus camos descrever diz respeito àqueles tex tos que permanecem inalterados no decor rer de suas sucessivas edições: é o caso por exemplo da obra de Kant, do texto bíblico, da obra poética, enfun aplica-se aos cha mados textos clássicos dos diferentes cam pos do saber. A tese principal é a de que as estruturas repetitivas, de acordo com o tipo específi co de texto, encontram-se diferentemente distribuídas. Este me parece ser o argu mento decisivo: a semântica comporta sempre em si estruturos de repetição, mas a semântica mesma, de arorda com o gê nero e o tipo de texto, possibilitará, impe dirá ou mesmo proibirá diferentes fonnas de repetição. UMA HISTÓRlADOS OONCElIOS 145 Acredito poder tenDinar por aqui, não sem antes esclarecer que uma história dos conceitos só é possível de ser pensada sob a premissa teórica de que se realize uma separação analítica entre Spraclrausage e Sachanalyse quando se quer ter cJare71l acerca do que se fala. A separação analítica entre cada afirmação lingüística presente em todas as fontes textuais e a história concreta, o que deveria ser ou supostamen te é, deve ser obrigatoria mente reali71lda de forma rigorosa do ponto de vista teórico. Só então posso perguntaràs fontes textuais o que elas indiciam em relação à história concreta e que qualidades possuiriam para coproduzirem história enquanto textos. Para exemplificar a importãncia desta se paração, tomemos os textos de Marx e Engels que foram canoni71ldos pelos parti dos leninistas internacionais. E no momen to mesmo em que foram canonizados po dem estes textos alterar os fatos, ainda que a linguagem pennaneça a mesma. Eles têm que, a partir da mesma lingu.1gem, realizar um proced imento de acomodação da reali dade à mesma linguagem. O que significa dizer que cada nova situação está sempre submetida à necessidade imperiosa de sub sumir-se à mesma linguagem, ao mesmo conjunto ortodoxo de conceitos e catego rias. Foi uma tarefa extremamente cansa tiva, tanto para os mssos quanto paIa o comunismo da Europa Oriental. Isto por que as definições lingüísticas ortodoxas, extremamente rígidas, mostravam-se pou co elásticas para a interpretação do mate rial empírico, da novidade, de fonna a concebê-Ia conceitualmente. Quando sur giu o fascismo, não previsto nesta lingua gem ortodoxa, ela só poderia ser interpre tado enquanto estágio mais avançado do capitalismo. O exemplo do marxismo in dicativo da necessidade imperiosa dessa sepa rnção analítica entre apreensão lin güística e realidade concreta dos fatos é relativamente simples, posto que a admi nistração da linguagem estava a cargo do Estado que realizava de forma centralizada esta tarefa. O mesmo problema existe parn nós, que também usamos os conceitos de fonna ingênua, a partir de uma semântica que temos em nossas cabeças como um a priori. O mesmo problema, visível de for ma talvez contundente em relação ao mar xismo, existe portanto para todos aqueles que se utili71lm de uma linguagem política ou social e fonnulam-nas conceitualmente de fonna a dar conta (em tennos de com preensão) das experiências de vida. Notas 1 . o autor rcfere·se ao trabalho do qual é co-editor, i niciado em 1972, e cujo título é Ges· clrichl/icht: GrundlxgrifTe. flu'lorisdle Le.xikon zur poliJisch.sozialen Spraclll! in DeulselrlaM. 2. Liga (1488-1534), organizada por ordem de Frcderioo IH rom o intuito de manter a paz e que viria a se tomar instrumento de poder dos J-Iabsburgos. Por ocasião das Guerras Campone. sas, o exército da Liga (oi acionado contra os camponeses rebelados. As contradições internas dos membros da Liga, assi m como as sllcessivas Guems de Religião, terminaram {Xlr levar à sua desagregação. 3. A importância ronferida pelo autor à i nves ligação da relação entre U nguagem/Língua e História expressa-se no trabalho realizado em co-edição Spradle und Gesdlielue (Língua e História). 4. Aristóteles, Apolírica, \jvro I, t (1252 A) (Paris, Belles I...o.!Ures, 1968). 5. Tcata·se do historiador alemâo Heinrich von Treits"hke (1834-1896). Adepto em sua ju ventude da Revol ução de 1848 e (errenho adver· sário de Bismarck, Treitschke tornou-se posteriormente defensor das polílicas interna e t:xterna bismarck.iana, sustentando na imprensa a unificação alemã sob a direção política do estado prussiano. Foi profcssor nas universida· des de Kiel, J-Ieidelberg e Berlim. Ao longo de sua vida (oi se tomando cada vez mais defensor de uma {XlI íl'ica conservadora em nome dos 146 fSlUOOS msTóRlcos -1992/10 ideais do nacionalismo alemão. Sua principal obra, História alemã no século XIX impregnou várias gerações de intelectuais alemães até 00- mcços do século XX. 6. Abreviação para Soz;alistische EinheiJs portei Deu/schumds (partido da Unidade Socia lista da Nemanha). fruto da união dos dois partidos ligados à classe operária, o SPD (parti do Social Democrata Nemão) e o KPD (Partido Comunista Alemão), DO Congresso da Unirica ção realizado em Berlim em 21 e 22 de abril de 1946. Tomou-se o partido dirigente na ex-Repú blica Democrática Nemã (DDR). 7. Ver nota 1. 8. Olrislian Wolff (1679-1754), filósoro ale mão que desenvolveu o direito natural, acredita va queo ser e a nalurC7.a dos homens e das coisas são o ponto de partida para o oonhecimento radonaL Professor de matemática na Universi dade de Halle a partir de 1706 por reoomcndação de Leibniz, aí pennancceu até ser exilado para Marburg em 1723. Somente com a ascensão ao poder de Frederico n. o monarca esclarecido, pôde voltarà Prússia. • • Gonrried Wilhelm l.eibniz (1646-1716), Ii- looofo alemão, estudou nas universidades de Leipzig e Jena, doutorando-se em 1667 em Alts dorf. A serviço de alguns principes eleitores dedicou-se à filosofia e ao direito e à defesa de um Estado racional concebido em termos deuma I6respublica OIristiana", 9. A Guerra dos Sete Anos (1756-1763), foi uma guerra de dimensões globais. cujo Cinal redefiniu o sistema polítiCXJ europeu, marcando a definitiva ascensão da Prússia ao quadro das potências políticas européias. O desfecho da guerra selou ainda o destino da política inglesa no continente norte-americano, de onde a França se viu definitivamente alijada. e consolidou a supremacia maritima inglesa sobre Espanha e França, Como resultado da guerra houve tam bém um crescimento do poder político russo. 10. Ver nola I.
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