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Sociedade brasileira
A formação da sociedade brasileira
O estudo sobre a sociedade brasileira possibilita que façamos referências à produção de autores brasileiros, esses, em algum momento de sua trajetória intelectual, foram influenciados por elementos da teoria social moderna.
Começamos abordando a formação da sociedade brasileira, tal tema remete aos principais grupos sociais que possibilitaram a formação do povo brasileiro. Desta forma, sabemos que somos resultado de um processo de miscigenação decorrente de três principais grupos sociais: o índio, o europeu e o negro.
Cada um desses principais grupos contribuiu na formação da sociedade brasileira, todos foram e são importantes até os dias de hoje. No entanto, o homem europeu foi responsável pela concretização do processo de colonização. A colonização corresponde ao primeiro momento do processo de civilização da sociedade brasileira. Rumo à evolução e ao desenvolvimento ele é indispensável para uma sociedade organizada, considerando as características o projeto da modernidade. 
Portanto, é importante pensarmos que o tema da formação social diz respeito ao povo que somos, mas abarca também as esferas da vida social, econômica, política e cultural, indicando como somos ou como agimos. Ao falarmos de uma dessas esferas podemos falar das outras também porque todas essas esferas compõem o tecido social, ou seja, a nossa sociedade como um todo, pois desempenhamos vários papéis na vida social e essa acontece, existe, funciona em uma espécie de fusão de todas as esferas que a compõe. Os fenômenos da sociedade podem ser entendidos a partir de várias perspectivas de análise, permitindo a interpretação e compreensão da vida em sociedade.
O modelo de organização considerado para a efetivação da nossa civilização foi o europeu, grupo dominante no momento de formação e desenvolvimento das civilizações, ou seja, da modernidade. A concepção de uma sociedade organizada pelo modo capitalista de produção, pela prevalência da ideologia liberal do ponto de vista europeu era condição para todas as outras sociedades. Tal concepção justifica os vários conflitos gerados na história da humanidade, inclusive justificou a continuidade do processo de colonização. 
Segundo Sodré (1981), o Brasil teve seu desenvolvimento nos moldes de uma “civilização transplantada”, os modelos construídos pela sociedade européia foram inseridos na nossa sociedade em formação sem qualquer adequação, sem considerar as nossas características ou nossas particularidades.
O resultado desse processo corresponde ao fato da sociedade brasileira geralmente tentar resolver algo que é interno com exemplos ou práticas que deram certo em outros países, o que acontece com bastante frequência na política, vários programas sociais que temos aqui deram certo em algum lugar, mas várias vezes não alcançam sucesso em nossa sociedade, isso acontece porque as realidades são diferentes. 
Podemos ter ideias baseadas em outras ideias, mas é importante adequá-las para nossa realidade social e de alguma forma a história da sociedade brasileira indica que os modelos do grupo dominante foram colocados em nossa realidade e os grupos que já estavam aqui, a sociedade em formação se ajustou ao que foi transplantado, trazido de fora para dentro. 
Por exemplo, a conseqüência da descoberta do Brasil correspondeu à sua incorporação ao mercado econômico mundial. Assim, na economia mundial o Brasil colônia passou a ter um papel, a desempenhar uma função, seu principal papel foi o de objeto. Afinal, no processo produtivo uma colônia apenas poderia proporcionar o objeto, seja a matéria prima necessária para incrementar o processo produtivo, seja a implementação de uma industrialização aos moldes e à exigência dos países mais desenvolvidos. A condição exposta aqui indica o lugar da sociedade brasileira no processo de produção capitalista, iniciado com a colonização e de alguma forma presente até os dias de hoje. 
A produção transplantada e o consequente processo de industrialização montado aqui em “grande escala” foi necessário para atender “exigências externas” do processo produtivo e do mercado de consumo. Nesta perspectiva, o Brasil se formou em relação de submissão ao continente europeu. É verdade que tal submissão durante o século XX foi transferida aos Estados Unidos e agora está ligada hoje ao grupo dos países mais desenvolvidos (SODRÉ, 1981, p.05).
A sociedade e o processo produtivo em formação requereram um aparelho estatal constituído no Brasil colônia como rudimentar porque suas funções decorriam das exigências da metrópole. A ordem pública, caracterizada pelo exercício do Estado nacional ou brasileiro, submeteu-se à “ordem privada da classe dominante pouco numerosa” que se constituía aqui em decorrência do processo produtivo (SODRÉ, 1981, p.07).
A estreita relação entre a ordem privada, aquela referida à vida particular e a ordem pública necessária para regular a vida em sociedade que caracteriza o Brasil, configurou-se com deficiências presentes desde a formação da sociedade brasileira. Na verdade, tais deficiências não podem ser consideradas “brasileiras”, mas sim “coloniais”; sendo, portanto, “comuns ao tipo de colônia de que o Brasil foi exemplo, em que a fase histórica se inicia pela transplantação cultural” (SODRÉ, 1981, p.18).
A pequena burguesia que surge no Brasil colônia desempenha papel relevante, “tanto do ponto de vista político como do ponto de vista cultural. Quanto ao primeiro, responde pela transplantação, aqui, de reivindicações e postulações que constituem o núcleo da ideologia burguesa em ascensão”. Quanto ao segundo, expressa a “transplantação de valores estéticos oriundos do avanço da burguesia no Ocidente europeu”. Assim, podemos entender que 
O esquema estabelecido em tal época, marcando enorme “distância social” entre classe dominante e classe dominada, fundara-se na propriedade da terra e em sua exploração agrícola [...] à nascente burguesia, que avança devagar e manobra em retirada sempre que depara condições de luta mais exigentes. As transformações assinalam a crescente complexidade social que decorre do crescimento da riqueza e da amplitude que o poder político deve assumir (SODRÉ, 1981, p.24/47).
Portanto, a riqueza da burguesia brasileira se concentrou na posse da terra e na sua exploração, em função disso esse grupo dominante, aos poucos, ocupou o poder político na sociedade brasileira, influenciando a desigualdade social, separando classe dominante brasileira e classe dominada. O crescimento em número da pequena burguesia brasileira levava a mesma a buscar “formas de participação política” questionando “verdades aceitas”, 
A pressão dessa camada inquieta das áreas urbanas responde o latifúndio escravista com a tendência descentralizadora, visando permitir às oligarquias o controle das províncias [...] Para funcionar conscientemente, como válvula das inquietações circunstanciais, e inconscientemente, como desaguadouro de inquietações e de artificial mas, necessária divisão do trabalho, crescia o funcionalismo, absorvendo parcelas da pequena burguesia (SODRÉ, 1981, p.48).
A sociedade brasileira se formava entre a exploração do campo e a expansão das cidades urbanas, para organizar a vida social no cenário urbano o funcionalismo público se ampliava, empregando representantes do grupo dominante. A consequência disso se reflete na confusão entre a ordem privada e a ordem pública, pois aconteceu no Brasil a privatização daquilo que é público.
Os espaços públicos, os recursos públicos foram historicamente apropriados pelo grupo dominante, em busca de privilégios ou na tentativa de manter-se no poder político e como grupo dominante econômico.
Desta forma, a formação da República no Brasil passa a denotar “novas necessidades políticas”, limitando a “participação das oligarquias no poder”, ou seja, o grupo dominante econômico presente se manteve no domínio político, ampliando a participação da burguesia nas instituições políticas. Para tal ampliação “era precisodar realidade ao liberalismo constitucional. E a burguesia só poderia operar essa conquista política se conseguisse apoio na pequena burguesia e na classe trabalhadora (do campo e da cidade), mantendo em relação a esta, entretanto, extrema vigilância” (SODRÉ, 1981, p. 55/56).
A sociedade brasileira passa então a ser regulada pelo estatuto legal, uma das características da sociedade moderna. A constituição da lei no Brasil permitiu a preservação da burguesia brasileira no poder, bem como a criação de mecanismos de controle sob a denominada classe média e trabalhadora. Além disto, no Brasil tal aspecto estimulou o distanciamento entre realidade social e legislação.
O projeto de modernidade no Brasil
Uma das características da vida social brasileira é a desigualdade social, fator que remete à principal contradição da sociedade capitalista. As contradições geradas na esfera socioeconômica da vida social alcançaram aos poucos a esfera política e cultural. 
Já sabemos que a sociedade moderna pressupõe o desenvolvimento econômico associado ao modo capitalista de produção, à valorização dos princípios de igualdade e liberdade previstos pela ideologia liberal, esses princípios vão se confirmar ou se efetivar nas leis que regulam, orientam a vida em sociedade. Nesse contexto, a noção de igualdade se afirma pelo reconhecimento da noção de cidadania aos indivíduos de uma sociedade.
As esferas social, econômica e política da sociedade brasileira encontram raízes no contexto rural e, em decorrência disso se desenvolveu aqui o aspecto conservador de nossa sociedade. Os reflexos dessa formação alcançaram o desenvolvimento urbano-industrial da nossa sociedade e as relações conservadoras e de poder constituídas no contexto rural alcançaram o contexto urbano brasileiro. 
A noção de família patriarcal presente na formação da sociedade brasileira simboliza o conservadorismo que permeia as relações sociais desde a fase de nossa formação. Ela representa o estreito vínculo entre a esfera da vida privada e a esfera da vida pública. Tal característica dificultou em nossa sociedade a formação de um Estado orientado pelos princípios da modernidade com a restrição do exercício da cidadania. Assim, o Estado nasce 
da transgressão da ordem doméstica e familiar [...] o simples indivíduo se faz cidadão, contribuinte, eleitor, elegível, recrutável e responsável, ante as leis da Cidade [...] processo pelo qual a lei geral suplanta a lei particular faz-se acompanhar de crises mais ou menos graves e prolongadas, que podem afetar profundamente a estrutura da sociedade [...] onde quer que prospere e assente em bases muito sólidas a ideia de família – e principalmente onde predomina a família do tipo patriarcal – tende a ser precária e a lutar contra fortes restrições a formação e evolução da sociedade segundo conceitos atuais. A crise de adaptação dos indivíduos ao mecanismo social é, assim, especialmente sensível no nosso tempo devido ao decisivo triunfo de certas virtudes antifamiliares por excelência, como o são, sem dúvida, aquelas que repousam no espírito de iniciativa pessoal e na concorrência entre os cidadãos (Holanda, 1995, p.141-145). 
A vontade particular da burguesia brasileira prevaleceu na formação de nossa sociedade, tal prevalência se deu em espaços fechados à participação ou circulação do grupo dominante, dificultando uma ordem social baseada na impessoalidade e caracterizando que as questões públicas que envolviam o Brasil eram muitas vezes decididas nesses ambientes fechados. 
È importante pensarmos que modernidade se assenta sob a concepção das relações sociais firmadas pela impessoalidade, envolvendo o princípio de liberdade, o próprio exercício da cidadania. Na vida em sociedade ambos se realizam pela efetivação da lei, pois nós fazemos uma espécie de pacto, de acordo para viver em sociedade, em alguns momentos temos nossa liberdade restrita, mas em outros momentos a colocamos em prática para fazermos nossas escolhas. 
O grupo dominante presente na formação social brasileira adequou as regras sociais de modo a valorizar as relações pessoais, de favor, de compadrio, de troca. Não por acaso somos conhecidos como o povo que costumeiramente e habilmente dribla a lei em benefício próprio, para nós parece mais fácil usarmos nossa criatividade, nossas relações, nossos conhecimentos ao invés de respeitar as regras sociais, tal aspecto está presente em nossa sociedade e revela uma sociedade arraigada no conservadorismo que constituíram as relações sociais desde a formação colonial. 
Figura 1: www.obeabadosertao.com.br
A família patriarcal é exemplo desse conservadorismo, pois a composição familiar, para Holanda corresponde aos “contatos primários”. Assim, “as relações que se criam na vida doméstica sempre forneceram o modelo obrigatório de qualquer composição social entre nós” (Holanda, 1995, p.146).
O resultado do predomínio desses valores tradicionais na ordem social vincula-se a redefinições e adaptações precárias ou deformadas de seus modelos presentes nas instituições jurídicas e políticas, que deveriam expressar a ordem legal democrática, mas ao contrário, converteram-se em instrumentos burocráticos da dominação patrimonialista no nível estamental, em aproximação à construção dos tipos ideais elaborados por Max Weber.
Vale lembrar que burguês e burguesia correspondem a entidades que no Brasil aparecem “tardiamente, segundo um curso marcadamente distinto do que foi seguido na evolução da Europa, mas dentro de tendências que prefiguram funções e destinos sociais análogos tanto para o tipo de personalidade quanto para o tipo de formação social” (Fernandes, 2006, p.34/87).
A burguesia européia se formou na base da sociedade feudal, acumulou capital em decorrência das transações mercantis e reivindicou seu reconhecimento econômico e político, sua mobilização estimulou a transformação social que ocorria no século XVIII.
A burguesia brasileira acumulou riqueza, sobretudo, através da posse da terra, da exploração de matérias primas. A pequena burguesia ascendeu como classe intermediária no Brasil em função das profissões liberais e do funcionalismo público constituído ainda no Brasil colônia. As ações do grupo dominante brasileiro se direcionavam na perspectiva da regulação da ordem social, incluindo sua manutenção no poder. 
No processo de modernização da sociedade brasileira o poder público viabilizou o enriquecimento privado, sendo que o governo se configurou em instrumento do desenvolvimento econômico, favorecendo a manutenção de uma burguesia dependente da ação do Estado e, portanto das iniciativas públicas, a administração pública era ocupada em várias circunstâncias para garantir a realização dos negócios particulares.
Nesse sentido, a efetivação do liberalismo não ocorreu na formação social brasileira, pois a negação da autoridade e a valorização do tratamento familiar aos governantes indicam que os direitos elaborados pela lei brasileira refletiram tanto os direitos como os privilégios da classe dominante. Em decorrência disto, os movimentos com propósitos reformadores se constituíram “quase sempre de cima para baixo”, caracterizado por inspiração intelectual e sentimental, as “conquistas liberais” feitas “durante o decurso de nossa evolução política vieram quase de surpresa; a grande massa do povo recebeu-as com displicência, ou hostilidade” (Holanda, 1995, p.160-161).
A prevalência da ideologia liberal na sociedade brasileira influenciou a construção da nossa democracia, uma das promessas da modernidade, o que reforça a ideia da nossa burguesia se caracterizar pelo forte conservadorismo, entendido como resquício do processo de colonização. Segundo Holanda, a democracia no Brasil pode ser considerada como um “lamentável mal-entendido”:
Na verdade, a ideologia impessoal do liberalismo democrático jamais se naturalizou entre nós. Só assimilamos efetivamente esses princípios até onde coincidiram com a negação pura e simples de uma autoridade incômoda, confirmando nosso instintivo horroràs hierarquias e permitindo tratar com familiaridade os governantes [...] Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de acomodá-la, onde fosse possível, aos seus direitos ou privilégios, os mesmos privilégios que tinham sido, no Velho Mundo, o alvo da luta da burguesia contra os aristocratas (HOLANDA, 1995, p.160).
Veja abaixo a figura do quadro pintado por Tarsila do Amaral. Preste atenção na composição familiar, na expressão das pessoas, elas apresentam uma certa tristeza, parecem ter uma vida simples. A imagem desta figura parece contrária à imagem da figura 2 que remete à uma família patriarcal, muito extensa e o grupo parece estar festejando algo. 
Figura 2: sociologiaisba.blogspot.com
Portanto, economia e política se desenvolveram de forma dissociada, a modernização brasileira se concretizou conforme as necessidades de afirmação e legitimação do poder de seu grupo dirigente (Fernandes, 2006, p.404). 
Podemos considerar como exemplo um polêmico personagem da história brasileira: Visconde de Mauá. Ele era uma pessoa de espírito empreendedor, buscou implementar no Brasil projetos inovadores como construção de ferrovia, criação de Banco e de linhas de investimento geralmente em parceria com grupo investidor inglês. Suas iniciativas foram mal interpretadas pela burguesia brasileira e vários empecilhos apareciam no caminho de Mauá. Para entender melhor o exemplo sugerido, assistam o filme Mauá, o Imperador e o Rei (1999).
Modernidade e cultura brasileira
O conteúdo anterior possibilitou a reflexão acerca da composição de nossa sociedade, essas características identificadas, de algum modo, ainda estão presentes em nossa sociedade, é fato que existem vários movimentos para a superação delas. No entanto, é importante pensarmos que junto da organização social têm as ações das pessoas de uma sociedade, sua história, hábitos, crenças, valores, comportamentos, preferências.
Enfim, esses aspectos revelam a cultura de um povo. Existem muitas definições de cultura, nós aqui vamos considerar a definição que Octávio Ianni - um dos sociólogos brasileiro – utiliza. 
A cultura corresponde ao modo de pensar, agir e sentir de um povo, tal definição sugere que a cultura se manifesta racionalmente e emocionalmente, está presente em cada um de nós e, ao mesmo tempo no grupo. Podemos afirmar que a cultura é resultado de uma produção coletiva, de um grupo e individualmente nós a assimilamos, pela identidade cultural nós reconhecemos membros de um determinado grupo. No caso da cultura brasileira existe a diversidade, vários elementos que se distinguem de região para região, de cidade para cidade, mas existem também elementos e comportamentos que possibilitam configurar o ser brasileiro.
O propósito de nossa aula é discutir e mapear alguns desses elementos extensivos à sociedade brasileira. Vale ressaltar que a cultura está sempre em movimento, ou seja, se muda o modo de agir, pensar e sentir de um grupo ou povo, algum elemento constituinte da cultura também muda. 
Para Sodré a transplantação ocorrida no momento de formação da nossa sociedade fez surgir “naturalmente uma cultura também transplantada”. Portanto, a cultura ou a sociedade brasileira submeteu-se a um processo de “descaracterização nacional”, tendo colocado como alternativa a necessidade do surgimento das condições para que se “empreenda a defesa da cultura nacional, de seus valores, de suas características, dentro da conjugação entre o universal, o geral e o particular”, sem excluir a “receptividade ao que outras culturas nacionais elaboraram de válido, ao que pertence ao homem, no mais alto sentido” (SODRÉ, 1981, p.136).
A valorização de uma cultura nacional se complementa com a dimensão da universalidade, da liberdade, da autonomia do homem. Desta forma, se faz a relação entre o que é universal, geral e particular de um povo e da humanidade. O caso brasileiro se configura como algo peculiar, para Sodré é apenas uma decorrência do processo de colonização.
Desse modo, nas diferentes culturas o “processo pelo qual a lei geral suplanta a lei particular faz-se acompanhar de crises mais ou menos graves e prolongadas, que podem afetar profundamente a estrutura da sociedade”. Esse processo gera a afirmação de uma identidade não valorizada e repercute nas relações sociais uma espécie de crise (HOLANDA, 1995, p.141/142).
Vocês já perceberam que em nossa sociedade as crises são sucessivas, elas estão presentes em toda a esfera política, na esfera econômica e na esfera social como um todo, configurando-se como desigualdade social. 
Prado Júnior, outro autor brasileiro que buscou entender nossa formação, relacionou a revolução burguesa européia com a revolução brasileira, essa se associa ao desenvolvimento urbano do século XX e sua origem está no contexto rural. Daí a concepção de que o desenvolvimento capitalista brasileiro tem raízes em uma economia agrária, a fase feudal precedente ao capitalismo, portanto, encontra-se presente na vida social brasileira. 
Além disso, o autor considera que no Brasil se constituiu uma “nacionalidade cujas raízes se situam no próprio complexo cultural que daria origem mais tarde, ao imperialismo” – uma situação de domínio econômico e político geralmente de um país para outro, ou seja, 
o processo da colonização brasileira de que resultariam o nosso país e suas instituições econômicas, sociais e políticas, tem sua origem nessa mesma civilização e cultura ocidentais que seriam o berço do capitalismo e do imperialismo [...] no Brasil essa penetração foi como que resultante natural da evolução de um sistema econômico em que o nosso país já se achava enquadrado. O imperialismo não é senão o sistema internacional do capitalismo mercantil dentro do qual e por influxo do qual o Brasil e todos os seus elementos constitutivos se plasmaram e evoluíram (Prado Junior, 2004, p.81).
A cultura brasileira é também expressão das relações de dominação constituídas internacionalmente, indicam o lugar da sociedade brasileira no mercado mundial, mas adentram nossa sociedade, influenciando nossos gostos, tendemos a valorizar aquilo que vem de fora seja alguma produção material, seja algum comportamento ou até características físicas. Afinal, temos como referência o ideal de nação evoluída, desenvolvida, sobretudo economicamente. Na tentativa de conquistarmos mais espaço no mercado mundial orientamos o nosso desenvolvimento, refletindo em nossa cultura, ou seja, naquilo que somos coletivamente.
É importante retomar a dimensão da diversidade cultural que caracteriza também a sociedade brasileira, ela pode ser verificada nas diferenciadas manifestações da nossa sociedade. Tais manifestações estão presentes entre as pessoas simples, derivando a expressão cultura popular e estão presentes entre as pessoas como mais conhecimento ou poder aquisitivo, definindo-se, nessa circunstância como cultura erudita.
Para Ianni, a cultura é capaz de ligar passado e presente, corresponde a um complexo de modos de vida e de visões de mundo, envolvendo manifestações de variadas formas. Contudo, a cultura apresenta 
especificidades, sistemas significativos, conjuntos que articulam passado e presente, construções ideais, representações românticas, realistas, naturalistas, parnasianas, modernistas e outras [...] todas as expressões culturais criam-se e recriam-se no jogo das relações sociais [...] A cultura tem vida com a vida da sociedade [...] são várias as determinações históricas, sociais e outras que entram e saem na construção de valores, padrões, ideais, modos de ser, visões de mundo” [...] o que parece ser “uma cultura brasileira” é um complexo de modos de viver e trabalhar, sentir e agir, pensar e falar que não se organizam em algo único, homogêneo, integrado, transparente (Ianni, 1992 p.143-147).
A modernização da sociedade brasileira corresponde a um “caleidoscópio de muitas épocas, formas de vida e trabalho, modos de ser e pensar”, nas culturas presentes na vida social brasileira, insere-se o “modo de ser urbano, burguês,moderno da cultura brasileira, dominante, oficial” (Ianni, 1992, p.61).
Desse debate de concepções acerca da relação entre modernidade e cultura no Brasil, podemos considerar a prevalência da cultura oficial diante das múltiplas manifestações culturais de nossa sociedade, isso acontece porque as ideias dominantes na sociedade se afirmam e confirmam pela cultura, pois somos socializados através desse complexo de relações, produções e valores. Conforme afirmou Marx, as ideias do grupo dominante são as ideias dominantes na sociedade. 
A interpretação de Florestan Fernandes à sociedade brasileira
Florestan Fernandes (1920-1995) foi um importante sociólogo brasileiro, precursor da sociologia crítica brasileira, suas produções enfocaram a condição indígena, do negro, de classe, educação, folclore, cultura e as possibilidades de transformação social no Brasil.
Sua teoria sociológica parte da história brasileira propondo uma conexão entre nosso passado, presente e futuro. Portanto, o autor relaciona realidade social e o movimento de nossa história, dialogando com autores clássicos do pensamento sociológico, além de autores do pensamento social brasileiro; sua produção revela uma tendência marxista. 
Aqui destacamos aspectos centrais acerca da sua reflexão sobre a formação da burguesia no Brasil, nossa organização sociopolítica e o próprio modo capitalista de produção. Discussão contida na obra: A Revolução Burguesa, uma aproximação das relações de dominação da burguesia brasileira com os tipos ideais de dominação elaborados por Weber.
Figura 3: cacamufs.blogspot.com
Partindo do traço conservador presente na formação social brasileira, Fernandes entende que burguês e burguesia se configuram como entidades que no Brasil aparecem tarde em comparação às revoluções burguesas ocorridas no continente europeu no momento da formação da sociedade moderna. No entanto, no contexto brasileiro, a constituição dessas duas entidades corresponde a funções e destinos sociais equivalentes ao tipo de personalidade e ao tipo de formação que demandou a realidade social brasileira.
A sociedade brasileira se formou dentro de “condições histórico-sociais” submersas em valores tradicionais. Desse modo, a ordem social ficou sujeita a redefinições e adaptações precárias ou deformadas dos modelos, como o exemplo das “instituições jurídicas e políticas, que deveriam moldar uma ordem legal democrática, mas se converteram, basicamente, em instrumentos da burocratização da dominação patrimonialista no nível estamental” (Fernandes, 2006, p.87).
A democracia é um dos aspectos constitutivos da modernidade, nossa formação foi adequada e fortemente configurada pela burocratização das instituições jurídicas e políticas a fim de sustentar a dominação baseada no patriarcalismo, conforme já afirmamos anteriormente.
O Estado nacional em formação se configurava de um lado em, “veículo para a burocratização da dominação patrimonialista e para a realização concomitante da dominação estamental no plano político”, organizado para servir aos “propósitos econômicos, aos interesses sociais e aos desígnios políticos dos estamentos senhoriais”. Por outro lado, para garantia dos “direitos fundamentais do “cidadão”, agência formal da organização da ordem social, tratava-se de um estado nacional liberal e, nesse sentido, “democrático” e “moderno”” (Fernandes, 2006, p.90). 
A revolução burguesa no Brasil se efetiva a partir da contradição entre os elementos conservadores e modernos. Do ponto de vista conservador estava a urgência e necessidade de organizar um conjunto de regras e instituições sociais capazes de afirmar o tipo patrimonialista que vai acontecer pelo desenvolvimento da burocracia. Em contrapartida, a modernidade se garante pelos direitos fundamentais, pelo exercício da cidadania condição para a efetivação do estado liberal. Assim, a
revolução burguesa denota um conjunto de transformações econômicas, tecnológicas, sociais, psicoculturais e políticas que só se realizam quando o desenvolvimento capitalista atinge o clímax de sua evolução industrial [...] A situação brasileira do fim do Império e do começo da República, por exemplo, contém somente os germes desse poder e dessa dominação [...] inaugurava, ainda sob a hegemonia da oligarquia, uma recomposição das estruturas do poder, pela qual se configurariam, historicamente, o poder burguês e a dominação burguesa. Essa recomposição marca o início da modernidade, no Brasil (Fernandes, 2006, p.239).
Na direção de realizar a modernidade brasileira, durante as primeiras décadas do século XX a democracia burguesa formada na sociedade brasileira correspondia a uma ““democracia restrita”, aberta e funcional” voltada apenas aos que tinham acesso à dominação burguesa”. Desta forma, a dominação burguesa se constitui “como conexão histórica não da “revolução nacional democrática”, mas do capitalismo dependente e do tipo de transformação capitalista que ele supõe”. A continuidade da dominação burguesa se associa à expansão do capitalismo e pela restrição do espaço político a burguesia brasileira concilia a sua “existência e florescimento com a continuidade e expansão do capitalismo dependente” (Fernandes, 2006, p. 249-251).
O fortalecimento do capitalismo no Brasil requer da nossa burguesia uma forte orientação democrática nacionalista, percorrendo o ideal de revolução nos moldes franceses, a revolução burguesa brasileira se configura mais como uma revolução institucional. 
Em decorrência de todo esse processo, o projeto de modernização brasileiro colocou em “segundo plano os requisitos igualitários, democráticos e cívico-humanitários da ordem social competitiva”, impedindo a conciliação concreta entre “democracia, capitalismo e auto-determinacão” (FERNANDES, 2006, p.298).
O resultado disso foi uma “dissociação acentuada entre desenvolvimento econômico e desenvolvimento político”, permitindo na vida social brasileira a existência de um alto padrão capitalista dissociado da “clássica democracia burguesa”. De modo que o Estado nacional era organizado através de uma “versão tecnocrática da democracia restrita, ou seja, nas instituições jurídicas e políticas prevalecia o desenvolvimento das técnicas, do formato da lei, da habilidade profissional (FERNANDES, 2006, p.313/ 340). 
Vocês já se deram conta que no Brasil há um distanciamento entre a elaboração da lei - que muitas vezes é bastante avançada - e sua aplicação, configurando-se em um distanciamento entre instituições políticas, exercício do poder e o cidadão. Podemos justificar esse aspecto de nossa sociedade em relação ao ponto de vista de Fernandes.
O conjunto de leis e instituições jurídicas e políticas da sociedade brasileira refletem tanto uma tradição de democracia restrita como uma orientação modernizadora de governo forte. O Estado de Direito se concretizou como condição para a legitimidade e manutenção do poder da burguesia e elite brasileira, mas a eficácia das instituições e regras democráticas aconteceu historicamente por “critérios extrajudiciários e extrapolíticos” (Fernandes, 2006, p.404). 
Fernandes reconhecia e valorizava a importância da consolidação democrática tanto que de sociólogo se envolveu na vida política e como parlamentar participou do processo de elaboração da Constituição Federal de 1988, em vigor na nossa sociedade até hoje, apesar de suas várias demandas, ou seja, atualizações e complementos relacionados aos seus artigos que indicam nossos direitos e deveres.
Para saber mais sobre Fernandes acesse o site: www.direitos.org.br e busque o artigo: Quem foi Florestan Fernandes? 
Ianni e o modo pensar, agir e sentir brasileiro
Octávio Ianni (1926-2004), um dos principais representantes da sociologia brasileira, também foi responsável pela formulação da sociologia crítica brasileira, estudou as relações raciais, Estado e planejamento, a questão do conhecimento, examinou vários acontecimentos da realidade social brasileira e latinoamericana entre eles, a questão social e o processo de globalização.Ao lado desses temas, estudou as características constitutivas do Brasil Moderno enfatizando nossas origens históricas, em relação à questão social, aos aspectos socioeconômicos que mantêm o país na condição de desenvolvimento. Tais fatores revelam a simetria entre a noção de cultura e os princípios democráticos.
Figura 4: cienciassociaisnarede.blogspot.com
Afinal, para Ianni “a questão da cultura” remete ao debate entre a sociedade civil e o Estado nacional, envolvendo as diversidades e os antagonismos que se manifestam nas práticas dos diversos grupos sociais e das “classes sociais agrárias e urbanas”. As mobilizações ou manifestações sociopolíticas sejam de movimentos sociais ou partidos políticos indicam “aspectos fundamentais da realidade nacional, inclusive sua dimensão cultural” (IANNI, 1992 p.147).
Princípios democráticos e cultura se fundem, pois a organização do poder em torno da estrutura da sociedade revela os valores, o modo de pensar, agir e sentir de um povo. Além disto, a efetivação da democracia envolve as condições culturais de uma sociedade.
A democracia somente se torna efetiva se compreende também as condições culturais. Os valores e padrões culturais, os modos de viver e pensar, as condições materiais e intelectuais de vida e trabalho têm muito a ver com as condições de organização do poder político e econômico, em todos os lugares [...] A liberdade indispensável à democracia política é também um valor cultural. Funda-se na cultura ou valores, ideais e princípios inseridos nas relações, processos e estruturas que constituem a sociedade (1992 p.155/156).
O Brasil se moderniza, para o autor, no início do século XX como efeito do crescimento da indústria seja no campo, seja na cidade. Vale destacar que o desenvolvimento da indústria no campo foi necessário para respaldar o processo de urbanização identificado nas grandes cidades brasileiras. 
 [...] a idéia de Brasil Moderno freqüentemente tem algo de caricatura. Primeiro, caricatura resultante da imitação apressada de outras realidades ou configurações históricas, freqüentemente implicadas em idéias, conceitos, explicações, teorias. Segundo caricatura tornada ainda mais grotesca porque superpõe conceitos e temas a realidades nacionais múltiplas, antigas e recentes, nas quais se mesclam os “ciclos” e as épocas da história brasileira, como em um insólito caleidoscópio de realidades e imitações (1992 p.46).
A sociedade brasileira se moderniza, então, como um “caleidoscópio de muitas épocas, formas de vida e trabalho, modos de ser e pensar”, na vida social do país há uma mescla de várias culturas, elas “subsistem e impregnam o modo de ser urbano, burguês, moderno da cultura brasileira, dominante, oficial” (IANNI, 1992, p.61).
A partir da figura do caleidoscópio podemos aproximar cultura, princípios democráticos e questão social, afinal se a realidade social brasileira abarca vários modos de ser; apresentando-se pelo modo de ser do caipira, do nordestino, dos moradores da periferia, dos morros, do mangue, entre tantos outros modos de ser, prevalece o modo de ser do contexto urbano onde a cultura do grupo dominante brasileiro se afirma, acentuando nosso quadro de desigualdade social. Uma vez que o reconhecimento de igualdade na lei não resolve as várias demandas do povo brasileiro geradas pela contradição da sociedade e também pelas diferenças culturais presentes em nossa sociedade.
O governo apresenta o Estado como aparelho e intérprete da sociedade como um todo, o representante da nação, a vontade geral. Toda constituição burguesa, mesmo sob ditadura militar, estabelece que todos são iguais perante a lei, sem distinções de classe, credo, sexo, raça. Mas o povo sabe que as desigualdades sociais, políticas e econômicas, culturais, raciais, religiosas, entre os sexos e outras atuam abertamente (IANNI, 1992, p.144).
O Estado brasileiro formula as leis que regem nossa sociedade e nosso governo administra as instituições de poder, mas essa organização política não resolve ou diminui os efeitos da questão social na nossa sociedade. Nesse quadro, a não efetivação dos princípios democráticos na ordem social brasileira se constitui como problema central. Nesse sentido, o Brasil moderno resulta da revolução da burguesia brasileira,
Uma revolução que alcançou sucesso no que diz respeito à economia, ao desenvolvimento do capital, da acumulação [...] Mas pouco avançou a revolução burguesa em termos políticos e culturais, se pensamos a partir da perspectiva de operários, camponeses e outros setores populares. As conquistas democráticas, em forma política e cultural, são limitadas [...] se interrompem processos democráticos, nos quais operários [...] lutam para conquistar direitos, abrir espaços políticos e culturais (1992, p.151).
Ianni atribui à mobilização e participação popular como relevante para todo o debate da afirmação e consolidação dos princípios democráticos. O povo é capaz de colocar a “questão da democracia para os diferentes setores sociais e a sociedade como um todo”, isso acontece através das manifestações e lutas populares que reforçam o papel ativo do “povo na luta pela democracia” (IANNI,1992, p.156).
Portanto, Ianni compartilha da tese de que a modernidade brasileira não se concretizou plenamente em função do nosso lugar no cenário econômico mundial e da afirmação do modo de ser urbano burguês que não alcança toda a diversidade do modo de ser dos trabalhadores brasileiros. A cultura brasileira se aproxima da questão social esse processo de desigualdade gerado na nossa sociedade reflete na efetivação dos princípios democráticos, de modo que a luta do diferente modo de ser, do trabalhador corresponde à luta por direitos. 
A condição de dependência da sociedade Brasileira.
O debate sobre a dependência social, econômica e até política dos países latinoamericanos ganhou espaço nas ciências sociais durantes as décadas de 1960 e 1970. No Brasil o principal sociólogo a discutir sobre a teoria da dependência foi Fernando Henrique Cardoso (1928), Presidente da República no período de 1995 a 2002. Fala-se em teoria da dependência; no entanto, trata-se de um debate teórico que envolve noções de sociologia, política e economia política sobre a relação entre os diferentes países no processo produtivo mundial. 
O que isso significa? Significa que no modo capitalista de produção, como já abordamos anteriormente, os países ocupam papéis diferenciados, esses se refletem na condição socioeconômica de cada país.
Nesse sentido, o debate acerca da dependência aborda as características econômicas e sociais dos países latinoamericanos com ênfase nas relações internacionais, esses dois aspectos refletem o processo histórico do momento. Portanto, uma mudança na organização social dos países latinoamericanos envolve uma mudança histórica.
Ao falarmos de dependência fazemos referência à relação de dominação entre os países desenvolvidos e os países subdesenvolvidos. Nos últimos anos, o termo “subdesenvolvido” foi substituído pelo termo “em desenvolvimento”.
A noção de dependência floresce no debate acadêmico na fase do capitalismo posterior ao imperialismo, ou seja, após as grandes guerras mundiais, no começo da segunda metade do século XX, os Estados Unidos ocupam lugar de destaque no cenário econômico mundial, próximo a eles encontram-se países europeus.
 Assim, os países desenvolvidos buscam formas de fortalecer suas economias, fortalecendo suas moedas no cenário econômico mundial e ampliando o capital das grandes empresas ou das corporações que nasceram em seu país. Para tal realização a estratégia posta em prática corresponde a uma espécie de parceria subalterna, a figura do inimigo imperialista se enfraquece e valoriza-se a figura das associações entre países capitalistas de centro e países capitalistas de periferia, ou seja, países desenvolvidos e países subdesenvolvidos aliam-se e o resultado disso são os grandes empréstimos e a entrada dos investimentos internacionais em cada país.
Lembram-se da dívida externa brasileira,ela se agravou durante na segunda metade do século XX, justamente neste momento em que os países de centro passam a investir nos países de periferia, mas tal investimento não se fixou nos países periféricos como o Brasil, o capital acumulado voltou para seu país de origem, por esse motivo a parceria firmada entre países em condições socioeconômicas diferentes gera outra forma de dominação.
O resultado desse processo no Brasil correspondeu ao enfraquecimento da economia nacional, ao agravamento da dívida externa, ao aumento da desigualdade social e a continuidade da nossa condição de subdesenvolvimento. No entanto, tal parceria foi importante para a elite brasileira, pois ao se integrar aos grupos internacionais ela manteve sua condição, embora subordinada às determinações do capital internacional e dos países desenvolvidos. 
Então podemos concluir que a dependência correspondeu a uma nova fase do processo de colonização, uma vez que o grupo dominante no Brasil aceitou tais condições para poder se manter como tal. Na verdade, o debate da dependência revela uma interdependência entre os países capitalistas com condições diferentes de desenvolvimento, pois o que aconteceu neste momento foi o aumento das indústrias e empresas multinacionais no Brasil, entendido como uma estratégia necessária para alcançar a expansão do capital central na periferia. As empresas multinacionais são aquelas que tem sede e se originaram em outro país, mas têm linhas de produção em outros países.
A condição de dependência para o Brasil se agravou por vários motivos entre eles podemos considerar a tendência de manter grande parte de nossa população fora de mercado de trabalho, pois como reflexo da escravidão a economia brasileira sempre conviveu com o trabalho informal e, com o fato de, boa parte da massa de trabalhadores ocuparem os postos de trabalho no campo em função do Brasil ser um país com origens agrícolas. Em consequência desse quadro estão os baixos salários presentes e mantidos historicamente.
Além disso, houve a necessidade de importar bens de serviço quando ainda não eram produzidos aqui, entre esses bens estão os eletrodomésticos. 
A entrada do capital estrangeiro gerou a descapitalização do nacional, enfraquecendo nossa economia, exigindo investimentos para a aquisição de infra estrutura e modernização das linhas de produção a fim de viabilizar a constituição do nosso parque industrial. Somado a isso estão as altas taxas de juros dos empréstimos internacionais, decorrendo no agravamento da dívida externa brasileira.
Cabe ressaltar que a industrialização brasileira se intensificou durante a ditadura militar, todo o processo de fortalecimento do modo capitalista de produção em solo brasileiro teve reflexos para nossa vida política, em especial para o exercício de cidadania e participação da maior parte da população brasileira, bem como para as condições de trabalho. 
Desigualdade e participação social no Brasil.
À medida que fomos, nas aulas anteriores, caracterizando elementos importantes da formação da sociedade brasileira, abordamos a temática da democracia na nossa sociedade, seja identificando a não realização de seus princípios na modernidade brasileira, seja lembrando que os vários grupos de trabalhadores brasileiros precisaram se mobilizar em momentos diferentes de nossa história a fim de lutar pelo reconhecimento e garantias de direitos.
Podemos questionar qual a importância da participação popular na sociedade brasileira? Em momentos históricos diferentes como as lutas sociais e o esforço de participação popular foram interpretados pelos governantes?
 O primeiro pressuposto a levantar sobre as formas de participação na vida sociopolítica brasileira corresponde ao fato de a participação popular nos espaços públicos de poder ser necessária para a legitimação da democracia brasileira. 
No entanto, já mencionamos que a efetivação dos princípios democráticos deriva das condições culturais e consequentemente das condições materiais da vida em sociedade, ou seja, da forma como estão organizadas as esferas política e econômica de uma sociedade, no caso, a brasileira.
Outro pressuposto importante envolve as concepções de liberdade e igualdade. No Brasil a ideologia liberal são se realizou plenamente, a liberdade e a igualdade na sociedade brasileira estiveram presentes e garantidas entre o grupo dominante de nossa sociedade.
A identificação desses pressupostos está imbricada com a noção de cidadania, por décadas a noção de cidadania, entre os trabalhadores, se associava ao registro na carteira de trabalho, aqueles que não trabalhavam com carteira assinada não tinham na prática o reconhecimento de cidadão, de algum modo eram marginalizados na nossa sociedade. 
Vale lembrar que durante a ditadura militar (1964-1985) a liberdade foi cerceada no Brasil, muitos estudantes, trabalhadores, intelectuais e cidadãos em geral foram torturados, exilados fora do país porque não concordaram com o que acontecia no país naquele momento. 
Porém a participação popular é consequência do exercício de cidadania e a ideologia liberal estende a todos os indivíduos de uma sociedade o status de cidadão. Assim, o problema no caso brasileiro está ligado à formação de nossa sociedade, ao papel desempenhado pelo povo brasileiro no nosso processo de modernização e à maneira como o grupo dominante ocupou as instituições de poder e, portanto, organizou o Estado brasileiro.
Enfim, enfraquecido o período de ditadura militar vivenciamos, no final do século XX, a abertura democrática, seu símbolo corresponde à mobilização pelas “Diretas Já” da década de 1980, especificamente 1984. Tal momento resultou na reorganização da democracia brasileira e, passamos a caminhar na direção da consolidação da democracia brasileira.
Para Chauí a democracia corresponde a uma forma de governar aberta aos conflitos com a capacidade de “conviver com eles e de acolhê-los, legitimando-os pela institucionalização dos partidos e pelo mecanismo eleitoral” (CHAUÍ, 1989, p.145).
A autora considera que a igualdade democrática se efetiva pela igualdade de participação e não apenas pela igualdade de representação. Assim, a abertura democrática brasileira viabilizou a prática da democracia representativa, mas o processo não alcançou a dimensão participativa de nossa democracia, embora os espaços públicos de participação tenham sido ampliados, o problema está ligado à participação alcançar nossa cultura, nossa visão, valorização e construção do espaço público. 
a abertura democrática não significa a existência de uma sociedade transparente que se comunica consigo mesma de ponta a ponta, sem opacidade e sem ruído, uma sociedade onde todos se comunicam com todos numa circulação imediata das informações. É uma sociedade na qual a informação circula livremente, percorre todos numa circulação que não é consumo, mas produção da própria informação. No entanto, não é a liberdade da informação que define a abertura democrática, mas uma outra idéia do espaço público que não se confunde com o de mera opinião pública. É a elevação de toda a cultura à condição de coisa pública (CHAUÍ, 1989, p.209).
Segundo Coutinho (1980), a importância da democracia refere-se à luta pela renovação política, econômica e cultural da sociedade brasileira, pois esse acena como caminho para a superação do autoritarismo e elitismo que caracterizam nossa sociedade. 
A viabilidade da renovação democrática está na participação popular, através das demandas que se expressam pelas lutas sociais, seria então a direção a seguir para superar o autoritarismo, historicamente instituído em nossa sociedade. Nesse contexto, o “aprofundamento político da democracia“ pressupõe a “ampla incorporação organizada das grandes massas à vida política nacional”, o que pode acontecer através da “socialização crescente da política”. (COUTINHO, 1980, p.35/ 37).
Coutinho ressalta no caso da sociedade brasileira a necessidade de “conquistar e depois consolidar um regime de liberdades fundamentais” implantadaspor uma Assembléia Constituinte legítima. Além da construção de alianças necessárias para aprofundar a democracia com “crescente participação popular“ (COUTINHO, 1980, p.41). 
Segundo Weffort (1984) a transição para a democracia brasileira se fez pelo “alto”, em função da dificuldade em se constituir um espaço público onde a atividade política se diferenciasse das atividades privadas das classes dominantes. 
Nesta perspectiva, a democracia brasileira, autoritária e conservadora, pode ser entendida como “instrumento de poder”, uma “espécie de ferramenta para atingir o poder”, dificultando a possibilidade de “pensar a democracia como um fim em si” (WEFFORT, 1984, p.32/ 34). 
A consolidação democrática no Brasil pode se realizar através das lutas. Assim, ela pode passar a ser objetivo comum das forças políticas, fator que acena como possibilidade de reorganização tanto do Estado como da sociedade brasileira. Nesse quadro o processo de participação popular é necessário para a realização das mudanças sociais.
Se entendermos que a democracia, no mundo moderno, só existe com participação dos trabalhadores, a verdadeira luta pela democracia começa agora. Uma democracia moderna é uma democracia na qual a maioria do povo não esteja confinada na condição de cidadãos de segunda classe. Na qual, portanto, a maioria do povo – e não apenas uma minoria de privilegiados – tenha a condição de se tornar dirigente. Na qual todos os trabalhadores - e não apenas uma minoria dentre eles – possa vir a público “para dizer a sua própria verdade” (WEFFORT, 1984, p.130).
 	
A participação popular pode ser compreendida e valorizada como o caminho para a realização do exercício da cidadania e, das liberdades fundamentais, entre elas o direito de ter voz, de se tornar liderança política. 
Para o autor a Constituição Federal de 1988 e as primeiras eleições sob regime democrático no Brasil favorecem um processo regulatório correspondente às democracias liberais. Tal processo se configura como avanço de ampliação de direitos e gera uma espécie de fusão entre as características modernas, tradicionais, autoritárias e democráticas. 
Os elementos novos e velhos da nossa sociedade de alguma forma ainda estão presentes. Vamos pensar nas relações de poder da nossa sociedade. Vamos pensar no que tem sido a atuação dos nossos representantes políticos.
É importante identificarmos que a abertura democrática acenou como um avanço para a garantia e efetivação dos direitos e como condição para tal realização a participação é necessária.
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988 os espaços de participação foram ampliados, formando uma esfera pública ou os espaços públicos de participação. A consolidação da democracia depende desses espaços.
Tais espaços estão mais presentes nos municípios brasileiros como forma de viabilizar a participação da população, eles são conselhos de direitos, conferências municipais entre outros. Nesses espaços estão presentes cidadãos em geral, especificamente lideranças sociais que representam movimentos sociais e, portanto representam as demandas ou lutas sociais, mobilizações ou reivindicações necessárias para a garantia dos direitos e para a realização do diálogo entre Estado e cidadão.
Os autores abordados nessa aula argumentam sobre a importância da participação popular, porém no Brasil sua realização ainda se vincula com a condição socioeconômica do cidadão, porque ainda está presente em nossa sociedade a cultura dos privilégios. No entanto, a prática da democracia, da participação popular, das demandas coletivas são necessárias para a efetivação da cultura democrática no país.
Industrialização e condição de vida no Brasil
A industrialização no Brasil refere-se a outro tema ligado à nossa formação social, em função do desenvolvimento do modo capitalista de produção e da condição posta à nós no contexto mundial.
As características da industrialização brasileira remetem à produção agrária e ao processo de urbanização, pois nossas origens são agrárias, fomos inseridos no mercado mundial primeiro como produtores de matérias primas e, de certa forma, até os dias de hoje mantemos tal posição.
O importante é pensarmos que a indústria no Brasil se constituiu a partir de uma economia agrária, ou seja, aquilo que era produzido no campo subsidiou parte da formação de nosso parque industrial. 
Vamos pensar na relação entre desenvolvimento urbano industrial e ciclo do café. Os senhores do estado de São Paulo, ocuparam as áreas nobres da cidade de São Paulo em função do trânsito que realizavam para as várias negociações em torno da produção do café. Assim, parte do dinheiro acumulado com a exportação do café ficava na cidade de São Paulo e era revertido para a própria cidade, tal fator contribuiu para a industrialização brasileira e para que São Paulo se tornasse o centro financeiro e, até, urbano industrial do país. 
Em São Paulo, onde se encontra o principal setor da economia agrária brasileira, e sem dúvida o decisivo em termos político-sociais, a parceria constitui tão pouco uma forma anacrônica ou obsoleta, que somente se difundiu e se tornou elemento ponderável na economia do Estado, em época relativamente recente, posterior a 1930, e ligada a uma cultura específica a do algodão [...] as relações de produção se estabelecem em geral, e tal como em São Paulo, na base da divisão do produto” (PRADO JUNIOR, 2004, p.41).
Cabe ressaltar que os ciclos econômicos agrários não são os únicos fatores que influenciaram na formação da indústria no Brasil. 
Além disso, destaca-se o surgimento do imperialismo como decorrência do processo de colonização vivenciado aqui. Vale acrescentar que o imperialismo corresponde a um momento do modo capitalista de produção, caracterizando o sistema internacional e, também as relações de produção entre países diferentes. 
o processo da colonização brasileira de que resultariam o nosso país e suas instituições econômicas, sociais e políticas, tem sua origem nessa mesma civilização e cultura ocidentais que seriam o berço do capitalismo e do imperialismo [..] no Brasil essa penetração foi como que resultante natural da evolução de um sistema econômico em que o nosso país já se achava enquadrado. O imperialismo não é senão o sistema internacional do capitalismo mercantil dentro do qual e por influxo do qual o Brasil e todos os seus elementos constitutivos se plasmaram e evoluíram (PRADO JUNIOR, 2004, p.81).
O processo de industrialização brasileiro se desenvolveu de modo a refletir a contradição presente na formação de nossa sociedade, a industrialização viabilizou a modernização dos centros urbanos brasileiros, mas ao mesmo tempo, deixou às claras os efeitos da questão social na cidade. A cidade de São Paulo, mais uma vez serve de exemplo acerca desse quadro. 
De um lado, o maior requinte e refinamento moderno, a par do primitivismo generalizado que basicamente caracteriza o país. É amostra flagrante disso a situação que encontramos nos centros urbanos onde os dois extremos se exibem lado a lado em chocantes contrastes [...] considere-se por exemplo, o caso da maior, mais opulenta e industrializada cidade brasileira, São Paulo, onde arrojadas linhas arquitetônicas, e seus luxuosos bairros residenciais, em tão violento contraste com o restante da cidade, e sobretudo seus bairros periféricos onde se concentra a massa da população, e que nem mesmo se podem dizer propriamente urbanizados, com suas rudimentares construções servidas com água de poço em comunicação com as fossas que fazem as vezes de esgoto, e plantadas ao longo de pseudo-ruas, ou antes “passagens” desniveladas onde ao sabor do tempo uma poeira sufocante alterna com lodaçais intransitáveis. É isso a maior parte de São Paulo, e não como estágio inicial e momentâneo com perspectivas de modificação em prazos previsíveis, e sim como situação que se considera mais ou menos definitiva (PRADO JUNIOR, 2004, p.161).
A desigualdade presente no cenário urbano industrial tem vínculo com a nossa formação social,pois nós tendemos a reproduzir as situações de desigualdade social, ou seja, a massa de trabalhadores da indústria foi considerada como “peão”, aproximando-os da realidade do trabalho no campo, vários trabalhadores saíram do campo e ocuparam postos de trabalho na indústria, sobretudo nas automobilísticas, mas a condição de submissão constituída no campo se reproduz na cidade, somam-se a isso os baixos salários, as dificuldades de sobrevivência na cidade em função dos altos custos dos serviços oferecidos nos centros urbanos. Pensem nos preços de aluguel, casa própria, transporte público, manutenção de carro próprio, serviços de saúde, entre outros serviços necessários para a vida na grande cidade. 
Desta forma, percebemos a estreita relação entre campo e cidade, através dela a sociedade brasileira se moderniza e reproduz desigualdades sociais. Fato é que desenvolvimento industrial brasileiro depende da produção agrária, nos centros urbanos nos distanciamos do campo porque diante do cenário urbano industrial o campo tem sua importância desvalorizada, essa idéia alcança a maioria dos trabalhadores, sobretudo, àqueles que migraram para as grandes cidades 
a primeira tendência do trabalhador urbano é romper com seu passado ou origem, e esquecer os laços que ainda o prendem. Relembrá-lo desses laços, e torná-los consciente do fato que, pelo menos no que respeita aos seus interesses econômicos e às perspectivas de suas lutas reivindicatórias, tais laços são indissolúveis [...] contribuirá fortemente para o despertar de uma solidariedade indispensável à consolidação da aliança de trabalhadores urbanos e rurais (PRADO JUNIOR, 2004, p. 175/240).
	
Na realidade social brasileira, a ideia de classe trabalhadora abarca o contexto rural e o contexto urbano, afinal nas cidades a condição de vida muitas vezes reflete a condição de vida no campo. No entanto, os trabalhadores têm papel relevante na sociedade brasileira e capacidade de mobilização, tal capacidade pode se afirmar através do exercício de cidadania seja no campo ou na cidade. 
Preste atenção na região onde mora e verifiquem como o processo de industrialização se constituiu. E nos dias de hoje como ele está presente na sua região?
Referências Bibliográficas
CHAUÍ, Marilena. Cultura e Democracia: o discurso competente e outras falas. São Paulo: Cortez editora, 4ª Ed, 1989. 
COUTINHO, C.N. A Democracia como Valor Universal: notas sobre a questão democrática no Brasil. São Paulo: Livraria Editora Ciência, 1980.
FERNANDES. Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil: Ensaio de Interpretação Sociológica. São Paulo: Globo, 5ª Ed., 2006.
HOLANDA, S.B. Raízes do Brasil. 26ª edição, São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
IANNI, O. Idéia de Brasil Moderno. São Paulo: Brasiliense, 1992. 
_______. As Origens Agrárias do Estado Brasileiro. São Paulo: Brasiliense, 2005.
PRADO JUNIOR, Caio. A Revolução Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 2004. 
SODRÉ, N.W. Síntese de História da Cultura Brasileira. 9ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981.
WEFFORT, Francisco Correia. Qual Democracia? São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
__________________________. Por Que Democracia? São Paulo: editora Brasiliense, 1984.

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