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'D�IXQomR�VRFLDO�GD�SURSULHGDGH�LPyYHO� (VWXGRV�GR�SULQFtSLR�FRQVWLWXFLRQDO�H�GH�VXD�UHJXODPHQWDomR�SHOR� QRYR�&yGLJR�&LYLO�EUDVLOHLUR -XOLDQR�7DYHLUD�%HUQDUGHV 1 − INTRODUÇÃO Surgida no ordenamento jurídico pátrio após a edição do Código Civil de 1916, a função social da propriedade recebeu importantes contribuições da Constituição de 1988. Mas, nem bem analisadas as implicações da atual Constituição em relação à antiga legislação civil, veio a lume o novo Código Civil (Lei 10.406, de 10/01/2002), que promoveu significativas mudanças acerca da matéria. Logo, é oportuno estudar as inovações obtidas e os problemas que surgirão com a recente concretização do instituto por meio do novo Código Civil. Nesse esforço, o estudo começará pela conceituação da função social da propriedade, passando por breve histórico. Após, pretender-se-á demonstrar o porquê e as conseqüências advindas do enquadramento do instituto na acepção de princípio constitucional. Em seguida, partindo da interpretação da Constituição de 1988, o tema proposto será explorado em visão sistemática abrangente, não olvidando a legislação que, paralelamente ao Código Civil, promove a regulamentação da função social da propriedade. Somente então, no último item do trabalho, é que serão analisados artigos específicos que tocam a questão, no novo Código Civil, buscando interligá-los às normas preexistentes, especialmente ao recente Estatuto da Cidade (Lei 10.257, de 11/07/2001). Destarte, a preocupação maior do subscritor será uma exegese que não se limite só à legislação civil recém-editada, mas a ela se chegue após estudar todo o sistema normativo em que se insere o princípio da função social e as regras que lhe dão corpo. Intenta-se, dessa forma, superar a pouca literatura e nenhuma jurisprudência acerca da Lei 10.406/2002. Por fim, quanto ao corte temático, o trabalho concentrar-se-á na função social da propriedade imóvel, a despeito de o princípio incidir também em face de outros tipos de propriedade. ��±�'$�)81d2�62&,$/�'$�35235,('$'(� Antes de iniciar a exposição sobre o que vem a ser a chamada função social da propriedade, não se pode olvidar que o princípio da função social tem como pressuposto necessário a SURSULHGDGH. (1) Daí, é de bom alvitre cuidar simultaneamente, ainda que em breves linhas, do liame umbilical existente entre função social e direito de propriedade. Nesse prumo, o Código de Napoleão qualificou o direito de propriedade, na esfera privada, como o "direito de gozar e dispor das coisas da maneira mais absoluta, desde que delas não se faça uso proibido pelas leis e regulamentos" (art. 436). De sua vez, a aplicação do princípio da função social da propriedade descaracteriza o acerto dessa velha concepção civilista, imantando o direito de propriedade com um GHYHU�GH�DJLU, e não apenas uma obrigação de não fazer (IXQomR� VRFLDO�DWLYD). (2) Assim, a propriedade, modernamente, converteu-se em poder-dever voltado à destinação do bem a objetivos que transcendem o simples interesse do proprietário. Porém, não se confunde a função social com as limitações da propriedade contidas no direito civil, (3) tampouco com as OLPLWDo}HV� DGPLQLVWUDWLYDV. (4) Mesmo sendo inválido afirmar que se resumem a prestações de não fazer, as limitações constituem condição de exercício do direito. Já a função social está ligada aos deveres inerentes ao exercício da propriedade, convertendo-se em "elemento da estrutura e do regime jurídico da propriedade". (5) Como afirma ARAÚJO SÁ, as limitações administrativas têm fundamento não na função social da propriedade mas no poder de polícia, e são externas ao direito de propriedade, interferindo tão-somente no exercício do direito, enquanto a função social interfere no conceito e na estrutura do direito de propriedade. (6) Mesmo a desapropriação, instituto bastante associado à função social, com ela não se pode baralhar, ainda que o descumprimento desta possa implicar a decretação de desapropriação. O que sucede é simples relação de causa e efeito. Como dizem GUSTAVO TEPEDINO e ANDERSON SCHREIBER, a funcionalização da propriedade introduz critério de valoração de sua própria titularidade, que passa a exigir atuações positivas de seu titular, a fim de adequar-se à tarefa que dele se espera na sociedade. (7) Aproveitando-se da definição do jus-agrarista argentino ANTONINO C. VIVANCO, citado por TORMINN BORGES, o princípio da função social consiste na obrigação condicionante do exercício da propriedade a interesses que transcendem a vontade do proprietário, de modo a satisfazer indiretamente as necessidades dos demais membros da comunidade. (8) Enfim, com arrimo em PIETRO PERLINGERI, pode-se dizer que a função social converteu-se em título justificativo, verdadeira causa de atribuição dos poderes do titular da propriedade. (9) ��±�%5(9(�+,67Ï5,&2�'$�)81d2�62&,$/�'$�35235,('$'(� É a partir das obras de direito agrário que melhor se remonta o retrospecto da função social da propriedade. Nessa linha, percebe-se que a evolução do instituto andou de mãos dadas com o desenvolvimento do direito de propriedade. Com base na obra do ilustre professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás BENEDITO FERREIRA MARQUES, (10) as origens do princípio da função social estão em lições de ARISTÓTELES, o primeiro a entender que aos bens se deveria dar uma destinação social. Depois de ARISTÓTELES, a idéia só foi impulsionada por TOMÁS DE AQUINO. O conceito tomista de propriedade possuía três planos distintos na ordem de valores. (11) No primeiro deles, o homem teria um direito natural ao apossamento de bens materiais, dada sua natureza de animal racional, como forma de manter sua própria sobrevivência. No segundo, considerou-se que o homem não poderia refletir apenas acerca de sua sobrevivência imediata, como ocorre com os animais irracionais, porque deveria pensar também no amanhã, pois, para que fosse verdadeiramente livre, precisaria estar ao abrigo das surpresas econômicas. Num terceiro plano, permitir-se-ia o condicionamento da propriedade em razão do momento histórico de cada povo, desde que não se chegasse a negá-lo. Ou seja, embora a propriedade consistiria num direito natural, o proprietário não poderia abstrair-se do dever do zelar pelo "bem comum". (12) Em seguida, operaram-se várias fases da evolução do conceito de direito de propriedade, até que o Código de Napoleão o fixasse com características quase absolutas, conforme dispunha o já transcrito art. 436. E foi com base nessa clássica definição francesa que os códigos civis que se sucederam buscaram inspiração, inclusive o brasileiro. Porém, segundo MARQUES, "foi com Duguit, escorado no pensamento positivista de Comte, que o direito de propriedade se despiu do caráter subjetivista que o impregnava, para ceder espaço à idéia de que a propriedade era, em si, uma função social." (13) Assim, afirma MARQUES, o grande impulso às idéias de subordinação da propriedade a uma finalidade social teve início com a célebre palestra proferida por DUGUIT em Buenos Aires no ano de 1911. Também GUSTAVO TEPEDINO e ANDERSON SCHREIBER creditam a DUGUIT a difusão do termo IXQomR�VRFLDO�GD�SURSULHGDGH, o qual teria sido primeiramente estampado na obra /HV� WUDQVIRUPDWLRQV� GX� GURLW� SULYH� GHSXLV� OH� &RGH� 1DSROpRQ� (14) Os mesmos autores lembram, mais, da contribuição da doutrina italiana. Citando SALVATORE PUGLIATTI e STEFANO RODOTÀ, prosseguem TEPEDINO e SCHREIBER, foi na Itália que se soube dar à função social seu melhor sentido, "não como uma categoria oposta ao direito subjetivo, mas como um elemento capaz de alterar-lhe a estrutura, inserindo-se em seu SURILOR�LQWHUQR e atuando como critério de valoração do exercício do direito, o qual deverá ser direcionado para um PDVVLPR�VRFLDOH."(15) Dignas de registro, ainda, são as influências das teorias marxistas a apregoar a coletivização da propriedade individual. Tampouco se esqueça a importância da Igreja Católica, especialmente as encíclicas papais de 1891 (5HUXP� 1RYDUXP, de Leão XIII), de 1931 (4XDGUDJHVLPR�$QQR, de Pio XI) e de 1962 (0DWHU�HW�0DJLVWUD, de João XXIII). No Brasil, com apoio em LIMA STEFANINI e FERNANDO PEREIRA SODERO, anota MARQUES que, desde a concessão das chamadas sesmarias, já havia preocupação com o cumprimento da função social, pois os sesmeiros deveriam cultivar a terra e daí tirar-lhe aproveitamento econômico. Afirma ainda, embasado em estudo de ROSALINA RODRIGUES PEREIRA, que também as Ordenações Manoelinas e Filipinas já se ocupavam de questões ligadas ao uso do solo e a técnicas agrícolas. Após a independência, a Constituição de 1824 não se dedicou especificamente ao tema, afirmando o direito de propriedade "em toda sua plenitude", ressalvada uma "única" exceção: o uso público indenizado do bem, quando legalmente necessário (art. 179, XXII). Sob o governo republicano da Constituição de 1891, pouco se evoluiu, salvo na parte em que prevista a desapropriação por necessidade ou utilidade pública. Outrossim, muito influenciado pelo Código de Napoleão, o Código Civil de 1916 não incrementou a função social da propriedade, limitando-se a regular genericamente os casos de necessidade e de utilidade pública, para fins de desapropriação (art. 590 e §§1º e 2º), e de requisição de bens por autoridade pública (art. 591 e par. único). A seguir, a função social só ganhou algum espaço na Constituição de 1934, cujo artigo 113, n. 17, estabelecia que o direito de propriedade não poderia ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma da lei. Nenhum desenvolvimento se fez sentir na Constituição de 1937, mas a Constituição de 1946 condicionou o uso da propriedade ao "bem-estar social" (art. 147), dando então margem a regulamentação por meio da Lei 4.132, de 10/09/62, que até hoje cuida dos casos de desapropriação por interesse social. Não bastasse, nos trabalhos legislativos que culminaram com a aprovação da desapropriação por interesse social na CF/46, a proposta de emenda apresentada pelo Senador FERREIRA DE SOUZA já abordava expressamente a questão da função social, como informa MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. (16) Então, editado o Estatuto da Terra (Lei 4.504, de 30/11/64), seu artigo 2º expressamente tratou da função social do imóvel rural. (17) Daí por diante, a expressão "função social" foi incorporada nas Constituições posteriores, (18) até se chegar à atual Constituição de 1988. Nesta, a inspiração mais próxima, segundo MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, deve-se à doutrina social da Igreja Católica, especialmente às Encíclicas 0DWHU�HW�0DJLVWUD, do Papa João XXIII, e 3RSXORUXP� 3URJUHVVLR, do Papa João Paulo II, "nas quais se associou a propriedade a uma função social, ou seja, à função de servir como instrumento para a criação de bens necessários à subsistência de toda a humanidade." (19) ����'$�)81d2�62&,$/�'$�35235,('$'(�&202�35,1&Ë3,2�&2167,78&,21$/� Não faz parte deste estudo a conceituação do que vem a ser "norma jurídica", tampouco a questão da estrutura lógica das chamadas "proposições jurídicas". (20) Porém, sem menosprezar as polêmicas doutrinárias acerca do tema, num primeiro esforço de categorização, já se afirma que tanto as regras como os princípios serão neste estudo enquadrados na definição ODWR�VHQVX�de QRUPDV�MXUtGLFDV. (21) Dessa forma, a classificação das normas jurídicas em sentido estrito, de modo a nestas incluir somente as regras e não os princípios, será de todo irrelevante, salvo naquilo que de alguma forma possa exprimir censurável tendência de negar aos princípios conteúdo normativo. (22) De sua vez, entendem-se por UHJUDV as disposições (interpretadas) que estabelecem mandatos, proibições ou permissões de atuação em situações concretas previstas nelas mesmas. (23) No conceito de CANOTILHO, regras "são normas que, verificados determinados pressupostos, exigem, proíbem ou permitem algo em termos definitivos, sem qualquer exceção." (24) Já a conceituação de princípios é mais difícil. Para este estudo,�devem ser entendidos como normas que proporcionam critérios para tomadas de posições ante situações concretas indeterminadas. (25) Na festejada definição de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO: Princípio (...) é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. (26) Tratando já daqueles estampados em textos constitucionais, "os princípios são núcleos de condensação nos quais confluem bens e valores constitucionais" (CANTILHO e VITAL MOREIRA); (27) "são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas" (AFONSO DA SILVA). (28) Assim, a normatização e a constitucionalização conferiu aos princípios constitucionais o VWDWXV� hierárquico de "normas-chaves" do sistema jurídico (BONAVIDES). (29) Dito isso, para se saber se a função social, como concebida na CF/88, é princípio ou regra, cabe expor alguns critérios para diferenciá-los.� Nessa tarefa, a despeito dos clássicos e extratificados critérios de distinção apontados por CANOTILHO, (30) é de bom alvitre enunciá-los de forma menos resumida, com apoio, principalmente, na obra já mencionada de EROS ROBERTO GRAU. (31) Assim, tem-se que as regras jurídicas são aplicáveis por completo, ou não se aplicam de modo absoluto. Na dicção de DWORKIN, aplicam-se à maneira de um tudo ou nada (DQ�DOO� RU�QRWKLQJ), (32)�não comportando exceções. (33) Presentes os pressupostos fáticos a que se refira, a regra (válida) há de ser aplicada. (34) Já os princípios sequer exigem a indicação das condições necessárias à sua incidência, pois não configuram uma decisão concreta a ser necessariamente tomada. Em vez disso, os princípios se qualificam como PDQGDPHQWRV� GH� RWLPL]DomR, (35) acenando uma vontade normativa inclinada a certa direção. No dizer de ALEXY, os princípios ordenam algo que deve ser realizado na maior medida possível, tendo em conta as possibilidades jurídicas e fáticas. (36) Daí, os princípios não contêm mandamentos definitivos, mas somente SULPD� IDFLH. (37) Dessa maneira, com apoio em BOULAGER, citado por EROS ROBERTO GRAU, pode-se afirmar que os princípios, ao contrário das regras, não admitem a própria enunciação das hipóteses nas quais não se aplicam, bem como carecem de conteúdo de determinação relativo aos princípios contrapostos e as possibilidade fáticas, (38) porquanto "são aptos a serem aplicados a uma série indefinida de situações". (39) Devido a esse alto grau de abstração, demandam os princípios constitucionais medidas concretizadoras, o que é feito por meio de outros princípios de maior densidade (40) (subprincípios), (41) ou mesmo por regras, até chegar-se, na ponta de final de sua incidência fática, na descoberta da "norma de decisão" do caso jurídico-constitucional. (42) Ademais, ainda quando se manifestam as condições nele previstas, um princípio não se aplica automaticamente. É que, em determinado caso, pode também incidir um princípio diverso, apontado em sentido diverso. Surge então outra diferença dos princípios frente às regras jurídicas: como somente uma regra pode incidir em face de uma idêntica situação, se duas ou mais regras estão em choque, (43) apenas uma – ou nenhuma – delas poderá ser considerada válida à regulação da situação concreta, surgindo daí um problema de antinomia jurídica a ser resolvido. (44) Contudo, mais de um princípio pode regular uma mesma situação,pois princípios diversos comportam juízo de ponderação relativa, cujo resultado poderá ser a prevalência de um em detrimento do outro. Consoante sintetizado por BONAVIDES, com base em ALEXY, resolve-se o conflito de regras na dimensão da "validade", enquanto o conflito de princípios é resolvido na dimensão do "valor". (45) Sem embargo, cabe ressaltar não haver antinomia entre princípios e regras. Se as regras servem para densificar princípios, o eventual conflito envolve, na verdade, o próprio princípio objeto de densificação. Logo, quando um princípio antagônico deva prevalecer, a regra contrastante é simplesmente afastada da regulação da situação concreta, acompanhando o próprio princípio desprezado. (46) Por fim, em vigor a Constituição de 1988, encaixa-se perfeitamente no conceito de princípio constitucional explícito a exigência de que a propriedade cumpra sua IXQomR� VRFLDO (inciso XXIII do art. 5º). É que a observância da função social da propriedade não se aplica à maneira de um tudo ou nada, tampouco se pode, de antemão, indicar todas as condições necessárias à sua incidência. Em vez disso, a verificação do cumprimento da função social pode exigir juízos de ponderação em face de outros princípios, sendo necessária a "concretização" de seu alto grau de abstração. (47) Essa é a conclusão de JOSÉ AFONSO DA SILVA, para quem a norma-princípio contida nesse dispositivo é de aplicabilidade imediata. (48) ��±�2�35,1&Ë3,2�'$�)81d2�62&,$/�'$�35235,('$'(�1$�&2167,78,d2�'(������ Já foi dito que a Constituição de 1988 tratou da exigência de que a propriedade cumpra sua função social no inciso XXIII do art. 5º. Mas a Constituição também se referiu à função social na redação original do §1º do art. 156 (hoje alterado pela EC n. 29, de 13/09/2000), no inciso III do art. 170, no §2º do art. 182, no FDSXW�do art. 184, no par. único do art. 185 e no art. 186. Outrossim, o Poder Constituinte derivado se valeu da expressão em tela no inciso I do §1º do art. 173, na redação dada pela EC n. 19, de 04/06/98. (49) É bem verdade que EROS ROBERTO GRAU sustenta que a referência à função social contida no inciso XXIII do art. 5º não se justificaria. Defende o ilustre mestre, por essa norma estaria garantida a propriedade LQGLYLGXDO, cuja utilização, como instrumento voltado à subsistência individual e familiar, estaria servindo a uma função� individual� ligada ao princípio da dignidade da pessoa humana, daí por que imune à questão da função�VRFLDO� (50) Porém, não só com base na premissa de que na Constituição não há palavras inúteis, pode- se perfeitamente sustentar que toda e qualquer propriedade privada, material ou imaterial, individual ou coletiva, urbana ou rural, móvel ou imóvel, deve atender à função social. (51) De efeito, o princípio atua de forma diferente em relação a cada tipo de propriedade, conforme a destinação reservada aos respectivos bens. (52) Via de regra, é a lei que dispõe sobre como a função social estará sendo cumprida, caso a caso. (53) Nesse pensar, o que pode ocorrer é que a destinação individual do bem satisfaça à função que socialmente dele se espera. (54) Ou seja, cumprindo com sua função individual, o exercício do direito de propriedade poderá estar também obedecendo à função social, mas isso não significa que a propriedade destinada à subsistência individual esteja de antemão imune à função social. Tanto não está que o próprio EROS ROBERTO GRAU tratou de estabelecer exceção a esse raciocínio, dizendo que a propriedade individual pode exceder sua função meramente individual quando "detida para fins de especulação ou acumulada sem destinação ao uso a que se volta." (55) É evidente, contudo, que na Constituição não houve maior preocupação com a concretização das normas que dispõem acerca do princípio da função social da propriedade, salvo em relação aos imóveis rurais e, com menor intensidade, em face dos imóveis urbanos. Em razão disso, há quem sustente que as medidas voltadas contra o descumprimento da função social "só podem ter por objeto terras particulares, sejam urbanas ou rurais." (56) Porém, consoante exposto, cada tipo de propriedade sujeita-se a determinados modos de cumprimento da função social. De fato, a razão do tratamento mais exaustivo do tema da função social em relação aos imóveis rurais está no maior esforço de regulamentação dos parlamentares ruralistas. Mas isso, nem de longe, pode excluir a incidência do princípio a respeito dos demais tipos de propriedade. (57) Confirma-se esse raciocínio quando se sabe que o conceito de propriedade é mais amplo que o de GRPtQLR, pois abrange também os bens imateriais. Enfim, não se pautando o exercício da propriedade dentro dos pressupostos da função social, sujeita-se o proprietário à expropriação de seu direito, seja qual for a modalidade de propriedade. E contra isso não se pode alegar que a Constituição só se referiu ao descumprimento da função social, como causa deflagradora de desapropriação, naquela movida por interesse social para fins de reforma agrária (art. 184). Com efeito, essa assertiva apenas enuncia que o cumprimento da função social LQWHJUD o conceito de interesse social para fins de desapropriação. Não se pode negar, porém, que o atual diploma legal que regula a desapropriação por interesse social (Lei 4.132, de 10/09/62) não contemplou H[SUHVVDPHQWH�a hipótese de inobservância da função social. Isso se explica, como visto, porque a expressão "função social" só veio a ser cunhada posteriormente, pelo Estatuto da Terra. Mas a própria enunciação dos casos considerados de interesse social faz crer a presença "latente" do princípio da função social em muitos dos incisos do art. 2º da Lei 4.132/62. Logo, à luz do art. 184 da CF, evidencia-se que o legislador poderá encaixar, na regulamentação dos casos de desapropriação para fins de interesse social, regras atinentes à expropriação decorrente do eventual desatendimento do princípio constitucional da função social da propriedade, seja esta de que tipo for. E nisso reside a razão da relativização da garantia à propriedade no inciso XXIII do art. 5º, em regra que se repete no inciso III do art. 170 e no §2º do art. 182 da CF/88. Todavia, mesmo que facultado à lei incluir hipóteses de descumprimento da função social aos casos de desapropriação por interesse social, salvo as exceções expressamente previstas na Constituição, o pagamento deverá ser feito prévia e integralmente em dinheiro (inciso XXIV do art. 5º). Dessarte, os conceitos civilísticos de propriedade, com a normatização constitucional do princípio da função social, sofreram profundas transformações. Ao tratamento civil do direito de propriedade hoje em vigor aplicam-se direcionamentos de direito público voltados à caracterização da função social, motivo pelo qual, empolgado com a CF/88, JOSÉ AFONSO DA SILVA afirmou que "o Código Civil não disciplina a propriedade, mas tão-somente as relações civis a ela referentes". (58) Porém, ao contrário do que pretendem alguns, a propriedade não se confunde com sua função social, como bem analisou o ilustre professor BENEDITO FERREIRA MARQUES. Ainda que a função social faça parte da estrutura do direito de propriedade, servindo como título jurídico de atribuição SOHQD das faculdades que lhe são inerentes, não se pode sustentar que sua eventual inobservância subtraia todos os direitos do proprietário inadimplente. Isso seria chancelar exagero que daria margem até para justificar a expropriação sem o pagamento de indenização. É que a Constituição não baniu o direito de propriedade; apenas impôs a seu exercício o dever de cumprimento da função social. (59) Vale dizer: ainda que caiba à lei regular como a função social estará sendo cumprida, a não- satisfação da princípio só haverá de acarretar as conseqüências estabelecidas na própria Constituição. E taisconseqüências podem ser: (a) o parcelamento ou edificação compulsórios dos imóveis urbanos (inciso I do §4º do art. 182 (60)); (b) o aumento progressivo da carga tributária incidente sobre os imóveis urbanos (§1º do art. 156, na redação que lhe deu a EC n. 29/2000, c/c inciso II do §4º do art. 182 (61)) e rurais (art. 153, §4º); (c) a desapropriação- sanção de imóveis urbanos, com pagamento integral mediante títulos da dívida pública (inciso III do §4º do art. 182 (62)); (d) a desapropriação-sanção de imóveis rurais, com o pagamento em dinheiro das benfeitorias úteis e necessárias (§1º do art. 184) e o restante em títulos da dívida agrária (art. 184, FDSXW); (e) a desapropriação-sanção, sem indenização, no caso das glebas onde forem encontradas culturas ilegais de plantas psicotrópicas (art. 243 (63)), e; (f) a desapropriação comum, prévia e integralmente indenizada em dinheiro, por motivo de interesse social, nas situações a serem estabelecidas por lei ordinária (inciso XXIV do art. 5º). Fora dessas hipóteses, porém, remanesce a garantia da propriedade, inclusive a de reivindicá-la das mãos de terceiros que injustamente a detenham. Por derradeiro, consoante afirma JOSÉ AFONSO DA SILVA, "é certo que o princípio da função social não autoriza a suprimir, por via legislativa, a instituição da propriedade." (64) Essa assertiva serve para delimitar o Q~FOHR� HVVHQFLDO do direito fundamental de propriedade, daí por que, ao disciplinar os requisitos de cumprimento da função social, não poderá o legislador desviar-se de sua finalidade normativa, erigindo deveres desarrazoados ou que tornem impraticável o exercício do direito de propriedade. (65) Incidiria aí o princípio da proporcionalidade, em repressão ao excesso do poder de legislar, pois a função social deve se resumir a algo atingível, até porque, especialmente em se tratando de imóveis rurais, a exigência de padrões de produtividade demasiado altos pode acarretar o esgotamento dos recursos naturais da terra, o que também iria de encontro à função social. ��±�'2�35,1&Ë3,2�'$�)81d2�62&,$/�,16(5,'2�1$�25'(0�(&21Ð0,&$� Analisando o texto das Constituições anteriores que expressamente consignaram a função social da propriedade, percebe-se, em todas elas, que a inclusão do princípio se deu no capítulo destinado à ordem econômica (cf. art. 157, III, da CF/67 e art. 160, III, da CF/69). De outro turno, ainda que a Carta de 1988 tenha feito o mesmo, inovou o Constituinte consagrando o princípio, em relativização ao próprio direito individual de propriedade, no capítulo destinado aos direitos fundamentais (inciso XXIII do artigo 5º). Ademais, a propriedade privada foi incluída em inciso autônomo, entre os princípios da ordem econômica (inciso II do art. 170), antes mesmo da enunciação do princípio da função social da propriedade (inciso III do mesmo artigo). Por conseguinte, pela nova Constituição, a função social não interessa apenas à ordem econômica, mas serve de princípio norteador também do direito individual de propriedade. Outrossim, inserido no capítulo da ordem econômica, o conceito de propriedade privada foi ainda mais "relativizado", (66) em comparação com aquele das Cartas anteriores, pois passou a se submeter ao juízo de ponderação decorrente da aplicação de todos os outros princípios integrantes da ordem econômica. ��±�3(&8/,$5,'$'(6�'2�35,1&Ë3,2�'$�)81d2�62&,$/�'$�35235,('$'(�585$/� Em relação aos imóveis rurais, aplica-se tudo o que se disse acerca da função social, especialmente em relação à transformação do regime privatístico de propriedade. Contudo, há certas peculiaridades anotadas especialmente por jus-agraristas. Primeiramente, cabe dizer que a expressão "função social da propriedade rural" é muito criticada pelos estudiosos do direito agrário. Defendem eles que a expressão utilizada pelo Constituinte não satisfaz plenamente as preocupações com a total dimensão do problema agrário, o qual não se resume só à questão da propriedade, pois engloba também a função social da SRVVH e dos FRQWUDWRV� DJUiULRV. Daí, sustenta-se a predileção pela expressão genérica "função social da terra" (67) ou "função social do imóvel rural", (68) de que seriam espécies a "função social da posse agrária" e a "função social dos contratos agrários". Porém, dadas as finalidades deste estudo, que exorbitam o campo da função social do imóvel rural, com a vênia dos jus-agraristas, tem-se por escusável a utilização da consagrada expressão "função social da propriedade". Na esteira da repercussão do princípio da função social em face do novo regime da posse agrária, ensina outro ilustre professor GETÚLIO TARGINO LIMA, da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás, em obra já mencionada, a posse de imóvel rural não mais pode ser encarada como simples exercício de um dos poderes inerentes ao domínio, mas sim como um comportamento em relação à coisa que tenha por pressuposto o cumprimento da função social. Essa nova concepção de posse agrária vem contaminando a jurisprudência dos tribunais estaduais, não sendo raro encontrar assentado em acórdãos que "não se concebe mais a posse como mera emanação do domínio. O poder fático sobre a coisa (posse), a partir do regramento constitucional, se caracteriza pelo uso econômico do bem". (69) Ressalte-se, porém, não serve esse raciocínio de incentivo a invasões de terra praticadas a pretexto de fazer cumprir a função social. Conforme jurisprudência do TJRS, citando acórdão do TAMG, não constitui "o principio constitucional da função social da propriedade justificativa de invasão, a permitir a realização de justiça pelas próprias mãos." (70) Assentado tudo isso, já se pode dizer alguma coisa sobre as regras que dão densidade ao princípio da função social do imóvel rural. Essas considerações, contudo, serão feitas de maneira perfunctória, dado o recorte temático do trabalho. Pois bem. Como antes mencionado, não houve maior preocupação da Constituição com a concretização das normas que dispõem acerca do princípio da função social da propriedade, salvo em relação aos imóveis rurais e, com menor intensidade, em face dos imóveis urbanos. Enfocando os imóveis urbanos, o tratamento um pouco mais específico que a Constituição lhes reservou não impediu fosse o tema tratado com alto grau de abstração. Dispõe o art. 182, §2º, da CF/88, que a "propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor." (CF, art. 182, §2º). Desse modo, restou ao legislador municipal ampla margem de poder para dizer como será cumprida a função social. A lei do plano diretor tratará do assunto. Mas a Constituição também cuida da edição de leis municipais específicas (no §4º do mesmo artigo) que poderão regulamentar exigências menos genéricas − se comparadas às previsões do plano diretor − , nos termos definidos na recente Lei 10.257, de 11/07/2001, (71) sob pena de serem aplicadas as sanções previstas nos incisos I a IV do mesmo parágrafo 4º do art. 182 da CF/88. No tocante aos imóveis rurais, entretanto, a Constituição foi menos generosa para com o legislador. De início, percebe-se que só a União Federal possui competência material para promover a desapropriação por descumprimento da função social do imóvel rural (FDSXW�do art. 184), bem como para legislar sobre os requisitos a serem atendidos (FDSXW�do art. 186). E dessas restrições, com base na WHRULD�GRV�SRGHUHV�LPSOtFLWRV, (72) pode-se extrair outra: só a União detém atribuição para ILVFDOL]DU� e FRQWURODU a observância da função social do imóvel rural. Conforme consta do artigo 2º da Lei 8.629, de 25/02/93, a atribuição para ingressar no imóvel rural, em nome da União, para fins de levantamento de dados, é realizada por intermédio de "órgão federal competente" (§2º do art. 2º), (73) tarefaessa que vem sendo observada por uma autarquia federal, no caso, o INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Nada indica, porém, essa competência de controle tenha sido dada com exclusividade à União, motivo pelo qual se afigura válida a possibilidade de delegação a Estados-membros, Distrito Federal ou a municípios. (74) Volvendo à Constituição, percebe-se que o art. 185 estabelece zona de imunidade à desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, mesmo que a função social não esteja sendo observada, em relação: (a) à pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra; e (b) à propriedade produtiva. Nesse prumo, a conceituação de pequena e média propriedade rural só veio a ser estabelecida com o art. 4º da Lei 8.629/93, pelo qual ficou assentado que pequena propriedade é aquela com área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais (75) e média propriedade é o imóvel rural (76) de área superior a 4 (quatro) e até 15 (quinze) módulos fiscais. Critica-se a dimensão dessa imunidade expropriatória em relação à grande propriedade produtiva, dizendo que a produtividade é apenas um dos elementos da função social, motivo pelo qual não basta ser produtivo o imóvel rural para que seja considerado cumpridor do princípio. (77) Contudo, defende CELSO RIBEIRO BASTOS a opção da Constituição, afirmando que parcelar "a propriedade produtiva é prenúncio quase certo de diminuição da produção com conseqüente degradação dos níveis sociais já atingidos." (78) Desse modo, mesmo que sem o aplauso de toda doutrina pátria, o fato é que essa imunidade expropriatória da terra produtiva foi expressamente consagrada pela Constituição, que previu ainda a edição de lei que garanta tratamento especial ao imóvel rural produtivo, fixando normas para o cumprimento dos requisitos da função social (par. único do art. 185). Neste ponto, cabem breves digressões em torno dos pressupostos a serem observados no atendimento da função social do imóvel rural. A começar das regras enumeradas pelo art. 186 da Constituição, o imóvel rústico deverá simultaneamente satisfazer os seguintes requisitos: (a) aproveitamento racional e adequado; (b) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; (c) observância das disposições que regulam as relações de trabalho; (d) exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. De conseguinte, fala-se que o preenchimento da função social do imóvel rural exige a presença VLPXOWkQHD�de requisitos espalhados em três óticas: (79) (a) HFRQ{PLFD, ligada à "produtividade" do imóvel rural, ou seja, seu aproveitamento racional e adequado; (b) VRFLDO, abraçando as disposições que regulam as relações de trabalho e as que contemplam o bem-estar dos que exploram a terra (incluídos aí não só os proprietários e trabalhadores, mas os que detém a posse direta do imóvel); (c) HFROyJLFD, relacionada com a preservação do meio ambiente, concebido como direito fundamental de terceira geração, garantido-o à presente e futuras gerações. (80) Por óbvio, a Constituição, no FDSXW�do art. 186, previu que esses requisitos fossem fixados por lei, de modo a atender às peculiaridades da região onde se situa cada imóvel rural. E essa tarefa foi confiada à Lei 8.629/93. Em linhas gerais, o esquema legislativo de fixação dos critérios de cumprimento da função social do imóvel rural, conforme estabelecidos pela Lei 8.629/93, atualmente alterada pela MP 1.577, de 11/06/97, e reedições (atualmente, MP 2.183-56, de 24/08/2001)��SRGH�DVVLP� VHU�UHVXPLGR�� O reconhecimento da produtividade da gleba exige sejam atingidos, cumulativamente, nos termos do art. 6º da Lei 8.629/93: (a) um percentual mínimo de 80% do grau de utilização da terra (GUT), e; (b) um percentual igual ou superior a 100% do grau de eficiência da exploração econômica (GEE). 2�FiOFXOR�GR�tQGLFH�GR�*87�FRQVLGHUD�D�iUHD�HIHWLYDPHQWH�XWLOL]DGD�GR�LPyYHO��HP�FRWHMR� FRP�D�iUHD�SRWHQFLDOPHQWH�XWLOL]iYHO��H[FOXtGDV��GHVVH�~OWLPR�FRQFHLWR��SRU�IRUoD�GR�DUW����� GD� /HL� ���������� as áreas ocupadas por construções e instalações, excetuadas aquelas destinadas a fins produtivos, como estufas, viveiros, sementeiros, tanques de reprodução e criação de peixes e outros semelhantes; as áreas comprovadamente imprestáveis para qualquer tipo de exploração agrícola, pecuária, florestal ou extrativa vegetal; as áreas sob efetiva exploração mineral; as áreas de efetiva preservação permanente e demais áreas protegidas por legislação relativa à conservação dos recursos naturais e à preservação do meio ambiente. 'H�VXD�YH]��R�*((�p�REWLGR�SRU�PHLR�GD�DSOLFDomR�GH�VLVWHPiWLFD�GH�FiOFXOR�TXH�OHYD�HP� FRQVLGHUDomR� D� GHVWLQDomR� HFRQ{PLFD� GD� JOHED� HP� IDFH� GH� tQGLFHV� GH� UHQGLPHQWR� FRQVLGHUDGRV� PHGLDQRV�� GH� DFRUGR� FRP� D� UHJLmR� RQGH� VH� ORFDOL]D� R� LPyYHO�� $VVLP�� GHWHUPLQD� R� DUW�� ��� ��� GD� /HL� ���������� TXH�� para os produtos vegetais, divide-se a quantidade colhida de cada produto pelos respectivos índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea (inciso I); para a exploração pecuária, divide-se o número total de Unidades Animais (UA) do rebanho, pelo índice de lotação estabelecido pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea (inciso II). Então, a soma dos resultados obtidos na forma anterior é dividida pela área efetivamente utilizada e multiplicada por 100 (cem), determinando-se assim o grau de eficiência na exploração (GEE) do imóvel rural. Dessa forma, um imóvel com níveis de exploração econômica mais eficientes que aqueles relativos à média exigida pelos órgãos oficiais poderá obter um percentual superior a 100% de GEE. Nada obstante, não há registro de que o Poder Público venha respeitando a regra do art. 11 da Lei 8.629/93, que mesmo antes da alteração determinada pela 03����������� Mi� H[LJLD� TXH�� QD� IL[DomR� GRV� parâmetros, índices e indicadores que informam o conceito de produtividade fosse ouvido também o Conselho Nacional de Política Agrícola. De outro turno, mostra-se razoável a Lei 8.629/93, ao não retirar a qualificação de propriedade produtiva do imóvel que, por razões de força maior, caso fortuito ou de renovação de pastagens tecnicamente conduzida, devidamente comprovados pelo órgão competente, deixar de apresentar, no ano respectivo, os graus de eficiência na exploração, exigidos para a espécie (art. 6º, §7º). Assim, os danos à produtividade decorrentes de esbulho da área podem ser considerados albergados por essa norma legal, como já reconheceu o STF. (81) Pela ótica social, considera a lei que a terra, mesmo produtiva, poderá estar desatendendo à função social se quem a explora o faz com desrespeito às leis trabalhistas, às disposições dos contratos agrários, bem como se não forem observadas as normas de segurança do trabalho ou provoca conflitos e tensões sociais no imóvel (§§4º e 5º do art. 9º da Lei 8.629/93). Aqui, portanto, é importante identificar o agente provocador do conflito social, pois com ele a lei não se compadece. Daí por que se afiguram materialmente corretas as disposições contidas na atual MP 2.183-56/2001, que inseriram os §§6º a 8º na redação do art. 2º da Lei 8.629/93. (82) O último dos requisitos − mas nem por isso menos importante − a ser brevemente analisado diz respeito à utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente. De efeito, considera-se adequada a utilização dos recursos naturais disponíveis quando a exploração se faz respeitando a vocação natural da terra, de modo a manter o potencial produtivo da propriedade (§2º do art. 9º da Lei 8.629/93). E por preservação do meio ambiente deseja a lei a manutenção das característicaspróprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, na medida adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e da saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas (§3º do art. 9º da Lei 8.629/93). (83) Neste ponto, percebe-se a necessidade de ponderar os aspectos relativos ao aproveitamento racional e adequado do imóvel rural (ótica econômica) em face daqueles referentes à adequada utilização dos recursos naturais e a preservação do meio ambiente (ótica ecológica). Assim, na fixação dos requisitos da função social do imóvel rural, a lei há de observar uma razoabilidade interna (84) que permita a eleição de critérios adequados tanto sob a ótica econômica quanto ecológica, daí o motivo de a Constituição mencionar, em ambos os casos, a questão da adequabilidade (cf. os incisos I e II do art. 186). Dessarte, a fixação do GUT e o GEE não pode perder de rumo a vedação à exploração econômica depredatória. É preciso saber se os parâmetros de produtividade que vêm sendo fixados pelos órgãos do Executivo não estão trabalhando com padrões por demais genéricos, ou que não levem em consideração certas peculiaridades ligadas à localização dos imóveis rurais. Essa importante questão, aliás, sujeita-se ao controle judicial não só para verificar se o "núcleo essencial" do direito de propriedade está sendo preservado, diante de eventuais imposições concretamente inatingíveis, mas principalmente para que não se exijam graus de exploração econômica mais elevados que a própria capacidade de regeneração natural do imóvel rural. ��±�'$�)81d2�62&,$/�'$�35235,('$'(�,0Ï9(/�(�2�1292�&Ï',*2�&,9,/� Por tudo que foi dito, considerando que a lei há de ser interpretada sob a ótica constitucional da qual retira validade, é justificado fazer-se uma releitura das normas infraconstitucionais acerca da propriedade à luz do princípio da função social. E não há por que excluir desse tratamento hermenêutico sequer antigos institutos de direito privado, cujas origens remontam o tempo do direito romano. Aqueles recepcionados pela Constituição passam a valer ungidos pela função social que condiciona o exercício da titularidade da propriedade. Nas palavras de ARAÚJO SÁ: FONTE:http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4573
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