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POLÍTICAS PÚBLICAS AULA 6 Prof. Andréa Luiza Curralinho Braga 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, refletiremos sobre o papel da sociedade civil e sua relação com o Estado na formulação de políticas públicas, bem como sobre as instituições participativas que surgiram no Brasil nas últimas décadas. Em um primeiro momento, abordaremos o conceito de controle social e sua ressignificação após a Constituição de 1988. Na sequência, explicitaremos os canais de participação constituídos no contexto brasileiro, destacando as especificidades do desenho de instituições participativas. Em seguida, daremos destaque às duas instituições que estabelecem a relação direta entre Estado e sociedade civil na formulação e diretrizes de políticas públicas, trazendo como lócus de análise os espaços das Conferências e dos Conselhos. Para finalizar, discorreremos sobre algumas experiências de organização coletiva no âmbito de sociedade civil, trazendo como enfoque os fóruns e os movimentos sociais. TEMA 1 – O CONTROLE SOCIAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS O tema do controle social não é novo e se relaciona aos fundamentos de criação do Estado. Segundo Raichelis (2011), do ponto de vista histórico e político, a categoria controle social foi entendida como controle do Estado sobre a sociedade. Nessa visão de controle social, o Estado é o aparato por excelência para o exercício do controle sobre a sociedade, relacionando-se a processos coercitivos. Esta visão ganha novos contornos à medida que a sociedade civil exige sua inserção em espaços que envolvem o acompanhamento e a fiscalização das ações que o Estado incide na vida da população. O termo controle social tem relação com o conceito de accountability, que está conexo à transparência de ações do Estado e sua prestação de contas. Para Sarafim (2006), o termo controle social: se difundiu especialmente nos anos 90, quando foram implementadas as chamadas “reformas do Estado” em diversos países em nível mundial. Instituições internacionais que elaboraram modelos para estas reformas defendiam a “accountability”, um termo que remete à transparência das ações do Estado, prestação de contas e controle da corrupção. Na América Latina, este termo em inglês foi utilizado como sinônimo de “controle social” mas guardou esse significado difundido 3 internacionalmente: controle da corrupção, da legalidade das ações dos gestores e dos governantes. (Sarafim, 2008) No contexto brasileiro, no período de redemocratização, após a ditatura militar, ocorreu uma mobilização da sociedade civil não somente com a pauta das eleições diretas, mas em uma perspectiva mais ampla de controle público da sociedade sobre o Estado. Esta pauta marca os preceitos legais inscritos na Constituição Federal de 1988, momento em que se inserem importantes dispositivos para a participação da sociedade civil nas decisões políticas. A autora Raquel Raichelis (2011) explicita que: A visão de controle social inscrita na Constituição Federal vai enfatizar a participação dos setores organizados da sociedade civil, especialmente dos trabalhadores e dos segmentos populares, na elaboração e implementação das políticas públicas, propondo novas relações ente o movimento social e a esfera da política institucional. (Raichelis, 2011, p. 21) Assim, o controle social como direito, conquistado pela Carta Magna de 1988, tem como princípio a “participação popular” e busca ampliar processos combinados das democracias representativa e participativa. Deste modo, no contexto da democracia participativa, há a proliferação de diversos canais de participação que incidem por representação direta e atuação política de entidades da sociedade civil em órgãos, agências ou serviços do Estado. Apesar dos avanços democráticos e da implementação de canais participativos após a Constituição de 1988, as duas concepções de controle social permanecem até hoje – do Estado sobre a população e da população sobre o Estado. Deste modo, o controle social tem concepções distintas nos espaços públicos. TEMA 2 – INSTITUIÇÕES PARTICIPATIVAS NO ÂMBITO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS Desde a promulgação da Constituição de 1988, diversas instituições participativas têm surgido a fim de corroborar e dar legitimidade à democracia participativa no âmbito do Estado. Neste contexto, a relação da sociedade civil e com o Estado instituiu milhares de canais de participação e novos formatos de instituições 4 democráticas participativas, com vistas à ampliação da participação e do controle social nas políticas públicas. Destaca-se que essas experiências foram proliferadas principalmente na década de 1990 e nos anos 2000, após a formulação de leis orgânicas e estatutos que preveem a obrigatoriedade de institucionalidade de diversas instâncias, conselhos, conferências, orçamentos participativos, planos diretores participativos municipais, entre outros diversos canais de participação. Os canais de participação no Brasil vão se disseminando e ampliando as institucionalidades que estabelecem relações entre a sociedade civil organizada e o Estado. Essas relações afetam o planejamento, a formulação e a fiscalização de políticas públicas em áreas como saúde, educação, assistência social, política urbana, entre outras. No contexto das instituições participativas, há desenhos com finalidades distintas de participação. Sobre a diversidade de instituições, citamos algumas: Conselho: são instâncias permanentes em que se estabelece a relação entre a sociedade civil e o Estado e têm como finalidade propor, fiscalizar e consultar políticas públicas. Conferência: constitui diretrizes de ação para a política pública realizadas periodicamente, estabelecendo, em plenárias, a relação entre a sociedade civil organizada e o Estado. Iniciativa popular: trata-se de mecanismo que permite que a população possa propor leis ao poder legislativo. Plebiscito: instrumento de consulta pública que serve para deliberar antes da aprovação ou da alteração de lei e ação governamental. Referendo: instrumento de consulta pública aplicado depois de alteração ou aprovação de lei ou ação governamental. Orçamento participativo: tem por finalidade decidir sobre a aplicação de obras e de investimentos no contexto urbano. A sociedade civil deve debater com o Estado as prioridades de aplicação de verba pública a serem definidas. Ainda, é importante frisar que no contexto dos canais de participação é que se evidencia a heterogeneidade das sociedades civil e política (poder público). No processo de formulação e acompanhamento das políticas públicas, 5 há defesa de interesses políticos distintos no interior do Estado e da sociedade civil (Dagnino; Olvera; Panfichi, 2006). Destaca-se a existência de diversos estudos realizados no Brasil sobre as instituições participativas (Dagnino, 2002; Avritzer, 2004, Tatagiba, 2002; Gohn, 2004), os quais apontam diferentes formas de organização desses canais no âmbito do município, do estado e da união. Assim, a organização das instituições participativas está relacionada às formas de incidência em que a sociedade civil se articula; à forma como o Estado valoriza e investe nos canais participativos e na exigibilidade da sociedade civil em relação ao governo referente à implementação dessas instâncias. TEMA 3 – CONFERÊNCIAS DE POLÍTICAS PÚBLICAS Entre as experiências participativas que mais se proliferam na relação entre Estado e sociedade civil no Brasil, destacam-se as institucionalidades das Conferências e Conselhos. Neste tópico,daremos ênfase ao debate das Conferências. Como mencionado no tema anterior, as conferências de políticas públicas têm como objetivo estabelecer diretrizes e avaliação de políticas públicas que ocorrem na relação entre sociedade civil e Estado. Para Bravo (2009), as Conferências são: [...] eventos que devem ser realizados periodicamente para discutir as políticas sociais de cada esfera e propor diretrizes de ação. As deliberações das conferências devem ser entendidas enquanto norteadoras da implantação das políticas e, portanto, influenciar as discussões travadas nos diversos conselhos (Bravo, 2009, p. 56). O processo de definição dos atores que participam da conferência é, de modo geral, paritário (50% sociedade civil, 50% poder público), salvo casos como a Conferência das Cidades e a Conferência das Mulheres, em que o percentual de representação é 60% sociedade civil e 40% poder público. Na conferência, a composição se dá pela participação de atores da sociedade civil e do governo, sendo diversos segmentos representados pela indicação de delegados que terão direito à voz e ao voto nas plenárias. Como exemplo, a Conferência da Cidade tem a representação da sociedade civil composta pelos seguintes segmentos: setor empresarial, sindicatos, organizações profissionais, ONGs, entidades acadêmicas, de pesquisa e movimentos populares, divididos por percentual de participação pelos 6 segmentos. No setor público, a composição se dá pelas diversas secretarias de governo e pelo poder legislativo. As conferências são realizadas no âmbito municipal, estadual e nacional e convocadas por decreto presidencial, em que há definição de tema e lema. Ainda, é definido, no mesmo decreto, o calendário para a organização das Conferências nas três esferas de governo. O processo de organização das Conferências é, de modo geral, realizado pelo Conselho da respectiva política (saúde, educação, assistência social, cultura, cidades, igualdade racial, entre outras). As conferências tornaram-se uma relevante arena de interlocução entre sociedade civil e governo, com a proposta de discutir e propor a formulação de políticas públicas e novas ações do poder público, além da finalidade de avaliação e prestação de contas das políticas aprovadas em encontros anteriores. TEMA 4 – CONSELHOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS Os conselhos gestores de políticas públicas no Brasil são instâncias participativas e suas institucionalidades foram configuradas como obrigatórias no controle social das políticas públicas após a Constituição Federal de 1988. Em levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), contabiliza-se a existência de 43.156 conselhos municipais. Nesta somatória, não estão somados os conselhos federais e estaduais. Em termos operacionais, o desenho dos Conselhos geralmente é estabelecido por Leis Orgânicas, ocorrendo sequencialmente à institucionalização dessas instâncias, sendo parte integrante do Poder Executivo. Tais espaços estabelecem a relação entre sociedade civil e poder público e são compostos por diversos segmentos sociais com a responsabilidade de acompanhamento, planejamento e fiscalização de políticas públicas. Os conselhos, diferentemente das conferências, têm caráter permanente, de modo que são realizadas reuniões sistemáticas entre os representantes eleitos para definir as principais pautas e assuntos a serem acompanhados pelo mandato da gestão dos conselheiros escolhidos. De maneira geral, os mandatos dos conselhos têm um período de dois anos e, para eleição de novos representantes, são realizadas eleições no contexto das Conferências. 7 Segundo Braga (2015), os conselhos gestores podem ser classificados conforme sua forma de intervenção, caracterizando-se como: (i) consultivos – têm a responsabilidade de emitir opiniões e apreciar determinados assuntos que são apresentados aconselhamentos; (ii) normativos – reinterpretam as normas vigentes como também as criam; (iii) fiscalizatório – têm como característica fiscalizar projetos, programas de governo, bem como contas públicas e emitir parecer ou análise sobre o conteúdo; (iv) deliberativos – a eles compete o caráter decisório e têm maior poder de exigência do cumprimento das resoluções emitidas. (Braga, 2015). De modo geral, é recorrente que os conselhos apresentem a combinação de formas de intervenção diversas. As especificações de suas competências e atribuições são previstas em leis exclusivas e regimentos internos. TEMA 5 – INSTÂNCIAS DE ORGANIZAÇÃO COLETIVA DA SOCIEDADE CIVIL PARA INCIDÊNCIA NOS ESPAÇOS DE CONTROLE SOCIAL No processo que envolve a participação da sociedade civil organizada para atuar no controle social, institucionalizam-se diversas instâncias coletivas que apresentam pautas ou ações específicas de atuação, sendo estas: sindicatos, partidos políticos, organizações não governamentais, fóruns e movimentos sociais. Neste tópico, nos aprofundaremos em duas instâncias de destaque no âmbito do controle social: os fóruns e os movimentos sociais. Os fóruns são resultado da articulação de entidades, dos movimentos populares, associações de classe, ONGs e instituições de pesquisa acadêmica com a proposta de incidir, em uma agenda política definida, temas que aglutinam propostas coletivas. No contexto dos Fóruns, pode haver ou não atuação do poder público. Há o objetivo de desenvolver ações coletivas, de articulação e agenda comum e de definição de políticas públicas voltadas à promoção de direitos. Segundo Kauchakje (2008), os fóruns “ampliam os debates públicos local, nacional e transnacional, fomentando debates e a articulação de proposições ligadas aos direitos, a política e a economia” (Kauchakje, 2008, p. 82). Como exemplo de articulação coletiva de Fóruns, podemos citar o Fórum Nacional da Democratização da Comunicação, o Fórum Nacional da Reforma Urbana (FNRU) e o Fórum Mundial de Economia Solidária. 8 Os movimentos sociais são organizações com identidade coletiva construídas com base em valores culturais e políticos compartilhados por determinado grupo. O grau de organização dos movimentos sociais permite que sua ação seja mais articulada e propositiva. Mais do que reivindicações pontuais, os movimentos sociais buscam provocar mudanças institucionais e estruturais. Uma das características abordadas por Gonh (2002) é a não institucionalização dos movimentos sociais que, segundo a autora, se constituem como principais protagonistas de garantias legais. Para Gohn (2007), os movimentos sociais são “fenômenos históricos, decorrentes de lutas sociais. Colocam atores específicos sob as luzes da ribalta em períodos determinados. Com as mudanças estruturais e conjunturais da sociedade civil e política, eles se transformam” (2007, p.19- 20). Entre as características principais dos movimentos sociais, citamos: (i) campo de conflitos e reivindicatórios; (ii) construção de projeto de transformação ou de utopias; (iii) pautas relacionadas a diversas frentes. Como exemplo de movimentos sociais, poderemos citar os movimentos: da Reforma Agrária, da Reforma Urbana, da Reforma Sanitária, LGBTI, Estudantil, da População em Situação de Rua, Negro, entre outros. NA PRÁTICA Para ampliar o conhecimento sobre controle social e instituições participativas dos Conselhos e Conferências, você deve escolher duas políticas públicas de seu interesse (saúde, educação, assistência social, cidades, igualdade racial, meio ambiente, direitos humanos, entre outras), pesquisar sobre elas na página do governo federal e responder às seguintes questões:1. Quantas Conferências Nacionais foram realizadas sobre cada uma das políticas investigadas? Há informações sobre as conferências estaduais e municipais? 2. Sobre a estrutura do Conselho Nacional das duas políticas escolhidas, descreva: (i) Quais os segmentos da sociedade civil e do poder público que compõem o Conselho? (ii) Qual é a lei de criação e o que está previsto como atribuições e classificação (se são consultivos, deliberativos, fiscalizatórios)? 9 FINALIZANDO Nesta aula, trabalhamos o conceito de controle social, bem como sua nova configuração, pautado na atuação da sociedade civil organizada no processo de fiscalização e incidência nas políticas públicas. Para o controle social, foram criados diversos canais de participação constituídos no contexto brasileiro, e, como enfoque, abordamos sobre conselhos, conferências, iniciativa popular, plebiscito, referendo e orçamento participativo. Por fim, explicitamos experiências de organização coletiva no âmbito da sociedade civil, trazendo as especificidades de atuação dos fóruns e movimentos sociais. 10 REFERÊNCIAS BRAGA, A. L. C. Governança democrática no Conselho Municipal da Cidade de Curitiba: presença e voz dos atores sociais. Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2015. BRAVO, M. I. S. O Trabalho do Assistente Social nas Instâncias Públicas de Controle Democrático. In: _____. Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009. DAGNINO, E.; OLVERA, A.; PANFICHI, A. (Org.). A disputa pela construção democrática na América Latina. São Paulo/Campinas, SP: Paz e Terra/Unicamp, 2006. GOHN, M. G. O protagonismo da sociedade civil: movimentos sociais, ONGs e redes solidárias. São Paulo: Cortez, 2007. _____. Novas teorias dos movimentos sociais. São Paulo: Loyola, 2002. RAICHELIS. R. O Controle Social Democrático na Gestão e Orçamento Público 20 Anos Depois. CFESS – Conselho Federal de Serviço Social, Seminário Nacional o controle social e a consolidação do Estado Democrático de Direito. Brasília, 2011. Disponível em: <http://www.cfess.org.br/arquivos/livrosite_seminariocontrolesocialCFESS- CRESS.pdf>. Acesso em: 6 mar. 2018. SARAFIM, L. Controle social: que caminhos? Observatório dos Direitos do Cidadão. São Paulo: Instituto Pólis, 2008. Paper.
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