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4?- TEORI ALBINO ZAVASCKi Ministro do SuperiorTribunal de Justiça. Professorde Direito na Universidade de Brasília. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual e do Instituto Ibero-americano de Direito Processual. Antecipação da Tutela p 7aedição 2009 Editora Saraiva jurídicas, e (a.2) é marcada pela imutabilidade própria da coisa jul gada material. A segunda, que privilegia o valor "efetividade", caracteriza-se: (b.l) por estar necessariamente referenciada a um pedido de tutela definitiva, à falta do qual não tem ou perde sua razão de ser; (b.2) por ter como pressuposto uma situação de urgência, entendida em senti do amplo, compreendendo-se como tal a situação fática que, de al guma forma, compromete a regular prestação da tutela definitiva; (b.3) por ser formada à base de cognição sumária, assim considerada a cognição menos aprofundada, no seu nível vertical, que a cognição exauriente própria da tutela definitiva a que se acha referenciada; (b.4) por ter eficácia limitada no tempo, não perdurando por prazo maior que o da concretização de sua finalidade ou o da duração do processo no qual é buscada a tutela definitiva correspondente; (b.5) por ser precária, não submetida à imutabilidade da coisa julgada, podendo ser modificada ou revogada a qualquer tempo, desde que haja mudança no estado de fato (que acarrete o desaparecimento, o surgimento ou a modificação da situação de urgência que lhe serve de pressuposto) ou no estado da prova (que acarrete nova compreen são sobre os fatos e o direito afirmado). 40 CAPÍTULO III TUTELA PROVISÓRIA EM ESPÉCIE: MEDIDAS CAUTELARES E MEDIDAS ANTECIPATÓRIAS Sumário: 1. Poder geral de cautela e medidas antecipatórias. 2. Antecipação da tutela após a reforma processual de 1994. 3. Cautelar é garantia, antecipação é satisfação. 4. Antecipa-se a eficácia social, não a jurídico-formal. 5. Relação de pertinência entre tutela definitiva e medida antecipatória. 6. Ordens de abs tenção: cautelares ou antecipatórias? 7. Conclusões. 1. Poder geral de cautela e medidas antecipatórias Na estruturação do Código de Processo Civil brasileiro de 1973, ficou reservado Livro próprio para o "Processo Cautelar" e nele o legislador, além de disciplinar diversos procedimentos especiais — al guns, inclusive, sem natureza genuinamente cautelar —, atribuiu ao juiz o que se convencionou denominar poder geral de cautela, ou seja, o poder de "determinar as medidas provisórias que julgai- adequadas quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamen to da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação" (art. 798 do CPC). A interpretação desse instituto sempre foi contro vertida na doutrina, especialmente no que respeita ao alcance e con teúdo das tais "medidas provisórias adequadas". No cerne da polê mica situou-se a questão de se saber se essas medidas eram apenas consistentes de garantias do processo, restritamente consideradas, ou se, ao revés, poderiam comportar também providências que represen tassem a própria antecipação do direito material afirmado pelo inte ressado. Enfim: questionou-se largamente sobre a legitimidade ou não, no âmbito do processo cautelar, das chamadas medidas caute lares satisfativas. 4! UHK -«á* ,..:..: .- -.i .•«-, ,i-.j --.« Várias correntes deopinião seformaram arespeito. Houve quem sustentasse, como Galeno Lacerda, que "no exercício desse imenso e indeterminado poder de ordenar 'asmedidas provisórias que julgar adequadas' para evitar dano à parte"40 poderia ojuiz inclusive ante cipar provisoriamente aprópria prestação jurisdicional objeto da ação de conhecimento, espécie de cautela essa que, em seu entender, está compreendida na finalidade do processo cautelar: "A finalidade do processo cautelar consiste em obter segurança que torne útil epossí vel a prestação jurisdicional de conhecimento e de execução. Nesta perspectiva, três necessidades podem surgir: ade garantir-se aprova, a de assegurar-se a execução quanto aos bens e a de outorgar-se desde logo a antecipação provisória"41. Nessa última espécie estaria abrangida "grande parte das cautelares inominadas"42, campo em que "essa antecipação se estende em dimensões notáveis, praticamente a todos os setores do direito"43. Em linha oposta situaram-se os que, como Humberto Theodoro Júnior, consideram bem mais limitado o poder geral decautela. Para ele, "amelhor doutrina não mais reconhece à tutela cautelar ocaráter de antecipação provisória da satisfação do direito material"44. As li minares antecipatórias, que já apresentam "decisão satisfativa do direito, embora precária", previstas em certos procedimentos especiais (interditos possessórios, mandado de segurança), não têm natureza cautelar. Comas medidas cautelares, isto, de antecipar a entrega da prestação de direito, "jamais ocorrerá, pois são neutras diante do resultado do processo principal"45. No seu entender, opoder geral de cautela teria a seguinte conformação: "Seu fito é apenas garantir a utilidade e eficácia da futura prestação jurisdicional satisfativa. Não pode, nem deve, amedida cautelar antecipar adecisão sobre odirei- 40. Comentários ao Código deProcesso Civil, 3. ed., Rio deJaneiro, Forense, 1987, v. VIII, 1.1, p. 135. 41. Galeno Lacerda, Comentários, cit., p. 15-6. 42. Galeno Lacerda, Comentários, cit., p. 15. 43. Galeno Lacerda, Comentários, cit., p. 17. 44. Theodoro Júnior, Processo, cit., p. 65. 45. Theodoro Júnior, Processo, cit., p. 67. to material, pois não é da sua natureza autorizar uma espécie de execução provisória"46. Posição intermediária foi defendida por J. J. Calmon de Passos: "O que se perquire é a possibilidade de o juiz, no silêncio da lei, antecipar a tutela, por conseguinte criar liminares não expressamen te autorizadas pelo legislador. Contra isso me oponho. Aliminar é uma antecipação de tutela e só o legislador pode deferi-la, em nosso sistema. A cautelar é um expediente técnico assegurador da futura tutela. Esóa isso ojuizestá autorizado. Indaga-se: entretanto, como fazer, se para resguardar oresultado útil do processo outro expedien te inexiste fora da antecipação da própria tutela, ainda que em caráter provisório? Nestas circunstâncias, responde-se, aantecipação (limi nar) éaprópria cautela, identificando-se ambas. Eassim, aantecipa ção estaria autorizada, por força de sua função cautelar"47. Ao admitir, como admite, que o poder geral decautela compre ende, excepcionalmente, também ode antecipar aprópria tutela de mérito quando inexistente outra medida apta agarantir oresultado útil do processo, Calmon de Passos, nesse ponto, parece aproximar-.^ semais deGaleno Lacerda do que deTheodoro Júnior. Também para Galeno Lacerda, as cautelares inominadas, notadamente as antecipa tórias que, no seu entender, têm natureza discricionária —, não podem ser concedidas arbitrariamente. "Discrição não significa ar bitrariedade, mas liberdade de escolha ede determinação dentro dos limites da lei", sustenta ele48. E acrescenta: "Se discrição se traduz na liberdade de escolha dentro da finalidade legal, não significa, porém, arbítrio subjetivo, deformador do justo eexato valor objetivo dos fatos submetidos à apreciação do agente público, juiz ou admi nistrador. Não há liberdade para estes, quanto ao dever de descobrir e definir a melhor solução imposta pelos fatos, dentro do critério genérico legal"49. Para Galeno Lacerda, "o poder genérico einomi- nado não cabe se existirem no ordenamento jurídico outros meios 46. Theodoro Júnior, Processo, cit., p. 109. 47. Calmon de Passos, Comentários, cit., p. 112. 48. GalenoLacerda, Comentários, cit., p. 138. 49. Galeno Lacerda, Comentários, cit., p. 139. 43 típicos detutela, previstos para aespécie"50, e,mutatis mutandis, essa opinião coincide com a de Calmon de Passos, sobre os limites, im postos pelo sistema, à concessão de liminares satisfativas.Nesta brevíssima síntese das posições doutrinárias sobre opoder geral decautela não se pode deixar de referir a opinião de Ovídio A. Baptista da Silva,paraquemsão substancialmente inconfundíveis as medidas cautelares (que representam, simplesmente, medidas de segurançapara a execução) e as medidas antecipatórias (medidas de execução parasegurança). Aquelas sãocautelares. Estas, "de caute lares apenas têm onome e a forma procedimental"51, oque não sig nifica, entretanto, serem elas ilegítimas. Pelo contrário: "A legitimi dade deste tipo de tutela jurisdicional é manifesta, tendo-se em vista a supressão, determinada por nosso direito atual, dos demais instru mentos de sumarização de demandas, tornando o procedimento or dinário a via praticamente exclusiva para a solução de conflitos"52. E mais: "Se, nestas circunstâncias, indagarmos a respeito da fre qüência com que podem ocorrer, emnosso direito, as liminares 'sa- tisfativas-provisionais', ou a respeito de sua natural potencialidade para expandirem-se numericamente, em nossa prática judiciária, a resposta deverá mostrar que não há limites possíveis que impeçam o seucrescimento, dado que, sendo elasapenas e exclusivamente limi nares que antecipam asentença final de procedência, em tese, qualquer demanda que contenha eficácias executiva ou mandamental ou demandas condenatórias em mandamentais transformadas, como naquelas hipóteses mencionadas há pouco —podem produzir decisões liminares de tipo interditai"53. Esta dessintonia doutrinária refletiu-se, como era de se esperar, na jurisprudência. Todavia, oqueocorreu nos tribunais, de um modo geral, foi agradual passagem de uma linha de orientação nitidamen te radical, de rejeitar medidas cautelares satisfativas, para outra exatamente oposta. A ação cautelar passou a ser aceita, não apenas M 50. Galeno Lacerda, Comentários, cit., p. 159. 51. Baptista daSilva, Curso, cit., v. III, p. 17. 52. Baptista daSilva, Curso, cit., p. 60. 53. Baptista da Silva, Curso, cit., p. 67. como instrumento para a obtenção de medidas para garantia do re sultado útil do processo, mas também para alcançar tutela de mérito relativa a pretensões que reclamassem fruição urgente. Esse movi mento pendular acompanhou, aliás, um movimento mais amplo, sentido também em outros países com sistema semelhante ao nosso' de expansão da tutela provisória. Na onda expansiva, vieram abusos,' como, por exemplo, o da concessão de liminares, mais que satisfati vas, irreversíveis, cuja execução inviabilizava oretomo da situação fática ao estado anterior, comprometendo irremediavelmente aga rantia do contraditório e da defesa, bem como aefetividade prática de eventual sucesso do réu na sentença final. Preocupado com o fenômeno, que atingiu especialmente as entidades da administração pública, o legislador buscou alternativas para contê-lo em padrões razoáveis, e para isso editou várias normas limitadoras da tutela provisória satisfativa, proibindo-a em certos casos e, em outros, submetendo sua concessão a requisitos mínimos de contraditório. Exemplos significativos de preceitos com essa fi nalidade são os da Lei n. 8.437, de 30 de junho de 1992, que "dispõe^ sobre a concessão demedidas cautelares contra atos do Poder Públi co". Ao assim proceder, ou seja, ao impor limites àsua concessão, o legislador, implicitamente, acabou por reconhecer a.possibilidade, ainda que restrita, de medidas antecipatórias do direito material no âmbito do poder cautelar geral. 2. Antecipação da tutela após a reforma processual de 1994 Nesse contexto, sobreveio areforma processual de 1994: dando nova redação ao art. 273 do Código de Processo Civil, o legislador consagrou a possibilidade de ojuiz, atendidos certos requisitos, an tecipar, em qualquer processo de conhecimento, os efeitos da tutela definitiva de mérito. Essa mudança, generalizando a concessão da tutela antecipatória, teve relevantes conseqüências não apenas no campo do processo cautelar, mas também no de conhecimento e no de execução, conseqüências muito mais profundas do que àprimeira vista podem parecer. A orientação do legislador foi clara: admitiu explicitamente apossibilidade de concessão de medidas de antecipa ção do próprio direito material afirmado pelo autor, mas deu a tal 45 espécie detutela uma disciplina processual e procedimental própria, diversa da prevista para as medidas cautelares. Assim, após a reforma, já não sepode mais questionar dalegi timidade dasmedidasprovisóriassatisfativas, providência que passou a ser cabível, em qualquer ação de conhecimento. No entanto, sua concessão está sujeita a regimepróprio, inconfundível e, em alguns aspectos, mais rigoroso que o dasmedidas cautelares, a saber: (a) a antecipação datutela sedána própria ação de conhecimento, median te decisão interlocutória, enquanto as medidas cautelares continuam sujeitas à ação própria, disciplinada no Livro do Processo Cautelar; (b) a antecipação da tutela está sujeita a pressupostos e requisitos próprios, estabelecidos pelo art. 273 do Código de Processo Civil, substancialmentediferentes dos previstos no art. 798 (CPC), aplicá veis estes apenas àsmedidas genuinamente cautelares. Inconcebível, desde então (salvo expressa lei autorizadora, como é o caso do art. 852 do CPC), pensar-se em antecipação da tutela como pretensão aptaa serdeduzida emaçãoautônoma, aindaquepreparatória auma ação principal. O que se operou, inquestionavelmente, foi a purificação do processo cautelar, que assim readquiriu sua finalidade clássica: a de instrumento paraobtenção demedidas adequadas a tutelar o direito, sem satisfazê-lo. Todas as demais medidas assecurativas, que cons tituam satisfação antecipada de efeitos da tutela de mérito, já não caberão em ação cautelar, podendo ser, ou melhor, devendo ser re clamadas na própria ação de conhecimento, exceto nos casos, raros, já referidos, em que a lei expressamente prevê ação autônoma com tal finalidade. Postulá-las em ação cautelar, na qual os requisitos para a concessão da tutela são menos rigorosos, significará fraudar o art. 273 do Código de Processo Civil, que, para satisfazer antecipada mente, supõecognição em nívelmais aprofundado,pois exige veros similhança construída sobre prova inequívoca. Essa afirmação continua verdadeira, mesmo depois do advento do § 72do art. 273, introduzido pela Lei n. 10.444, de 2002, segundo o qual "se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer provi dência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os res pectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter inciden- 46 tal do processo ajuizado". Com efeito, a"fungibilidade" estabelecida nesse parágrafo tem mão única: diz respeito àmedida cautelar, que pode ser deferida em caráter incidental. Não autoriza, todavia, o contrário, ou seja, que amedida antecipatória possa ser requerida, como a cautelar, por ação autônoma54. Se assim fosse entendido,' estar-se-ia atentando contra alógica do sistema atual, um dos princi pais avanços trazidos pelo movimento reformador do sistema, que é ade concentrar em uma única relação processual, tanto quanto pos sível, toda a atividade jurisdicional. . Bem sevê, com isso, que ainovação introduzida no sistema não eliminou osignificado da distinção entre medidas cautelares emedi das antecipatórias. Otema continua atual. Antes da reforma de 1994, apergunta que se fazia era se as medidas antecipatórias podiam ser consideradas medidas cautelares e, assim, ser incluídas no poder geral de cautela do art. 798 (CPC). Após a reforma, a indagação cabível éoutra: ade como identificar as medidas sujeitas ao regime do processo cautelar e as subordinadas ao regime do art. 273. Oan tigo questionamento continua aceso, deslocado tão-somente o seu enfoque: arazão de distingui-las está em que cada uma das espécies de tutela provisória tem regime próprio, inconfundível e, ressalvadaahipótese do §72 do art. 273, "infungível", insuscetível de substitui ção pelo regime da outra. 3. Cautelar égarantia, antecipação ésatisfação Apesar das suas características comuns e da sua identidade quanto à função constitucional que exercem, as medidas cautelares e as^ antecipatórias são tecnicamente distintas, sendo que a identifi cação de seus traços distintivos ganha relevo em face da autonomia de regime processual e procedimental que lhes foi atribuída pelo legislador. Tomando por base o art. 273 do Código de Processo Civil, podemos definir medida antecipatória como amedida pela qual ojuiz ™m54" nnCdÍe DÍd'er Jr- A,Wm reforma Pmcess"«l, 2. ed., São Paulo, Saraiva,2003, p. 90. 47 -*S* antecipa, "total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial". Se lograrmos identificar, no conjunto das medidas de tutela provisória, as que apresentam essas características, podere mos, ainda que por exclusão, distingui-las das demais, sujeitas ao regime do processo cautelar. Como ponto de partida, convém atentar para as várias espécies de perigo que podem comprometer a efetividade da função jurisdicio nal. Ao classificar as medidas cautelares (nelas incluídas, na sua linha de orientação, as antecipatórias), Piero Calamandrei dividiu-as em quatro grupos: medidas de instrução antecipada, medidas para garan tir a execução forçada, medidas de antecipação provisória e, finalmen te, medidas de caução processual55. Com exceção das do último grupo (cujo exame aqui não vem a propósito, dado que constituem medidas de contracautela), esta é também a classificação adotada, entre nós, por Galeno Lacerda, que as dividiu em medidas de "segurança quan to à prova", "segurança quanto aos bens (execução)" e "segurança mediante antecipação provisória da prestação jurisdicional"56. Como parâmetro de tal classificação, seus autores tiveram em mente as várias situações de perigo a ser debelado com a medida. No dizer de Cala mandrei, as providências de segurança da prova (primeiro grupo) são cabíveis "cuando, antes de que ei proceso se inicie, existe motivo para temer que, si Ia providencia instructoria tardase, sus resultados pro- drían ser menos eficaces"57; já as providências do segundo grupo (segurança para a execução) "sirven para facilitar ei resultado prácti- co de una futura ejecución forçada, impidiendo Ia dispersión de los bienes que puedan ser objeto de Ia misma"58; e no terceiro grupo, estão as providências "mediante Ias quales se decide interinamente, en espera de que a través dei proceso ordinário se perfeccione Ia de- cisión definitiva, una relación controvertida, de Ia indecisión de Ia qual, si esta perdurase hasta Ia emanación de Ia providencia definitiva, podrían derivar a una de Ias partes danos irreparables"59. 48 55. Calamandrei, Introducción, cit., p. 51. 56. Galeno Lacerda, Comentários, cit., p. 15. 57. Calamandrei, Introducción, cit., p. 53. 58. Calamandrei, Introducción, cit., p. 56. 59. Calamandrei, Introducción, cit., p. 58. rmmmi** Tem-se, destarte, que as situações de risco à efetividade da prestação da tutela definitiva são essencialmente três. Há situações em que acertificação do direito material éque está em risco, já que aprova de sua existência encontra-se ameaçada em face da demora de sua coleta pelos meios ordinários. Quando ocorrerem, será ur gente medida para anteciparaprodução daprova, que, todavia, não importa qualquer antecipação de efeitos da futura sentença Por outro lado, há situações em que operigo ameaça não acertificação mas afutura execuçãoforçada do direito certificado, com adissipa- çao das suas indispensáveis bases materiais. Nestes casos, urgente será medida para garantir aexecução, oque, igualmente, não sig nifica anteopar efeitos da tutela definitiva. Mas, finalmente, há si tuações em que acertificação do direito pode não estar sob risco como podem não estar sob risco de dissipação os bens destinados à execução do d.reito certificado: operigo de dano ao direito decorre unicamente, da demora na sua efetiva fruição. Presentes essas cir cunstancias será urgente medida para propiciaraprópria satisfação »do direito afirmado etal medida, por certo, representará antecipação de um efeito típico da tutela definitiva, própria da futura sentença de procedência. v Em suma: há casos em que apenas acertificação do direito está em perigo, sem que sua satisfação seja urgente ou que sua execução esteja sob risco; há casos em que operigo ronda aexecução do direi to certificado, sem que asua certificação esteja ameaçada ou que sua satisfação seja urgente. Em qualquer de tais hipóteses, garante-se o direito, sem satisfazê-lo. Mas há casos em que, embora nem acerti- ícaçao nem aexecução estejam em perigo, asatisfação do direito é todavia, urgente, dado que ademora na fruição constitui, por si' elemento desencadeante de dano grave. Essa última éasituação dè urgência legitimadora da medida antecipatória. 4. Antecipa-se aeficácia social, não ajurídico-formal Antecipar significa satisfazer, total ou parcialmente, odireito afirmado pelo autor e, sendo assim, não se pode confundir medida antecipatória com antecipação da sentença. Oque se antecipa não é propriamente acertificação do direito, nem aconstituição etampou- co a condenação porventura pretendidas como tutela definitiva. Antecipam-se, isto sim, os efeitos executivos daquela tutela. Em outras palavras: não se antecipa a eficácia jurídico-formal (ou seja, a eficácia declaratória, constitutiva e condenatória) da sentença; antecipa-se a eficáciaque a futura sentença pode produzir no campo da realidade dos fatos. Na linguagem jurídica, quando se fala em eficácia das normas, é possível dar a essa expressão dois sentidos bem distintos60. Vista como fenômeno puramente abstrato, eficácia é a aptidão da norma jurídica para gerar efeitos no mundo jurídico. Nesse sentido, "a eficácia da norma jurídica é a sua incidência" e esta "se passa no mundo dos pensamentos", ensina Pontes de Miranda61. "Eficácia jurídica é a que se produz no mundo do direito como decorrência dos fatos jurídicos e não", segundo ele, "a mudança que atua nas relações jurídicas"62. Mas há um segundo sentido para a expressão: o que designa a aptidão da normajurídica para produzir efeitos na realidade social, ou seja, para produzir, concretamente, condutas sociais compatíveis com as determinações constantes do preceito normativo. Aqui, a eficácia é fenômeno que se passa, não no plano puramente formal, mas no mundo dos fatos, e por isso mesmo é denominada eficácia social ou efetividade. Miguel Reale, que definiu eficácia como sendo a "aplicação ou execução da norma jurídica, ou, por outras palavras, é a regra jurídica enquanto conduta humana", sustenta que "o Direi to autêntico, não é apenas declarado mas reconhecido, é vivido pela sociedade, como algo que se incorpora e se integra na sua maneira de conduzir-se"63. 60. Discorremos sobre o tema in Eficácia social da prestação jurisdicional, Revista de Informação Legislativa, n. 122, p. 291; Revista Trimestral de Direito Público, n. 8, p. 107. 61. Pontes de Miranda, Tratadode direito privado, 4. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1.1, p. 16-7. 62. Pontes de Miranda, Tratado, cit., p. 4. 63. Miguel Reale, Lições preliminares de direito, 7. cd., São Paulo, Saraiva, 1980, p. 112-3. 50 Também a eficácia das sentenças, que são preceitos normativos para conflitos concretizados, permite aquele duplo sentido. Há, nas sentenças, aptidão para produzir efeitos no plano jurídico-formal, como são os efeitos de declarar, constituir, desconstituir, condenar. Easua eficácia jurídica em sentido estrito. Ehá nelas aptidão para produzir efeitos na realidade dos fatos, vale dizer, para impor condu tas compatíveis com a eficácia jurídica. Éa sua eficácia social, a sua efetividade. Pois bem, conforme antes se afirmou,'a medida antecipatória é medidaque se destina a atender uma situação de urgência, a afastar um perigo de dano ao direito de alguém, em função da demora da prestação da tutela definitiva. Ora, quando se fala em urgência, em dano, zmpericulum in mora, está-se falando emfatos e não em abs trações. Perigo é fenômeno concreto enão formal. No plano jurídico- formal, ou seja, no mundo dos pensamentos, aeficácia da sentença não se sujeita aperigo algum. Ademora em sua prolação jamais será empecilho aque asentença definitiva produza seus efeitos no plano, ..^ abstrato. Não há perigo que possa comprometer atutela jurisdicional ~' no que tange adeclarar direitos, ou aconstituir edesconstituir relações jurídicas, ou a impor condenações. Operigo, quando existe, diz res peito àeficácia social da sentença, ou seja, àsua aptidão para tornar concreta sua eficácia jurídico-formal. Énesse plano que se instala o periculum in mora, e é a eficácia nesse plano, conseqüentemente, a que deve ser antecipada. Daía razão de se reafirmar: antecipar efeitos da tutela definiti va não é antecipar a sentença, mas, sim, antecipar os efeitos execu tivos que a futura sentença poderá produzir no plano social. 5. Relação de pertinência entre tutela definitiva e medida ante cipatória Como elemento próprio ecaracterístico da medida antecipatória —e,pois, como requisito negativo datutela cautelar —identificamos este: émedida que se destina aantecipar efeitos da tutela definitiva, ou, mais precisamente, antecipar efeitos que a futura sentença defi nitiva de procedência poderá produzir no plano concreto. 51 Tutela definitiva é a tutela-padrão prometida pelo Estado, for madanoâmbito de umprocesso contraditório, comgarantia demeios adequados dedefesa paraaspartes, e coberta, aofinal, pelamarca da coisa julgada. Tutela definitiva é, pois, tutela vocacionada para a imutabilidade, apta a perpetuar seus efeitos enquanto nãoexauridos integralmente. Tutela definitiva demérito em favor do autor é a que consolida a situação jurídica porele almejada e requerida na petição inicial. A noção de tutela definitiva constitui um elemento de funda mental relevância para quem busca traçar a linha que divide as espé cies de tutela provisória. Com efeito, se a medida antecipatória é a que adianta efeitos da tutela definitiva, osefeitos antecipáveis sãoos mesmos que o demandante quer ver consolidados definitivamente, isto é, por tempo maior que oda duração do processo; são aqueles que se quer perpetuados pelo tempo afora, até serem inteiramente exauridos. Medida antecipatória, conseqüentemente, é aque contém providência apta a assumir contornos dedefinitividade pela simples superveniencia dasentença quejulgarprocedente opedido. Nodizer deMandrioli, a técnicaantecipatória é aquela"il cui elemento strut- turale è dato dal fatto che un provvedimento, dapronunciarsi prima delia sentenza diprimo grado, investe, almeno inparte, Iamedesima matéria che costituirà oggeto di quela sentenza"64. Já a tutela cautelar tem conteúdo próprio, diverso do da tutela definitiva. Seu objeto não é satisfazer o direito afirmado, mas pro mover garantias para sua certificação ou para sua futura execução forçada. Na antecipação, "coincidem a providência a ser ordenada pelo tribunal e a conseqüência jurídica resultante do direito mate rial"65, oque significa dizer que os efeitos antecipáveis são os mesmos que se operariam se o demandado, espontaneamente, se conduzisse segundo o ditame do direito material afirmado pelo autor. Conse qüentemente, não terá natureza antecipatória, mas sim cautelar, a 64. Crisanto Mandrioli, Per una nozione strutturale dei provvedimenti antici- patori o interinali, Rivista di Diritto Processuale, Padova, 1964, p. 558. 65. Fritz Baur, Tutela jurídica mediante medidas cautelares, trad. Armindo Edgar Laux, Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris Editor, 1985, p.50. 52 providencia que não puder ser identificada, no todo ou em parte, como coincidente com as do atendimento espontâneo do direito, ou seja com as da realização natural da situação jurídica que oautor quer ver definitivamente consolidada. Assim, numa ação reivindicatória, terá natureza antecipatória a medida que, no curso do processo, propiciar a retirada do bem da posse do reu para entregá-lo ao autor, pois atransferência da posse seria uma das providências naturais do demandado que se dispusesse a espontaneamente, satisfazer odireito reclamado. Aconsolidação da posse sobre obem vindicado é, no caso, providência coincidente com aconseqüência jurídica resultante do direito material, sendo portanto, conteúdo da tutela definitiva. Terá, porém, natureza cautelar reriS SHeqÜef° d° bCm 1ÍtÍgÍ0S°' dad° ^ °Se^üestro' ««o é, aretirada do bem da posse do réu esua entrega aum depositário, não é certamente situação que se pretende ver perpetuada, nem éprovidên cia compatível com as que decorreriam do cumprimento espontâneoda obrigação. E, isto sim, mera providência para garantir aexecução tendo necessariamente caráter temporário, isto é, não sendo apta a converter-se em situação consolidada pelo advento da tutela definiti va. Mesmo quando odepositário for opróprio autor, ainda nesse caso oseqüestro nao perderá sua natureza cautelar, já que asituação jurí dica aser consolidada como tutela definitiva éaque enseja aentrega do bem ao autor-proprietário, não ao autor-depositário. Aliás, por falar em caráter temporário das medidas cautelares este eum ponto que merece consideração especial. Éusual na lin guagem jurídica qualificar como tutelaprovisória tanto agenuina mente cautelar quanto a tipicamente satisfativa. No entanto bem o demonstrou Ovídio A. Baptista da Silva66, se formos mais precisos na conceituação verificaremos queprovisória éapenas aantecipação da tutela. Amedida genuinamente cautelar não éprovisória, esim temporária, sendo esse mais um ponto adistinguir as duas espécies Realmente, conforme escreveu Calamandrei, "temporal es, simples mente, Io que no dura siempre; Io que, independientemente de que 66. Baptista da Silva, Curso, cit., v. III, p. 38-43. 'j* sobrevenga otro evento, tiene por si mismo duración limitada; pro visório es, en cambio, Io que está destinado a durar hasta tanto que sobrevenga un evento sucesivo, en vista y en espera dei cual ei esta do de provisoriedad subsiste durante ei tiempo intermédio"61. Ora, a medida cautelar (a) consiste sempre numa providência diversa daque constitui o objeto da tutela definitiva e (b) dura apenas enquanto persistir o estado de perigo em face do qual serve de garantia, não sendo, por conseguinte, nem substituída e nem sucedida por outra (garantia) de igual conteúdo. Já a medida antecipatória (a) temcon teúdo semelhante ao que decorre da tutela definitiva, de tal modo que (/?) a sentença de procedência virá para substituí-la, transformando em definitivo o que até então era provisório. Com base nessa linha deidéias, sustenta Ovídio A. Baptista da Silva, também, que"se a medida cautelar deve durar enquanto exis tir o estado perigoso, então a exigência fundamental é que ela não crie uma situação fática definitiva, ou uma situação cujos efeitos sejam irreversíveis. Quer dizer, a medida cautelar deverá ser em si mesma temporária, e igualmente temporária em seus efeitos". O mesmo, segundo ele, não ocorre com a situaçãode provisoriedade, "que—enquanto antecipa osefeitos deprocedência—pode produ zir conseqüências práticas definitivas e imodificáveis, como se dá, porexemplo, com osalimentos provisionais. Quem recebe osprovi- sionais, mesmo que seja declarado depois comdireitoa eles, não os devolverá"68. Éde anotar, quanto aesta sua última conclusão, que a irreversibilidade, embora possível, há de ser entendida como exceção, nãocomo regranasmedidas antecipatórias. Emgeral, assimcomo a cautelar, também a medida antecipatória não terá legitimidade se produzir situação fáticairreversível. Éoque consta, aliás, do §2° do art. 273 doCódigo deProcesso Civil, segundo o qual nãoseconcede antecipação da tutela "quandohouverperigode irreversibilidade do provimento antecipado". Na verdade, provimentos antecipatórios irreversíveis, concedidos que são à base de cognição sumária — e, às vezes, antes mesmo da citação ou da contestação do réu —, são 54 67.Calamandrei, Introducción, cit., p. 36. 68. Baptista da Silva, Curso, cit., p. 43. incompatíveis com as garantias asseguradas pelo art. 5', LV daConstituição. Somente em caráter absolutamente excepcional équepoderiam ser admitidos, quando ind.spensáveis para que não pereçadefinitivamente, outro direito constitucional que, na hipótese 2 aser considerado prevalente. Éocaso dos alimento pS Í dW^SES "^ deStaS 'llpÓteSeS de «tonalidade. São um riPlI,f ~ ' SUa C0"CeSSã0 éaPenas em fav°r de quemÍ STSTS"eCeS 6'," pr°POT^das -cessidade.^CC,1;'4'§ ' \°f 1,uem rea,mente necessita de alimentos dificil mente terá condição de devolvê-los, presumindo-se frustradas as medidas tendentes aobter arepetição, razão pela qual opr££od sua irreversibilidade, nesse aspecto, tem também um sentido pStoTem-se^ ^ na jurisprudênda ena d entenPdimen; to no sentld0 de que os va,ores a(inemes . n mcompensaveis eirrepetíveis, porque restituí-los seria priva.- oau mentando dos recursos indispensáveis àprópria mantença, conS* nando-o assim ainevitável perecimento. Porém, tal princíp ocerta mente nao prevaleceria se, por exemplo, além de demonstrado qu o autor nao etitular do afirmado direito aalimentos, ficasse taX° omprovado que ele, ao pleiteá-los provisionalmcnte, agiradmlfédado que deles nao era necessitado e, ademais, detinha condições' econômicas muito mais privilegiadas que as do seu alimentante 6. Ordens de abstenção: cautelares ou antecipatórias? Àbase dos critérios diferenciadores enunciados, será possível dar resposta as controvérsias doutrinárias arespeito d natureza da medidas contendo ordens de abstenção, que, segundo Fritz Bau onstituem na atualidade, "0S casos de aplicação mais freqüente de oda tutela jurídica temporária-, afirmação que éplenamente COn flanada também pelo nosso cotidiano forense. Não nos referimos especificamente, às ordens proferidas em ações inibitórias ou seja nas que tem por objeto próprio ocumprimento de obrigação nega iv' 69. Baur, Tutela, cit., p. 83.
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