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2020 - 08 - 17 Manual de Direito Processual Civil - Ed. 2019 REVISTA DOS TRIBUNAIS Este PDF contém AS TUTELAS PROVISÓRIAS , p.RB-17.1 https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title//rt/monografias/93643589/v18.5/document/178864302/anchor/a-178864302 2020 - 08 - 17 PÁGINA RB-17.1 Manual de Direito Processual Civil - Ed. 2019 AS TUTELAS PROVISÓRIAS 17. As Tutelas Provisórias 17.1. Notas evolutivas: o surgimento da tutela antecipatória no CPC/1973 e a sua importância para a evolução das tutelas provisórias de urgência Há, nos últimos tempos, no Brasil, uma tendência acentuada de, por intermédio da lei – na medida em que a lei pode realmente constituir-se numa variável em favor da celeridade do processo, especialmente com vistas à satisfação do autor –, engendrarem-se institutos com a finalidade de precipitar no tempo a satisfação da pretensão. A decisão proferida dentro de um sistema em que se prescinda de audiência, sem lesão às partes, corresponde à ambição generalizada de uma justiça mais célere. A demora dos processos é um mal universal. 1 Essa tendência continuada dos legisladores, em tentar agilizar o alcance da prestação jurisdicional, tem sido a resposta correspondente ao grande aumento do acesso à Justiça, mercê do qual o aparato estatal tradicional não tem logrado atender com a rapidez desejável.2 Como pormenorizaremos mais adiante, a antecipação dos resultados práticos do provimento final se justifica por dois fundamentos: a) o primeiro, por não ser razoável exigir do requerente, que muito provavelmente tem razão – e, nessa perspectiva aludimos a uma probabilidade forte de previsibilidade do resultado final –, que aguarde o desfecho do processo ou da fase de conhecimento para obter a satisfação de seu direito (tutela da evidência); b) e o segundo, de que o risco de dano irreparável ou de difícil reparação de um direito provável do requerente também autoriza sua satisfação antecipada (tutela da urgência). Em ambos os casos, estamos falando de providências que concedem, provisoriamente, a tutela requerida, o que poderá ser confirmado ou não em ulterior decisão definitiva de mérito. Paralelamente, ao lado dessa aspiração geral à celeridade da satisfação do direito material, tornou-se ainda mais aguda a necessidade de tutelas de urgência de cunho conservativo (cautelares), com vistas a preservar a utilidade prática do provimento final Atualmente, o CPC/2015 sistematiza as tutelas provisórias da seguinte forma: primeiramente, subdivide-as em tutelas provisórias de urgência e de evidência (art. 294); em seguida, desmembra aquelas (as tutelas provisórias), em provimentos de natureza antecipatória e cautelar (art. 294, parágrafo único). Antes, porém, de chegar a tal configuração – de que nos ocuparemos mais adiante –, é preciso ressaltar que, sob a égide do CPC revogado o processo civil brasileiro percorreu um longo caminho, que teve início com a regulamentação, apenas, da tutela cautelar (de forma geral – art. 798 do CPC/1973 – ou mediante a previsão de cautelares típicas – arts. 813 a 873 do CPC/1973) e culminou com o acréscimo da previsão genérica da possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela pretendida, com diversas peculiaridades (arts. 273 e 461 do CPC/1973).3 17.1.1. O surgimento da tutela antecipatória no CPC/1973 Foi, justamente, a partir da constatação de que a prestação jurisdicional, quando é entregue tardiamente, equivale à frustração, ao menos parcial, do direito da parte – e, por conseguinte, do próprio acesso à justiça, que se passou a reformar o CPC/1973 em busca de um sistema de Justiça mais célere e eficaz. Por isso a Lei n.º 8.952/1994 modificou a redação do art. 273 do CPC/1973 e inseriu a possibilidade de que fossem antecipados os efeitos da tutela pretendida pelo autor, se cumpridos determinados requisitos. Tais requisitos se constituíam nas condições para que houvesse segurança na cognição judicial, impedindo que decisões fossem proferidas sem indícios ou provas mínimas do direito do autor. Essa lei deu nova redação ao art. 461. Até antes da edição da reforma de 1994 do CPC/1973, a antecipação, dentro do processo, do resultado final pretendido, fosse de forma integral ou apenas parcial, já era admitida no ordenamento pátrio, alavancada por jurisprudência pretoriana – a exemplo do que já ocorria na Itália – mediante a extensão do alcance e da finalidade das medidas cautelares, prática a que se convencionou denominar utilização “anômala” das cautelares.4 Giuseppe Tarzia observou, na última década do século XX, que uma tônica que permeou a reforma italiana, no que diz respeito ao processo de cognição de primeiro grau, foi a de imprimir-lhe a máxima eficácia possível.5 Essa tendência, que, entre nós, resultou na previsão expressa da antecipação de tutela (art. 273 do CPC/1973; art. 294-304 do CPC/2015), é resultado de uma evolução iniciada no direito processual civil há mais de dois séculos, no período da implantação do Estado Liberal.6 Nesse particular, Roger Perrot observa que as demandas do século XIX, tais como questões referentes ao direito de propriedade, sucessão ou atinentes aos regimes matrimoniais, não exigiam um processo cautelar expedito e permitiam que se esperasse uma solução final, até por tempo dilatado.7 A ordem jurídica do liberalismo fora instituída com os olhos voltados para a burguesia emergente que, naturalmente, possuía recursos para suportar a espera da sentença e da coisa julgada. Para a classe social dominante fazia-se preferível aguardar desfecho seguro do processo do que obter, com celeridade, soluções provisórias – e meramente assecuratórias – passíveis de revogação posterior, mesmo porque, agregue-se, a burguesia desejava sempre certeza jurídica, o que rigorosamente não se coaduna com medidas provisórias. O procedimento comum ordinário tinha ampla aplicação e sua sistemática atendia aos interesses dominantes. Em autores franceses clássicos, acentua-se que não se verificou, nesse período, nenhum desenvolvimento específico nas medidas provisórias em geral. Diz-se, mais, que somente com a alteração do tipo de civilização e, principalmente, com a passagem de uma sociedade predominantemente agrária para uma sociedade industrial, veio a alterar-se a própria filosofia das tutelas provisórias.8 Em outras palavras, o burguês modelou o sistema jurídico em prol de sua atuação e dos seus interesses que, somente com a evolução gradativa das relações econômicas e sociais, passou a demandar tutelas de urgência. E, se a evolução das relações econômicas e sociais demandou certo período de tempo, a absorção dos novos valores no âmbito do direito processual – e a decorrente expansão das medidas de urgência – demandou um processo de conscientização igualmente gradual. A evolução das tutelas de urgência implicou, além da alteração de valores do âmbito do processo – tais como a noção de tutela preventiva do dano, em lugar da tutela meramente ressarcitória e a sobrelevação da efetivação imediata do direito em certo detrimento do valor segurança, que em determinadas situações se revela inútil ou insuficiente à consecução de uma solução justa –, uma alteração no próprio modo de encarar a lei e o direito. A necessidade dessa evolução foi também percebida no direito processual civil italiano, pois evoluiu a interpretação em torno do art. 700 do vigente CPC italiano, originariamente confinado à cautelaridade (estrita cautelaridade), para vir a abarcar também a antecipação de tutela ou de direitos. A maior difusão desse tipo de tutela partiu de soluções jurisprudenciais que conferiram interpretação inovadora às normas do Código.9 Antes disso, ainda na segunda metade do século XIX, entreviu-se, na Itália, um poder geral de cautela, que poderia ser exercido mediante a observância dos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, a serem aferidos concretamente pelo juiz quando não houvesse previsão de processo cautelar típico para a hipótese.10 Com o Código de Processo Civil italiano de 1865 (revogado), escasso na disciplinadas medidas cautelares, atrofiou-se o quadro precedente, chegando-se a discutir se as inibitórias subsistiriam, ou não.11 A jurisprudência, todavia, inclinou-se, por fim, pela possibilidade de concessão de algumas medidas, em nome e por causa da boa administração da justiça, fundamentalmente, através de uma interpretação extensiva das regras referentes ao sequestro.12 Como conclusão expressiva desse período, pode-se dizer que os tribunais sentiam que o sistema positivo era insuficiente, na medida em que somente se disciplinavam as medidas cautelares típicas e, por isso mesmo, havia exigência de “criar um terreno cautelar mais amplo no qual o juiz pudesse mover-se à vontade, evitando-se impropriedades”.13 Na doutrina italiana, anteviu-se um poder geral de cautela, dissociado da estrita tipicidade das cautelares. Chiovenda afirmou, independentemente do acerto de sua opinião em relação ao regime jurídico que lhe servia de base de raciocínio (o revogado Código de Processo Civil italiano, de 1865), que: “existe portanto também na nossa legislação a figura genérica do provimento provisório cautelar; incumbe ao juiz estabelecer-lhe a natureza e oportunidade”.14 Do conjunto de disposições então vigentes – continuava Chiovenda – haver-se-ia de extrair a existência de um poder cautelar geral que permitia ao juiz estabelecer, conforme as circunstâncias, o melhor modo de conservar o status quo, tendo em vista, de um lado, o receio de lesão ao direito tutelado e, de outro, os danos que eventualmente poderiam ser provocados pela própria medida assecuratória. Essa posição, desde logo, todavia, não predominou. De todo modo, as manifestações de Chiovenda e a propensão jurisprudencial à concessão de cautelares atípicas – ainda que de maneira excepcional –, se inseriram na mudança do Estado Liberal para o Estado Social, quando o poder geral de cautela se veio a tornar imprescindível. No Código de Processo Civil italiano vigente, previu-se o poder geral de cautela (art. 700, CPC Italiano de 1941) e a partir da metade do século XX, remarcou-se o aumento da cautelaridade, de que, uma das variáveis é a necessidade da effettività della tutela giurisdizionale.15 Seguindo essa linha evolutiva, ulteriormente, a partir da reforma de 1990, previram-se, no CPC italiano (arts. 186- bis e 186-ter) específicas hipóteses de antecipação dos efeitos da tutela, em que o juiz pode determinar, na pendência do processo: a) o pagamento de quantias não contestadas pelo réu; ou b) o pagamento de quantia ou a entrega de bens diante da presença de determinados requisitos (prova escrita, nos termos do art. 634 do CPC italiano). Nesse ponto, embora haja discussões a respeito da natureza desses provimentos – se se trata de efetiva tutela antecipada (de natureza provisória, portanto) ou de julgamento definitivo antecipado de mérito –, o fato é que tais dispositivos reforçaram o intento do legislador de atribuir maiores poderes ao juízo de primeiro grau, ora oportunizando a executividade de decisões proferidas no curso da fase cognitiva, ora atribuindo executividade imediata às sentenças.16 -17 Entre nós, também na segunda metade do século XX, à semelhança do que ocorreu no direito italiano, o CPC/1973, conquanto ainda pautado no modelo clássico herdado do liberalismo, previu expressamente a utilização de um poder geral de cautela pelo juiz (art. 798), a depender da verificação de critérios cuja apreciação deveria ser feita in concreto (fumus boni iuris e periculum in mora). Esse poder geral, que não excluiu a previsão de medidas cautelares típicas, abriu caminho para a utilização “promíscua”, “atípica” ou “anômala” do processo cautelar com vistas a conceder ao requerente, mais que medidas assecuratórias da eficácia do resultado do processo principal, ou seja, a tutela preventiva do próprio direito material. Daí viriam a se desenvolver as mais diversas modalidades de tutela de urgência hoje utilizadas. Paralelamente, verificou-se, em nossa civilização, autêntica multiplicação de situações de emergência, pelos multiformes danos que podem ocorrer. O Estado Social reservou – sobretudo às minorias não privilegiadas – a proteção de bens jurídicos considerados essenciais à dignidade humana, dentre os quais sobressaem os direitos à vida, à saúde, à educação, à moradia e ao trabalho. Tais direitos revelaram-se, muitas vezes, insuscetíveis de proteção pela via da tripartição rígida e clássica do processo, cujos segmentos estanques (conhecimento, execução e cautelar), impossibilitavam a produção de efeitos apreciáveis fora da fase executória.18 Cada vez mais, punham-se à disposição do juiz instrumentos ajustados à realização do direito, à restauração do ilícito que houvesse ocorrido e para evitar que o ilícito ocorresse ou se repetisse, e, quando verificado, fosse minimizado. É esse o contexto que informa, precipuamente, o disposto no inciso I, do art. 273, do CPC/1973 e art 461, § 3.º, que instituíram a tutela antecipada no ordenamento jurídico positivo. O que se quer dizer é que aquele a que poderíamos denominar de modelo tradicional predominante,19 i.e., o processo com a necessária instrução oral, em audiência20, com sentença sucessiva à audiência, quando só então se definirá a pretensão do autor, mas cuja eficácia da sentença viabilizadora da execução, ou realização concreta do direito nela definido, depende, ainda, do julgamento de recurso ou recursos, teve, a partir de então, o seu espectro de abrangência diminuído20. Uma primeira linha de concretização de tal tendência evolutiva foi na trilha de ensejar a possibilidade de ser proferida sentença, no âmbito do processo ordinário, independentemente de audiência, nas hipóteses em que, bem sopesada a finalidade a que se destinaria a audiência, esta não teria razão de ser. Tratava-se do julgamento antecipado da lide (art. 330 do CPC/1973), denominado, no CPC/2015, julgamento antecipado do mérito (art. 355). Essas hipóteses, no entanto, apenas eliminaram a realização de audiência, onde esta, realmente, não tinha razão de ser. Dentro deste quadro, pois, não haveria, sequer, que se cogitar de uma possível lesão ao princípio do contraditório. Já em relação à tutela antecipatória, a possibilidade de tal lesão comparece mais proximamente, exatamente porque, nesse instituto, admite-se seja proferida a decisão, com acolhimento da pretensão do autor, no processo em que, pelo próprio sistema do instituto, a instrução ainda não está terminada. Por isso é que o legislador foi cuidadoso, e, bem assim, deve ser cauteloso, o aplicador da lei. Diz-se cuidadoso porque a Constituição Federal consagra o princípio da bilateralidade da audiência, o qual deve presidir o desenvolvimento do processo todo (art. 5.º, LV), como, também, até com certa repetitividade, garante constitucionalmente que ninguém será privado de seus bens (e de sua liberdade), “sem o devido processo legal” (art. 5.º, LIV). Por causa desses mandamentos, deve-se ter presente que o juiz, para antecipar a tutela, deverá realmente constatar a probabilidade do direito, nas perspectivas fática (probatória) e jurídica. Deve o aplicador da lei, ainda, ao lado dos textos citados, ter presente o art. 5.º, XXXV, da Constituição Federal, o qual deve ser considerado também; e, se o réu houver feito arguição consistente de fato, que se contraponha às alegações do autor, e tiver prova que seja relevante, a bem da sua defesa, ainda a ser produzida, não deverá ser antecipada a tutela.21 Assim é que o juiz haverá de agir atendendo ao velho e nunca desgastado valor da prudência, que é uma das mais relevantes virtudes que pode ter um juiz, a informar a sua atividade jurisdicional. O nomen iuris do instituto, tutela antecipatória,22 revela que poderá ser concedida a própria tutela (rectius, os efeitos da tutela), tal como constante do pedido, acolhendo-o totalmente ou em parte, e que essa poderá ser concedida antes do momento normal para a sua concessão.23 Referimo-nos a “momento normal”, pois, se concedida antecipadamente a tutela, determinava o CPC/1973que o processo prosseguiria, a fim de se prolatar a sentença (art. 273, § 5.º do CPC/1973). Entretanto, à luz do CPC/2015, é possível que a tutela antecipada seja concedida de forma antecedente (sem o ajuizamento de ação com pedido de solução de mérito definitivo) e que, após a decisão sobre esta, não haja pedido de sentença de mérito pelo requerente, nem pelo requerido. De qualquer modo, terá havido a satisfação do direito fora do “momento normal” para a concessão da medida, que é a decisão (em geral, a sentença) definitiva de mérito. Na vigência do CPC/1973, a tutela antecipatória foi regulamentada no âmbito do processo de conhecimento e, mais especificamente, do procedimento comum ordinário. À outra modalidade de tutela provisória que conhecemos, qual seja, a tutela cautelar, era reservado um Livro e um processo específico, de modo que, em princípio, para aquele que pretendesse obter a tutela cautelar far-se-ia necessário instaurar um processo autônomo. Essa exigência foi, gradativamente, cedendo lugar à aplicação do princípio da instrumentalidade das formas e, ao depois, à fungibilidade entre as medidas de natureza cautelar e antecipatória (§ 7.º do art. 273 do CPC/1973, incluído pela Lei n.º 10.444/2002). 17.1.2. A distinção entre tutela cautelar e tutela antecipatória Como já explicitamos, a tutela cautelar era disciplinada, no CPC/1973, no âmbito do chamado “Processo Cautelar”, de modo que, em princípio, somente por esta via se poderia obtê-la. Essa ideia inicial, de prever um procedimento específico para a concessão de medidas cautelares (regulado no Livro III do CPC/1973), amparadas pelo poder geral de cautela do juiz (art. 798 do CPC/1973) ou, ainda, pela previsão de cautelares típicas (como, por exemplo, o arresto (arts. 813 e ss. do CPC/1973) e o sequestro (arts. 822 e ss. do CPC/1973), tinha por objetivo destacar e privilegiar as modalidades de tutela diferenciada.24 No entanto, essa necessidade de se instaurar um processo para a obtenção de uma medida cautelar revelou-se uma formalidade desnecessária, o que ocasionou discussões sobre a possibilidade de concessão de medidas cautelares no bojo do próprio processo de conhecimento. Embora tal entendimento tenha prevalecido, ainda assim, houve quem defendesse que, nesta sede, somente a tutela antecipada poderia ser concedida, de modo que as providências de natureza cautelar somente poderiam ser obtidas no âmbito de ações cautelares. Nesse contexto, foram amplamente debatidos em sede doutrinária e jurisprudencial os traços distintivos e aproximativos entre os provimentos cautelares e antecipatórios.25 -26 A principal diferença entre eles sempre foi apontada como o caráter satisfativo dos provimentos de natureza antecipatória,27 enquanto as medidas cautelares têm caráter assecuratório, buscando assegurar o resultado útil do processo, isto é, são instrumentais e servem apenas para que o objeto da demanda não pereça.28 Já a antecipação de efeitos da tutela representa antecipação dos efeitos que adviriam da procedência do pedido.29 Desse modo, as medidas provisórias de natureza cautelar são provimentos judiciais que servem para garantir que não pereçam os meios necessários a que o processo atinja seu resultado útil. O objeto da medida cautelar não é a composição da lide em si, mas algo acessório a ela.30 No processo cautelar dos arts. 796 e seguintes do CPC/1973, a sentença não visava à entrega definitiva do bem da vida disputado.31 Já a antecipação dos efeitos da tutela tem natureza satisfativa, no sentido de que antecipa no tempo a entrega do bem da vida almejado pela parte que requer. Através do deferimento de uma medida antecipatória, são trazidos para o início do processo efeitos que só viriam a existir quando da prolação da sentença favorável. Se o conteúdo desta vier a ser diferente da decisão antecipatória, esta deve ser desfeita. Se impossível, cabem perdas e danos. Em caso de bem jurídico especialmente prezável (saúde, salvar a vida), não há de se cogitar de reversibilidade dos efeitos, requisito hoje para a concessão de tutela antecipatória de urgência (art. 300, § 3.º, do CPC/2015). A busca por uma tutela cautelar reside no receio de que quando a sentença vier a ser proferida, seus efeitos não sejam mais úteis. Tome-se um exemplo que configure situação de arresto (art. 813 do CPC/1973). A intenção desta medida é apreender judicialmente bens que serão futuramente passíveis de saldar a dívida que vier a ser declarada por sentença, quando uma das partes se comporta no sentido de ocultá-los ou aliená-los. O que o requerente da medida quer não é o bem da vida em si (a dívida discutida), mas obter meios de garantir que o processo atinja seu resultado útil. Isto é, caso o devedor aliene todos os seus bens, mesmo com a sentença declarando a dívida, condenando o devedor, esta não terá como ser executada, frustrando as expectativas do vencedor. Já na tutela antecipada, o que o requerente busca é a satisfação do direito em si, agora, não apenas a garantia de que poderá satisfazê-lo no futuro. A medida cautelar é, por definição, provisória; a tutela antecipatória é provisória, mas tende a ser definitiva. Aquela será superada com a sentença final, i.e., será por esta “absorvida”; já a tutela antecipatória carrega a expectativa de vir a ser confirmada pela sentença final. Trata-se, com efeito, de necessidades diferentes, motivo pelo qual o legislador oferece técnicas diferentes para concedê-las.32 A principal semelhança entre a tutela cautelar e a tutela antecipatória consiste em que ambas podem ser concedidas em situações de urgência, isto é, quando, presentes outros pressupostos, seja observada uma situação em que a demora do provimento final gere à parte risco de dano irreparável ou difícil reparação. As espécies de danos a serem verificados, nos dois tipos de provimento, é que se podem distinguir. O que nos parece é que o dano a ser obstado por medida cautelar, não satisfativa, é aquele normalmente provocado por uma parte, em detrimento da outra, desequilibrando uma relação que, precedentemente, se baseava numa igualdade, de que havia a legítima e defensável expectativa de subsistir assim durante a duração do processo. Esse dano decorre normalmente de comportamento ilícito da outra parte, ou de uma situação por esta criada, engendrando, gerando, com isso, uma situação de desigualdade e quebrando a precedente situação de estabilidade e igualdade, existentes no plano empírico ou prático, em cuja situação de estabilidade se esperava se desenrolasse o processo. Conecta-se, este tipo de dano, geralmente, a uma conduta, em si mesma ilícita, cujos efeitos devem ser impedidos pela medida cautelar. Mais comumente, a medida cautelar é usada pelo autor, em decorrência de conduta ilícita do réu, a qual se constitui na causa petendi da medida cautelar; ou seja, nessa conduta, configura-se o periculum in mora e, se vier a ter efeitos, configurar-se-á o dano, insuscetível de ser reparado desde logo. Refeita ou restaurada a situação das partes que veio a ser equilibrada mediante a concessão da cautelar, ipso facto, esse dano desaparece.33 Assim, por exemplo, no âmbito do CPC/1973, a medida cautelar típica do arresto dependia, dentre outros possíveis requisitos, da demonstração de tentativa do devedor de ausentar-se ou de alienar seus bens no intuito de deixar de responder por determinada dívida. Já o dano que se pretende evitar com o provimento antecipatório é de caráter diferente. Este não decorre, necessariamente, de conduta da outra parte, nem é restaurável pela concessão de uma cautelar. Poderá nascer durante o curso do processo, independentemente de tal conduta. Para a configuração desse dano, é suficiente a resistência da contraparte à pretensão do requerente, ao que se somará a ocorrência do dano, o que haverá de ser examinado caso a caso. Pode-se dizer, em princípio, que, em relação à tutela antecipatória de urgência, a possibilidade de tal lesão comparece mais contundente que em relação à cautelar, exatamente porque naquelaadmite-se o acolhimento da pretensão do autor em um processo no qual a instrução ainda não está terminada. Antecipar efeitos da tutela significa adiantar-se ao momento no qual, via de regra, haveria segurança e cognição suficientes para definir o vencedor da demanda. Por isso é que o legislador foi cuidadoso, e, bem assim, como já dissemos, deverá sê-lo o aplicador da lei. Nem por isso, porém, poderão ser descartadas hipóteses de cautelares em que o risco indireto ao bem jurídico material, decorrente da possível inutilidade do provimento final, venha a ser mais gravoso que o risco de alguma medida antecipatória. Nesse passo, podemos exemplificar os casos em que a conduta do réu, no sentido de dissipar seus bens para fugir à responsabilidade de execução futura, permita antever um prejuízo patrimonial imensurável ao autor, o que justifica a concessão de medidas cautelares drásticas, tais como o arresto de bens e o bloqueio de contas bancárias. Em contrapartida, é possível vislumbrar medidas antecipatórias que, embora concedam provisoriamente o bem da vida pretendido ao final do processo, são motivadas por um periculum de menor potencial lesivo. Isso acontece, por exemplo, em casos em que a tutela antecipada é concedida, mediante caução real ou fidejussória, para o levantamento de valor inferior àquele mencionado no exemplo antecedente. Quanto à hipótese de tutela antecipatória fundada na evidência do direito, o que se pode dizer da conduta ou do comportamento da outra parte é que não se trata de uma conduta ativa, alteradora do mundo empírico, senão que uma resistência exacerbada – e para esta finalidade ativa – em que se contém o abuso do direito de defesa ou o intuito manifestamente protelatório. Diferem, ainda, as cautelares e antecipatórias, no que diz respeito ao caráter de provisoriedade. A medida cautelar é, por definição, provisória; a tutela antecipatória é provisória, mas tende a tornar-se definitiva. Aquela será superada com a sentença final, i.e., será por esta “absorvida”; a tutela antecipatória carrega a expectativa de vir a ser confirmada pela sentença final. Com efeito, a medida cautelar é, por implicação sistemática, sempre provisória, ao passo que a tutela antecipatória pode resultar em ter sido provisória, já que pode ser modificada ou revogada; mas pode-se dizer que, conquanto a provisoriedade seja à tutela antecipatória também inerente, inumeráveis vezes a tutela antecipada valerá em definitivo. A tutela cautelar é necessariamente provisória, ou é intrinsecamente provisória.34 -35 . Alguns autores afirmam que a diferença entre as medidas (antecipada e cautelar) é, em verdade, de gradação, e não reside propriamente na sua essência 36, do que discordamos. Entretanto, quanto ao requisito da urgência, salientamos que, em princípio, o pressuposto da urgência e do risco de dano, na tutela cautelar, está relacionado ao processo e à demora do provimento final, já na tutela antecipada, ele se refere, em princípio, ao próprio direito material, que estaria sob risco de perecimento. Porém, essa distinção encontra uma zona cinzenta, na justa medida em que, muitas vezes, é difícil dissociar o aspecto acautelatório da satisfação do próprio direito.37 Nesse passo, a doutrina enumera muitas hipóteses que ilustram a dificuldade de identificar o tipo de tutela de urgência que se requer. Pensemos, por exemplo, nas medidas de urgência que suspendem a eficácia de atos jurídicos determinados, como é o caso da suspensão de deliberação de assembleia societária ou, ainda, na suspensão de protesto.38 Como elucida Talamini, concernentemente ao primeiro exemplo, poder-se-ia defender, das duas, uma: ou essa medida serviria apenas para conservar determinado estado fático-jurídico até a emissão do resultado final ou estaria adiantando um dos resultados práticos da anulação da assembleia geral, que “seria o impedimento de que ela produzisse efeito”.39 Idêntico raciocínio pode ser aplicado à sustação de protesto: ao suspender referido ato, assegura uma situação fático-material que viabilizará a utilidade do provimento final; entretanto, a medida também gera, por si só, um dos efeitos almejado pelo pedido principal (geralmente declaratório de inexistência do débito), que é a impossibilidade de se protestar o título. Há uma linha tênue entre as feições das duas medidas, porém se há de concluir que o que importa, do ponto de vista da garantia constitucional à tutela jurisdicional, é que não sejam lesados direitos futuros por conta da demora resultante do processo.40 17.1.3. A inserção da fungibilidade entre as tutelas de urgência no CPC/1973 Em virtude da já mencionada proximidade entre os institutos, bem como da dificuldade de diferenciá-los em diversas situações, muitas vezes pode ocorrer coincidência entre as finalidades práticas de uma medida cautelar e de uma medida antecipatória. A frequente confusão entre elas, decorrente da natureza limítrofe de certas situações fáticas, ocasionava, muitas vezes, o indeferimento da medida cautelar pleiteada, ao argumento de que se tratava de tutela antecipatória e vice-versa. A própria dificuldade de se diferenciarem os tipos de provimento gerava um cerceamento ao direito do jurisdicionado à obtenção da tutela de urgência.41 Tal levou o legislador a admitir a fungibilidade do pedido antecipatório para o cautelar, o que foi feito por meio da Lei n.º 10.444/2002, que acrescentou, ao CPC/1973, o § 7.º do art. 273. Referido dispositivo, que demonstrou o comprometimento do nosso legislador com a efetividade e com a instrumentalidade do processo, tratava de hipótese em que a medida cautelar tivesse sido requerida como antecipação de tutela, permitindo a concessão daquela desde que presentes os pressupostos respectivos.42 -43 Todavia, apesar da redação da lei, desde o início, a doutrina não descartou a hipótese diametralmente oposta: quando a medida antecipatória fosse requerida sob o nomen iuris de cautelar, poderia – como ainda pode – o juiz conceder a tutela antecipada, desde que verificados os requisitos do art. 273 do CPC/1973. Passou-se a adotar tese de que a fungibilidade44 deveria ser permitida em ambos os sentidos, se presentes os pressupostos exigidos para a substituição de uma medida de urgência por outra.45 O que se pode dizer é que já havia uma fungibilidade “de duas mãos”, ou de “mão dupla”46; tanto a medida cautelar poderia ser convertida em antecipatória quanto esta naquela. Esta fungibilidade era e é tanto mais útil e jurídica por estarmos em face de assunto relacionado com acesso à justiça em casos graves, ou seja, em casos urgentes. O exame da possibilidade dessa conversão era feito ex officio pelo juiz. O objetivo era dotar o magistrado de poderes amplos para, em situações de urgência, evitar que um simples engano formal prejudicasse o autor, tolhendo-o de seu direito fundamental à efetividade do processo. Assim, desde que presentes os pressupostos da tutela antecipada ou da medida cautelar, imperiosa a concessão da tutela de urgência, ainda que o autor se tivesse formalmente equivocado em seu pedido. Inequívoco dever, pois, do juiz de “aproveitar” o requerimento de providência cautelar ou antecipatória, adequando-o, diante do erro de postulação do autor. Nesse passo, observamos que, em certa escala, o próprio erro de forma não tem e não tinha significação mais expressiva em prejuízo do direito, tendo em vista o que já constava nos arts. 250 e 244 do CPC/1973 (que equivalem, respectivamente, aos arts. 283 e 277 do CPC/2015). Deve e deveria prevalecer sobre tal erro a busca de um provimento célere e capaz de evitar lesão ou ameaça a direito (art. 5.º, incisos XXXV e LXXVIII, da CF/1988). A fim de ilustrar a aplicabilidade ampla do princípio da fungibilidade, podemos citar a jurisprudência do STJ que, à luz do CPC/1973, admitia amplamente a incidência do art. 273, § 7.º em hipóteses como: a) a de requerimento de sustação de protesto;47 b) a de liminar para fins de trancamento ou prosseguimento de concurso público;48 c) a de cautelar visandoà manutenção de relação contratual diante da notificação do contratante manifestando a ausência de interesse na preservação do contrato,49 entre diversas outras. 17.1.4. A sistematização das tutelas provisórias no CPC/2015 O tema das medidas de urgência e de evidência foi amplamente discutido no processo de reforma do Código de Processo Civil. Sabidamente, o pano de fundo da elaboração do anteprojeto é a efetividade e a celeridade da prestação jurisdicional, e a melhor sistematização da questão das tutelas antecipadas foi um ponto central dos debates em todas as versões do projeto. Muitas foram, aliás, as modificações de redação e estrutura, propostas pelas casas legislativas, referentes à tutela antecipada e aos procedimentos cautelares.50 Do ponto de vista da nova sistematização, destacam-se alguns aspectos principais. Em primeiro lugar, diversamente do que ocorria com o CPC/1973, que dedicava um livro específico ao processo cautelar, o CPC/2015 agrupou, num só gênero, as tutelas cautelares e antecipatórias. Rompeu-se, dessa forma, definitivamente, com o dogma da necessidade de um processo autônomo para o fim de se obter uma medida de caráter cautelar.51 Trata-se, como visto, de tendência já verificada sob a égide do CPC/1973, sobretudo à luz do art. 273, § 7.º, daquele diploma. No âmbito das cautelares, observa-se, ainda, o fim das medidas típicas ou nominadas, regulamentadas de forma específica no CPC/1973, tal como eram o arresto (arts. 813 e ss. do CPC revogado) e o sequestro (arts. 822 e ss.). Essa mudança é alvo de elogios por parcela da doutrina, tendo em vista que a previsão de requisitos e hipóteses restritas para tais medidas – a menos que fosse vista de forma meramente exemplificativa52 – era encarada como um obstáculo ao exercício do poder geral de cautela (art. 798 do CPC/1973). De fato, a previsão, para o arresto, das exigências de prova literal, liquidez e certeza da dívida, limitava as hipóteses de proteção ao crédito.53 -54 Ao agrupar as tutelas cautelares e antecipatórias no mesmo gênero (denominado tutela provisória), o CPC/2015 situou-as no âmbito da Parte Geral, modificando a localização do CPC/1973 – nele, as cautelares possuíam, como dito, Livro próprio (Livro III) e a tutela antecipatória era regulada no bojo do procedimento comum ordinário. Dessa forma, no CPC/2015, tais providências podem ser concedidas em sede de procedimento autônomo, dispensando-se, em alguns casos e mediante determinadas circunstâncias, a instauração de um processo de conhecimento com vistas à decisão definitiva do mérito da controvérsia referente à tutela provisória (vide, mais adiante, o tópico sobre a estabilização da tutela antecipada). Observe-se, por fim, que a tutela provisória fundamentada na evidência do direito, antes regulada no art. 273, inc. II, do CPC/1973, teve suas hipóteses ampliadas pelo art. 311 do CPC/2015. Se, antes, a tutela da evidência era concedida apenas na hipótese de abuso do exercício do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, atualmente, a lei processual prevê, mais (art. 311, I, do CPC/2015), três situações em que a medida deverá ser concedida, quais sejam: a) a hipótese de existência de prova documental robusta caracterizadora de situação fático-jurídica acobertada por jurisprudência firme de tribunais superiores fixada em casos repetitivos ou súmula vinculante (art. 311, II); b) a situação de pedido de entrega de bem em decorrência de contrato escrito de depósito (art. 311, III); c) a hipótese de prova documental robusta de situação fática de que decorre necessariamente o direito do autor, a que o réu não tenha oposto prova capaz de gerar dúvida razoável (art. 311, IV). Por outro lado, o CPC/2015 corrigiu o equívoco, que já apontávamos precedentemente, de tratar o julgamento do pedido incontroverso (na hipótese de pedidos cumulados) ou da parte incontroversa de um dos pedidos, (pedido também, mas interligado com outro) como antecipação de tutela. Tal hipótese, antes prevista no art. 273, § 6.º, do CPC/1973, poderia induzir o intérprete a acreditar que o julgamento fundado na incontrovérsia teria natureza antecipatória e, portanto, provisória e revogável. A previsão do julgamento antecipado parcial de mérito, no art. 356 do CPC/2015, deixa claro que se trata, ao revés, de julgamento definitivo de mérito, embasado em cognição exauriente e, portanto, de natureza definitiva. 17.2. Principais características das tutelas provisórias Sob a classificação “tutelas provisórias”, há outras subdivisões, previstas no art. 294, caput e parágrafo único, do CPC/2015. A primeira, referente ao fundamento da medida, que pode ser de urgência ou de evidência (art. 294, caput). A segunda, que, a partir do critério relativo à natureza jurídica da medida, desmembra as tutelas de urgência em cautelares e antecipatórias (art. 294, parágrafo único). Por fim, refere-se o CPC/2015 a uma terceira classificação, atinente ao momento da concessão da medida, conforme seja esta concedida em caráter antecedente ou incidental. Como veremos mais à frente, a despeito de uma disciplina comum, pertinente às tutelas provisórias, tais categorias merecerão tratamento específico em alguns pontos. Há que se entender a expressão “tutelas provisórias” no sentido de tutelas temporárias de um provável direito55 e não necessariamente no sentido de tenderem a ser substituídas por uma solução de natureza definitiva. São, assim, as tutelas provisórias, passíveis de revogação ou modificação a qualquer tempo (art. 296 do CPC/2015), mediante decisão fundamentada, salvo se, no caso da tutela antecipada de urgência, esta se tiver tornado estável. Ainda, uma característica essencial às tutelas provisórias consiste na sumariedade da cognição mediante a qual são proferidas as decisões que as concedem. Referimo-nos, nesse ponto, à superficialidade da atividade cognitiva, sob a perspectiva dos elementos fático-probatórios e dos argumentos jurídicos que poderiam embasar sua decisão.56 E assim é porque, devido às exigências de celeridade57 que fundamentam as medidas provisórias, autoriza o legislador a amenizar-se o contraditório e a cognição exauriente para efeito de propiciar ao autor o bem da vida ou o acautelamento do processo em um prazo razoável.58 As principais diferenças entre cognição sumária e exauriente podem ser assim resumidas: a) em sede de cognição exauriente há plena realização do contraditório previamente à decisão de mérito, enquanto no modelo de tutela sumária há a possibilidade de postecipação do contraditório, i.e., o juiz decide primeiro, sem ouvir o réu ou, antes de se completar a atividade probatória, relegando o debate a um momento posterior; b) na cognição exauriente e plena o juiz domina todos os elementos de fato e de direito que gravitam em torno do litígio, permitindo-se ampla produção de provas em busca do alto grau de certeza para o acertamento judicial; c) com o trânsito em julgado, às decisões judiciais,depois de provimentos de cognição plena e exauriente, se atribui a autoridade de coisa julgada, ao passo que nos de cognição sumária elas não são acobertadas pela coisa julgada.59 Ademais, devemos registrar que, para conceder, modificar ou revogar qualquer medida provisória, deve a decisão ser fundamentada “de modo claro e preciso”, como determina o art. 298 do CPC/2015. Essa exigência, todavia, não estabelece propriamente um critério distintivo entre as decisões sobre tutela de urgência e os demais provimentos judiciais, mas há o dever de motivação. Frequentemente, o pedido de tutela provisória ocorre no início da lide, alegando-se urgência e solicitando-se, mesmo, que seja ouvida a parte contrária antes da decisão. Isso torna o trabalho do aplicador da lei uma atividade bastante delicada, e por esse motivo é indispensável que o juiz indique de modo claro e preciso as razões do seu convencimento.60 17.3. Disciplina geral das tutelas provisórias Em decorrência das características comuns supra apontadas, as tutelas provisórias se submetem a um regimegeral (arts. 294 a 299 do CPC/2015), aplicável, especialmente, no que tange: a) à competência para sua análise e concessão; b) à necessidade de requerimento para sua concessão; c) à possibilidade de revogação; d) à fungibilidade entre as tutelas provisórias; e) à forma de sua efetivação f) à responsabilização pelos danos decorrentes desta efetivação; e g) à ausência de discricionariedade do juiz, propriamente dita, na verificação dos pressupostos legais à sua concessão; g1) o que é deferido ao juiz é um espaço maior, pois os conceitos são vagos (v. infra). Analisemos, pormenorizadamente, os aspectos mais relevantes. 17.3.1. Competência para conhecimento das tutelas provisórias No que tange à competência para conhecimento das tutelas provisórias, estabelece o art. 299, caput, do CPC/2015 que estas serão requeridas perante o juízo da causa e, quando se tratar de medida antecedente, serão requeridas perante o juízo competente para conhecer do pedido principal. O parágrafo único do artigo dispõe que, ressalvados os casos em que a lei disponha de forma diversa, será competente para analisar a tutela provisória, em sede recursal e no bojo das ações de competência originária dos tribunais, o órgão competente para apreciar o mérito. O dispositivo guarda correspondência parcial com o que estabelecia, para as cautelares, o art. 800 do CPC/1973,61 bem como correlação com o disposto no art. 61 do CPC/2015.62 Excetuam-se à regra do art. 299 as hipóteses de concessão de tutela de urgência (efeito suspensivo) em sede de recurso especial e extraordinário, por serem regidas pelo disposto no art. 1.029, § 5.º, do CPC/2015, na redação atribuída pela Lei n.º 13.256/2016.63 17.3.2. Impossibilidade de concessão ex officio das tutelas provisórias A adstrição do juiz ao pedido e à atividade jurisdicional é condicionada pelo princípio dispositivo. Desse modo, não há que se cogitar da concessão de tutela provisória independentemente de requerimento expresso do autor.64 -65 É preciso, entretanto, salientar, quanto às tutelas provisórias, que essa adstrição ao princípio dispositivo se verifica dentro do espectro de possibilidades, autorizando-se, pelo poder geral de cautela, maior liberdade de interpretação do juiz no que diz respeito à solução tendente à realização da medida ou do resultado prático equivalente. Está-se, porém, no âmbito das formas de efetivação do provimento e, não, no pedido de tutela jurisdicional propriamente dito. Ademais, no caso da tutela antecipatória, há uma adstrição rígida ou “subsuntiva ao pedido”; comparece, pois, a adstrição tradicional ao princípio dispositivo, no que tange à providência a ser antecipada. Quanto ao modo de efetivação, cuida-se de matéria contida no poder geral de cautela do juiz, que lhe permite adotar as providências necessárias à satisfação do direito do autor. Já nas cautelares, conquanto subsista essa adstrição ao pedido, deve ela ser entendida à luz da permissão dada ao juiz de determinar, provisoriamente, as medidas que julgar necessárias quando existir periculum in mora, a fim de atender aos objetivos de acautelamento do requerente. Nesse caso, por se tratar de medida instrumental, não haverá risco de extrapolar os limites da pretensão de direito material. Entendemos, porém, que o juiz deverá ser sempre provocado, limitando-se o poder cautelar à possibilidade de determinação da providência mais adequada a tutelar a situação trazida pela parte. 17.3.3. Possibilidade de revogação ou alteração das tutelas provisórias Conforme já explicitamos, uma das características das tutelas provisórias diz respeito à possibilidade de sua modificação ou revogação a qualquer tempo (art. 296 do CPC/2015). Isso se deve, justamente, à limitação temporal da eficácia dessas medidas. Enquanto a tutela provisória de natureza antecipatória (fundada na urgência ou na evidência) tende a se tornar definitiva, a tutela provisória de índole puramente cautelar tende ao desaparecimento, após o esgotamento de sua utilidade.66 Desse modo, todas as tutelas provisórias, sejam elas concedidas mediante decisões interlocutórias (como ocorre, em geral, na fase de conhecimento) ou na própria sentença (a fim de se lhe atribuir, por exemplo, eficácia imediata, ou mesmo de acautelar sua exequibilidade), são passíveis de modificação ou revogação, até que se profira o provimento final ou, no caso da tutela provisória concedida na sentença, até que se julgue eventual recurso ou transcorra in albis o respectivo prazo. Desse modo, poderá ocorrer que, com o decurso do tempo, as circunstâncias que hajam motivado a concessão da medida se desconfigurem, de modo a autorizar a sua revogação ou mesmo a sua adaptação ao novo contexto fático-jurídico. Tal pode ocorrer em virtude do aprofundamento da cognição, bem como diante de modificação do entendimento dos Tribunais sobre determinada questão jurídica. Devemos salientar que, por serem as tutelas provisórias fundadas em juízo de cognição sumária, é dever do juiz revogá-las ou modificá-las, ex officio, a partir do conhecimento de novos elementos. Isso porque, embora o magistrado esteja adstrito ao princípio dispositivo no momento da concessão da medida, uma vez formulado o pedido de tutela provisória, a possibilidade de alteração decorrerá da natureza do provimento. Contudo, essa atuação oficiosa do magistrado deve ser ressalvada nos casos de tutela antecipatória estabilizada, pois, para esses casos, o CPC/2015 (art. 304, §§ 2.º a 5.º) prevê a necessidade de nova demanda para a anulação, revogação ou modificação da tutela estabilizada.67 Tem-se, aqui, uma atenuação da característica da provisoriedade. 17.3.4. Fungibilidade entre as tutelas provisórias Do mesmo modo que o CPC/1973, estabelece o art. 305, parágrafo único, do CPC/2015, a fungibilidade entre as tutelas provisórias de natureza cautelar e antecipatória, concedidas em caráter de urgência. Contudo, enquanto no CPC/1973 a verificação dessa fungibilidade dependia da presença dos pressupostos para a medida correta (art. 273, § 7.º), no CPC/2015, a identidade entre os pressupostos68 de uma e de outra medida torna desnecessária tal exigência. Essa unificação dos requisitos das tutelas de urgência certamente facilita a aplicação da fungibilidade. A fim de atingir os desígnios de instrumentalidade e efetividade da tutela jurisdicional, o exame da possibilidade dessa conversão deve ser feito ex officio pelo juiz. Assim, o art. 305, parágrafo único, do CPC/2015, determina que, se o autor requerer uma medida cautelar que tiver natureza de medida antecipada, o juiz deve seguir o procedimento desta, e não daquela. Aqui, tal qual no CPC/1973, o juiz é dotado de poderes amplos para, em situações de urgência, evitar que a dificuldade de categorizar a medida prejudique o autor, tolhendo-o de seu direito fundamental à efetividade do processo. Também sob a égide do CPC/2015 a fungibilidade é uma via de mão dupla, no sentido de que tanto poderá ser concedida uma medida antecipatória erroneamente requerida sob a denominação de cautelar, como esta poderá ser concedida se, por um equívoco, for requerida a título de tutela antecipada. O que importa é que o requerente, individuando de forma precisa a lide, – o pedido e as causas de pedir – tenha condições de apontar qual é o provimento urgente, dando lastro jurídico às suas alegações. Sendo verificada a urgência e a probabilidade do direito, a medida deve ser deferida. Grande parte das dúvidas que surgiram em relação à fungibilidade no Código de 1973 tendem a desaparecer com o CPC/2015. Isto, porque não há mais distinção entre um “processo cautelar” e um provimento incidental de antecipação de tutela, como havia. Ambas as medidas são requeríveis e deferíveis no bojo de um processo ou em caráter antecedente, sem prejuízo de que se altere o procedimento para se adequar ao provimento. De igual forma, como já salientamos, não existem mais requisitos distintos – ao menos nominalmente – como no Código passado. No CPC/1973 previa-se, de um lado, a exigência de provainequívoca e verossimilhança das alegações (art. 273), e de outro, em fumus boni iuris (art. 798); agora, deve-se examinar apenas a probabilidade do direito (art. 300, do CPC/2015). Um ponto sensível, atinente à fungibilidade entre as tutelas provisórias, diz respeito à possibilidade de se deferir tutela de urgência requerida a título de tutela da evidência e vice-versa. Trata-se de situação não prevista pelo legislador, mas que se poderá revelar frequente na praxis jurídica.69 No entanto, será necessária a observância dos pressupostos da medida correta. Essa posição nos parece acertada, mormente se considerarmos os poderes de direção e adaptação do processo reservados ao juiz no CPC/2015 (art. 139, IX). Temos que levar em conta, ainda, o argumento de que “o processo civil de resultados não se coaduna com o formalismo na tutela provisória”.70 17.3.5. Efetivação das tutelas provisórias Tanto as medidas de caráter antecipatório como as de cunho conservativo (cautelares) necessitarão de providências práticas para sua efetivação, o que, por óbvio, devem ser realizadas de imediato. Observamos, quanto a isso, que não há total incompatibilidade entre a regra da suspensão da eficácia na pendência do recurso de apelação e a eficácia imediata dos provimentos provisórios.71 Obviamente, o ideal seria que o Código tivesse aderido à regra da eficácia imediata da sentença, como se previa na redação original do anteprojeto e tal como induz a crer o art. 99572 do CPC/2015. Haveria, assim, perfeita sincronia ideológica entre as tutelas provisórias e definitivas, no que tange à valorização da atividade do juiz de primeiro grau e à importância do tempo no processo. Contudo, o fato de a apelação ter, em regra, efeito suspensivo (art. 1.012, caput 73 , do CPC/2015, que reproduz o caput do art. 520 do CPC/1973), apesar de criticável, não representa incoerência com a possibilidade de efetivação imediata das tutelas provisórias, visto que estas são proferidas mediante pressupostos específicos de urgência ou evidência que se agravam com a injustiça da espera do requerente (cujo direito está em periclitação ou é tão evidente que não justifica o ônus da espera). Prova disso é que tais medidas podem ser concedidas no âmbito da própria sentença para excetuar a regra geral, imprimindo-lhe eficácia imediata. Com efeito, seria despida de qualquer sentido a possibilidade de se determinar uma medida em caráter provisório, mediante cognição sumária, se esta não pudesse ser cumprida antes do momento considerado “normal” que, em geral, corresponde ao trânsito em julgado da decisão final. Devemos lembrar, ainda, que haverá casos em que, devido à estabilização da tutela antecipada e extinção do processo, o provimento final sequer será proferido, o que reforça a necessidade de cumprimento imediato dos provimentos provisórios. De acordo com o art. 297, caput, do CPC/2015, a efetivação das tutelas provisórias terá natureza provisória e será realizada pelas medidas consideradas adequadas pelo juiz74. Acresce, ainda, o parágrafo único do citado dispositivo prevendo que “a efetivação da tutela provisória observará as normas referentes ao cumprimento provisório da sentença, no que couber”. Por outro lado, o art. 519, que trata do cumprimento de sentença, estabelece que as disposições relativas a esta fase também se aplicam à tutela provisória, “no que couber”. Houve, portanto, uma conexão das regras sobre a efetivação da tutela antecipatória com outros textos do CPC, revelando-se a complementaridade dos dispositivos, com o nítido escopo de tornar o processo mais efetivo, por meio do encurtamento do tempo entre a decisão dada pelo juiz e o seu resultado prático no mundo dos fatos.75 As disposições dos arts. 297, caput e parágrafo único, e 519 do CPC/2015 consagram a atipicidade dos meios executivos no âmbito das tutelas provisórias.76 A alusão, no caput do art. 297, às medidas que o juiz considerar “adequadas”, confere ao magistrado uma margem de flexibilidade para determinar de que meios executivos se irá valer, independentemente de previsão legal taxativa. Assim, portanto, os dispositivos relativos ao cumprimento de obrigações de pagar, de entregar coisa e de fazer podem ser aplicados, indistintamente, a tais modalidades de obrigações, desde que se verifique a dita adequação ao caso específico. Esse já era nosso entendimento à luz do CPC/1973, embora o art. 273, § 3.º, não chegasse a ser tão explícito quanto a essa questão.77 Com efeito, existe uma fungibilidade dos meios coercitivos voltados à atuação jurisdicional do requerimento relativo à tutela provisória, a fim de permitir que o magistrado consiga adaptar o tipo de providência jurisdicional solicitada à proteção efetiva do pedido mediato, o qual representa o bem da vida desejado pelo autor. Logo, mesmo quando se tratar, por exemplo, de tutela provisória que determine o pagamento de quantia certa, é possível que não se verifique a viabilidade de se aplicar o disposto nos arts. 520 a 522 do CPC/2015. Justamente por isso, a lei atribuiu flexibilidade para o juiz na idealização de meios e caminhos para a realização, no plano prático, das medidas provisórias. De fato, sempre nos pareceu que, pela gravidade das situações que se encerram com a concessão de medidas provisórias para impor pagamento em quantia, o rito da execução provisória se revelava, no mais dos casos, ineficaz. Por isso, o rumo a ser seguido pelo juiz se deve – na efetivação de provimento de urgência para pagamento de determinada quantia certa – aproximar do rito de uma tutela específica ou da obtenção do resultado prático equivalente, principalmente nas situações de iminente risco à vida ou grave risco à saúde. Assim, além da possibilidade de impor multa diária ao réu (astreintes), poderá o juiz bloquear valores em contas bancárias, realizar a busca e apreensão de bens e até mesmo expedir ofício ao Ministério Público, se houver descumprimento da ordem judicial, para que seja apurada a prática de crime de desobediência (art. 330 do Código Penal).78 Já quando se tratar de hipóteses de provimento que determine obrigação de fazer ou de não fazer, será aplicável o art. 536 do CPC/2015, que propicia a tutela específica das obrigações, autorizando o magistrado a “determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente”. E, por fim, se for o caso de forçar o réu a entregar coisa móvel ou imóvel antecipadamente, os mecanismos a serem utilizados são os que constam no art. 538. Tais providências, tendentes à obtenção da tutela específica ou do resultado prático equivalente, poderão ser determinadas de ofício pelo juiz, ou mediante requerimento da parte (art. 536, caput, art. 537 e art. 538, caput e § 3.º, todos do CPC/2015). Não há que se cogitar, quanto a isso, de ofensa ao princípio dispositivo, tendo em vista que o juiz não estará definindo o objeto da tutela requerida, mas, tão somente, viabilizando, a partir de meios executivos diretos (sub- rogatórios) e indiretos (meramente intimidatórios), a efetivação dos provimentos de natureza provisória. Desse modo, o legislador colocou à disposição do juiz diversos instrumentos para a completa satisfação do direito material, como, por exemplo, a imposição de multa diária para coagir o réu ao cumprimento da decisão, ou mesmo a determinação de outras medidas necessárias para a real efetivação das obrigações de fazer e não fazer e de entrega de coisa (i.e., apreender bens, remover coisas e pessoas, desfazer obras, impedir qualquer atividade nociva à saúde ou ao meio ambiente, em todas elas até mesmo com apoio de força policial, se não houver o cumprimento por parte do réu). Aqui também, se ocorrer o fracasso de todas essas medidas coercitivas, como último recurso, será possível remeter ao Ministério Público cópia dos autos, com as informações necessárias para a propositura de ação penal por desobediência à ordem judicial (art. 536, § 1.º, do CPC/2015).79 A flexibilidade normativa que foi posta pela lei em mãos do juiz atende aos reclamos doutrinários de tutelaefetiva dos direitos fundamentais,80 registrados, inclusive, no âmbito do direito comparado.81 O largo espaço de escolha e deliberação reservado ao juiz é justificado pelo fim a ser atingido, a saber: a efetividade, a realização no mundo empírico, em tempo curto, daquilo que tenha sido decidido.82 Ressalte-se, por fim, que é objetiva a responsabilidade civil do beneficiado pela tutela provisória, como, aliás, sempre ocorreu com a do requerente das medidas cautelares (art. 811 do CPC/1973). Tal responsabilização, por ser objetiva, independe de culpa ou dolo do autor – em relação aos danos ocasionados ao réu pela medida –, podendo dar ensejo, se for constada que era indevida, a indenização e a restituição das partes ao estado anterior. Não sendo possível esta restituição, restará ao réu pleitear o ressarcimento dos danos causados.83 17.3.6. Ausência de discricionariedade na verificação dos pressupostos às tutelas provisórias Oportunamente, analisaremos os pressupostos para a concessão das tutelas provisórias de urgência e de evidência, quando será possível constatar que sua definição depende da análise de alguns conceitos jurídicos indeterminados, tais como os de probabilidade do direito, risco de irreversibilidade do provimento, abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, entre outros. Cumpre-nos advertir, quanto a esse aspecto, que a circunstância de se ter o legislador utilizado de diversos conceitos torna complexa a interpretação e a aplicação dos textos legais, além do sentido que se teria conferido à expressão “larga margem de poder” ao juiz.84 No entanto, não se deve dizer que o juiz haverá de aplicar tais conceitos vagos discricionariamente. Ocorre que a discricionariedade, propriamente dita, qual seja, aquela naturalmente existente nos atos administrativos discricionários, não é compatível com a atividade jurisdicional. Afinal, mesmo um ato administrativo discricionário, quando é objeto de apreciação pelo poder judiciário, possui um núcleo, que é o mérito do ato administrativo, que não deve ser objeto, sequer, de manifestação pelo Poder Judiciário.85 Logo, o juiz deve apenas verificar se o administrador praticou o ato adstrito ao âmbito de possibilidades emergentes da regra discricionária em que se pautou, em função da competência que lhe foi adjudicada. Isso, em geral, somente tem algum sentido, se considerarmos esse enunciado tendo em vista a apreciação jurisdicional do ato administrativo. Vale dizer, na inter-relação entre Administração e Poder Judiciário. Se tiver previsão de o ato administrativo discricionário ser reapreciado internamente, por órgão hierarquicamente superior (dentro do âmbito da própria administração), é certo que poderão vir a ser alterados até radicalmente, na medida em que seja entendido que o seu conteúdo não traduziu o que é mais conveniente e oportuno para a administração, na perseguição do interesse público. Se, no entanto, tal ato for apreciado pelo Poder Judiciário, como este não tem competência para substituir-se ao administrador, para o fim de dizer o que é conveniente e oportuno, por isso e nessa conjuntura, diz-se que o ato poderia ter sido a ou b, se ambos se apresentarem como soluções possíveis à luz do espectro do ordenamento jurídico. Como o Judiciário, em regra, somente examina a legalidade do ato, se este, como ocorreu, está dentro do âmbito da legalidade, a solução do administrador é válida. Se, de outra forma ou com outro conteúdo, houvesse sido concretizado o ato, e se esta outra forma ou conteúdo, igualmente, fosse possível à luz da mesma norma e esta outra forma ou conteúdo foram os escolhidos pelo administrador a quem, com exclusividade, cabe dizer da conveniência e da oportunidade, certamente, o Judiciário, no caso, dirá também, que o ato é válido. No campo das tutelas provisórias não há que se cogitar de discricionariedade, senão que da interpretação de conceitos vagos e da interpretação de expressões difíceis para se determinar a delimitação correta do seu campo de abrangência. Precisamente por esta distinção à qual é impelido o legislador atual para regrar as constantes mutações sociais, é patentemente difícil, senão impossível, antecipar-se grande parte do que virá a ser efetivamente o objeto deste tipo de tutela. Deve-se dizer que há estágios da cognição de um objeto que, no limiar da observação do mesmo, são necessariamente imperfeitos ou “inacabados”. Hartmann, estudando os momentos e os perfis da cognição, ensina que existe um estado em que o conhecimento é representativo de uma postura de aproximação a um quadro futuro, em que, só então, será retratada a totalidade do objeto, ao que, sinteticamente, designa como progresso no conhecimento.86 O que deve ocorrer, quando a realidade da vida vier a preencher o sentido amplo dos textos legais, é a interação entre os conceitos da expressão normativa e a significação dos fatos da vida, o que levará a que sejam vistos como “conceitos paralelos”, indicativos praticamente da mesma relação, observando-se de um ponto de vista (na coisa, v.g., a realidade social e os problemas por ela criados) e de outro (no texto), a interação que há entre ambos. Diz-se expressivamente, em obra de hermenêutica escrita em nossa época de mutações constantes: “Uma coisa será vista ‘como’ o sentido de um texto, e [a seu turno] o texto, como a expressão dessa coisa”.87 Ressalta aqui menos um método subsuntivo, senão que se aproxima do estilo tópico, em que, da realidade e da problematicidade social, tira o legislador motivação para tentar solucionar os conflitos. Mas, exatamente porque a realidade é difusa e não rigorosamente dimensionada, a técnica utilizada se baseia em textos que comportam grande latitude de interpretação, mercê do que se verificará só depois de algum tempo e, crescentemente, o verdadeiro âmbito da norma. Diz- se que, sem embargo disto, “quando se logra a estabelecer um sistema dedutivo, a que toda a ciência, do ponto de vista lógico, deve aspirar, a tópica tem de ser abandonada”.88 Toda interpretação que se usa em relação aos textos da tutela provisória está inserida naquilo que nos revela a sociologia do direito, ou seja, há “uma reação do Direito às modificações sociais, através de mecanismos de configuração variada”, de modo “a poder o Direito, o sistema jurídico e o aparato estatalrecuperar a sua correspondência para com a sociedade”.89 De outra parte, por mais complexa ou árdua que seja a interpretação dos conceitos utilizados, comportam eles revisão por recursos, inclusive, por recurso especial, pois, trata-se, pura e simplesmente, de verificar se a lei foi interpretada corretamente. Vale dizer, deverá ser o tribunal mais elevado do País para interpretar o direito federal, infraconstitucional – o Superior Tribunal de Justiça –, que haverá de dizer se a hipótese concreta está, ou não, encartada no sistema e na lei. 17.4. Tutelas de urgência 17.4.1. Sistematização das tutelas de urgência Como já mencionamos, o CPC/2015 simplificou o tratamento das tutelas de urgência, subdividindo-as em cautelares e antecipatórias, mas unificando os pressupostos à sua concessão (arts. 300 a 302, do CPC/2015). Apesar disso, estabeleceu algumas diferenças procedimentais entre elas, dedicando capítulos distintos para os procedimentos da tutela antecipada antecedente (arts. 303-304) e da tutela cautelar antecedente (arts. 305-310). Entre tais diferenças, destaca-se a estabilização da tutela antecipatória antecedente, de que trataremos mais adiante (art. 304). Nos próximos tópicos, cuidaremos, primeiramente, das disposições comuns relativas ao tema e, posteriormente, dos aspectos procedimentais específicos de cada modalidade. 17.4.2. Pressupostos à concessão das tutelas de urgência A duração de todo e qualquer processo causa um “dano marginal”, no dizer de muitos juristas.90 O contraditório pleno, no âmbito do processo comum, que leva a essa demora danosa do processo, exige instrumentos que permitam a mitigação do tempo necessário a esse contraditório complexo – semlhe suprimir os elementos essenciais –, quando configurados os pressupostos da urgência ou, como veremos adiante, quando configurada a evidência do direito. O art. 300 do CPC/2015 estabelece dois pressupostos à concessão da tutela de urgência, sendo indiferente sua natureza cautelar ou antecipatória. São eles: a) a probabilidade do direito; e b) o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. Trata-se, na verdade, da conjugação de elementos que sempre estiveram, de uma forma ou de outra, em maior ou menor medida, presentes nas disposições legais a respeito do tema. No CPC/1973, o art. 798 já previa que, para a concessão de medidas cautelares, era necessário que o requerente demonstrasse a plausibilidade do direito alegado (fumus boni iuris) e o perigo resultante da demora na concessão da medida (periculum in mora).91 De forma semelhante, o art. 273 do CPC/1973 exigia, para que fosse concedida a antecipação da tutela, prova inequívoca da verossimilhança da alegação e fundado receio de dano irreparável. Porém, a redação desse último dispositivo (art. 273 do CPC/1973), aliada ao fato de que, na tutela antecipada, a providência concedida se confunde, total ou parcialmente, com o objeto do próprio pedido do autor, levou a que se concluísse que, para sua concessão, o juízo de probabilidade deveria ser mais contundente do que aquele exigido para as medidas cautelares. Em relação às hipóteses abrigadas pelo art. 461 do CPC/1973, no seu § 3.º, referiu-se o legislador a que “havendo justificado receio de ineficácia do provimento final”, era o caso de concessão liminar da tutela, com ou sem justificação prévia. A unificação dos pressupostos, pelo CPC/2015, mereceu aplausos por parte daqueles que consideravam extremamente complexa a tarefa de diferenciar, na prática, os pressupostos das duas modalidades de tutela de urgência.92 No entanto, há quem critique a identidade de pressupostos à concessão de providências cautelares e antecipatórias, ao argumento de que não se pode impor os mesmos requisitos para a tutela cautelar (conservativa) e para a tutela antecipada (satisfativa), “sem atentar para a diversidade de consequências práticas e jurídicas que advêm de uma medida neutra, como é a conservativa, e de uma medida de mérito, que é a antecipação da tutela substancial.”93 De nossa parte, embora já nos tenhamos manifestado no sentido de que o grau de cognição da tutela antecipatória deveria ser mais profundo ou menos superficial que o juízo cognitivo em sede cautelar,94 é certo que o fizemos à luz do CPC/1973, tendo em vista a redação do art. 273. Entendiamos que se tratava de uma questão de gradação, tendo em vista que os requisitos eram, ontologicamente, os mesmos.95 -96 De todo modo, é importante termos presente que, à luz do CPC/1973 a doutrina sempre se questionou se os requisitos das cautelares e das antecipatórias eram ou não os mesmos, de sorte que é provável que a unificação trazida pelo art. 300 do CPC/2015 não venha a dissipar totalmente as dúvidas sobre o tema. O que se pode afirmar é que os seguintes fatores autorizam a concessão de tutelas provisórias de urgência, de cunho cautelar ou antecipatório: a) a probabilidade daquilo que alega o requerente (probabilidade do direito), e b) o perigo de dano para o autor, caso tenha que aguardar pela sentença final e, ainda, pelo julgamento da apelação com efeito suspensivo, para, só então, realizar o direito que lhe foi reconhecido. É evidente estar subjacente a este dano a própria ideia de utilidade da prestação jurisdicional, a qual, se vier a ser outorgada ao autor somente a final, depois da audiência, ou mesmo que o seja em julgamento antecipado (mas com realização só depois do julgamento do(s) recurso(s) com efeito suspensivo), poderá vir a concretizar-se só no momento em que o dano, a ser evitado, pelo processo, por este não possa mais vir a ser obstado.97 Por isso mesmo, refere-se o CPC/2015 ao perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. No que concerne ao pressuposto da probabilidade do direito, a parte interessada em uma medida de urgência deve demonstrar, por meio de alegações e provas, que seu direito é plausível (provável), e que é mais vantajoso ao processo conceder a medida, do que não concedê-la. Se restar abalada a convicção do juiz, ou esta não estiver formada satisfatoriamente, isto revela ser possível que a parte contrária tenha razão e, se é assim, a pretensão do requerente poderá vir a ser havida como infundada. Se a dúvida existir a priori, não é caso de concessão de tutela de urgência, salvo se o bem jurídico ameaçado representar, se não protegido, um dano de grandes proporções, ou melhor, se puder levar ao perecimento do direito fundamental (direito à vida ou à saúde, por exemplo). Quanto ao periculum in mora, devemos observar que, mesmo nas hipóteses de tutela antecipatória, não diz necessariamente respeito ao risco de “perecimento do objeto” caso não seja antecipada a tutela. O texto do art. 300, caput, do CPC/2015, não faz maiores distinções.98 Esse dano pode ser externo à pretensão, no sentido de ser um dano a ser evitado com o seu acolhimento. Assim, v.g., numa ação para entrega de coisas certas, tais como máquinas vitais para a própria sobrevivência econômica da empresa-autora, de nada adiantará, por hipótese, obter sentença de procedência quando a empresa já estiver insolvente de fato ou, efetivamente, falida. Tais máquinas podem representar a própria revitalização da empresa-autora, e, ficando caracterizado também o pressuposto da probabilidade do direito, é certo que será hipótese de adiantamento da tutela. Dever-se-á, no caso, contra-garantir o réu, que será despojado da posse das máquinas. O dano diz respeito à situação financeira e econômica da empresa-autora e a pretensão, sendo objeto de tutela antecipatória, constituir-se-á no meio para, possivelmente obstar a ocorrência desse dano. Devemos salientar que, na análise da viabilidade de concessão de uma tutela de urgência, o juiz trabalha sempre com elementos não exaurientes. O dilema do juiz será o de proteger ou não o direito do autor, que corre o risco de perecer. Um critério do qual o juiz poderá servir-se é o mesmo adotado para as situações excepcionais em que é autorizada a tutela de urgência de caráter irreversível no plano prático (v., infra, “Tutela de urgência e reversibilidade da medida”). Deve-se utilizar a proporcionalidade para sopesar as posições do autor e do réu, visualizando essas posições depois de imaginar os efeitos da concessão da tutela, tais como incidiriam sobre as situações de um e de outro. Trata-se de um critério limite, porque, se não fosse concedida a medida, e se isso causasse ao réu um prejuízo maior do que a sua não concessão ao autor, à luz desse referencial, não deverá o juiz conceder a tutela de urgência.99 -100 Esse critério se aplica tão só e exclusivamente em caso de dúvida. Se, todavia, o autor tiver nitidamente razão não se deve cogitar da comparação. Via de regra, aquele que requer uma tutela de urgência precisa, o quanto antes possível, de uma ordem que obrigue a parte contrária a uma atitude – seja de pagar quantia certa, entregar coisa, fazer ou de não fazer. Assim, o requerente suporta o ônus do tempo do processo, no sentido de que, enquanto não lhe for concedido o que pede, é ele quem sofre as consequências fáticas da relação jurídica entre as partes. Caso a medida seja deferida, a parte contrária ao cumprir a sua obrigação passa a suportar o ônus do tempo, ou seja, é o seu interesse que estaria sendo desprestigiado. Há aí uma balança em que pesam, de um lado, os interesses do autor, e de outro os do réu.101 O deferimento de uma tutela provisória significa antecipar no tempo os efeitos do julgamento (no momento adequado), e com isso definir quem deverá suportar o ônus do tempo até este julgamento final.102 De acordo com a urgência verificada no caso concreto, a medida poderá ser concedida sem a oitiva da parte contrária. Tal possibilidade, a despeito de expressamente prevista no art.9.º, I, do CPC/2015, não deixa de ser excepcional, por ser necessário que institutos como este respeitem o princípio da bilateralidade da audiência,103 que é exigência constitucional. Sob o prisma da Constituição, o contraditório prévio deve ser a regra geral, e sua postergação, a exceção. Sendo assim, o que nos parece é que, se o juiz verificar, na hipótese concreta, que a oitiva da parte requerida poderá agravar, ou mesmo, consumar o prejuízo do requerente, é certo que deverá antecipar a tutela sem audiência prévia daquela. Vale dizer, ainda que se possa satisfazer o autor antes daquele que seria o momento normal (comparativamente ao momento indicado no âmbito da estrutura clássica do processo), é necessário que sejam respeitados determinados limites em relação à posição do réu. Oferecer ao réu a oportunidade de apresentar a sua versão dos fatos e, inclusive, de contraditar as provas do autor, auxilia o debate e dá maiores subsídios para que a tutela de urgência seja analisada de forma adequada. Nessa linha, não raras vezes o juiz, ao se manifestar sobre um pedido de tutela de urgência, afirma que aguardará a contestação do réu para deferir ou indeferir o requerimento. Deve-se ter presente, todavia, que quando o autor requer o deferimento de medida de urgência, o faz na expectativa de que seja concedido imediatamente, e não para que seja apreciado futuramente. Pode ocorrer, ainda, que o tempo transcorrido até que a manifestação do réu seja juntada aos autos e esteja disponível para análise judicial, seja fulminante à pretensão do autor. Para esses casos, o art. 300, § 2.º, do CPC/2015, possibilita outra solução: a oportunidade de justificação prévia por parte do autor. Trata-se de uma hipótese em que o juiz requisita esclarecimentos à parte que requereu a tutela de urgência, ou mesmo designa audiência visando à demonstração, por meio de testemunhas, da presença dos requisitos necessários à tutela de urgência. O objetivo é, de forma célere, obter elementos de fato suficientes para poder analisar o pedido de tutela provisória. Serve, pois, a justificação, para aquelas hipóteses em que a probabilidade do direito não tenha sido demonstrada de forma suficiente pelo autor. Haverá casos, inclusive, em que o juiz poderá ouvir as testemunhas do autor e solicitar esclarecimentos antes mesmo da oitiva do réu, tendo em vista a possibilidade concreta de que o conhecimento, por este, do pedido de tutela provisória, possa vir a frustrar os objetivos pretendidos pelo autor. 17.4.3. Tutela de urgência e reversibilidade da medida Se, por um lado, a concessão das tutelas de urgência é pautada no acesso à justiça e na possibilidade de oferecer proteção tempestiva de direitos fundamentais que venham a sofrer lesão ou ameaça de lesão (art. 5.º, XXXV, da CF/1988), por outro, o juízo de cognição sumária a que se submetem tais medidas ocasiona, como já dissemos, certa preocupação com os prejuízos eventualmente acarretados ao réu em caso de revogação da decisão concessiva da tutela. Tendo em vista tal possibilidade, a lei proíbe a concessão de tutela de urgência quando houver “perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão” (art. 300, § 3.º, do CPC/2015, análogo ao art. 273, § 2.º, do CPC/1973). Esse requisito negativo da “irreversibilidade dos efeitos da decisão” deve ser entendido como uma “impossibilidade de restabelecimento da situação anterior caso a decisão antecipada seja reformada".104 A reversibilidade é necessária até mesmo pela regra do art. 5.º, LIV e LV, da CF/1988, pois, se irreversível fosse, alguém restaria condenado sem o devido processo legal e sem a garantia do contraditório.105 Mas poderá ser mitigada a regra geral quando o bem da vida a ser protegido tenha uma grandeza superior. A irreversibilidade deve ser compreendida sob a perspectiva da “realizabilidade prática do direito”; essa irreversibilidade pertence, pois, ao plano prático, e não ao plano normativo, onde opera o atributo da revogabilidade. Assim, pode ocorrer que a providência determinada a título de tutela de urgência se revele irreversível, tendo em vista a impossibilidade de retorno das coisas ao status quo ante. Isso não afasta a possibilidade de revogação da decisão que a tenha concedido. No plano normativo, é quase 106 sempre possível a revogação ou modificação de medida provisória; já no plano da vida, nem sempre se logrará obter o retorno ao estado anterior. A regra geral, porém, é a de que apenas aquilo que puder ser integralmente revertido pode ser objeto de concessão de tutela de urgência. São exemplos típicos de tutelas reversíveis a entrega de um bem que pode vir a ser devolvido, a obrigação de não fazer que possa ser retomada pelo réu, dentre outras condutas que podem restabelecer a situação anterior à medida. Em tese, a reversibilidade não deve corresponder à solução em perdas e danos ao depois da decisão que venha a revogar a tutela de urgência. No entanto, em casos extremos – que não são raros –,107 de perecimento da pretensão do autor ou de dano que só com a medida pode ser evitado, a solução que poderá corretamente vir a ser adotada é de assumir o risco das perdas e danos. Essa regra geral de reversibilidade tem sido acatada pelos tribunais, em especial pelo STJ.108 No entanto, e em situações absolutamente excepcionais, deve ceder em face de um bem jurídico de significação maior, como já dissemos.109 Incide aí um necessário juízo de proporcionalidade entre direitos fundamentais que podem vir a ser lesados e o direito (também fundamental) à tutela jurisdicional efetiva definitiva concedida após o devido processo legal.110 Assim, em casos extremos, de perecimento da pretensão do autor ou de dano que só com a antecipação da tutela pode ser evitado, a solução que poderá corretamente vir a ser adotada é a de resolver-se o assunto até assumindo o risco das perdas e danos.111 17.4.4. Responsabilidade pelos danos causados com a efetivação da tutela de urgência Como dissemos, a parte que requer a concessão de tutela de urgência assume os riscos decorrentes da sua eventual futura reversão. Se, por exemplo, o réu foi obrigado a entregar determinado bem que estava em sua posse, e a sentença decidiu em sentido contrário, no sentido de que o bem jamais deveria ter saído da posse do réu, é o autor quem deve arcar com os danos sofridos durante o transcurso do processo por essa decisão provisória. Por se tratar de matéria tão delicada e de contornos tão imprecisos, é facultado ao juiz exigir da parte requerente, para conceder a tutela, caução real ou fidejussória apta a ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer (art. 300, § 1.º, do CPC/2015).112 A concessão da contracautela é faculdade ensejada ao juiz, que se mostra muito salutar, tendo em vista que, caso a medida de urgência seja revogada, o réu não será prejudicado. No entanto, poderá ser dispensada a caução, se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la (art. 300, § 1º, parte final, do CPC/2015). Por outro lado, se, no caso da tutela antecipada, esta não for concedida, pode vir a ocorrer dano ao autor, pela demora de aguardar a sentença final, e ainda possivelmente o seguimento de recursos com efeito suspensivo, para só então poder realizar o direito que lhe foi reconhecido. Já no caso da medida cautelar, pode ocorrer de a não concessão gerar a inutilidade do resultado final. Em ambos os casos, a espera poderá causar dano irreparável ao direito do autor, e só então ficará evidenciado que, desde o início, deveria ter sido concedida a medida provisória. Eis uma das dificuldades de se lidar com o instituto das tutelas de urgência. O CPC/2015, sobre isso, estabelece que independentemente da reparação por dano processual – isto é, daquele decorrente do ônus do tempo do processo – a parte responde pelo prejuízo decorrente da efetivação da tutela de urgência em algumas situações. A mais natural delas é o caso de sentença desfavorável, isto é, a decisão prolatada em sentido contrário à tutela antecipada (art. 302, I). O mesmo ocorre
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