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LIVRO 3 DIREITO ATUALIDADES E ENSINO

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Prévia do material em texto

1 
 
FUPAC - MARIANA 
2 
 
 
iii 
 
FUNDAÇÃO PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS 
(COORDENADORA) 
 
 
 
 
 
 
DIREITO: 
ATUALIDADES E ENSINO 
 
1ª Edição 
 
 
 
 
 
 
MARIANA, 
FUPAC-MARIANA 
2016 
iv 
 
Ficha catalográfica 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
* A revisão textual é de responsabilidade dos autores de cada ensaio 
ou artigo do livro. 
 
 DIREITO: ATUALIDADES E ENSINO 
 
 Fundação Presidente Antônio Carlos (coordenadora). Direito: 
atualidades e ensino. 1 edição. Mariana: FUPAC-MARIANA, 2016. 432 
p. 
ISBN: 978-85-98974-19-4 
 
Coletânea de textos do 3º Concurso de Ensaios Acadêmicos da 
Faculdade Presidente Antônio Carlos de Mariana e de artigos científicos 
dos professores da instituição. 
Capa e diagramação: Magna Campos 
 
 1. Direito. 2. Atualidades Jurídicas. 2. Ensino Jurídico. 4. Direito: 
contemporaneidade e ensino. 
v 
 
Autores 
Adrielly Coelho 
Alessandra Sayonária 
Amanda Fonseca 
 Ana Cláudia Macedo 
 André Luis Pereira 
Aparecido José dos Santos Ferreira 
 Camilla Coelho Quirino 
Carlos Randel Crepalde Mafra 
 Daiane Estevam 
Déborah Cristina de Fátima Moutinho 
 Emanuelle Cerceaux 
 Fabiano César Rebuzzi Guzzo 
Flávia Regina Gonçalves Viana 
Israel Quirino 
Joana DArc Aparecida de Oliveira 
José Carlos Henriques 
Magna Campos 
Michele Aparecida Gomes Guimarães 
 Nilson Gonçalves do Nascimento 
Nordeci Gomes da Silva 
 Patrícia Margarida da Mapa 
Raphael Furtado Carminate 
René Dentz 
Ricardo José de Carvalho 
Rodrigo Ferreira 
Shirlene de Oliveira Sales 
Waldir Araújo Carvalho 
 Yasser Jamil 
vi 
 
Prefácio 
 
Presenciei desde a criação, toda história de nossa 
instituição de ensino superior, degrau por degrau, por 
meio da construção coletiva de um projeto de futuro, por 
isso, honra-me profundamente, como diretora e 
acadêmica, prefaciar a 3ª edição da coletânea de artigos e 
ensaios acadêmicos de nossos alunos-colegas e 
professores. 
Ao ler cada texto, tive várias sensações e 
impressões, porém, o que mais me marcou foi a certeza de 
que a cada edição todos os envolvidos estão produzindo 
melhor e com mais qualidade. Esse é fruto da evolução e 
do compromisso com a educação de qualidade e 
excelência, que é meta primordial de nossa instituição. 
Esta edição trata de vários temas atuais que 
perpassam pela tragédia de Mariana, a pílula da cura do 
câncer, o novo código de processo civil, a deserdação, os 
direitos fundamentais, a omissão do Estado no caso da 
dengue no Brasil, dentre outros que estão e fazem parte 
do cotidiano dos cidadãos, fazendo com que cada um 
tenha uma função social, cívica e educativa. 
Ao formarmos cidadãos, temos de procurar fazer 
com que cada um possa, ao longo de sua vida acadêmica, 
ter oportunidades múltiplas para alcançarem seus ideais, 
abrindo assim os horizontes, para um futuro melhor e 
mais promissor. 
Esperamos que nesta edição possamos ampliar os 
conhecimentos, os conceitos, os conteúdos e discutir 
questões de ensino, abrindo o horizonte intelectual de 
cada um de nossos alunos. 
vii 
 
Cumprimento a todos que ajudaram a confeccionar 
esta edição, com votos de continuidade do fazer científico, 
para alçar novas conquistas no ensino e aprendizagem do 
conhecimento jurídico. 
 
Crovymara Elias Batalha 
Diretora da Faculdade Presidente Antônio Carlos de 
Mariana 
 
 
viii 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
da palavra 
 
/ 
fonema 
ou morfema 
// 
cesura 
Ou 
censura 
/// 
dialogar 
: 
toda 
palavra 
sabe 
a liberdade que sente 
no peito que a expressa 
e 
o venenoso silêncio 
na boca que a esconde 
: 
deixem-na 
bradar 
! 
(Gabriel Bicalho 
In: Ad referendum) 
 
 
ix 
 
TRAGÉDIA DE MARIANA: PARA ALÉM DAS PERDAS VISÍVEIS 15 
Israel Quirino 
Introdução 15 
2. A burocracia de um Estado ausente 20 
3. Homens de Ferro (ou nem tanto) 27 
4. Qualquer visão de futuro 29 
5. Das perdas imateriais 33 
6. Órfãos de si mesmos 40 
7. Sem voz e sem vez 48 
Considerações Finais 54 
Referências: 56 
FOSFOETANOLAMINA: A MILAGROSA PÍLULA DO CÂNCER 
(ILUSÃO DA CURA E O CASUÍSMO DA LEI FEDERAL 13.269 DE 13 
DE ABRIL DE 2016) 60 
Israel Quirino e Camilla Coelho Quirino 
Introdução: 60 
2. Enquanto há vida há esperança 62 
3. Um mercado promissor 63 
4. O milagroso caso da fosfoetanolamina 65 
5. Pacientes terminais e cobaias humanas 69 
6. A pesquisa em seres humanos 72 
7. O casuísmo da Lei Federal 13.269 de 13 de abril de 2016 76 
8. A Lei 13.269 e seu alcance prático: 80 
Considerações Finais: 83 
Referências: 84 
A INTRODUÇÃO DO GÊNERO TEXTUAL ENSAIO ACADÊMICO 
COMO ATIVIDADE DE ESCRITA NA FACULDADE PRESIDENTE 
ANTÔNIO CARLOS DE MARIANA: ESTUDO DE CASO 86 
Magna Campos 
Introdução: 86 
2. As fronteiras do gênero textual ensaio acadêmico: fronteiras 90 
2.1 Ensaio acadêmico versus ensaio científico 91 
2.2 Ensaio filosófico e literário versus ensaio acadêmico 96 
2.4 Características da linguagem do ensaio acadêmico 110 
2.5 A estrutura do gênero ensaio acadêmico 112 
3. O trabalho com o gênero ensaio acadêmico na FUPAC-Mariana 116 
x 
 
3.1 O surgimento e justificativa da proposta 116 
3.2 O trabalho da monitoria de Língua Portuguesa e a seleção dos 
entrevistados 122 
3.3 A experiência de escrita dos graduandos: entrevista com um 
grupo de “alunos-ensaístas” 124 
3.3.1 Contexto: 124 
3.3.2 O que as entrevistas revelam: 125 
Considerações finais: 145 
Referências bibliográficas: 147 
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS INFRACONSTITUCIONAIS E 
ASPECTOS DA LEI 11.101/2005 154 
Michele Aparecida Gomes Guimarães e Nilson Gonçalves do Nascimento 
Introdução 154 
2. Princípios constitucionais e infraconstitucionais e a empresa 155 
2.1-Alguns aspectos da Lei 11.101/2005 161 
Conclusão 171 
Referência 174 
A TUTELA DO HIPOSSUFICIENTE NA NOVA AXIOLOGIA 
PROCESSUAL DA LEI Nº 13.105/2015 (“NOVO CÓDIGO DE 
PROCESSO CIVIL”) 176 
Carlos Randel Crepalde Mafra; Fabiano César Rebuzzi Guzzo e Waldir Araújo 
Carvalho 
Introdução 176 
2. Prioridade de tramitação 179 
3. Jurisprudência defensiva, “litigantes débeis” e instrumentos de 
paridade 181 
4. O aperfeiçoamento da gratuidade judiciária 192 
5. As “defesas públicas” e os atos processuais 195 
6. Alimentos e interdição 201 
Conclusões 211 
Bibliografia 212 
BREVES APONTAMENTOS SOBRE A DESERDAÇÃO 214 
Raphael Furtado Carminate 
Considerações gerais 214 
2. Causas de deserdação 222 
xi 
 
2.1. Causas de deserdação dos descendentes pelos ascendentes 222 
a. Causas de indignidade 224 
b. Ofensa física 230 
c. Injúria grave 230 
d. Relações ilícitas com a madrasta ou padrasto 231 
e. Desamparo do ascendente em alienação mental ou grave 
enfermidade 232 
2.2. Causas de deserdação dos ascendentes pelos descendentes 234 
a. Relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do 
neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou o da neta 235 
b. Desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave 
enfermidade 236 
2.3. Deserdação do cônjuge e do companheiro 237 
3. Notas conclusivas 239 
Referências 240 
O RESULTADO DA EVOLUÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO E SUA 
INTERAÇÃO COM OS PRINCÍPIOS TRABALHISTAS 
FUNDAMENTAIS 243 
Michele Aparecida Gomes Guimarães e Shirlene de Oliveira Sales 
Introdução 243 
2. Evolução histórica do trabalho 245 
2.1 Escravidão 245 
2.2 Servidão 246 
2.2 Corporaçõesde Ofício 247 
2.3 Revolução Industrial 249 
3. Princípios fundamentais do direito do trabalho 256 
3.1 Princípio da Proteção 258 
3.2 Princípio da Irrenunciabilidade de Direitos 260 
3.3 Princípio da Primazia da Realidade 260 
3.4 Princípio da Continuidade da Relação de Emprego 261 
3.5 Princípio da Inalterabilidade Contratual Lesiva 263 
3.6 Princípio da Intangibilidade salarial 264 
Conclusão 266 
Referências 267 
A CONTRIBUIÇÃO DA PSICANÁLISE AO DIREITO PENAL 269 
René Dentz e Flávia Regina Gonçalves Viana 
Introdução 269 
2. Direito e Personalidade 272 
xii 
 
3. O Dito e o Não-Dito 276 
4. Violência e Alteridade 279 
Conclusão 283 
Referências: 284 
REUNIÃO DE PROCESSOS E PRERROGATIVA DE FORO: ACERCA 
DE UMA CONTROVÉRSIA NO PROCESSO PENAL 287 
Rodrigo Ferreira e José Carlos Henriques 
Ponto de partida para a compreensão do problema 287 
2. Jurisdição: o direito, concretamente, dito pelo Estado 290 
3. Competência: repartição funcional do exercício da jurisdição 295 
4. Definição do Juízo Competente, em matéria penal 297 
5. Concurso de Pessoas e Foro Privativo 303 
5.1 Apresentando a controvérsia 303 
5.2 Duas autoridades com foro privativo definido na Constituição da 
República 306 
6. Incompetência Absoluta e Princípio do Juiz Natural 309 
7. Supremacia Constitucional 313 
Referências 318 
A EVOLUÇÃO DA PENA E MOMENTOS FILOSÓFICOS 321 
René Dentz e Alessandra Sayonária 
Introdução 321 
2. A visão utilitarista da pena 322 
3. Vigiar e Punir – Michael Foucault 324 
4. A Pena e a Psicanálise 333 
Conclusão 338 
Referências 339 
ESCRITA ACADÊMICA: DE DOM A HABILIDADE CONSTRUÍDA 345 
Magna Campos 
Introdução: 345 
2. De dom à habilidade construída 348 
Considerações finais: 358 
 
 
 
xiii 
 
DIREITOS FUNDAMENTAIS PERANTE A SOCIEDADE CIVIL 360 
Déborah Cristina de Fátima Moutinho, Patrícia Margarida da Mapa e Aparecido 
José dos Santos Ferreira 
Introdução 360 
2. (In)Constitucionalidade do "rolezinho" 362 
3- Direitos fundamentais 365 
4- Direitos humanos 367 
5. Eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas 370 
6. Racismo e discriminação 371 
7. Crime 373 
Conclusão 374 
Referências Bibliográficas 376 
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO EM 
RAZÃO DOS CASOS DE DENGUE NO BRASIL 378 
Joana DArc Aparecida de Oliveira e Michele Aparecida Gomes Guimarães 
Introdução 378 
2. Dengue: sintomas e epidemia 380 
3. Cenário e análise da situação epidemiológica da dengue no Brasil
 384 
3 -Omissão e responsabilidade civil do poder público diante da 
epidemia de dengue 390 
Conclusão 392 
Referências bibliográficas 394 
IMPLICAÇÕES ACERCA DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA 396 
Nordeci Gomes da Silva, Ricardo José de Carvalho e Aparecido José 
Introdução 396 
2. O habeas corpus 398 
3. O Duplo Grau de Jurisdição 400 
4. Duração Razoável do Processo 401 
5. Princípio da Segurança Jurídica 402 
6. Divergências à decisão do HC 126.293 402 
7. O HC de 2009 e os pontos controvertidos à decisão de 2016 406 
8. Princípio da presunção da inocência versus princípio da 
culpabilidade 407 
Considerações finais 410 
Referências Bibliográficas: 411 
xiv 
 
EM DIA COM A DEMOCRACIA: O DIREITO E A RACIONALIDADE 
DISCURSIVA EM JURGEN HABERMAS 414 
Adrielly Coelho, Amanda Fonseca, Ana Cláudia Macedo, André Luis Pereira, Daiane 
Estevam, Emanuelle Cerceaux, Yasser Jamil e René Dentz 
Introdução 414 
2. Democracia e Argumentação 415 
3. Mundo da Vida e Agir Comunicativo 422 
4. Sistema Jurídico, Político e Democracia 424 
5. Direito e Política 426 
Considerações finais 429 
Referências 430 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ARTIGOS 
 
 
 
TRAGÉDIA DE MARIANA: PARA ALÉM DAS PERDAS 
VISÍVEIS 
Israel Quirino1 
 
Com a chave na mão 
 quer abrir a porta, 
não existe porta; 
quer morrer no mar, 
mas o mar secou; 
quer ir para Minas, 
Minas não há mais. 
José, e agora? 
(Carlos Drummond de Andrade) 
 
Meninos, eu vi. (Gonçalves Dias) 
Resumo: Discute-se nesta incursão as consequências imateriais do 
rompimento da Barragem de Fundão em Mariana – MG., ocorrida em 
novembro de 2015. Circundando as responsabilidades empresariais e 
governamentais acerca do sinistro, é possível ponderar que, além as 
perdas visíveis, que têm chamado a atenção da mídia e das 
autoridades e dos danos ambientais imensuráveis, o acidente produz 
impacto relevante na economia local e regional e ao promover o desterro 
de centenas de famílias fragmenta histórias de vida entrelaçadas na 
convivência do lugar, na sucessão do pertencimento à terra, à cultura, 
ao modo de vida. São danos irreparáveis, para além das perdas 
visíveis. 
 
Palavras-chave: Barragem de Fundão. Identidade. Danos 
Imateriais. Samarco. Mariana. 
Introdução 
 
 Tendo, ou não tendo, havido um toque de sirene 
alertando a população da ocorrência do sinistro, o que se 
 
1 Advogado, Professor de Direito Constitucional da FUPAC – Mariana. 
 
observa e que o desastre do rompimento da barragem de 
Fundão em Mariana – MG., ocorrido em cinco de 
novembro de 2015, despertou o Brasil e o mundo para 
uma realidade que até então pertencia à Bento Rodrigues 
e às outras dezenas de comunidades que, em situação 
semelhante, convivem com as grandes barragens de rejeito 
da mineração. 
Colhendo a experiência vivida junto ao comando de 
operações de socorro às vitimas da barragem em Mariana, 
nos primeiros dias do mês de novembro, colecionamos 
anotações e sentimentos que retratam, para além do 
sensacionalismo da imprensa e do frio agir das 
autoridades, o sofrimento de uma gente que se fez pela 
mineração, numa relação, não de dependência, mas uma 
simbiose de histórias abruptamente rompidas (ou 
interrompidas) e que tentam se reconstruir, por ora, sem 
aparente expectativa de êxito. 
Pode soar incompreensível, talvez, a ouvidos 
estranhos, a fala de um morador que após perder tudo, 
literalmente tudo, exclama indignado: 
Não. Fechar a Samarco não pode não (morador 
de Bento Rodrigues, na manhã de seis de 
novembro de 2015). 
 
Como entender alguém que, na condição de 
flagelado, despojado de bens materiais e da sua dignidade, 
 
insiste em defender a empresa que, supostamente, teria 
sido a causadora da sua plena ruína? Mas essa cena, e 
outras semelhantes, se repetiram em um cenário onde a 
consternação era maior que a revolta e lições de força e 
superação vinham de corpos aparentemente frágeis, numa 
lógica imprópria que parece contrariar a razão, o direito ou 
as convenções sociais. 
Não se tem por norte discutir aqui culpas ou 
responsabilidades. Por preceitos legais, há a dimensão 
segura da responsabilidade objetiva do agente, ao mesmo 
tempo em que há instrumentos legais possíveis de se 
mensurar a culpabilidade dos envolvidos, desde a 
concessão das licenças, a fiscalização e a intervenção na 
área do sinistro, as responsabilidades civis, ambientais e 
criminais. 
Não se pode, todavia, deixar passar ao longe a 
ausência do Estado a mediar as relações sociais que se 
travaram ao longo de mais de trinta anos de convivência 
morador-empresa, diante de uma situação de risco 
crescente que se formou entre a atividade mineradora e o 
povoado do entorno desde o final da década de 1970. 
Abruptamente desperto o Estado, em todos os seus 
poderes, após a fatídica ocorrência, ergue-se como 
defensor de direitos, mas movimenta-se por labirintos 
jurídicos sobrepostos (Justiça Federal, Estadual, 
 
Promotorias das mais diversas, Ministérios, Secretarias) e 
dezenas de agentes sem o traquejo adequado a lidar com 
pessoas e emoções. 
Na sua missão fiscalizadora,pelas autoridades 
envolvidas no episódio, o Estado atém-se nas sanções – 
administrativas e reparadoras – a dimensão de que se faz 
justiça com mão de ferro (sem perder o trocadilho), 
quando se sabe que nenhuma reparação civil ou punição 
de qualquer natureza, serão suficientemente 
compensatórias ao que houve naquele entardecer de cinco 
de novembro de 2015 para a história pessoal dessa gente, 
para este grupo social que perdeu (e vem perdendo) muito 
mais do que bens materiais. 
Nesse artigo se analisa, em primeiro plano, a relação 
histórica da região central de Minas Gerais com a 
mineração e sua dependência econômica a esse segmento 
industrial. Ainda neste ângulo, pretende-se discutir a 
omissão dos organismos de Estado com relação ao risco 
da barragem, o que demonstra certa leniência dos 
governos para com o segmento, em detrimento das 
pessoas que possam ser afetadas. 
Por fim, analisa as eventuais perdas imateriais a 
serem suportadas por essa gente, que escreve parte da 
história de Minas Gerais com suas histórias pessoais que 
ora se perdem na lama e no tempo, e tentam se 
 
reconstruir física e emocionalmente dos laços rompidos, 
diante de um cenário de fluidez de relações que se 
entrelaçam em novos cenários, em uma presente sensação 
de “nunca mais”. O presente desses refugiados dentro da 
própria cidade, modificado, constrói um futuro incerto 
sobre outras premissas e que insiste em apagar o passado 
vivido na vila bucólica, soterrada pela lama. 
Por se tratar de uma análise de fatos que tem como 
técnica de coleta de dados a observação e a oitiva de 
depoimentos colhidos no cenário da ocorrência, tomamos 
o cuidado de sermos o mais técnico possível, embora se 
saiba das dificuldades em se manter incólume às emoções 
tão afloradas que, querendo ou não, acabam por afetar 
nosso estudo. 
Valemo-nos, ainda, de um suporte bibliográfico, 
especificamente no que se refere à literatura sociológica 
acerca das identidades em Zygmunt Bauman e da 
formação de grupos sociais em Max Weber e Boaventura 
de Souza Santos, com propósito de fundamentar a 
discussão e o alcance das perdas imateriais a que ficou 
sujeita a população exposta, após a devastação de seu 
local de convivência. 
Não temos a pretensão de esgotar a discussão em 
torno do tema, pelo fato de ser uma realidade que se 
amolda dia após dia, demonstrando outros ângulos de 
 
análise e pontos de estudo e discussão diversificados e 
abrangentes. 
2. A burocracia de um Estado ausente 
 
 Dois meses após o rompimento da barragem de 
Fundão, em Mariana, e o mundo todo já tendo tomado 
conhecimento das dimensões da tragédia, a página oficial 
do Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM) 
que contém o Programa Nacional de Segurança de 
Barragens (PNSB) ainda situa como “normal” a situação 
das barragens da Samarco em Mariana (DNPM, 2014). 
Isso se dá pelo fato de que os dados ali constantes 
têm data-base de abril de 2014 (!), portanto, são 
informações não confiáveis, embora oficiais e retratam, a 
nosso sentir, certo descaso do organismo responsável pela 
fiscalização das barragens de mineração em todo o país 
em informar ao publico interessado a real condição desses 
arranjos. 
Os dados que estão disponíveis no endereço 
eletrônico do DNPM não refletem a realidade da 
informação a que o órgão fiscalizador deveria dispor ao 
povo brasileiro. E se estamos falando de um segmento 
crucial para as divisas nacionais e principal carro-chefe da 
economia de Minas Gerais, a terceira economia do país, 
qual a confiabilidade desta gestão fiscalizadora? 
 
A extração de minério de ferro na região central de 
Minas Gerais remonta aos estudos de Eschwege, já na 
primeira década do século XVIII, como opção ao declínio 
da mineração aurífera (QUIRINO, 1986). Não obstante, o 
ciclo do ferro nas cidades do centro mineiro adquiriu 
intenso vigor e provocou explosão de crescimento 
econômico no quarto final do século XX, quando se 
instalaram na região de Mariana e Ouro Preto as grandes 
mineradoras Vale e Samarco, atualmente responsáveis 
pela maior parte da produção mineral da região, grandes 
geradoras de empregos e propulsoras da economia 
regional. 
Ainda que se possa ter, como pano de fundo das 
facilidades das concessões de exploração mineral no 
Brasil, o privilégio que se dá ao capital em detrimento das 
pessoas, das culturas e do patrimônio ambiental, não se 
pode negar a influência da mineração na composição do 
PIB local e regional e do seu expressivo peso na balança 
comercial do estado e do país. 
Disso, pode-se dizer também que os municípios da 
região, sem muitas opções de desenvolvimento econômico 
e por comodidade na administração fiscal de outras fontes 
de renda, vivem quase que como comensais da mineração, 
numa relação de dependência que se traduz em tolerância 
 
ou leniência com seus desvios (CARVALHO; SILVA; CURI; 
FLORES, 2012). 
Embora a Constituição Federal de 1988 tenha 
definido como de competência comum aos três entes de 
estado a fiscalização da exploração dos recursos hídricos e 
minerais em seu território, o cumprimento do disposto no 
artigo 23, XI da Carta Constitucional, no âmbito das 
administrações municipais tornou-se um daqueles 
dispositivos que soam mais preceituais que efetivos. 
 
Art. 23. É competência comum da União, dos 
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: 
 
[...] 
 
XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as 
concessões de direitos de pesquisa e 
exploração de recursos hídricos e minerais em 
seus territórios (BRASIL, 1988); 
 
Sem um quadro técnico especifico (ou qualificado 
para tal) e sem uma legislação local adequada, os 
municípios mineradores cuidam, não raro, de expedir 
Declarações de Conformidade, sem muito conhecimento 
dos empreendimentos que certifica ou, ávidos por uma 
parcela a mais de recursos nos cofres minguados, acabam 
por delegar ao Estado-membro ou a União o dever de 
fiscalização das mineradoras, lavras, pilhas de rejeitos e 
barragens. 
 
Por outro lado, a concentração tributária no 
Governo Federal impede que os municípios invistam em 
estruturas ficais eficientes, caminhando as administrações 
municipais a reboque da ação fiscalizadora federal e, por 
vezes, desconhecendo os meandros jurídico-legais da 
atividade que abrigam em seu território. 
Sobre barragens, desde 2010 a União Federal 
avocou para si a responsabilidade da fiscalização, não sem 
antes de ter contado, apenas neste milênio, e só em Minas 
Gerais, três grandes episódios danosos envolvendo 
depósitos de rejeitos de mineração: Macacos em 2001; 
Cataguases em 2003 e Miraí em 2007, todos com danos 
sócio-ambientais incalculáveis. 
Ao editar a Lei Federal 12.334 de 20 de setembro de 
2010 e instituir a Política Nacional de Segurança de 
Barragens, o legislador outorgou o dever de fiscalização a 
uma plêiade de órgãos federais de ação governamental: 
Art. 5o A fiscalização da segurança de 
barragens caberá, sem prejuízo das ações 
fiscalizatórias dos órgãos ambientais 
integrantes do Sistema Nacional do Meio 
Ambiente (Sisnama): 
 
I - à entidade que outorgou o direito de uso dos 
recursos hídricos, observado o domínio do 
corpo hídrico, quando o objeto for de 
acumulação de água, exceto para fins de 
aproveitamento hidrelétrico; 
 
II - à entidade que concedeu ou autorizou o 
uso do potencial hidráulico, quando se tratar 
 
de uso preponderante para fins de geração 
hidrelétrica; 
 
III - à entidade outorgante de direitos 
minerários para fins de disposição final ou 
temporária de rejeitos;IV - à entidade que forneceu a licença 
ambiental de instalação e operação para fins 
de disposição de resíduos industriais (BRASIL, 
2010). 
 
Assim, por força de lei, o DNPM, responsável pela 
outorga dos direitos minerários, é a responsável pela 
fiscalização das instalações dos rejeitos da mineração e, 
por evidente a ação fiscalizadora não pode se resumir a 
um ato posterior ao sinistro de alçada punitiva, quando se 
sabe que a tutela preventiva é muito mais eficiente e 
desejada. 
Diante da aplicação de multas vultosas (ou nem 
tanto) pelos organismos de fiscalização e controle, tem-se 
a falsa sensação de que a justiça foi feita ou os danos 
reparados. Danos ambientais exigem ações reparadoras 
sim, e isso se torna visível quando se visita o cenário da 
catástrofe na região de Bento Rodrigues, mas não apenas 
isso. O sistema de autorização-fiscalização deve privilegiar 
a prevenção, já que o recolhimento das multas não 
restabelece, per si, o status quo ante da natureza afetada, 
as vidas ou as identidades perdidas em caso de sinistros. 
Ainda que se admita o caráter pedagógico da sanção 
pecuniária, bem o sabemos que os resultados deste 
 
aprendizado não são os desejados. A indústria de multas, 
que não raro tem servido mais para fomentar a corrupção, 
é falha enquanto instrumento de prevenção e educação. A 
ação fiscalizadora presente, esta pode, efetivamente, 
contribuir na construção de uma consciência 
ambientalmente sustentável. 
Não fugindo ao seu dever legal, o Departamento 
Nacional de Produção Mineral informa em sua página 
oficial na rede mundial de computadores a sua gigantesca 
missão institucional, que, fatalmente, aparenta ser 
incompatível com a estrutura do órgão: 
Compete ao Departamento Nacional de 
Produção Mineral - DNPM, no âmbito de suas 
atribuições, fiscalizar a pesquisa e a lavra para 
o aproveitamento mineral, bem como as 
estruturas decorrentes destas atividades, nos 
Títulos Minerários, concedidos por ela e pelo 
Ministério de Minas e Energia (MME). Todavia 
com a promulgação da Lei Nº 12.334, de 20 de 
setembro de 2010, que estabelece a Política 
Nacional de Segurança de Barragens 
destinadas à acumulação de água para 
quaisquer usos, à disposição final ou 
temporária de rejeitos e à acumulação de 
resíduos industriais e cria o Sistema Nacional 
de Informações sobre Segurança de Barragens, 
esta Autarquia assume também a atribuição 
de fiscalizar a implementação dos Planos de 
Segurança das barragens de mineração a 
serem elaborados pelos empreendedores, 
conforme previsto na referida Lei (DNPM, 
2015. s.p., on line). Grifamos. 
 
 
Se assim o é, diante do rompimento da barragem de 
Fundão, em Mariana – MG., ainda que se tenha por 
definição legal a responsabilidade objetiva da empresa que 
operava a instalação, não se pode deixar de debitar 
importante parcela de responsabilidade solidária aos 
governos, nos seus três níveis e, mais especificamente ao 
DNPM por culpa in vigilando (ou corresponsabilidade), já 
que não apenas outorgou a concessão da lavra minerária 
mas tem, por definição legal, a missão de exercer a 
fiscalização de maneira a garantir a segurança da 
barragem de rejeitos. Portanto, há responsáveis e 
culpados a serem nominados. 
O relatório publicado pelo DNPM em sua página 
oficial, tendo por base o mês de abril de 2014, indica que 
a barragem de Fundão (a que rompeu e provocou o maior 
dano ambiental da história do Brasil), apresenta baixo 
risco, embora se considere de potencial elevado para os 
danos associados em caso de rompimento (DNPM, 2014). 
No mesmo teor a informação se refere também às outras 
duas barragens na região do sinistro: Santarém e 
Germano, ambas autorizadas e fiscalizadas (?) pelo DNPM. 
A quem essas (des) informações são dirigidas? 
Não é crível que o Estado Brasileiro se finja de “bom 
moço” ao se mostrar enérgico com ações punitivas, 
enquanto negligencia, não somente a atividade 
 
economicamente viável que põe o Brasil na seleta lista dos 
países exportadores de minério, mas olvida o destino de 
parcela do seu povo que vive sob o risco da mineração. 
Visivelmente desaparelhado, o Estado brasileiro, mesmo 
que promova adequações legislativas relevantes, sem o 
exercício eficiente do poder fiscalizador não haverá 
expectativas de melhora. 
 
3. Homens de Ferro (ou nem tanto) 
 
O estudo que aqui se apresenta tenta entender o 
cenário social-empresarial existente na comunidade de 
Bento Rodrigues para discutir a responsabilidade do 
Estado para com essa gente e, por fim, relatar as perdas 
invisíveis que, certamente, passarão ao largo das pericias 
ambientais e de engenharia que acaso venham a ser 
realizadas no local. Com gente é diferente, como diz a 
poesia de Geraldo Vandré. 
O poeta Carlos Drummond de Andrade, nascido em 
Itabira – MG., pólo minerador e berço da Companhia Vale 
do Rio Doce, escreveu um dia que a mineração dá ao sua 
torrão-nataI noventa por cento de ferro nas calçadas e ao 
homem que ali vive oitenta por cento de ferro nas almas 
(ANDRADE, 2003). 
 
Essa íntima relação da mineração com o povo que 
vive dela e em torno dela, criou uma convivência que 
extrapola os sentidos econômicos do ciclo minerário. 
Inintelígivel para quem vem das planícies agrárias, dos 
pampas ou das grandes pastagens, essa atividade de tirar 
da terra o que não se plantou, é característica dessa 
gente, do homem de ferro, do povo da mineração que com 
ela se identifica. 
Com suas vidas dilaceradas pelo sinistro, moradores 
de Bento Rodrigues expressavam reações diferentes dos 
demais atingidos. Paracatu de Baixo, Pedras, Borba e 
outras pequenas localidades afetadas, povoados agrícolas, 
à jusante do Rio Gualaxo do Norte por onde escoou o fluxo 
de lama, distantes a cerca de 40 quilômetros da planta 
minerária, sofrendo a mesma diáspora interpretam e 
reagem de maneira diversa ao fenômeno migratório. 
Igualmente desabrigados pela mesma torrente de 
lama que extrapolou a calha do Rio Gualaxo do Norte 
provocando a perda de propriedades inteiras, animais de 
criação e outros bens materiais, os moradores das 
comunidades rurais distantes da mineradora não 
mantinham com ela relações de, como dizer, afetividade, a 
ponto de sentir duplo sofrimento pela ocorrência. 
Vidas humanas só se perderam em Bento 
Rodrigues, primeiro povoado atingido e onde o sentimento 
 
de desolação talvez seja mais evidente. É quase que uma 
relação de orfandade de moradores que mantinham com a 
mineradora uma convivência muito próxima. Nas demais 
comunidades afetadas se lamentam as perdas materiais, 
ambientais e imateriais de maneira menos 
“emocionalizada”. 
No calor da ocorrência, circulando entre dezenas de 
flagelados pelo evento sinistro que solapou, em questão de 
minutos, o centenário distrito de Bento Rodrigues, é 
possível encontrar, no olhar desolado das pessoas, um 
sentimento de tristeza, mas também algo que só se sente 
quando se vive neste meio. Há uma evidente ruptura de 
vínculos entre pessoas e suas vidas cotidianas, algo que se 
percebe, se sente, muito mais do que se documenta. 
Enquanto as lentes das câmeras de televisão de 
dispuseram a gravar a onda de lama levando casas, 
arrasando pastagens, destruindo lavouras e matando 
animais e rios, dezenas de moradores daquela paisagem 
devastada nos dedicavam olhares vazios, transtornados, 
quiçá curiosos, mas todos com a mesma névoa de tristeza. 
Uma inominável sensação de impotência que nos acudiu a 
todos em diferentes graus de intensidade. 
 
4. Qualquer visão de futuro 
 
 
Podeser que o desastre ambiental ocorrido na 
barragem de Fundão, da mineradora Samarco, tenha por 
consequência o encerramento de uma etapa do ciclo 
econômico minerador do município de Mariana, em Minas 
Gerais. 
O fim da mineração nesse canto do país serviu de 
palavra de ordem a alguns dos movimentos que 
manifestaram sua indignação diante do mar de lama que 
sufocou o vale do Rio Doce. 
De outro lado, o morador, mais sensato, olhando o 
entorno edificado em trezentos e vinte anos de atividade 
mineradora, pensou em reconstruir, de outro modo, por 
outros caminhos, a convivência com a mineração. Duas 
manifestações de rua na cidade de Mariana – MG., em 
curto intervalo de tempo após o sinistro, apresentaram 
visões opostas sobre o mesmo tema. 
É admissível que algumas opiniões, colhidas no 
calor da ocorrência, possam traduzir sentimentos que, em 
um segundo momento, sopesando fatores sociais, 
econômicos e de sobrevivência da própria atividade 
minerária na região, não se sustentariam. 
Por outro lado, é salutar a afirmativa de que o 
desastre de Bento Rodrigues possa sim, significar o 
encerramento de um ciclo econômico predatório, 
inescrupuloso e inseguro, que exibiu todo o seu potencial 
 
destrutivo naquela tarde de cinco de novembro de 2015, 
fazendo surgir, do seu rastro de destruição, um novo olhar 
sobre esta atividade, que empresta seu nome ao Estado de 
Minas Gerais e é a locomotiva do desenvolvimento 
econômico das cidades do quadrilátero ferrífero. 
Uma nova forma de relacionamento entre governos, 
segmentos econômicos, população e natureza, de maneira 
mais solidária, comprometida e responsável. 
Em uma visão otimista, pode-se acreditar que da 
hecatombe que tragou Bento Rodrigues e Paracatu de 
Baixo em Mariana – MG., floresçam técnicas de operação 
de lavra e beneficiamento mineral que assegurem para 
Minas Gerais e para o pais, um novo paradigma de 
mineração sustentável, desenvolvendo formas adequadas 
de deposição de rejeitos que propiciem melhor 
aproveitamento do minério processado, segurança no 
descarte dos estéreis, redução do volume de rejeitos e, 
quem sabe, utilização econômica dos restos inertes em 
outras atividades, minimizando os impactos negativos da 
extração mineral para a humanidade. 
Não é mais uma quimera, mas, talvez, uma 
realidade incômoda, que permanece desenhada nas 
margens engolidas do Rio Gualaxo do Norte, sangrando 
pelas veias do Rio do Carmo, escorrendo pelo vale do Rio 
Doce até derramar no oceano como uma hemorragia de 
 
lama que chamou a atenção do mundo para esse tipo de 
negócio. 
As grandes catástrofes conduzem a discussões 
proveitosas quanto ao futuro do segmento afetado, de 
maneira que, espera-se, possa a tragédia de Mariana 
servir de pauta aos estudos futuros de segurança de 
barragens e deposição de rejeitos da mineração. A menos 
que a mineradora Samarco e suas proprietárias, as 
gigantes Vale e BHP Billiton, queiram conviver ad 
aeternum com o fantasma da cidade morta que aflora do 
bucólico povoado de Bento Rodrigues, como uma nova 
Pompéia. As ruínas da vila se perpetuam na lama, são 
como vísceras abertas do descuido reiterado do agente 
causador do dano e da culpa omissiva de quem deveria 
fiscalizá-lo e não o fez como devia. 
Não obstante, há esperança de dias melhores a 
emergir da catástrofe, pois, conforme nos ensina Jacobi 
(2003, s.p.) 
Os grandes acidentes envolvendo usinas 
nucleares e contaminações tóxicas de grandes 
proporções, como os casos de Three-Mile 
Island, nos EUA, em 1979, Love Canal no 
Alasca, Bhopal, na Índia, em 1984 e 
Chernobyl, na época, União Soviética, em 
1986, estimularam o debate público e científico 
sobre a questão dos riscos nas sociedades 
contemporâneas. Inicia-se uma mudança de 
escala na análise dos problemas ambientais, 
tornados mais freqüentes, os quais pela sua 
própria natureza tornam-se mais difíceis de 
 
serem previstos e assimilados como parte da 
realidade global. 
 
Todavia, há que se sopesar a necessidade de 
investimentos para retomada da atividade minerária 
naquele local, ao mesmo tempo em que se requer pesadas 
somas de gastos para recuperação dos danos causados, 
individuais, coletivos e difusos. Embora seja lastimável, do 
ponto de vista ambiental e social, sem mascarar a 
realidade, todos sabemos que o desfecho da situação, 
qualquer que seja o cenário futuro, tem que ser 
equacionado do ponto de vista econômico. 
 
5. Das perdas imateriais 
 
O Circuito Turístico da Estrada Real que passa pela 
região central de Minas Gerais, especificamente no trecho 
de estrada tropeira que liga a sede do Município de 
Mariana ao distrito de Santa Rita Durão (antiga Cata Preta 
do Inficionado, no mesmo município), tinha em Bento 
Rodrigues um marco diferenciado. 
Com duas capelas com traços arquitetônicos 
coloniais, a de São Bento, totalmente destruída pela onda 
de lama e a de Nossa Senhora das Mercês, edificada na 
parte alta do povoado, Bento Rodrigues se situava entre o 
 
histórico povoado de Camargos e o distrito de Santa Rita 
Durão, no sopé da serra do Caraça. 
Com edificações do período rural do Ciclo do Ouro 
Mineiro, logo na entrada do povoado se destacava uma 
cerca feita de lajões de pedra, marcando a presença do 
homem minerador naquelas paragens, já nos primórdios 
do Século XVIII. A rústica edificação continuava 
contornando os terrenos próximos da Igreja de São Bento, 
templo do qual restam apenas os alicerces e uma lápide, 
em mármore, de alguém que, por ironia, fora sepultado 
duas vezes. 
Em Camargos, antigo sítio minerador ao logo do Rio 
Gualaxo do Norte, a cerca de dez quilômetros da área da 
barragem, está a igreja de Nossa Senhora da Conceição, 
obra inserida no PAC das Cidades Históricas, pela sua 
importância na arte e arquitetura coloniais. 
Juntos do distrito de Santa Rita Durão, que também 
abriga importante acervo arquitetônico barroco e rica 
paisagem natural, Bento Rodrigues e Camargos 
completam o circuito do pólo minerador de Mariana, 
identificado pela Prefeitura local como integrantes do 
Projeto Estrada-Parque Caminhos da Mineração. 
A moldura de montanhas e vales e a vista da Serra 
do Caraça ao fundo, delimitam o cenário minerador de 
 
trezentos anos, onde o ouro deu lugar à bauxita e por 
último ao ferro. 
Apropriando-se dessa paisagem natural e valendo 
dos fazeres e saberes da cultura local, a Prefeitura de 
Mariana pretendia oferecer à visitação turística um 
circuito histórico-cultural no eixo minerador, em um 
projeto denominado Estrada-Parque Caminhos da 
Mineração, explorando como produto cultural o cenário e 
a arte mineradora de três séculos que ali se desenvolvem. 
O projeto foi apresentado no ano de 2014 ao 
SEBRAE, dentro do programa Prefeito Empreendedor, 
sendo um dos finalistas nacionais, pelo potencial que 
apresentava de novidade, gestão social e desenvolvimento 
local em alternativa a mineração industrial (SEBRAE, 
2014). 
O projeto Caminhos da Mineração inicialmente 
terá impacto em três comunidades (Santa Rita 
Durão; Bento Rodrigues e Camargos) a um 
contingente de aproximadamente três mil 
pessoas. Não obstante, o público-alvo do 
projeto são os jovens que terão oportunidade 
de se profissionalizarem nas oficinas de 
restauro (cantaria, carpintaria e marcenaria) 
que serão implantadas no local. Os três 
lugarejos passarão por intervenções 
construtivas de restauro de seus antigos 
sobrados e será convertido em uma oficina ao 
ar livre para aprendizado supervisionado. O 
propósito é recriar uma profissão que não mais 
existe,a de oficial restaurador. Em momento 
concomitante teremos a escola de formação de 
mão de obra para o turismo, esse propósito 
 
poderá alcançar toda a comunidade que 
poderá transformar sua casa, seu pequeno 
negócio ou sua habilidade e talento em um 
produto a ser comercializado. Será uma forma 
de geração de renda, sem necessariamente 
criar emprego. O morador poderá ser um 
microempreendedor voltado para atender as 
demandas locais e dos visitantes. 
Oportunamente as escolas de formação de mão 
de obra do turismo poderão receber 
interessados das comunidades vizinhas e até 
de outras cidades. A expectativa é que Santa 
Rita Durão, Bento Rodrigues e Camargos 
possa se valer da sua paisagem natural, sua 
cultura e história como produto a ser 
explorado economicamente e de maneira 
sustentável (SEBRAE, 2014 p. 14). 
A primeira perda imaterial da população atingida, 
talvez seja a expectativa de futuro, já que ações para 
implantação do projeto da Estrada-Parque vinham se 
desenvolvendo a contento, despertando nas comunidades 
o sentimento de pertencimento e de valorização da cultura 
local enquanto instrumento de preservação da identidade 
local e de geração de renda. 
No entanto, é necessário dar uma oportunidade ao 
homem de aprender com seu próprio erro. Assim, 
qualquer que seja o futuro da mineração na cidade de 
Mariana haverá, sempre, uma ferida não cicatrizada no 
local onde fora, um dia a comunidade de Bento Rodrigues, 
primeira povoação a ser afetada pela avalanche de lama. 
Ao contrário do ciclo do ouro, que edificou cidade e vilas 
 
pelo interior das Minas Gerais, a mineração de ferro 
varreu do mapa uma dessas comunidades. 
Por ora, não se ressente apenas as vidas ali 
perdidas, algumas sepultadas para sempre no manto do 
desaparecimento, tendo por túmulo a incerteza e a 
vastidão do vale do Rio Doce, mas também as outras 
vidas, que continuaram sua história alhures e arrastam 
consigo a ruptura abrupta de seus vínculos. 
 
Ontem teve uma missa ai. Mas eu só cantei. 
Eu acostumava a acompanhar o coral lá na 
igreja com meu violão. Mas ele perdeu lá no 
barro. Aí eu não pude tocar na missa. 
(morador de Bento Rodrigues, abrigado no 
Hotel Providência em Mariana. Em 10 de 
novembro de 2015). 
 
Ainda que seja possível recuperar todos os danos 
ambientais visíveis, promova-se o repovoamento dos rios e 
cursos d’água atingidos, se indenize a população afetada e 
se cumpra todas as sanções impostas pelos órgãos de 
Estado encarregados da fiscalização da indústria extrativa 
mineral, haverá, para sempre, a fragmentação de 
entrelaços familiares, afetivos e culturais impossíveis de 
serem restabelecidos. 
Meu filho tava dentro de uma máquina, dessas 
que tem vidro e fecha. Será que tem um tipo 
assim de eletroímã que pode passar em cima 
do barro e ver onde ele está? A máquina é 
grande. Ele pode estar vivo dentro da máquina, 
não pode? (Pai de trabalhador desaparecido. 
 
Em 10 de novembro de 2015, cinco dias depois 
do acidente). 
 
Ocorreu ali a perda da identidade espaço-cultural 
daquela população, uma descontinuidade no processo 
histórico de construção do individuo integrante de um 
grupo social, provocando uma diáspora, uma migração 
forçada, não planejada e sem retorno possível, o que 
fatalmente haverá de impactar a vida futura dessas 
pessoas. 
A minha galinha havia chocado seis pintinhos, 
moço. Tinha dois do pescoço-pelado (moradora 
de Bento Rodrigues, em 06 de novembro de 
2015). 
 
Tô com saudade de aguar minha horta 
(moradora de Bento Rodrigues, em 09 de 
novembro de 2015). 
 
O direito à identidade sócio-cultural e à convivência 
no seu meio ambiente natural ou artificial são matizes que 
compõem um grupo social, na gama dos direitos coletivos, 
mas que também afeta a individualidade de cada cidadão 
exposto, o que os torna direitos individuais homogêneos, e 
que não são incluídos naqueles levantamentos de perdas 
materiais ou ambientais. Quando muito serão tratados no 
grupo dos danos morais, dada a impossibilidade de serem 
restaurados. 
Tais direitos, enquanto componentes da esfera 
individual, não são expressos no elenco dos direitos 
 
fundamentais enumerados na Constituição Federal de 
1988, mas permeiam toda a garantia jurídica da dignidade 
da pessoa humana (art. 1º. III), do direito ao meio 
ambiente equilibrado (art. 225) ou da proteção do Estado 
ao patrimônio imaterial (art. 216), sendo, portanto, objeto 
da tutela legal (BRASIL, 1988). 
O que se percebe é que, tecnicamente, há certa 
dificuldade em quantificar danos ambientais e neles 
inserir as perdas do ambiente humano. Aquele espaço da 
natureza que fora modificado para oferecer meios seguros 
à sobrevivência do homem, a relação homem-espaço 
essencial ao desenvolvimento da vida digna. Visto por esse 
ângulo, podemos afirmar que as perdas imateriais são 
maiores que a perda da ambiência urbana edificada, ruas 
ou casas. Perdeu-se a essência da vida que fazia a vila, o 
povoado. 
A atividade mineradora, que nominou 
embrionariamente o estado de Minas Gerais, é 
desenvolvida na região desde os dias finais do Século XVII, 
sendo responsável pela pujança arquitetônica e cultural 
das cidades históricas de Minas. Não é difícil imaginar que 
exista, em torno das cidades mineradoras, uma sociologia 
típica, edificando nuances de identidade própria, cultura 
singular e laços sociais regionalizados constituídos em 
torno da atividade econômica (FREYRE, 2004). 
 
[...] mesmo estando quase ilhados em Águas 
Claras, sem condições para que os 
funcionários "de fora" conseguissem chegar até 
aqui, a Escola Municipal de Águas Claras 
esteve funcionando rotineiramente a partir do 
dia 19 de novembro com os funcionários locais 
(morador do Distrito de Águas Claras, margem 
esquerda do Rio Gualaxo. Trinta dias depois da 
tragédia). 
 
Sem dúvida o acidente em Mariana põe em xeque 
uma atividade que sustenta a economia de uma vasta 
região do Estado de Minas Gerais, sendo preponderante 
no quadrilátero ferrífero e que vai se estendo a regiões da 
Serra do Espinhaço, na proporção centro-norte do estado. 
Sendo uma atividade de relevância para as finanças 
nacionais, torna-se, pois, necessário que se discuta, em 
profundidade, soluções para seus impactos 
socioambientais. 
 
6. Órfãos de si mesmos 
 
A questão de identidade não se resume apenas a um 
nome ou filiação. Embora se tenha preocupação imediata 
com a perda de documentos de identificação civil, percebe-
se no diálogo com atingidos que há, como pano de fundo 
da individualidade de cada um, uma referência ao outro, o 
que torna a pessoa não uma singularidade, mas uma peça 
de um mosaico que se desfez. 
 
Isso para dizer que a pessoa é um ser em si, mas 
também um ser que se reconhece em relação a outro ser. 
Um animal social que constrói a sua identidade na 
convivência com outros da mesma espécie. 
[...] toda identidade humana implica não 
apenas uma certa permanência através do 
tempo (o que Paul Ricoeur chama de mesmice), 
mas também um aspecto auto-referencial; a 
identidade deve se enunciar, se reiterar, para 
ser ("Eu sou eu mesmo"). Essa reiteração, nós 
a chamamos — também utilizando Ricoeur — 
de ipseidade. Finalmente temos um terceiro 
patamar, no qual a identidade interpreta a si 
própria, se discute, quer se modificar, se 
projeta de tal ou qual maneira rumo ao futuro. 
Esse patamar é o da auto-reflexividade, que 
constitui um redobramento da auto-
referencialidade (DEBRUN, 1990 s.p.). 
 
A identidade dos moradores de uma determinada 
comunidade,embora se preserve e se evidencie nos 
valores individuais, é um processo de formação humana 
coletiva, estabelecida ao longo da vida, por laços se 
formam em relações de vizinhança e convivência, não 
apenas entre pessoas, mas com lugares e rotinas, de 
maneira a constituir uma espécie de habitat que agrega 
ambientes físicos e emocionais (WEBER,1973). Uma 
integração a que chamamos pertencimento. 
A ruptura brusca dos laços que nos ligam aos 
ambientes de convivência não só expõe a uma diáspora 
forçando a locomoção para alhures, como também destrói 
 
relações de pertencimento, vinculação do homem a um 
tempo e espaço físico e emocional e a outras pessoas do 
seu grupo de convívio, elementos que compõem a sua 
identidade natural até então despercebida. 
Pertencimento é o sentimento de vinculação a um 
grupo, um liame afetivo-social que nos identifica em nosso 
ambiente de convivência e nos diferencia de outros 
agrupamentos de indivíduos. 
Embora únicos em sua individualidade cada 
membro do grupo é reconhecido pelas práticas da sua 
comunidade, pelos valores que prezam entre si, pelos 
laços de relacionamento que perpetuam a ponto de 
construírem fronteiras imaginárias a outros grupos 
inseridos num mesmo território geopolítico (SANTOS, 
1994). 
Enfim, somos únicos quando somos agrupados e 
precisamos do agrupamento para evidenciar nossa 
individualidade, o que torna a identidade algo relativizado, 
a identificação existe em relação ao outro. E todos nos 
sentimos pertencentes a um grupo, pois parte de nossos 
predicativos evidencia a integração com o ambiente social 
onde vivemos. 
A pertença ao grupo se faz não somente desenhada 
por vínculos de parentesco, mas por orientações coletivas 
de sobrevivência, proteção, medos e aspirações e até 
 
mesmo a partilha de um destino comum, numa espécie de 
solidariedade inata, uma pacto de adesão. 
O sentimento de comunidade se estabelece na 
convivência e na partilha (ou compartilhamento) de 
experiências, se fortalece nas práticas sociais que se 
transformam em costumes e asseguram ao grupo certa 
perenidade, segurança e confiança, independente dos 
laços sanguíneos e, acabam por construir valores coletivos 
que se individualizam, edificando uma memória comum 
do grupo que se reproduz em cada indivíduo (WEBER, 
1973). 
Essa identidade de grupo, ou pertencimento, 
evidencia uma cota de participação do indivíduo no seu 
meio, como parte identificada do grupo e capaz de dar a 
sua contribuição. Inserido noutro ambiente social o 
indivíduo se descontextualiza, tem fragilizado os seus 
vínculos de pertencimento e forçosamente estabelece 
novos relacionamentos de maneira a proporcionar a sua 
inserção, criando uma identidade adaptada (ou adaptável) 
à nova situação viabilizando a sobrevivência no novo 
ambiente (SANTOS, 1994). 
A identidade-coletiva então só é sentida quando da 
sua perda e a exposição do indivíduo a outro ambiente 
que, embora possa aparentar (ou tentar) ser acolhedor, 
não reflete a sua real convivência, provocando uma 
 
situação de estranheza, exclusão, deslocamento e 
ausência de identificação com outros lugares e situações 
(BAUMAN, 2005). 
A casa é boa, mas não é como a casa da gente 
né? Os vizinhos são outros, não tem a horta 
(moradora de Bento Rodrigues abrigada em 
uma casa na cidade de Mariana, às vésperas 
do Natal de 2015). 
 
A adaptação a outros formatos de relações humanas 
e sociais torna-se um processo penoso de intenso 
sofrimento dada a irreversibilidade do cenário que se 
desenha para futuro. Embora todos os moradores tenham, 
no distrito-sede de Mariana, a referência por serviços e 
atendimento de suas demandas pessoais, não sendo, 
portanto, um ambiente totalmente estranho, a 
possibilidade de passar a viver, em caráter permanente, 
na cidade, expõe os atingidos a uma novidade indesejada 
pela ausência de possibilidade de retorno à suas origens. 
Lá no hotel eles me tratam muito bem. Cama 
limpinha e banheiro no quarto. Tudo muito 
bom. A comida e boa. Mas eu queria mesmo 
era comer num prato. Que fosse angu com 
feijão, mas num prato (moradora de Paracatu 
queixosa de receber a refeição em um 
recipiente descartável. Em 14 de novembro de 
2015). 
A convivência nos novos ambientes urbanos para 
onde foram deslocadas as famílias atingidas torna-se 
essencialmente traumática, não apenas pelos novos 
 
medos da vida na cidade, outros riscos e exigências a que 
estão expostas, acentuados pela ideia de insegurança e 
precariedade da situação do abrigo nas moradias locadas 
pela mineradora. Não que as casas sejam inseguras ou 
precárias, mas a situação de flagelado que se arrasta 
indefinidamente é acentuadamente incômoda. 
 Soma-se a isso a fragilidade e vulnerabilidade sem 
precedentes do indivíduo, que passa a viver, a partir de 
agora, em um ambiente diverso, desprovido da proteção 
que os antigos vínculos lhe garantiam na comunidade que 
não mais existe (BAUMAN, 2009) e para onde não há 
meios de voltar. 
A sensação do rompimento dos liames sócio-
afetivos-ambientais causada pelo perecimento da 
localidade de Bento Rodrigues, em especial, expõe seus 
antigos moradores a uma situação de refugiado dentro da 
cidade onde moram, que se transformou em uma espécie 
de abrigo temporário ou um deslocamento forçado, 
embora se saiba que a situação é irreversível. 
 Tal perda de referência afetivo-emocional se traduz 
em uma angústia de ausência de futuro (e de passado), 
pela falta de localização geográfica e de pertencimento a 
uma sociedade formada por relações sociais e ambientais 
que se formaram entre pessoas e lugares. O sofrimento 
dos adultos é marcante e expresso em suas queixas. 
 
No trato com as crianças em idade escolar, houve, 
por parte da Secretaria de Educação de Mariana, a 
determinação de que as crianças permaneceriam nas 
mesmas turmas e com os mesmos professores, embora 
abrigados em outro espaço educacional. 
 Não obstante a preocupação dos pedagogos na 
manutenção dos grupos sociais e preservação das relações 
de afetividade talhadas na convivência escolar entre as 
pessoas, o mesmo não se deu com referência ao ambiente 
da escola para onde foram deslocados. 
Os meninos mudaram muito. O 
comportamento. Até mesmo o respeito com a 
gente. As salas são muito grandes, tudo é 
muito longe dentro da escola e eles ficam 
muito dispersos correndo pelos corredores. 
Não obedecem mais a gente não (servidora da 
escola de Bento Rodrigues, em referência à 
adaptação dos alunos às novas instalações da 
escola). 
 
As crianças não se adaptaram às novas instalações 
(maiores e mais confortáveis) e não se identificaram com 
os novos espaços de ambientação, aprendizado e 
convivência, embora mantidas as mesmas turmas e 
professores. 
Em um ambiente estranho tentam estabelecer novos 
padrões de comportamento para os novos espaços. É 
consenso entre os educadores que não fosse a 
 
proximidade do término do semestre letivo, o prejuízo ao 
processo pedagógico seria considerável. 
A solução parece estar, não na inclusão do atingido 
ao cenário social da cidade, mas na sua proteção aos 
novos ambientes, em um processo clássico de exclusão 
para preservação. 
Temos que arranjar um lugar, um espaço 
menor para esses meninos possam continuar 
estudando. A Escola Dom Luciano é grande 
demais para eles (professora da escola de 
Bento Rodrigues, em novembro de 2015. O 
novo ambiente escolar ameaça a preservação 
da integridade do grupo social). 
 
Conforme Santos, (1994 p.31), “sabemos hoje que as 
identidades culturais não sãorígidas nem, muito menos, 
imutáveis. São resultados sempre transitórios e fugazes de 
processos de identificação”. Nesse cenário de 
descontextualização das origens, há um receio subjacente 
entre os educadores, que militam nas escolas de Bento 
Rodrigues e Paracatu de Baixo, de que as crianças, 
expostas a um novo ambiente, desenvolvam 
personalidades outras, identidades alternativas 
sedimentadas sobre novos valores da cidade, em 
detrimento daquela forma e convivência que desfrutavam 
no povoado de onde vieram. 
Por outro lado há a dicotomia de que seria 
emancipador possibilitar a essas crianças (e às suas 
 
famílias) desenvolver outro ambiente sócio-cultural, sem 
se tornar refugiado dentro da própria cidade, no processo 
próprio de ambientação à nova realidade. Isso a 
contrassenso da expectativa semeada pelas autoridades 
locais de que novas vilas serão construídas, garantindo o 
retorno futuro dessas crianças às comunidades bucólicas 
originárias. 
 
7. Sem voz e sem vez 
 
No universo das relações sociais a perda das origens 
trouxe como resultado a afonia da população afetada. O 
realce à perda da identidade é reforçado nas diversas 
reuniões que se convocam moradores para discussão da 
situação dos atingidos, onde o debate é direcionado ou 
intermediado por autoridades, grupos moderadores da 
mineradora ou segmentos sociais organizados, em que 
pouco se dá voz ao indivíduo. 
Inicialmente habituados a traçarem seus destinos e 
resolverem suas questões, os atingidos sumariamente são 
confinados em grupos de iguais, em situação de 
fragilidade e homogeneidade incômoda, com pautas 
conduzidas pelas autoridades que assumiram a 
coordenação fático-jurídica da catástrofe o homem-
 
cidadão desaparece no universo de discussões e debates 
que não faz parte do seu cotidiano. 
Os interesses do indivíduo-cidadão e suas 
intimidades familiares passaram a ser discutidos pelos 
grupos de mobilização, entidades públicas, advogados, 
autoridades e organizações sociais, alguns com alto grau 
de politização e objetivos além daqueles que compõem o 
foco da discussão. 
Ao se buscar consensos de decisões coletivas, 
pulveriza a ideia da singularidade das demandas, 
subtraindo do atingido o domínio e controle da própria 
vida. 
Estão falando de tudo aí. Mas o barro que ficou 
lá tornou meu terreno infértil. Não dá para 
plantar nada. Não tenho pasto pro gado que 
continua bebendo água barrenta, estou sem 
luz, perdendo a produção de queijo e o povo 
fica aí discutindo bobeira (morador do 
subdistrito de Pedras, ao abandonar a reunião 
convocada com os moradores em 12 de janeiro 
de 2016, mais de dois meses depois da 
tragédia). 
 
É natural que o cenário da catástrofe, que alcança 
dezenas de municípios e atinge direitos difusos dos mais 
diversos, atraia olhares de organizações sociais que 
militam nessas áreas e evocam debates calorosos em torno 
de questões que, não necessariamente, fazem parte da 
rotina dos moradores afetados. 
 
Discussões intermináveis em ambientes de debates 
alheios aos interesses individuais dispersam a 
participação. Posições radicalizadas ou propostas mais 
abstratas fogem da compreensão do morador afetado e o 
afasta da discussão. Dando dimensão difusa à ocorrência 
passa-se a se discutir em outras searas do direito, não 
necessariamente privilegiando a situação particular do 
afetado e sua rotina de vida duramente afetada. 
A condição de afônico incomoda e tem causado 
desentendimentos dentro dos próprios grupos de atingidos 
e suas pretensas lideranças. 
Inicialmente houve, pela comoção social, uma 
superproteção dos afetados, com excesso de medidas 
compensatórias e caritativas, donativos e monitoramento 
da mídia, com ampla exposição de pessoas simples, 
acostumadas ao convívio em grupos reduzidos, que de 
uma hora para outra foram alçadas à condição de 
personagens de telejornais e entrevistados pela imprensa. 
O assédio aos estudantes, por exemplo, chegou a ser 
questionado pelos profissionais da educação que não viam 
meios de cumprir a jornada escolar das crianças que eram 
abordadas frequentemente pela imprensa ou por 
voluntários de serviços sociais ofertados aos atingidos, 
numa perniciosa quebra de rotina. 
 
A tutela da mineradora para com as famílias 
envolveu não somente o abrigo temporário em hotéis 
(posteriormente em moradias permanentes), mas também 
a guarnição das casas locadas, mobiliário, fornecimento 
de alimentos e acompanhamento sócio-psicológico. 
Abrigados em moradias alugadas pela mineradora 
passaram a receber auxílio financeiro (pactuado em juízo 
em uma ação judicial no final de dezembro de 2015) além 
do fornecimento de uma cesta de alimentos por família, 
envolvendo legumes e verduras. 
A vida aqui [na cidade de Mariana] é muito 
cara. Um molho de couve de quatro folhas 
custa dois reais. Lá no Bento a gente plantava 
e não tinha essa despesa (morador de Bento 
Rodrigues, nos primeiros dias de dezembro de 
2015). 
 
A proposta inicial de socorro e solidariedade foi 
suplantada por um conjunto de exigências das 
autoridades e a ampla exposição midiática provocou uma 
avalanche de ajuda humanitária que superou as 
necessidades e c criou uma forma de vida artificial, 
diversa daquela que se vivia antes da tragédia. 
 Evidente que se trata de pessoas que proviam por 
seus meios o seu próprio sustento, que administravam 
seus interesses e de suas famílias com poderes de escolha 
e de iniciativa, dentro de possibilidades econômicas 
peculiares e que, a partir da ocorrência do rompimento da 
 
barragem, perderam não apenas pertences materiais, mas 
horizontes e perspectivas, além do controle sobre o próprio 
destino. 
Tal situação estabeleceu um conflito que afeta a 
relação do indivíduo consigo mesmo e o expõe a uma 
posição de impotência, já que vem perdendo o 
protagonismo na condução da sua própria vida. Noutro 
lado vem criando vínculos de dependência antes 
inexistentes para com a mineradora, os movimentos 
sociais, igrejas, lideranças e autoridades, afetando até 
mesmo os valores e a dignidade das famílias. 
Meu pai não trabalha, não. Ele recebe da 
Samarco e tem uma cesta básica (filho de 
morador de Bento Rodrigues, sobre a atividade 
profissional do provedor da família). 
 
Sem atividade produtiva, o ócio de alguns assistidos 
confinados em ambientes inadequados aos seus hábitos e 
modos de vida, vem gerando uma nova situação de vida, 
incômoda, em prejuízo aos valores apreendidos e 
cultuados na vida pacata das vilas atingidas. 
Os botecos têm sido o ponto de encontro 
dessas pessoas. Eles perderam tudo e agora 
estão perdendo a dignidade (morador de 
Mariana, referindo-se aos atingidos abrigados 
nos hotéis da cidade que sem ter o que fazer 
perambulam pelas ruas em pequenos grupos). 
 
 
É indubitável que a tal situação sucumbem, 
também, os indiretamente afetados, tais como empregados 
da mineradora, que tiveram sua atividade profissional 
suspensa, ou das empreiteiras que romperam seus 
contratos com o segmento minerário e contribuem para 
aumentar o contingente de desocupados, provocando 
outra leva de preocupações sociais. 
Assim, o rastro destrutivo da lama pode ser visto em 
imagens das mais diversas, do leito morto do Rio Gualaxo 
do Norte à calha do Rio Doce, estendendo-se até o oceano. 
O rastro de destruição moral da catástrofe, no entanto, só 
pode ser percebido de perto, quando se tem olhar para o 
sofrimento das famílias privadas do seu convívio e da 
proteção do local onde viviam, das nuances do território 
físico, geográficoe social de onde foram deslocadas. 
Ainda que se construa uma “nova Bento Rodrigues” 
a identidade do seu povo, como um cristal quebrado, foi 
duramente afetada e dificilmente será resgatada à 
integridade anterior à tragédia. E quanto mais tempo 
perdurar a situação de indefinição quanto ao seu destino, 
pior será a reconstrução do tecido social destruído, já que 
a demora acaba por fortalecer vínculos de dependência e 
reforça a perda da autonomia e do protagonismo 
individual. 
 
 
Considerações Finais 
 
A Tragédia de Mariana, como vem sendo tratado o 
rompimento da Barragem de Fundão, está longe de um 
desfecho conclusivo. 
Digladiam autoridades ambientais, judiciárias, 
movimentos sociais, mídia, advogados, e toda uma horda 
de espertalhões, oportunistas, lideranças e afetados na 
busca de culpados, identificação de responsáveis, 
indenizações, respostas. A esperança de uma solução 
rápida parece ter-se embrenhado na densa camada de 
lama. 
Prognósticos dos mais diversos vêm sendo feitos, em 
um exercício de futurologia, acerca do período de tempo 
necessário para que a natureza, com ou sem a 
interferência humana, se recupere ao longo da calha do 
Rio Doce e dos seus contribuintes, o Rio do Carmo e o Rio 
Gualaxo do Norte. 
Dificilmente se pode estabelecer um prazo de 
expiação dos danos individuais, coletivos ou difusos. 
Ronda o episódio a tendência de judicialização de 
conflitos, que arrasta à morosidade dos tribunais 
celeumas intermináveis, que se emaranham nos rituais 
das Cortes Processuais, com seus remédios e recursos 
infindáveis e soluções a perder de vista. 
 
Uma grande parcela da população, que não foi 
diretamente atingida pela lama, corre o risco de se ver 
privada de serviços públicos essenciais, pela acentuada 
queda da arrecadação municipal e declínio visível da 
economia na cidade. 
Noutra ponta há os interesses econômicos e 
tributários que se enfileiram. Acionistas, empregados, 
agentes públicos, consumidores, prestadores de serviço, 
todos agônicos, esperam por um termo. Há uma ansiedade 
crescente quanto à previsão de retorno à normalidade. A 
produção e circulação de riquezas na região foram 
atingidas e inquietam a prestação de serviços públicos, 
comprometem iniciativas periféricas, reduz oportunidades. 
Urge por uma solução! 
Entretanto, por mais otimista que se possa ser, é 
quase certo que a proposta, até então levada a efeito, da 
busca pelo entendimento, se exitosa não alcançará a todos 
os nuances da tragédia. A diversidade de direitos afetados, 
a pluralidade de atores envolvidos e os inúmeros 
interesses que se entrelaçam, para além dos direitos dos 
moradores atingidos, tornam cada vez mais distante a 
tabulação de um consenso que seja satisfatório a todos. 
A reparação dos danos, de maneira restaurativa ou 
compensatória, ou mesmo pela reconstrução das vilas 
afetadas, em nenhuma hipótese reconstruirá ou 
 
recuperará as identidades perdidas, as histórias de vida 
interrompidas ou que se sucumbiram na avalanche de 
rejeitos. 
Não a para onde voltar. Eis a certeza. A única, por 
enquanto. Todo o resto são quimeras, conjecturas, 
promessas. 
Haveremos de contar com a capacidade do homem 
em adaptar-se às realidades imutáveis, buscando 
encontrar no horizonte da lei o discurso do entendimento 
para a recomposição do cenário afetado, seja urbano, 
político, afetivo, social, econômico ou ambiental, sem 
extremismos ou exageros. 
À memória dos que se foram! 
À memória que se foi, daqueles que ficaram! 
 
Referências: 
 
ANDRADE, Carlos Drummond de. José. Poesia completa. 
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003. 
 
ANDRADE, Carlos Drummond de. Confidências do 
Itabirano. Poesia completa. 
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003. 
 
BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Entrevista a Benedetto 
Vecchi. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Jorge Zahar Editor. 
Rio de Janeiro. 2005 
 
 
BAUMAN, Zygmunt. Confiança e Medo na Cidade. Trad. 
Eliana Aguiar. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro. 2009 
 
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil – 
1988 – Disponível em: 
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Cons
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BRASIL, Lei Federal 12.334 de 20 de setembro de 2010. 
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<http://www.dnpm.gov.br/assuntos/barragens/arquivos-
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BRASIL, Departamento Nacional de Produção Mineral, 
2015. Disponível em 
<http://www.dnpm.gov.br/assuntos/barragens> Acesso 
em 13 Jan. 2016 
 
CARVALHO, Celso Guimarães; SILVA, José Margarida da; 
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FREYRE, Gilberto. Casa-grande & Senzala: formação da 
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<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=
S0100-15742003000100008&lang=pt> acesso em 12 dez. 
2015 
 
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S. Paulo, 5(1-2): 31-52, 1993 (editado em nov. 1994), 
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idade%20Identidade%20Fronteira_TempoSocial1994.pdf> 
Acesso em 13 jan. 2016 
 
SEBRAE. Como mudar a perspectiva de sua cidade: o 
desenvolvimento acontece com a força dos Pequenos 
Negócios. Vencedores do 8º Prêmio Sebrae Prefeito 
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<http://www.portaldodesenvolvimento.org.br/wp-
content/uploads/2014/12/Vencedor-Estadual-
Munic%C3%ADpio-de-Mariana-MG.pdf> Acesso em 13 de 
janeiro de 2016 
 
 
VANDRÉ, Geraldo. Disparada – 1966. disponível em 
<http://www.suasletras.com/letra/Geraldo-
Vandre/Disparada/40420> Acesso em 11 jan. 2016. 
 
WEBER, Max. Comunidade e sociedade como estruturas 
de socialização. In: FERNANDES, F. (org.). Comunidade e 
sociedade. São Paulo: Biblioteca Universitária, 1973 
 
FOSFOETANOLAMINA: A MILAGROSA PÍLULA DO 
CÂNCER (ILUSÃO DA CURA E O CASUÍSMO DA LEI 
FEDERAL 13.269 DE 13 DE ABRIL DE 2016)1 
 
Israel Quirino2 
Camilla Coelho Quirino3 
 
Resumo: Em abril de 2016, em meio a um turbilhão de eventos político-
econômicos e afundados em uma onda de surtos de dengue, zika, 
chikungunya e H1N1 o Governo Federal, em tramitação recorde discute, 
aprova nas duas casas legislativas e sanciona uma lei que permite o 
uso da substância fostoetanolamina, droga milagrosa que mereceu da 
mídia a alcunha de “pílula do câncer”. Dirigida a um público 
extremamente fragilizado pela perversidade de uma doença cuja 
possibilidade de cura é rarefeita, abre-se um mercado promissor para 
comércio de um fármaco quecarece de estudos conclusivos de eficácia e 
mapeamento seguro de seus efeitos colaterais e ignora a função e 
competência da agência reguladora do setor, a ANVISA. 
Palavras-chave: Pílula do Câncer; Fosfoetanolamina; Lei 13.269/2016 
Introdução: 
 
O presente trabalho discute as incertezas que 
pairam acerca dos efeitos realmente curativos da 
fosfoetanolamina na cura das neoplasias malignas, a 
ponto de ter merecido da mídia a alcunha de “pílula do 
câncer”. 
 
1 Publicado originalmente na Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 21, n. 
4682, 26 abr. 2016. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/48374> 
2 Advogado, Professor de Direito Constitucional da FUPAC – Mariana 
3 Acadêmica do Curso de Jornalismo da FUMEC – Belo Horizonte. 
 
Pretende-se abordar a ausência de estudos 
conclusivos acerca da eficácia da substância, que diante 
do apelo dramático do paciente que busca a cura de uma 
patologia que se sabe de cura difícil, e da enganosa 
propaganda que se constrói sobre seus efeitos curativos, 
acaba por expor o paciente aos efeitos desconhecidos da 
droga (benefícios e malefícios não mapeados) ou à 
insegurança dos médicos quanto ao ponto de se prescrevê-
la em grande escala. 
No mesmo diapasão discute-se a responsabilidade 
das Casas Legislativas Federais em fazer sobrepor a 
decisão política aos conhecimentos técnicos científicos da 
ANVISA e das entidades médicas e oncológicas que 
desacreditam (ou alimentam incerteza) quanto ao poder 
curativo da substância. 
A mídia, na ânsia de informar acaba por construir 
um universo de esperanças sobre um a pesquisa científica 
inconclusa fomenta um mercado gigantesco de medidas 
judiciais, que por sua vez acaba por oferecer à pesquisa 
dezenas de milhares de cobaias humanas que de bom 
grado se submeterão ao uso do fármaco diante da 
promessa (ou esperança) da cura. 
Por outro lado, a lei, recentemente aprovada sem o 
aprofundamento da discussão, por seu termo, contribui 
para abertura de um mercado extremamente promissor de 
 
royalties sobre a substância patenteada, embora 
desconheçam seus reais efeitos clínicos e curativos. 
 
2. Enquanto há vida há esperança 
 
Para os profissionais que trabalham com pacientes 
portadores de doenças terminais, são facilmente 
identificáveis e conhecidos os cinco estágios da doença, 
descritos pela psiquiatra suíça Elizabeth Kübler-Ross 
(1969). 
Segundo a pesquisadora, em seus estudos de 
tanatologia apresentados na obra “Sobre a Morte e o 
Morrer” (1969), a descoberta de uma doença incurável leva 
o paciente a cinco estágios emocionais: a negação; a raiva; 
a negociação; a depressão e, por fim, a aceitação. 
Tais estágios do epílogo da vida foram discutidos de 
maneira crítica pelo cinema na obra Antes de Partir (The 
Bucket List) do cineasta Rob Reiner (2007), onde os 
personagens centrais da trama Carter Chambers (Morgan 
Freeman) e Edward Cole (Jack Nicholson), compartilham 
os períodos finais de tratamento de doenças terminais. 
 Apesar de sua seriedade, o tema é abordado de 
maneira bem humorada, com dois personagens em 
conflito: um pobre, negro e sábio (Freeman) e um rico, 
 
branco e fútil (Nicholson) que convivem com a certeza da 
morte próxima e discutem valores da vida em sua fase 
final. Cientes que as incertezas do final da vida afeta a 
todos indistintamente, ambos elaboram uma “lista de 
desejos” e resolvem realizá-la antes da partida. 
Longe das ribaltas da arte, porém, a angústia que se 
abate sobre portadores de doenças denominadas terminais 
ou incuráveis vai além do Modelo de Küber-Ross, levando 
o paciente e sua família a enveredar por caminhos da 
esperança (ou do desespero) em busca da cura ou alívio 
ou mecanismo de enganar o espírito e antecipar o estágio 
de aceitação da morte iminente. 
Neste estágio, do dogmatismo ingênuo ou da última 
esperança, não descrito pela Doutora Kübler-Ross, o 
paciente acredita em qualquer coisa e tomará qualquer 
atitude para alivio dos sofrimentos e busca da cura que se 
sabe incerta. O prolongamento da vida ou a eliminação 
dos incômodos da doença expõe ao enfermo e à sua 
família a uma situação de fragilidade emocional, 
susceptível a qualquer promessa de alívio. Diante da 
certeza da morte vale à pena investir em qualquer fagulha 
de esperança, uma vez que nada se tem a perder. 
 
3. Um mercado promissor 
 
Ao contrário do paciente, no entanto, que nada tem 
a perder, laboratórios que fabricam medicamentos muito 
tem a ganhar. E aí que reside a discussão ética que se 
propõe neste ensaio. 
Alimentando a esperança de dezena de milhares e 
pacientes cancerígenos o Brasil, por meio da Lei Federal 
13.269/2016, liberou o consumo da substância 
fosfoetanolamina, supostamente uma droga sintética 
capaz de curar o câncer. 
Concebida no calor de uma discussão ética-jurídica-
científica ainda não conclusa, a aprovação da norma 
resulta em um típico casuísmo emocional, no qual 
sucumbiu o Congresso Nacional, ao arrepio dos 
instrumentos que orientam a liberação do comércio de 
drogas e medicamentos e, até mesmo, desautorizando a 
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), cuja 
competência legal encontra-se expressa no artigo 8º da lei 
9.782/1999: 
Art. 8º Incumbe à Agência, respeitada a 
legislação em vigor, regulamentar, controlar e 
fiscalizar os produtos e serviços que envolvam 
risco à saúde pública. 
§ 1º Consideram-se bens e produtos 
submetidos ao controle e fiscalização sanitária 
pela Agência: 
I - medicamentos de uso humano, suas 
substâncias ativas e demais insumos, 
processos e tecnologias; 
 
 
Não é, no entanto, a primeira vez que o Congresso 
Nacional enfrenta a ANVISA e contraria suas decisões 
técnicas. Em setembro de 2014, por meio do Decreto 
Legislativo 273 foi liberada a fabricação, a prescrição e 
venda do inibidor de apetite sibutramina, considerado pela 
ANVISA uma substância nociva à saúde desde 2011 
(Resolução RDC 52 da ANVISA). 
4. O milagroso caso da fosfoetanolamina 
 
A fosfoetanolamina é um composto orgânico, 
presente nos organismos de mamíferos e que participam 
da composição estrutural das células. Os primeiros 
estudos dessa substância foram iniciados em 1936 pelo 
cientista Edgar Laurence Outhouse, do Departamento de 
Pesquisas Médicas do Instituto Banting da Universidade 
de Toronto, Canadá. 
A versão sintética da substância começou a ser 
estudada nos anos 1970. No entanto o seu uso como 
droga de enfrentamento ao câncer vem sendo estudado no 
Brasil pelos Professores Gilberto Orivaldo Chierice, 
Salvador Claro Neto, Antônio José Reimer, Sandra 
Vasconcellos Al-Asfour, Renato Meneguelo e Marcos 
Vinicius de Almeida, que estudaram, sintetizaram, 
registraram e testaram um novo composto de 
 
fosfoetanolamina capaz de marcar células tumorais, 
permitindo ao organismo humano detectar e combater 
estes tumores. 
A partir de resultados preliminares considerados 
animadores em alguns modelos experimentais em 
linhagens celulares de câncer e em animais, os 
pesquisadores decidiram “testar” a substância em seres 
humanos, quanto teve início o uso em alguns pacientes 
portadores de neoplasias na região da cidade de São 
Carlos-SP. 
A fórmula dos cientistas brasileiros está protegida 
pela lei de patentes e, desde o final da década de 1980, 
por atuação do professor Orivaldo Chierice, vinha sendo 
fabricada e distribuída pelo Instituto de Química de São 
Carlos, unidade da USP a pacientes cancerosos, mesmo 
ante a ausência de laudos conclusivos sobre a eficácia

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