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CRIMINOLOGIA CRÍTICA E POLÍTICA CRIMINAL ALTERNATIVA PARA A REALIDADE LATINO-AMERICANA E BRASILEIRA Resumo Este artigo aponta a importância de se integrar a Criminologia Crítica e o estudo de Política Criminal com a dogmática penal. Busca-se combater, de forma crítica, este sistema penal classista que é apresentado no Brasil e na América Latina. Procura-se estudar a nossa própria realidade de país periférico que sofre as conseqüências da dominação externa e do Imperialismo, para assim, desenvolver Políticas Criminais Alternativas que sejam compatíveis com nossa realidade social, política e econômica, ao contrário do que se tem percebido no âmbito acadêmico brasileiro que reproduz as pesquisas acadêmicas construídas em outro contexto social, político e econômico. Abstract This article points out the importance of integrating the Critical Criminology and Criminal Policy study with dogmatic criminal. Seeks to combat, critically, this criminal class system that is presented in Brazil and Latin America. Looking to study our own reality of peripheral country that suffers the consequences of foreign domination and imperialism, to thus develop policies Criminal Alternatives that are compatible with our social, political and economic, as opposed to what has been perceived within Brazilian academic scholarly research that replicates the built in other social, political and economic. Palavras-Chave Criminologia Crítica. Criminologia Radical. Política Criminal. Criminologia da Libertação. Teoria Crítica do Controle Cocial. Keywords Critical Criminology. Radical Criminology. Criminal Policy. Release Of Criminology. Critical Theory Of Social Control. I. INTRODUÇÃO Este artigo apresenta um panorama sobre as Escolas Criminológicas que são desenvolvidas em contexto norte-americano e europeu e transportadas para a realidade latino-americana e brasileira sem haver qualquer compatibilidade entre os contextos social, econômico e político em que estas teorias são criadas e, posteriormente, aplicadas aqui em nosso país. Demonstra-se como as Escolas Clássica e Positivista serviram como teorias para a manutenção do poder das classes dirigentes e do sistema de produção capitalista. Analisa-se também, neste artigo, a recepção do Positivismo Criminológico no Brasil, comprovando-se a função legitimadora e funcional do sistema penal para a manutenção da ordem existente. Da mesma forma, denuncia-se que as Escolas Sociológicas do Crime (Escola de Chicago, Teoria da Associação Diferencial, Teoria da Anomia, Teoria da Subcultura Delinqüente, Labelling Approach) apesar de certos avanços no âmbito criminológico, não procuraram defender a transformação radical da estrutura social de nossa sociedade, além da não compatibilidade de muitas dessas Teorias Sociológicas do Crime (criadas em contextos norte-americano e europeu) com a nossa realidade social, econômica e política, percebendo-se a força que o Imperialismo e a dominação dos países de capitalismo centrais ainda mantém sobre os países periféricos da América Latina. Como uma forma de “libertação” das estruturas repressoras e da independência acadêmica e dos estudos criminológicos, defende-se uma Criminologia Crítica ou uma Criminologia Radical para estudar a nossa realidade e a partir de nosso contexto social, econômico e político desenvolvermos (digo em relação à comunidade acadêmica brasileira que deve se “libertar” dos poderes e armadilhas de interesses dos países centrais em relação as produções científicas) uma Política Criminal Alternativa adequada para diminuir o caos existente hoje em nosso país diante da Criminalidade e da insegurança pública. II. ESCOLA CLÁSSICA DO DIREITO PENAL Lola Anyiar de Castro ressalta que a Escola Clássica já era uma Criminologia. Tanto a Escola Clássica como a Positivista foram medidas de manutenção e reprodução da ordem socioeconômica e política estabelecida. Tem-se a Criminologia como legitimação. Legitimação é toda forma de convalidar, autorizando, principalmente por meio da promoção do consenso social, um determinado sistema de dominação. A Criminologia é um braço importante do controle social, orientada a assegurar os valores essenciais de um sistema.1 A função legitimadora da Criminologia começa com a Escola Clássica do Direito Penal. A Criminologia da Escola Clássica racionalizou o controle por meio das técnicas legislativas e da conceituação da chamada dogmática penal. O cumprimento das estruturas jurídicas reflete a forma de garantir os interesses burgueses.2 Anyiar de Castro parte da crise do pensamento helenístico-romano, ou seja, “da concepção da sociedade como fato natural e da ordenação social como produto da necessidade de se assegurar a justiça nas relações sociais através das normas e de sua supervisão pelas autoridades.” 3 Acerca do Estado Moderno, é relevante comentar brevemente sobre as formulações contratualistas. Iniciou-se com Hobbes, segundo o qual, “do estado de terror da natureza, chegar-se-ia à sociedade ou ordenação civil, outorgando-se ao soberano o monopólio da violência” 4. Continuando com Locke, que elabora as bases do pensamento liberal, a partir de um contrato que legitimaria o poder apenas à medida que este servisse para regular e supervisionar os direitos naturais, para cuja definição foi elaborado o pacto social. E por último, Rousseau o qual não defendia que o objeto do pacto social era a defesa dos interesses individuais, mas a submissão à vontade geral, a qual seria definida como a soma dos interesses individuais. Dessa forma, cria-se o modelo sociológico do consenso que legitima tanto o poder como todas as 1 LOLA, Anyiar de Castro. Criminologia da Libertação. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2005 2 CASTRO, Lola Aniyar de. A Evolução da Teoria Criminológica e Avaliação de seu Estado Atual. Revista de Direito Penal e Criminologia. Nº 34, Julho – Dezembro, 1982, p. 44 3 Idem, p. 73 4 Idem, ibidem manifestações de controle desse poder. Assim, o Código Penal seria um “monumento” incontestado e incontestável. E a Criminologia seria acrítica e submissa. Este é o período que Weber denomina de dominação legal. A pena seria uma reação passional exercida por meio de um corpo constituído, uma maneira de se vingar o que é sagrado na consciência coletiva, consistindo-se no sentimento de uma dor. E a função da pena seria a de manter intacta a coesão social e assim a consciência comum. Stuart Mill recusa a Teoria do Direito Natural e do Contrato social e aceita o conceito de direitos individuais de Locke. O poder encontraria sua legitimidade na proteção dos direitos individuais. A Criminologia da Escola Clássica tem como marco de filosofia política as idéias liberais do Contratualismo, e como modelo sociológico, o consenso. Este é o mesmo marco da Teoria Criminológica Organizacional, desenvolvida nos EUA e no Canadá, e que tem o objetivo de “melhorar o sistema de controle social e formular a Política Criminal por meio de investigações paliativas e proposições de reforma. É a Criminologia do ‘Gatopardismo’: modificar as coisas para que nada seja modificado” 5 Alessandro Baratta acredita em uma aproximação do Labeling Approach e da Nova Criminologia com a Escola Clássica de Direito Penal, pois a “consideração do crime como um comportamento definido pelo Direito, e o repúdio do determinismo e da consideração do delinqüente como um indivíduo diferente, são pontos essenciaisda Nova Criminologia.”6 A Nova Criminologia apresenta uma reação à Criminologia Positivista e ao paradigma etiológico. Assim como a Criminologia Crítica, a Escola Liberal Clássica não considerava o delinqüente como um ser diferente dos outros, não se baseava em um rígido determinismo. A Escola Clássica apoiava-se na idéia de que o delito era um ente jurídico (uma violação ao Direito) e no pacto social o qual era, segundo a filosofia política do liberalismo clássico, a base do Estado e do Direito. A Escola Clássica acreditava no livre arbítrio, na livre vontade do indivíduo, e não em causas patológicas. Dessa forma, 5 CASTRO, Lola Aniyar de. A Evolução da Teoria Criminológica e Avaliação de seu Estado Atual. Revista de Direito Penal e Criminologia. Nº 34, Julho – Dezembro, 1982, p. 74 6 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Introdução à Sociologia do Direito Penal: tradução Juarez Cirino dos Santos, 3ª Ed., Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, Rio de Janeiro, 2002, p. 31 considerando a liberdade de escolha do indivíduo e a sua responsabilidade moral, o delinqüente não era visto como um ser diferente. O Direito Penal e a Pena, para a Escola Clássica, tinham como finalidade a defesa da sociedade contra o crime. A aplicação das sanções penais – exercício do poder punitivo do Estado – encontrava seu limite na necessidade ou utilidade da pena e no princípio da legalidade. Em suma, a pena não tinha finalidade de tratamento, de transformação do desviante, pois este não era considerado ‘doente’ nem ‘diferente’ em relação ao restante da sociedade. Quando se fala da Escola Liberal Clássica como um antecedente da moderna Criminologia, se faz referência a teorias sobre o crime, sobre o Direito Penal e sobre a pena, desenvolvidas em diversos países europeus no século XVIII e princípios do século XIX, no âmbito da filosofia política liberal clássica. Faz-se referência, particularmente, à obra de Jeremy Bentham na Inglaterra, de Anselm Von Feuerbach na Alemanha, de Cesare Beccaria e da Escola Clássica de Direito Penal na Itália.7 Da idéia da divisão de poderes e dos princípios humanitários iluministas, de que é expressão o livro de Beccaria, derivam, pois, a negação da justiça de gabinete, própria do processo inquisitório, da prática da tortura, assim como a afirmação da exigência de salvaguardar os direitos do imputado por meio da atuação de um juiz obediente, não ao executivo, mas à lei (...). O dano social e a defesa social constituem, assim, neste sistema, os elementos fundamentais, respectivamente, da teoria do delito e da teoria da pena.8 Romagnosi aponta a consciência da necessidade de fazer surgir o sistema de Direito Penal de uma verdadeira e própria filosofia do direito.9 De acordo com Romagnosi a base do Direito Natural é a conservação da espécie humana e a obtenção da máxima utilidade. Analisando as idéias de Romagnosi e de Beccaria, a finalidade da pena é a defesa social, sendo uma contramotivação ao delito. Contudo, segundo Romagnosi, a pena não é o único meio de defesa social; antes, o maior esforço da sociedade deve ser colocado na prevenção do delito, através do melhoramento e desenvolvimento das condições de vida social. E aqui se pode ver uma importante antecipação da teoria dos ‘substitutivos penais’, elaborada por Ferri no âmbito da Escola Positiva.10 Em contrapartida aos ideais clássicos do Direito Penal, temos a Criminologia Positivista que considerava a pena como função curativa e reeducativa. O objeto de 7 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Introdução à Sociologia do Direito Penal: tradução Juarez Cirino dos Santos, 3ª Ed., Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, Rio de Janeiro, 2002, p. 32 8 Idem, p. 34 9 Idem, ibidem. 10 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Introdução à Sociologia do Direito Penal: tradução Juarez Cirino dos Santos, 3ª Ed., Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, Rio de Janeiro, 2002, p. 35 estudo estava nas causas da criminalidade, independentemente do estudo das reações sociais e do Direito Penal. Baratta chama a atenção para o fato de que Os mecanismos seletivos que funcionam no sistema penal, da criação das normas à sua aplicação, cumprem processos de seleção que se desenvolvem na sociedade, e para os quais o pertencimento aos diversos estratos sociais é decisivo.11 III. CRIMINOLOGIA POSITIVISTA Adotou o Modelo do Consenso, mesmo insistindo para uma neutralidade sócio- política, o que gerou muitos questionamentos. O Positivismo, de acordo com o pensamento de Lola Aniyar de Castro, contradizia os próprios postulados de sua pretensão científica, pois esta Escola fez tão pouca Ciência como criticava aos criminólogos que lhe precederam (Escola Clássica). Considerava anormais ou desviantes os indivíduos marcados por uma decisão política.12 Os ramos relevantes do Positivismo Criminológico foram a Criminologia Clínica e a Antropologia Criminal. A Criminologia Positivista orienta-se tanto para o estudo do homem (Criminologia Clínica) como para o estudo da sociedade (Sociologia Criminal: Ecologismo, Culturalismo e Funcionalismo). 11 LOLA, Anyiar de Castro. Criminologia da Libertação. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2005 12 É necessário analisar algumas necessidades políticas nas quais o Positivismo se ergueu de acordo com épocas diversas: A. No Iluminismo, as construções metafísicas foram substituídas pelo estudo metódico das necessidades do homem visando à sua satisfação coletiva. B. Com o objetivo de colocar ordem no caos da Revolução Burguesa e de instaurar um poder unificado, cria-se uma nova ideologia: ao se acabar com a metafísica revolucionária, esse poder seria a busca de uma física Social. C. A sociedade, para o Positivismo, não seria apenas um instrumento que serviria para regular os conflitos e sim uma entidade autônoma e orgânica. A sociedade do futuro – orgânica e racional – estaria baseada na Ciência. D. Para os positivistas (Comte) a humanidade passaria por três estágios em direção ao progresso que seria a sociedade positiva; não podendo alterar as estruturas da vida coletiva, tendo-se a manutenção do status quo burguês. E. O Positivismo diz resistir às manifestações utópicas, sendo os seus projetos baseados nas propriedades naturais da vida social e assim resistentes às transformações. F. O que tem relevância para o Positivismo é o fato, a indução, as técnicas de investigação, do mensurável, do comprovado empiricamente. Não se questiona o porquê, este não é válido interpretativamente para o Positivismo, não é científico. G. O Positivismo substituiu a Teoria do Conhecimento por uma Teoria da Ciência e a crítica humanístico-revolucionária (Hegel e Marx) pela filosofia naturalístico-conservadora de Comte. Diante deste esquema apresentado percebe-se que pouco se pode falar de neutralidade política no Positivismo. A Criminologia Clínica se refere à medicina aplicada ao âmbito penal. Busca o diagnóstico e tem como objeto o caso individual. As leis gerais tendem a ser a soma dos casos individuais. No âmbito da Sociologia Criminal, pode-se citar os estudos de Shaw e Mac Ray sobre as áreas ecológicas de Chicago e a localização nestas áreas das zonas de desorganização social. Índice delitivo igual à desorganização social. As Teorias Culturalistas – as de Aprendizagem e as das Subculturas dos bandos juvenis – partem da idéia de uma comunidade maior de valores e dominante. O Positivismoconverte-se em funcionalismo por mediação da Antropologia Criminal de Malinowski. Esta Teoria, na Criminologia, foi representada, basicamente, por Merton, com sua Teoria da Anomia e com a explicação do delito como um modo de Adaptação13. Entretanto, a Teoria da Anomia não explica, segundo Lola Aniyar de Castro, o porquê delinqüem as classes sem problemas econômicos. O Funcionalismo é organicista porque aponta a existência de subsistemas sociais que se substituem entre si no caso de falha de algum deles, da mesma maneira como, no corpo humano, um órgão desenvolve-se para compensar as deficiências de outro. Esta teoria produz uma função de reintegração (...). A sociedade seria um todo orgânico no qual as partes, apesar das contradições aparentes, funcionam em relação ao todo. Este é, também, o modelo do consenso. O modelo da manutenção do status, ou seja, da negação da transformação e da negação da luta entre opostos. 14 A Criminologia Positivista contribuiu para reproduzir a ordem estabelecida, destacando o delinqüente estereotipado de classe baixa e produzindo uma quebra de solidariedade intraclasse. Esta Criminologia representa a criminalização de uma classe social: caracterizar tensões internas no sistema e produzir legitimação por meio da repressão. O estereótipo do delinqüente é transmitido pelos portadores dos sistemas normativos: Igreja, a família, a literatura, os legisladores, os partidos sindicatos, opinião pública, por meio de teorias de senso comum. 15 Os termos ressocialização, reeducação, reinserção, readaptação são instrumentos ideológicos violentos de dominação. Busca-se a aceitação profunda do sistema, a imposição de valores que não podem ser questionados. 13 CASTRO, Lola Aniyar de. A Evolução da Teoria Criminológica e Avaliação de seu Estado Atual. Revista de Direito Penal e Criminologia. nº 34, Julho – Dezembro, 1982, p.78 14 Idem, p. 79. 15 CASTRO, Lola Anyiar de. Criminologia da Reação Social, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1983p. 48 O Positivismo criminológico parte da premissa de existência de um mundo físico. O maior interesse do positivista é o de obter uma metodologia, ou seja, um conjunto de técnicas de investigação. Um grande defeito da Criminologia Positivista está no fato de que ela separa o observador da realidade, isto é, o observador (quem estará estudando, analisando a realidade), não é inserido na realidade social, como se não pertencesse a esta. A ciência para o positivista é neutra, é objetiva, porque o observador está separado da realidade. Essa distancia não somente lhe permitirá conhecer o mundo como também (e esta é a grande fraqueza do positivismo) significa o abandono da análise do sujeito cognoscente no momento em que apreende a realidade.16 A atividade do observador não é reflexiva, porque a observação sobre o mundo retorna, não reflete sobre si mesmo enquanto observador. Ele está fora da realidade, não se analisa, não se observa, observa o que esta fora de si mesmo. Este é talvez o principal defeito epistemológico do positivismo.17 O Positivismo tenta explicar os fatos sociais da mesma forma que são analisados os fatos relativos às Ciências naturais. Os estudiosos do positivismo estudam variáveis oriundas de uma seleção subjetiva do próprio observado, todavia não é possível realizar um estudo fragmentário da sociedade, pois esta é interconectada e muito complexa. Dessa forma, o Positivismo encara a realidade oficial como se fosse a única realidade. A realidade oficial é a realidade que nos é imposta, nos é ensinada, é a forma como o mundo é para nós ordenado a fim de que o conheçamos; e o positivista não tem nenhum interesse em modificar a forma como esse mundo está ordenado, nem interesse em averiguar se pode haver uma realidade alternativa, simplesmente o aceita como o entregam e o estuda com base nessa aceitação de princípio.18 Percebe-se que o Positivismo não tem uma posição crítica e questionadora da realidade que nos é imposta. A Criminologia Positivista estuda e quer transformar a pessoa do delinqüente e não a lei penal, e muito menos, a estrutura da sociedade. Acerca do fracasso da Criminologia Positivista, Anyiar de Castro ressalta que esta Ciência fracassou em relação às finalidades de prisão e tratamento. Porém faz o seguinte questionamento: Há realmente fracassado el tratamiento? Han fracasado, tal vez, los fines explícitos de la prisión y el tratamiento. No hay fracaso cuando, tanto la 16CASTRO, Lola Anyiar de. Criminologia da Reação Social, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1983, p. 3 17 Idem, ibidem 18 Idem, p. 5 cárcel – represión pura – como el tratamiento – represión ideologizada -, han logrado cumplir sus fines implícitos: 1) reproducir el sistema de clases, y dejar las manos libres a la clase hegemônica para que realice sus objetivos a través de la racionalidad del mercado; 2) ratificar las teorias del sentido común, las cuales, al separar las clases delincuentes de las clases no delincuentes, consolidan la estratificacíon. 19 Em suma, a Criminologia Positivista cumpriu sua função de reproduzir o sistema de classes e deixar a classe hegemônica de mãos livres para realizar seus objetivos por meio da racionalidade do mercado, ratificar as teorias de senso comum, as quais ao separar as classes delinqüentes das classes não delinqüentes, consolidaram a estratificação.20 A Criminologia tradicional colabora com a preservação da ordem e com o reforço do sistema educacional, ou seja, com a manutenção da ordem social com uma ideologia de falsa consciência, ocultadora da realidade. IV. Aplicação do Positivismo Criminológico no Brasil A adoção do Positivismo Criminológico no Brasil se verificou no período entre o fim do século XIX e início do século XX. Esta teoria foi recepcionada para justificar a permanência de práticas autoritárias de persecução penal, no contexto da abolição da escravidão e a adoção da forma republicana. Ainda hoje se pode perceber diversos pontos da adoção do Positivismo na legislação penal mesmo com todas as críticas feitas a essa Teoria. A Teoria do Positivismo Criminológico é considerada um instrumento de justificação do exercício de determinadas formas de poder punitivo. Para estudar as influências do positivismo criminológico no nosso país, é relevante considerar o panorama social do Brasil. O objetivo deste tópico é mostrar o cenário da sociedade brasileira do século XIX e XX para entender o papel legitimador que a Criminologia cumpriu na história brasileira. No século XIX e início do século XX tem-se a figura dos escravos e outras classes tidas como perigosas (escravos libertos e imigrantes que se deparavam com uma enorme dificuldade no mercado de trabalho nacional), que se assemelha com o século 19 CASTRO, Lola Anyiar de. Conocimiento y orden social: Criminologia como legitimacion y Criminologia de la liberacion. Proposiciones para uma Criminologia Latino-Americana como Teoria Crítica del Control Social. Capítulo Criminológico. Organo del Instituto de Criminologia, 1981-1982, p. 48 20 LOLA, Anyiar de Castro. Criminologia da Libertação. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2005, p. 49 XXI.21 O desenvolvimento da sociedade brasileira baseou-se na hierarquia e na submissão das classes inferiores, assim como em mecanismos ideológicos, “como a manutenção de um ideário de conciliação, forma negação da violência, da exploração, e, logo, permissivo da prática social violenta”.22 No setor rural, têm-se os latifúndios, com grande concentração populacional e a figura do proprietário de terras. Os grupos formuladores de resistência(assim como ocorre hoje) eram marginalizados e punidos. Percebe-se de forma bem clara a presença de duas classes: a classe dominada e a classe dominante. A formulação ideológica e os valores tinham que ser assimilados pela classe explorada para a manutenção do sistema. A reprodução da ideologia dominante no sistema capitalista garante sua reprodução pelo consentimento, o que denomina ideologia do consenso. Esta ideologia traz violência consigo para proteger a hierarquia social e nega o exercício de expressão da classe oprimida. Havia pretensão de controle absoluto da sociedade: “Constata-se que, mesmo com o advento da república, o progresso só se admite com ordem.”23 A escravidão foi a forma de “manter um sistema de exploração que demandava grandes extensões de terras para a exportação de produtos que poderiam trazer rendas para a Coroa, de forma a estabilizar a balança de pagamentos, além de ressarcir os parceiros particulares, que investiram nas navegações. O escravo torna-se, deste modo, o mais importante meio de produção, superando mesmo o valor da terra.”24 A violência contra os escravos não era praticada apenas pelos senhores ou seus empregados, mas também com a ajuda policial para a manutenção da ‘ordem pública’ que, em uma sociedade escravagista com a quantidade de escravos como a brasileira, significava a atuação seletiva sobre os negros, visando afastar qualquer tipo de atitude suspeita. A polícia, no Rio de Janeiro, no século XIX, revelava as características autoritárias da sociedade brasileira, bem como a origem e permanência das mazelas que atingem, ainda hoje, os órgãos de segurança pública. Com a análise da obra A integração do negro na sociedade de Classes de Florestan Fernandes, entende-se bem como os escravos libertos foram “jogados” em uma sociedade excludente sem ajuda do 21 22 SOUZA, João Paulo de Aguiar Sampaio. A recepção do positivismo criminológico no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Editora Revista dos Tribunais, n. 68, setembro-outubro de 2007, p. 267 23 Idem, p. 271 24 Idem, p. 272 Estado para conseguirem sobreviver e, aplicando isto em nossa realidade, percebemos a perseguição do sistema penal pelos negros das classes subalternas. A função da polícia na ordem escravocrata era: A manutenção da ordem pública, que, no caso, consistia no controle de escravos, visando evitar, pelos meios que se julgasse necessário, qualquer tipo de atitude que não fosse a de mão de obra desumanizada. Não há, neste contexto, preocupação com a apuração dos delitos, através de um processo, para a aplicação de pena, mas sim o do controle da mobilidade negra: o delito nada mais é do que um vago fundamento para a justificação do aparato. Tal prática (...) indica a complementariedade entre a máquina estatal e o poder privado da elite econômica.25 Mesmo com o fim da escravidão, continua a mesma percepção das elites em relação ao negro, que continuava a ser marginalizado. Havia uma desqualificação do negro, o que deu espaço a discriminação. A ideologia dominante gera um consenso de que a ordem estava ameaçada por causa dos libertos, considerados como indivíduos despreparados para a vida em sociedade. Devido ao sistema de escravidão acreditava-se que os libertos não tinham a noção de justiça, de respeito à propriedade e de liberdade. Tinham vícios do estado anterior, não eram civilizados e por isso era necessário reprimir os seus vícios com a educação e com o hábito de trabalho de forma repressiva. No que tange ao crescimento populacional dos centros urbanos continuava acentuado, agravando as péssimas condições de infra-estrutura. Tal situação provoca uma demanda por reformas urbanas. Em nome da modernização e da higiene, o Estado acabou com as moradias populares da área central, obrigando a classe trabalhadora a se deslocar para os subúrbios ou ocupar áreas vazias próximas ao mercado de trabalho (favelas). Assim sendo, tem-se a “periferização dos pobres”. Entendia-se que o Brasil não podia mais apresentar uma organização espacial degradada, como até então, onde havia uma promiscuidade das áreas, com vielas e becos escuros, cortiços e favelas no centro da cidade (...). Essa configuração era típica de uma época atrasada e retrógrada, que deveria ser sepultada com o fim da monarquia: a meta era espelhar a urbe francesa, e equiparar-se, em termos de civilização, à Argentina.26 Em pouco tempo, via-se no Rio de Janeiro um cenário de palácios monumentais, teatros, restaurantes, salas de cinema, cervejaria e linha férrea. Todavia, o caminho para 25 SOUZA, João Paulo de Aguiar Sampaio. A recepção do positivismo criminológico no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Editora Revista dos Tribunais, n. 68, setembro-outubro de 2007, p. 275 26 SOUZA, João Paulo de Aguiar Sampaio. A recepção do positivismo criminológico no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Editora Revista dos Tribunais, n. 68, setembro-outubro de 2007. p. 284 a modernização não resolveu os problemas sociais que geravam aquela degradação espacial. “Foi uma reforma dos setores esclarecidos, apesar da população, e não a favor dela”.27 As medidas foram tomadas de forma autoritária, com desprezo em relação à população. O sistema penal republicano volta-se contra as denominadas classes perigosas, visando afastar as condutas que colocassem em risco o projeto de consolidação do capitalismo. Inicialmente, é registrada a intensa atividade policial contra os capoeiras, figura criada no regime imperial, mas que apenas foi criminalizada formalmente pelo Código Penal de 1890. Após tal estágio, verifica-se a mobilização da persecução penal diante das impurezas do meio social, mormente os vagabundos e os mendigos. (...) Em uma terra que, quem quer trabalhar, não morre de fome (...) qualquer conduta dos pobres que não seja voltada ao emprego significa más intenções, nítida propensão ao delito.28 A persecução penal era orientada pela ideologia do trabalho para função ressocializadora (verdadeira falácia). No que tange as penitenciárias, percebe-se que a formação social brasileira é marcada pelo exclusão e repressão, marginalizando as consideradas “classes perigosas”. Notadamente, o Positivismo Criminológico encontrou um terreno fértil para se desenvolver no Brasil, diante de uma sociedade hierarquizada, marcada pela escravidão, em que uma classe dominante controlava e reprimia as massas populares, por meio das ações do Estado (Penal) e dos mecanismos ideológicos do sistema capitalista de produção. A idéia de submissão das massas populares e de controle social permanece até hoje. O Positivismo Criminológico foi o instrumento necessário para realizar a legitimação do mecanismo punitivo, em meio à tentativa de europeização brasileira. O Positivismo Criminológico dominou este contexto e trouxe reflexos no procedimento da criminalização secundária e na legislação penal. O Brasil, do mesmo modo que tentou adotar a modernização urbanística do padrão europeu, tentou adotar as Teorias Jurídicas e a formulação da legislação criada no âmbito da civilização européia. Isso não ocorreu somente no Brasil, mas sim em toda América Latina. O Positivismo permitiu o uso da violência (sem ferir os membros da elite) para todos aqueles que se posicionassem contra os valores burgueses, excluindo, segregando, marginalizando as massas populares. No âmbito das Universidades, o 27 Idem, p. 286 28 Idem, p. 286 ensino tinha a finalidade de servir aos países de capitalismocentrais, “copiando” as teorias jurídicas sem a mínima adequação para a nossa realidade social. O Positivismo Criminológico no Brasil pode ser dividido em duas correntes: Positivistas Radicais (João Vieira de Araújo, Viveiros de Castro, Moniz Sodré, Adelino Filho, Aurelino Leal, Roberto Lyra, Octávio Tavares, Phaelante da Câmara) e os Positivistas Moderados (José Hygino Duarte Pereira, Pedro Lessa, Tito Rosas, Laurindo Leão, Clóvis Beviláqua). Outros exemplos dos estudos criminológicos são: Cândito Motta, Classificação dos Criminosos (1897); Nina Rodrigues, As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil (Bahia, 1894); Torino, Arquivos de Psiquiatria: Nêgres criminels au Brèsil (1894); Alcântara Machado, Estudos sobre o artigo 269 do Código Penal, O Hipnotismo (1892); Aurelino Leal, Germes do Crime (Bahia, 1892); Viveiros de Castro, Ensaio sobre a Estatística Criminal (Rio de Janeiro,1894). Os autores que são considerados os primeiros a divulgarem as novas teorias criminais foram: João Vieira de Araújo e Tobias Barretos. Há uma divergência referente ao pioneiro das idéias da Antropologia Criminal no Brasil, alguns autores consideram João Vieira de Araújo e outros acreditam ser Tobias Barreto. João Vieira de Araújo divulgou as idéias da Antropologia Criminal não apenas na Faculdade do Recife como também no Rio de Janeiro. Tobias Barreto considerava o trabalho de Lombroso revolucionário, porém não deixou de censurar os exageros naturalistas da abordagem da questão criminal feita por ele. V. CRIMINOLOGIA DA LIBERTAÇÃO COMO FORMA DE FAZER CRIMINOLOGIA LATINO-AMERICANA E TEORIA CRÍTICA DO CONTROLE SOCIAL NA AMÉRICA LATINA Libertação de que? Libertação das estruturas libertadoras. Libertação da ocultação das relações de poder e do funcionamento mascarado dos interesses. Libertação do discurso educativo, religioso, artístico, jurídico e criminológico vinculados às relações de poder. Libertação da razão tecnológica que traz um conceito artificial de desenvolvimento para nossos países.29 (Lola Anyiar de Castro) 29 LOLA, Anyiar de Castro. Criminologia da Libertação. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2005, p. 112 Com a análise da obra Criminologia da Libertação é evidente que a Criminologia na América Latina não está disposta a ficar sempre ao lado do poder. Este movimento envolveu os grandes centros acadêmicos latino-americanos de pesquisa, discutindo os problemas da Criminologia, do poder e do controle social. A Criminologia Crítica tem uma metodologia própria a qual exige construir-se em e para cada sociedade, em cada momento histórico e em cada conjuntura específica. “Apenas uma Criminologia desse tipo pode ser chamada, em nosso continente, de latino-americana, por ter sido feita da América Latina e para a América Latina”30 A Criminologia Latino-Americana é uma pesquisa sobre a realidade sociopolítica do continente. O processo para a criação de uma Criminologia da Libertação, ou melhor, uma verdadeira Criminologia latino-americana, corresponde aos trabalhos do Grupo Latino- Americano de Criminologia Comparada. A nova perspectiva da Criminologia, voltada para questionar a história e a realidade sociopolítica latino-americana, colaborou para o desenvolvimento de uma pesquisa comparada entre os países da América Latina. Em 1981, surgiu no México, um manifesto que reúne os postulados dos militantes de uma Criminologia da Libertação. Esse manifesto implica um novo grupo, mas não a morte do anterior (o Grupo Latino-Americano de Criminologia Comparada continuará fazendo suas pesquisas as quais iam fornecendo fundamentação à teoria que se procurava construir com o Manifesto). O novo se dedicará à construção de uma Teoria Crítica do Controle Social na América Latina. 31 O Manifesto de Criminólogos Críticos Latino-Americanos é a história da Criminologia na América Latina: 1. Desde 1976 há um grupo que pesquisa a violência e a criminalidade de colarinho branco na América Latina. Esse grupo tem a coordenação do Instituto de Criminologia da Universidade de Zulia. Alguns deste grupo decidiram pela organização de um movimento autônomo de conteúdo crítico, independentemente da continuação, em paralelo, do trabalho investigativo do Grupo Latino-Americano de Criminologia Comparada. 2. As realidades sociais da América Latina, embora diversas entre si, respondem a uma lógica uniforme que foi ditada pela política que divide o mundo entre países centrais e periféricos. As situações nacionais internas correspondem a essa lógica, na qual há privilégios para um grupo em detrimento das maiorias. Ressalta-se, também, o domínio dos países 30 Idem, p. 21 31 Idem, p. 32 poderosos que impõem suas políticas mais apropriadas a seus propósitos de usufruto das riquezas naturais e de exploração dos recursos humanos. Questiona-se o controle social. As relações de produção baseadas na exploração do homem e geradoras de desocupação, analfabetismo, mortalidade infantil, grandes massas de marginalizados, etc.; são, entre outros, os meios úteis com que se mantém a submissão, se fortalece o poder de certas minorias e através do qual o capital transnacional obtém elevados lucros.32 O Direito Penal serviu de instrumento para aprofundar as diferenças sociais e a ciência jurídico-penal justificou a intervenção punitiva oficial em auxílio a privilégios minoritários. Proteção de interesses jurídicos particulares, enquanto mantêm sem proteção importantes necessidades coletivas33. A legitimação de um direito penal desigual para a América Latina foi corroborada pelo papel subalterno que a Criminologia tradicional desempenhou.34 O objetivo e o objeto do Manifesto de Criminólogos Críticos Latino- Americanos da são: O Manifesto de Criminólogos Críticos Latino-Americanos tem como objetivo a construção de uma Teoria Crítica do Controle Social na América Latina. Tem como objeto de estudo a denúncia das situações referidas, o assinalamento do papel legitimador cumprido pela Criminologia tradicional e a elaboração de estratégias alternativas para o controle social na América Latina.35 O movimento deverá observar as realidades específicas de cada país, a proteção dos direitos dos setores sociais mais numerosos e vulneráveis, elaborando propostas de política criminal alternativa, apoiando uma luta radical contra a criminalidade, numa transformação profunda e democrática dos atuais mecanismos do controle social do delito.36 A história do Grupo Latino-Americano de Criminologia Comparada e o Manifesto de Criminólogos Críticos Latino-Americanos também é a história da Criminologia da Libertação. 1. Criminologia como Teoria Crítica do Controle Social na América Latina Uma Criminologia como Teoria Crítica do Controle Social representa a superação da Criminologia como controle social, é sua crítica, sua negação. O Método utilizado pela Teoria Crítica do Controle Social é o método histórico dialético. Acrescentam-se elementos da Escola de Frankfurt. 32 LOLA, Anyiar de Castro. Criminologia da Libertação. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2005, p. 33 33 Idem, ibidem 34 Idem, p. 34 35 Idem, p. 33 36 Idem, p. 34 Para alcançar um conhecimento científico coerente dos fatos sociais é necessário estudar, primeiro, a história constituinte e o histórico constituído. Para o método dialético o sistema capitalista é uma unidade de contrários em luta (a burguesia e o proletariado). Os fatos sociais não estão isolados, nem podem ser entendidos fora de seu contexto histórico. Cada um delesestá articulado à totalidade do sistema de produção e obedece à sua racionalidade37. História, contradição, totalidade e dialética do real são os principais elementos metodológicos para demonstrar a ideologia que apresenta aos olhos do pesquisador uma aparência ocultadora da essência38. Os elementos da Teoria Crítica do Controle Social são: A Teoria Crítica do Controle Social deve ser antiformalizante e voluntariamente assistemática. Teoria como parte de um processo para a libertação humana. Deve ser auto-reflexiva e histórica. Deve ter caráter dialético. Há uma rejeição das sociedades em que impere uma racionalidade tecnocrática ou autoritária. É parte de um processo emancipatório. A crítica é a denúncia materialista da injustiça social39. Os objetivos da Teoria Crítica do Controle Social são: 1. Análise e denúncia da estrutura do controle social atual na América Latina, desnudando seu caráter legitimador, apresentando assim às classes subalternas um discurso transparente que estimule a consciência de classe e uma compreensão das verdadeiras condutas dissonantes. 2. O estudo dessas condutas dissonantes só existirá para observar como o controle social opera diferencial. 3. A Teoria Crítica deverá sugerir uma estrutura alternativa do controle social sempre em revisão, que favoreça os direitos coletivos. 4. Esta teoria não se contenta com uma revisão dos processos de socialização primária, do papel da própria teoria e da ciência e de todos os sistemas normativos, identificando-os em sua relação concreta com o poder, mas deverá comprometer-se com uma atividade crítica permanente, sobre a base de um projeto emancipatório que impeça o congelamento de qualquer sistema de controle social ou de dominação. 5. Quebrar a ordem ideológica, a falsa consciência do crime e do criminoso e combater as formas ocultas da dominação. 6 Analisar a problemática latino-americana, a identificação dos níveis de dominação que dependem dos diversos modelos de acumulação de capital, identificar as diferenças que existem nos vários estágios de desenvolvimento das forças produtivas. 7. Verificar as diferenças do controle social nos países com governos autoritários nos que tenham democracias formais. 40 2. Criminologia, Direito e sistemas sociopolíticos na América Latina 37 LOLA, Anyiar de Castro. Criminologia da Libertação. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2005, p. 59 38 Idem, ibidem 39 Idem, p. 62 40 LOLA, Anyiar de Castro. Criminologia da Libertação. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2005, p. 64 O Positivismo na América Latina serviu para apoiar o racismo, o preconceito e a discriminação em relação às minorias éticas e justificar as relações de exploração norte- sul. O sofrimento, a morte, as lutas ideológicas, os antagonismos sociais, os conflitos de valores foram rejeitados pelo positivismo.41 Positivismo apresenta como estereótipo do delinqüente às classes subalternas. Anyiar de Castro aponta as funções da Criminologia nos países socialistas, salientando que a legitimação do sistema socialista apresenta uma explícita proteção de interesses generalizáveis e a ampla consulta popular de que são objeto os textos normativos. Defende-se que a legalidade socialista é um dos meios para a construção do socialismo e o princípio de organização e atividade dos órgãos do Estado.42 O papel legitimador da dualidade simbólica/fática dos corpos normativos das democracias burguesas (direitos sociais X direitos individuais) não está presente no socialismo. A vontade expressa do sistema capitalista reclama ressocialização. O explorador é um ladrão. O ladrão é um explorador. A ressocialização é exercida por meio da conscientização política. A prevenção por meio do aperfeiçoamento da qualidade de vida e da correção das falhas do Estado no seu dever de proporcionar condições favoráveis ao desenvolvimento de uma personalidade socializada. A Criminologia é mais preventiva, organizacional e ressocializadora do que teórica.43 No sistema socialista o controle social é exercido por meio das organizações de massa o que garante um baixo índice de reincidência. A reeducação consiste na criação de uma consciência social. 3. Criminologia da Libertação O poder incorpora todas as forças ideológicas e motivações disponíveis para fundamentar-se no apoio das massas.44 O tema essencial de uma criminologia liberacionista é não apenas a maneira como se exerce o controle formal, mas a maneira pela qual as ideologias são constituídas e manipuladas (...). A busca da legitimação é hoje a preocupação central do poder, porque este procura ser hegemonia, mais do que apenas dominação.45 41 Idem, p. 74 42 Idem, p. 78 43 LOLA, Anyiar de Castro. Criminologia da Libertação. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2005, p. 79 44 Idem, p. 93 45 Idem, p. 94 Para a concepção marxista original, a sociedade civil seria a base das relações materiais de cada tipo de Estado, que regularia essa sociedade, e não o contrário, como supõem as teses jusnaturalistas. O Estado seria historicamente determinado.46 No que tange à América Latina cabe destacar que as forças produtivas variam de acordo com cada país e, também, com as suas regiões interiores que apresentam diferentes graus de desenvolvimento político e social. Deve-se considerar como os modos de produção se refletem na manutenção ou transformação de estruturas culturais. Segundo Anyiar de Castro, o Estado protege formal ou substancialmente apenas os interesses da classe dominante. A imagem de um Estado que assegura também direitos sociais serve como instrumento de manutenção de consenso e paz, refletindo os antagonismos de classes. O programa jurídico e ideológico burguês que aparenta defender interesses generalizáveis é, na realidade, uma promessa irrealizável.47 Anyiar de Castro mostra que a Social-democracia na América Latina descumpre as promessas e seus textos normativos, e gera ilusões de participação dos estratos subalternos. “Na realidade, tudo se reduz a acordos sobre preços e salários, que reproduzem o sistema ao fortalecer a solidez do mercado e o caráter inquestionável das decisões de hierarquia política”48 Ao controle informal são apresentados valores e atitudes aos quais são incorporados por meio de técnicas de obediência e disciplina. Cremos que a legitimação está hoje montada tanto na ilusão de uma real participação coletiva nas tomadas de decisão política das democracias burguesas como na mobilização coletiva para que se conformem processos de socialização, orientados de modo estrutural.49 Salienta a autora que isto é válido tanto para os países de Terceiro Mundo que praticam o capitalismo selvagem como para os industrializados e pós-industrializados. Anyiar de Castro comenta sobre o neocolonialismo (transculturação, dependência tecnológica) e a dominação dos países centrais sobre os periféricos. Ela defende uma luta pela libertação. 46 LOLA, Anyiar de Castro. Criminologia da Libertação. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2005, p. 95 47 Idem, p. 96 48 Idem, p. 97 49 Idem, p. 98 Segundo a perspectiva liberacionista em Criminologia, é necessária a produção de uma contra-ideologia, e esta deve ser desenvolvida não apenas no âmbito da Criminologia, mas de forma interdisciplinar. Em suma, O Manifesto dos Criminólogos Críticos Latino-Americanos propunha uma epistemologia voltada para a prática, com um método histórico-concreto que reflete a realidade da América Latina. A Criminologia Latino-Americana – Criminologia da Libertação– desenvolveu uma Teoria Crítica do Controle Social (tanto formal como informal). A Criminologia da Libertação como Teoria Crítica do Controle Social procura a pesquisa do controle social na América Latina de acordo com o histórico de dominação em nosso continente50. É de grande importância pesquisar a cultura popular latino- americana, campo este quase inexplorado, para verificar a ideologia popular e a manipulação ideológica pela classe dominante. VI. CRIMINOLOGIA CRÍTICA Com a base da Teoria Marxista da sociedade, a Criminologia Crítica pode ir além dos limites que as outras Escolas Sociológicas encontraram. Para a Criminologia Crítica a criminalidade se revela como um status atribuído a determinados indivíduos, mediante uma dupla seleção: Em primeiro lugar, a seleção dos bens protegidos penalmente, e dos comportamentos ofensivos destes bens descritos nos tipos penais; em segundo lugar, a seleção dos indivíduos estigmatizados entre todos os indivíduos que realizam infrações a normas penalmente sancionadas. A criminalidade é distribuída desigualmente conforme a hierarquia dos interesses fixada no sistema sócio-econômico e conforme a desigualdade social entre os indivíduos. 51 50 Na América Latina, a Criminologia da Libertação atuou nos seguintes temas: I. O poder legitimador da Criminologia convencional: justificação do poder (Escola Clássica e Positivista); criação de estereótipos classistas do delinqüente e da delinqüência; Submissão às definições codificadas; desinteresse pela delinqüência das classes hegemônicas; função como suporte ideológico e prático: repressão, reintegração e ressocialização. II. Pesquisas sobre definições de delito e delinqüente, notadamente no âmbito da violência e delito de colarinho branco na América Latina; III. Pesquisas críticas sobre o controle social formal: polícia, tribunais, leis, operativos; IV. Pesquisas críticas sobre o controle social informal: imprensa, religião, família, cultura e educação; V. Pesquisas críticas sobre a delinqüência dos poderosos, assim como corrupção administrativa; VI. Pesquisas críticas sobre violência interestatal e transnacional que incide sobre a vida, a saúde, os bens das pessoas e sobre a qualidade de vida; VII. Decodificação e reinterpretação política de temas convencionais da velha Criminologia; delinqüência feminina, drogas, papel dos meios de comunicação; VIII. Propostas para um controle social alternativo; IX. Redefinição do objeto de estudo da Criminologia. 51 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Introdução à Sociologia do Direito Penal: tradução Juarez Cirino dos Santos, 3ª Ed., Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, Rio de Janeiro, 2002, p. O momento crítico atinge a maturação na Criminologia quando o enfoque macrossociológico se desloca do comportamento desviante para os mecanismos de controle social dele e para processo de criminalização. O Direito Penal não é considerado, nesta crítica, somente como sistema estático de normas, mas como sistema dinâmico de funções, distinguindo-se três mecanismos: o mecanismo da produção das normas, o mecanismo da aplicação das normas e o mecanismo da execução da pena ou da medida de segurança. Baratta mostra a negação do Direito Penal como direito igual, ou seja, do mito da ideologia da defesa social: O Direito Penal não defende todos e somente os bens essenciais. Quando pune as ofensas aos bens essenciais o faz com intensidade desigual e de modo fragmentário. A lei penal não é igual para todos, o status de criminosos é distribuído de modo desigual entre os indivíduos. O grau efetivo da tutela e a distribuição do status de criminoso é independente da danosidade social das ações e da gravidade das infrações à lei, no sentido de que estas não constituem a variável principal da reação criminalizante e da sua intensidade.52 A Criminologia Crítica voltou-se para o processo de criminalização que representa as relações sociais de desigualdade típicas da sociedade capitalista, e preocupou-se com a crítica do Direito Penal como um direito desigual. Se uma Ciência pretende ser capaz de penetrar na lógica das contradições que a realidade social apresenta, e de captar as necessidades dos indivíduos e da comunidade no seu conteúdo historicamente determinado, para orientar a ação em vista da superação destas contradições e da satisfação destas necessidades, não poderá se limitar à descrição das relações sociais de desigualdade que o sistema penal reflete. 53 A Criminologia Crítica apresenta estratégias para o desenvolvimento de uma política criminal alternativa, ou seja, das classes subalternas. Baratta distingue Política Penal e Política Criminal: Entende-se a primeira como uma resposta à questão criminal circunscrita ao âmbito do exercício da função punitiva do Estado. Entende-se a segunda como política de transformação social e institucional. Uma Política Criminal alternativa é a que escolhe decididamente esta segunda 161 52 Idem, p. 162 53 Idem, p. 199 estratégia (...). Entre todos os instrumentos de Política Criminal o Direito Penal é o mais inadequado.54 O desenvolvimento de uma Política Criminal alternativa é essencial para a construção de uma consciência alternativa no âmbito do desvio e da criminalidade. Procura-se reverter as relações de hegemonia cultural. É necessário promover uma discussão de massa no interior da sociedade da classe operária. Baratta comenta a distância entre uma sociedade capitalista e uma sociedade socialista: “A sociedade capitalista é uma sociedade baseada sobre a desigualdade e sobre a subordinação; a sociedade socialista é uma sociedade livre e igualitária”.55 Segundo Baratta, quanto mais uma sociedade é desigual, mais necessidade ela tem de um sistema de controle social do desvio repressivo. Não devemos perder de vista que uma Política Criminal alternativa e a luta ideológica e cultural que a acompanha devem desenvolver-se com vistas à transição para uma sociedade que não tenha necessidade do direito penal burguês. 56 Baratta transcreve uma passagem da Crítica do Programa de Gotha, em que Marx expressou a definitiva superação do direito desigual, em uma sociedade de iguais: “De cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades”. Esta fórmula guiou a Criminologia Crítica e o desenvolvimento de uma Política Criminal alternativa. Propõe-se a utilização de outros elementos teóricos oriundos não apenas dos estudos criminológicos, mas também, de estudos sociológicos, jurídicos, políticos, econômicos e análise histórica que irá ajudar na compreensão dos sistemas punitivos na evolução da sociedade.57 Os objetivos para a construção de uma Política Criminal Alternativa, segundo Lola Anyiar de Castro, são: A inserção dessa revista no momento em prol da descriminalização e da reforma do sistema penal e de controle; a luta que fundamentaria essas pesquisas continuaria a ser a opção ideal e política de uma ampliação da liberdade e da igualdade substancial, para indicar formas alternativas 54 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Introdução à Sociologia do Direito Penal: tradução Juarez Cirino dos Santos, 3ª Ed., Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, Rio de Janeiro, 2002, p. 201 55 Idem, p. 206 56 Idem, p. 207 57 CASTRO, Lola Aniyar de. A Evolução da Teoria Criminológica e Avaliação de seu Estado Atual. Revista de Direito Penal e Criminologia.Nº 34, Julho – Dezembro, 1982, p. 85 numa estratégia de antagonismo cultural e político entre as camadas identificáveis da sociedade atual58. Quanto à Criminologia Latino-Americana, a Criminologia da Libertação é a única – por sua metodologia especial – capaz de adequar-se de maneira original à problemática regional, produzindo conteúdos próprios, independentemente da origem geográfica dessa metodologia.59 VII. PROPOSTAS DA TEORIA CRÍTICA DO CONTROLE SOCIAL PARA A ELABORAÇÃO DE UMA POLÍTICA CRIMINAL ALTERNATIVA O Controle social: Cria o delito ao defini-lo. Cria o delinqüente ao assinalar uma pessoa em vez de outra que praticou conduta similar. Cria a delinqüência ao definir o delito e selecionar os casos. Cria a cifra negra da delinqüência, ao abandonar outros casos semelhantes. É ativado diferencialmente por razões de classe: há ilegalismos dos direitos para as classes hegemônicas e ilegalismos dos bens para as classes subalternas. A criminalização – estereótipos e estigmatização – são elementos da base ideológica do controle60. Propostas da Teoria Crítica do Controle Social na América Latina: I. Projeto de socialismo democrático: controle social na perspectiva dos direitos humanos; II. As terminologias tratamento, reeducação, reabilitação são manipuladoras. III. Toda política criminal de corte socialista precisa levar em conta a relatividade dos conceitos delito, delinqüente e delinqüência, e propor uma definição alternativa dos mesmos, em benefício das maiorias e de quem não tem poder, sem fazer concessões à tradicional função reprodutora do sistema, que caracteriza o controle social tradicional. Isso que dizer que toda política criminal deve ser permanentemente revista para ajustar-se aos fins considerados. IV. Modificação da consciência pública. V. Deve ser evitada a exaltação romântica do delinqüente convencional (De acordo com a definição de Marx, o delinqüente é o protagonista da luta isolada contra as condições do sistema). VI. Evitar a modificação de leis e instituições como forma de fugir a transformações sociais de base. VII. Nenhuma política criminal pode ser traçada à margem de, ou sem integrar-se a, uma política social mais abrangente. A prevenção do delito não pode ser objeto de uma divisão setorial da administração pública. 61 Segundo Anyiar de Castro o Direito é uma maneira de garantir interesses das classes hegemônicas. 58 LOLA, Anyiar de Castro. Criminologia da Libertação. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2005, p. 92 59 Idem, ibidem 60 Idem, p. 238 61 Idem, p. 239 O socialismo deve resgatar o direito para os fins últimos da proteção dos chamados interesses difusos (liberdade, trabalho, vida, saúde, alimentação, casa, educação, cultura, lazer, meio ambiente).62 Enquanto se produz transformação social para igualar a distribuição de oportunidades para todos, as estruturas jurídicas e a atividade judicial devem reconhecer a base material das relações humanas e sociais, adequando-se a elas para obter, a partir de uma combinação produtiva entre igualdade e liberdade, o direito fundamental, da Justiça. Isto é, uma redefinição dos direitos humanos, entendendo esses direitos como um sistema e, portanto, que os direitos individuais não podem ser garantidos se não se desfruta plenamente dos direitos sociais.63 Há três alternativas ao sistema tradicional de administração da Justiça estudadas no contexto venezuelano: 1. Justiça Participativa; 2. Abolição do Sistema Penal; 3. Uso alternativo do Direito64. Em relação à Justiça Participativa: o papel que a ideologia desempenha nos membros da comunidade que integrariam a administração da justiça tende a uniformizar as consciências, as atitudes e os valores. A presença da coletividade no controle social formal proporciona resultados mais repressivos.65 Em relação à Privatização do conflito, ou abolição do sistema penal: haverá problema em acordos entre vítima e agressor pertencentes a classes sociais distintas, e com interesses opostos, atitudes e valores diferentes diante da defesa de direitos. A abolição do sistema penal requer um elevado grau de amadurecimento social e cultural, que deveria ser similar para ambas as partes, o que não parede estar no horizonte de uma sociedade como a nossa, tão estratificada e diferenciada nas possibilidades desse desenvolvimento.66 Em relação ao uso alternativo do direito, poderia ser uma medida transitória, útil para atenuar o peso de uma legislação preexistente de caráter classista. Todavia, para isso seria necessário contar com a colaboração consciente de magistrados com atitude social positiva67. 62 LOLA, Anyiar de Castro. Criminologia da Libertação. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2005, p. 240 63 Idem, p. 240 64 Propostas da Teoria Crítica do Controle Social: I. Projeto político transformador deve rejeitar as tradições e os procedimentos jurídicos recuperáveis para uma sociedade alternativa; II. Reforma do direito por meio das técnicas de descriminalização; III. Não se deve criminalizar condutas que são específicas de grupos sociais mais fracos ou que são discriminados; IV. Não se deve criminalizar condutas que apenas a polícia pode conhecer quando investiga por sua própria conta e não motivada por alguma denúncia; IV. Não se deve criminalizar condutas corriqueiras que o direito não tenha o poder de controlá-las; VI. Não se deve criminalizar os comportamentos resultantes de desajuste social ou psíquico. Nem os que pertençam à esfera privada, nem os que possam ter solução por meio de vias distintas da jurídico-penal. O direito deve ser a ultima ratio da intervenção na vida social e privada; VII. Deve-se procurar substituir a polícia penal por uma polícia social; VIII. Deve ser estabelecido um sistema especial para a problemática juvenil: os limites de imputabilidade penal não devem ser marcados por uma idade convencionalmente estabelecida, mas por critérios de amadurecimento individual; IX. As penas privativas de liberdade deverão ser substituídas por outras de conteúdo social que impliquem uma tomada de consciência da função que cada um desempenha no interior do grupo; X. Preservar as garantias processuais e a execução da pena, preservando a dignidade, identidade, saúde de que está submetido a julgamento; XI. Rever os princípios constitucionais – Direitos Socialistas Do Homem. 65 LOLA, Anyiar de Castro. Criminologia da Libertação. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2005, p. 241 66 Idem, p. 241 67 Idem, ibidem No que tange ao uso alternativo do Direito, Zaffaroni aponta suas críticas diante do plano prático, teórico e político, concluindo que: O uso alternativo do direito, em nossa região marginal, além de pouco viável, teria o inconveniente das críticas ao direito que foram desenvolvidas a partir de uma proposta puramente política, uma vez que a falta de uma teoria jurídica não lhe permitiria penetrar no saber jurídico que, até aqui reafirmado, permaneceria tão intacto, quanto sempre esteve frente às críticas dirigidas ao nível exclusivamente político68. No âmbito do Controle social formal, Qualquer reforma deve ser integral e coerente com o contexto em que é aplicada. Criação da figura do juiz de execução penal, encarregado de vigiar as condições em que se cumpre a condenação nas prisões e em outras instituições de tratamento. Capacitação da atividade judicial: rapidez, segurança, probidade. Revisão da prática do sistema penal: garantias constitucionais. 69 As propostas da Teoria Crítica do Controle Social são: 1. A função policial obedece normalmente aos critérios da Lei eOrdem. A não adesão a esses critérios por parte de um projeto social alternativo deve ser um primeiro ponto de referência. 2. Redefinir o papel policial em um sentido não autoritário. 3. Reformular o papel policial orientando- o no sentido da prevenção, reforço da solidariedade nas comunidades marginais e construção de sua consciência de classe. 4. Reconstruir a imagem pública da polícia. 5. Autorizar a formação de sindicatos policiais livres, preservados de manipulação política. 6. Organizar a coletividade em grupos reduzidos. 7. Promover metas alternativas à do lucro pessoal favorecendo sempre a preservação dos interesses coletivos. 8. Incentivar a solução de conflitos interpessoais dentro de um quadro de comunicação e não de violência. 70 A violência e a agressão As propostas da Teoria Crítica do Controle Social são: I. Superação das necessidades; incentivo da consciência dos homens quanto ao seu pertencimento a um coletivo e às suas responsabilidades em relação a ele, como valor prioritário à apropriação. É uma proposta idealista e descolada da realidade de um sistema do qual o lucro é o motor, e de um projeto político que não propõe, de saída, fazer tabula rasa do que existe. Porém a ação combinada entre satisfação de necessidades e a consciência solidária é a única proposta geral possível. II. As marginalidades social e econômica foram consideradas e tratadas pelas instituições como um problema de ordem pública, mais do 68 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. Ed. 5º, Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 114 69 LOLA, Anyiar de Castro. Criminologia da Libertação. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2005, p. 245 70 Idem, p. 246 que expressão de debilidade do sistema socioeconômico. Reduzir o tamanho das cidades. III. Estimular a criação artística coletiva, música nas ruas, retorno aos jograis que transmitiam de forma mais direta e personalizada as notícias, recreação dirigida, diminuição dos ruídos, estímulo de esportes, férias coletivas de curta duração. IV. Incidência nos textos escolares e na literatura para os menores, assim como sobre o controle dos meios audiovisuais de massa, para que obedeça, a padrões de consciência solidária. Reorientar o papel do professor na formação de comportamentos e estereótipos. V. Eliminar a proibição das drogas suaves e controlar por meios publicitários e educativos o consumo das mesmas, do álcool e dos tranqüilizantes, atacando a droga em sua natureza de mercadoria e não como algo vinculado a desajustes individuais.71 A Delinquencia dos Poderosos As propostas da Teoria Crítica do Controle Social são: I. Necessidade de tornar efetivos os controles para as classes hegemônicas, o que só se pode com um poder político independente das pressões dos grupos econômicos e do capital transnacional. II. Reestruturar o processo institucional. III. Re-criação dos estereótipos do delinqüente em nível popular. IV. Mobilização da comunidade para que se defenda também diretamente dos delitos dos poderosos.72 Sentimento de insegurança cidadã A finalidade deste sentimento é legitimar a função repressiva e aumentar os recursos outorgados à polícia. Percebe-se, em nossa sociedade, que a violência para alcançar os fins do controle social formal e informal é aceita pela coletividade. A manipulação do sentimento de insegurança foi característica dos partidos tradicionais com fins eleitorais, dessa forma um projeto humanista deverá discutir: 1. Orientação e o controle da informação sobre o problema delitivo. 2. Preparação das massas para perceber criticamente o problema da violência real. 3. Planejamento urbanístico voltado para proporcionar um habitat adequado às necessidades humanas, que favoreça o contato entre os membros da comunidade, que estimule as atividades autoprotetoras e uma atenção permanente não só sobre os próprios pertences como sobre a vizinhança em geral, deve ser prioritário. 4. Redução do tamanho das 71 LOLA, Anyiar de Castro. Criminologia da Libertação. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2005, p. 249 72 Idem, p. 250 comunidades, geração de atividades comuns que facilitem o conhecimento e o interesse recíproco. O excesso de racionalidade no planejamento das cidades pode conduzir a um tipo de relação interpessoal forçado, que seria alienante. Parece que muitos bairros marginais, que nasceram e cresceram pela autoconstrução comunitária, têm mais elementos de autenticidade, de humanidade e de intercomunicação preventiva do que as cidades, casas e bairros planejados de fora.73 VIII. CONCLUSÕES ACERCA DA TEORIA CRÍTICA DO CONTROLE SOCIAL E DO DESENVOLVIMENTO DE UMA POLÍTICA CRIMINAL ALTERNATIVA PARA A AMÉRICA LATINA A Criminologia da Libertação é a Criminologia ideal para a América Latina, principalmente por seu método dialético o qual parte da idéia de que os fatos sociais não estão isolados, nem podem ser compreendidos fora de seu contexto histórico. Os fatos sociais estão articulados à totalidade do sistema de produção e obedece à sua racionalidade. Percebe-se que o Direito Penal segue as exigências do sistema de produção capitalista e não pode ser estudado de forma separada do sistema político do país. Apesar das grandes diferenças culturais, políticas, sociais e econômicas entre os países da América Latina, o fato de todos serem países periféricos dominados pelo capitalismo dos países centrais, colaborou com o desenvolvimento do Grupo Latino- Americano de Criminologia Comparada e o posterior Manifesto de Criminólogos Críticos (México, 1981), cujo objetivo era a construção de uma Teoria Crítica do Controle Social na América Latina. São os países concebidos como periféricos unidos em busca da libertação. As propostas construídas por esta Teoria são ideais para a construção de uma Ciência Penal Alternativa. É necessário defendermos uma luta radical por uma transformação profunda e democrática dos atuais mecanismos do controle social do delito. Defender uma estrutura alternativa do controle social voltada aos direitos coletivos, e não aos interesses exclusivos da classe dominante. No que tange à deslegitimação do sistema penal e as propostas político-criminais pelo abolicionismo, notadamente pela corrente de Mathiesen, percebe-se que o sistema penal é dependente do sistema político. Todavia, uma sociedade sem sistema penal deve 73 LOLA, Anyiar de Castro. Criminologia da Libertação. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2005, p. 254 ter condições de democracia profunda, isto é, não só na formulação das instituições, mas em sua estrutura social, econômica e cultural. Assim sendo, o primeiro passo seria assumir o caráter violento e deslegitimado do atual sistema penal, em vez de desenvolver teorias que procuram legitimar e justificar cada vez mais a desigualdade e a injustiça social que são criadas pelo sistema penal. A Criminologia da Libertação e as propostas da Teoria Crítica do Controle Social são ideais para a nossa realidade, pois estão em transformação de acordo com a dinâmica da sociedade, sempre em busca da emancipação. A Criminologia da Libertação procura quebrar a ordem ideológica, a falsa consciência do crime e do criminoso e combater as formas ocultas da dominação. A legitimação do sistema socialista apresenta uma explícita proteção dos direitos sociais e a ampla conscientização das massassobre os textos normativos, assim como uma verdadeira Democracia das massas populares e não (como está inserida em nosso país atualmente), uma Democracia Burguesa restrita à classe dominante em que reina a repressão e exclusão das massas populares. Nossa Constituição Federal estabelece nosso Estado como um Estado Democrático de Direito, entretanto quando verificamos a realidade social na qual estamos inseridos percebemos uma nítida Democracia para minorias em que os Direitos Sociais não são efetivados e que nem há mecanismos para a efetivação. Verificamos uma nítida proteção à propriedade privada, aos interesses e valores burgueses em contrapartida a uma prática penal punitiva em relação aos movimentos sociais e as massas populares. De acordo com Pasukanis o direito é produto exclusivo da sociedade capitalista, criado para proteger os valores fundamentais deste sistema. O Direito protege as relações de desigualdade, o preconceito, a discriminação, os estereótipos das classes subalternas. Tudo para manter a classe dominante no poder, valorizar o consumo, a propriedade, sempre em luta pela acumulação de riquezas, pelo lucro e pelo status. Apesar de defender a abolição dos códigos penais, acredito que isto se dará apenas com a radical eliminação de todos os resquícios da sociedade capitalista. Acredito que as propostas político-criminais, como o Abolicionismo e o Direito Penal Mínimo, são associadas aos modelos de sociedade e a realização de políticas criminais dependerá de mudanças estruturais na sociedade. Pensamento este questionado por Zaffaroni. Em relação ao Brasil, se defendermos a Criminologia Crítica e seus estudos sobre o sistema penal é possível construir um novo discurso jurídico-penal que assuma sua deslegitimação no exercício do poder. Os estudos criminológicos críticos poderão ajudar a limitar o poder do sistema penal e também limitar a arbitrariedade das agências não judiciais. Todavia, para haver uma transformação em relação à violência do sistema penal, acredito não podemos esquecer-nos do poder exercido pelo controle social informal. Precisamos quebrar com os estereótipos colocados sobre as classes subalternas, precisamos reduzir as desigualdades sociais, acabar com os preconceitos, com a discriminação, com a indiferença. Precisamos elevar a solidariedade como maior valor dentro de uma sociedade, em detrimento do individualismo, precisamos da conscientização das massas, da não criminalização de movimentos sociais (como o Movimento Estudantil, movimento feminista, MST, Movimento Sindical, entre outros), precisamos do fortalecimento do movimento operário para lutar pela efetivação dos Direitos Sociais. Para todas estas realizações não há outra forma a não ser uma radical transformação na estrutura social de nosso país. Não há como construir um sistema penal que não seja desigual sendo que a estrutura capitalista é marcada pela desigualdade, pela subordinação e pela dominação. A construção de uma sociedade livre e igualitária é possível apenas rompendo com os valores capitalistas. Enquanto isso não ocorre, os estudos criminológicos podem ajudar a controlar o sistema penal. O Realismo Marginal, proposto por Zaffaroni, é um meio pelo qual podemos extrair regras para diminuir a violência diante de nosso contexto social latino-americano. O processo de democratização tende a oferecer a consciência social às agências judiciais e assim favorecer uma aceleração da contradição do sistema penal rumo à redução da violência. Não podemos permitir que o Direito Penal seja um meio de dominação e opressão. Para isso, é essencial o trabalho em conjunto de criminólogos críticos e penalistas em nosso país. As estratégias para a evolução de uma Política Criminal alternativa, relatadas por Baratta, são essenciais para a construção de uma consciência alternativa em relação ao desvio e à criminalidade. É necessário promover uma discussão de massa no interior da sociedade da classe operária. O movimento operário deve ser organizado para construir uma nova imagem da realidade, rompendo com os estereótipos burgueses do criminoso. O movimento operário deve definir e especificar a orientação de sua própria política criminal. As propostas político-criminais da Teoria Crítica do Controle social, expostas neste capítulo, são ideais para a construção de um controle social alternativo para a América Latina, livre da dominação e sempre em busca da libertação. XI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DA PESQUISA ALVAREZ, Marcos César. A criminologia no Brasil ou Como tratar desigualmente os desiguais. Revista de ciências sociais Separata F103. p. 677-704. CASTRO, Lola Aniyar de. Criminologia da reação social. Tradução e acréscimos de Ester Kosovski. Rio de Janeiro: Forense, 1983. ______. O triunfo de Lewis Carroll: a nova criminologia latino-americana. Discursos Sediciosos: crime, direito e sociedade. 9/10, v. 5, 2000. P. 129-148. ______. A participação do cidadão na prevenção do delito. 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