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12 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento A aplicação da biotecnologia à produção de compostos naturais biologicamente ativos Marcia Pletschi Universidade Federal de Alagoas CCEN - Departamento de Química Laboratório de Biotecnologia de Produtos Naturais Compostos naturais biologicamente ativos m composto é biologica- mente ativo quando exerce uma ação específica sobre um determinado ser vivo, seja ele animal, vegetal ou microrganismo. Uma vasta gama de compostos orgânicos naturais de origem vegetal, produtos do metabolismo primário e secundário, é biologicamente ativa, isto é, tem ação tranqüilizante, anal- gésica, antiinflamatória, citotóxica, anti- concepcional, antimicrobiana, antiviral, fungicida, inseticida etc. Estes compostos são usados para as mais diversas finalida- des, tanto na terapêutica médica, para prevenir ou curar doenças, como na in- dústria de cosméticos e de alimentos, servindo como aromatizantes, flavorizantes ou antioxidantes. Os produtos naturais vegetais perten- cem a cinco grandes classes químicas: os carboidratos, os lipídios, os compostos nitrogenados (aminoácidos, peptídios, pro- teínas e glicosidios cianogênicos e alcalóides), os terpenóides e os fenilpropanóides. Entre estes incontáveis produtos, destacam-se centenas de princí- pios ativos: segundo o Phytochemical Dictionary (Harborne & Baxter, 1993), o número de compostos com atividade bio- lógica bem caracterizada totaliza 2.793. Este artigo tem por objetivo mostrar como a biotecnologia pode contribuir para a produção de compostos vegetais úteis, com ênfase especial naqueles que apresentam propriedades medicinais. A importância das plantas na medicina naturalista e moderna A maioria das pessoas definiria plan- ta medicinal como sendo aquela erva colhida no fundo do quintal ou no campo, com a qual pode-se fazer um chá, uma tintura ou uma pomada. A utilização de plantas no tratamento das doenças é con- siderada "natural" e faz parte da prática da medicina herborística, com origem nas tradições milenares da China e Índia. Esta forma de tratamento é usada no mundo inteiro, principalmente pela população ru- ral e mais carente. Paralelamente, existe a medicina mo- derna surgida nos laboratórios das compa- nhias farmacêuticas, a qual, ao contrário do que muitos pensam, não é totalmente sintética. Atualmente, metade dos 25 medi- camentos mais vendidos no mundo tem sua origem em produtos naturais de plantas (incluindo os fungos). Assim, as compa- nhias farmacêuticas, da mesma maneira que os herboristas, dependem parcialmen- te da natureza para produzir as drogas que são vendidas nas farmácias. Um exemplo que ilustra bem esta dependência é o taxol, um complexo diterpeno isolado original- mente da casca da árvore Taxus brevifolia, o qual apresenta potentes propriedades anticancerígenas. Esta substância está pre- sente na árvore em diminutas quantidades (cerca de 100mg/kg de casca seca), de modo que para a produção de um grama de taxol são necessárias três árvores. O crescimento vagoroso, a baixa estatura, a casca fina e a escassa distribuição das árvores são outros fatores que limitam a disponibilidade de taxol, além do que a remoção da casca resulta na morte da planta. Para contornar todos estes proble- mas, fontes alternativas de taxol e métodos para sua síntese total vêm sendo investiga- dos intensivamente. A síntese total do taxol representou um verdadeiro desafio para os químicos nos últimos anos, devido à com- plexidade da molécula, sendo que recente- mente foram publicados dois métodos di- ferentes, cuja aplicação industrial está lon- ge de ser viável por causa das inúmeras etapas de reação e do alto custo de produ- ção. O taxol também pode ser sintetizado a partir de substâncias análogas extraídas de outras espécies de Taxus mais abundantes (síntese parcial) e, possivelmente, no futu- ro, esta metodologia substituirá o processo extrativo da casca da T. brevifolia, usado no momento pela indústria (Theodoridis & Verpoorte, 1996). Muitas pessoas acreditam que as dro- gas sintéticas, devido ao fato de não serem retiradas da natureza, podem provocar no organismo reações adversas. Convém lem- brar, entretanto, que muitas drogas não são produtos da invenção dos químicos, mas imitações da estrutura ou do modo de ação de um composto encontrado numa planta. A lista de substâncias sintéticas baseadas em substâncias naturais é longa, mas o exemplo mais familiar é o caso da aspirina (analgésico e antitérmico), cujo princípio ativo, o ácido acetilsalicílico, era original- mente obtido da Filipendula ulmaria (anti- gamente conhecida como Spiraea filipendula, daí o nome aspirina). Resumindo, a medicina herborística emprega a planta inteira, partes da planta, ou uma mistura de extratos vegetais oriun- dos de diferentes plantas, enquanto que a medicina moderna emprega um composto puro, com propriedades químicas e bioló- gicas bem definidas. Os processos de produção das drogas modernas A tecnologia apropriada para a obten- ção de drogas depende do tipo de substân- cia química desejada. Generalizando, nós podemos dizer que existem quatro proces- sos de produção de compostos naturais de plantas: a síntese química total, a extração e purificação de plantas silvestres ou culti- vadas, os processos biotecnológicos e os processos combinados de técnicas. Por- tanto, a biotecnologia representa uma alter- nativa de produção e, por isso, deve ser entendida dentro de um contexto global, no qual ela tem um papel de destaque devido à sofisticação das técnicas utiliza- das. A síntese química total só é viável economicamente quando o composto de interesse possui uma estrutura simples, com nenhum ou poucos centros quirais, o que não é o caso de muitos produtos naturais. As reservas vegetais nativas, ape- sar de serem a única opção para certas drogas como o taxol, não são inesgotáveis Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 13 e o extrativismo puro e simples tem conse- qüências nefastas no que diz respeito à conservação das espécies de interesse. Muitos princípios ativos valiosos são obti- dos de plantas cultivadas, como por exem- plo a morfina (analgésico, narcótico e sedativo potente) e a codeína (usado con- tra a tosse), que provêm das plantações de Papaver somniferum (Papaveraceae) da Austrália; a digoxina (usada no tratamento de doenças cardíacas), que provém da Digitalis lanata (Scrophulariaceae), cultiva- da principalmente na Holanda; a pilocarpina (usada no tratamento do glaucoma) que se origina das plantações de Pilocarpus microphyllus (Rutaceae) no Brasil; e a vincristina e vinblastina (usada no trata- mento da leucemia) são extraídas da planta ornamental Catharanthus roseus (Apocynaceae), cultivada na Tanzânia e Estados Unidos. Os processos biotecnológicos utilizam técnicas in vitro, rigorosamente controladas, para a cultura de células, tecidos e órgãos vegetais ou de plantas íntegras, técnicas estas que são usadas durante todo o processo de produ- ção ou durante certos estágios de produ- ção. Finalmente, as mais variadas combina- ções dos processos descritos podem ser usadas para a obtenção de drogas mais elaboradas. Por exemplo, os esteróides antiinflamatórios e anticoncepcionais são derivados semi-sintéticos de precursores (alcalóides esteroidais) extraídos de espéci- es de Dioscorea; o etoposídeo (usado no tratamento do câncer de pulmão e da leucemia mielocítica) é derivado da podofilotoxina, obtida do Podophyllum peltatum, uma espécie ameaçada de extinção nos Estados Unidos e Himalaia. A contribuição da biotecnologia à produção de metabólitos secundários bioativos A biotecnologia oferece três estratégi- as para a produção de compostos bioativos: os processos fermentativos, no qual o crescimento da biomassa e a biossíntese do produto ocorrem em biorreatores; a micropropagação,através da qual clones selecionados pelas suas características fenotípicas e livres de patógenos são pro- pagados em condições assépticas e rigoro- samente controladas; e a engenharia gené- tica, que objetiva a alteração do genoma das células através da introdução de novos genes e a conseqüente obtenção de célu- las, órgãos e plantas transgênicas com características bioquímicas alteradas. Processos fermentativos Há duas décadas, aproximadamente, supunha-se que as células derivadas de uma determinada espécie vegetal e mantidas no estado não-organizado (cultura in vitro de células) poderiam produzir os mesmos compostos que a planta-mãe, e que esta forma de cultivo poderia substituir as fon- tes tradicionais. Acreditava-se que este tipo de tecnologia asseguraria aos países ricos o suprimento constante de certos produtos naturais de alto valor comercial, cuja dispo- nibilidade é limitada pelas dificuldades políticas ou geográficas dos países forne- cedores. No entanto, verificou-se que as culturas de células não produzem muitos dos compostos de interesse, ou, se produ- zem, normalmente as quantidades são in- feriores àquelas encontradas na planta ín- tegra. Isso acontece porque a produção de metabólitos secundários é conseqüência de processos bioquímicos altamente regu- lados e inter-relacionados, ou seja, é resul- tado da integração dos processos de biossíntese, degradação, transporte e acu- mulação do produto. Para que um determi- nado composto seja acumulado é preciso que os tecidos que o produzem conte- nham os precursores metabólicos deste composto, as enzimas adequadas para convertê-los no produto e as estruturas onde o mesmo ficará armazenado e, quan- do este último requisito não for atendido, o composto em questão deve ser transporta- do a órgãos específicos. Certos monoterpenóides importantes comercialmente, como por exemplo 1,8- cineol e mentona, são sintetizados a partir do mevalonato e acumulados nos pêlos glandulares que existem na superfície das folhas de várias espécies de Pelargonium (Geraniaceae), mas não são detectados em culturas de células não-organizadas (calos e suspensões celulares). Embora o genoma destas células seja o mesmo das células dos tecidos da planta que os originaram, os genes que codificam a síntese das enzimas da rota terpenóide encontram-se inativos, isto é, não são expressos. A ausência de estruturas de acumulação nos calos, ou seja, os pêlos glandulares, é outra razão para a não-acumulação destes monoterpenóides. Ao contrário, quando as células são regeneradas em brotos folhares, estes acumulam 1,8-cineol e mentona em quantidades semelhantes às folhas da planta normal, porque nos mesmos ocorre a ex- pressão dos genes envolvidos na biossíntese dos referidos compostos e as estruturas de acumulação estão presentes (Charlwood and Moustou, 1988). Existem inúmeros exemplos de com- postos produzidos por culturas de células, como mostra a tabela 1, porém a aplicação desta tecnologia em escala comercial não é viável na maioria dos casos. Os dois únicos exemplos de compostos produzidos co- mercialmente através de fermentação são o alcalóide isoquinolínico berberina (pigmen- to vermelho com propriedades bactericidas usado principalmente nos cremes dentais) e a naftoquinona shikonina (pigmento ver- melho usado em cosméticos). Ambos são produzidos industrialmente no Japão por culturas de células selecionadas de Coptis japonica e Lithospermum erythrorhizon, respectivamente. As culturas de brotos folhares e raízes possibilitam a produção de substâncias que são sintetizadas e acumuladas nestes órgãos, sendo que dentro da segunda categoria destaca-se a cultura de raízes transformadas pela Agrobacterium rhizogenes (as tabelas 2 e 3 mostram exem- plos de compostos acumulados em tais culturas). Esta bactéria é um organismo patogênico que provoca a formação de tumores (raízes) nos sítios de infecção. Os mecanismos responsáveis pela formação destas raízes não serão discutidos em deta- lhes neste artigo, mas podemos dizer, resu- midamente, que os mesmos ocorrem devi- do à transferência de um segmento de DNA, da bactéria para a planta. Este seg- mento de DNA contém vários genes, entre os quais aqueles responsáveis pela síntese de aminoácidos essenciais para a bactéria (opinas) e outros responsáveis pela síntese de enzimas envolvidas na formação de auxinas ativas (indevidamente denomina- das fito-hormônios), as quais atuam no processo de rizogênese. As culturas de raízes transformadas pela A. rhizogenes apresentam muitas vantagens sobre as cul- turas de células e de raízes normais não- transformadas, como maior estabilidade genética, crescimento mais rápido e, em muitos casos, produtividade aumentada de metabólitos secundários. Uma revisão com- pleta sobre o potencial biotecnológico das raízes transformadas será publicado breve- mente por integrantes da nossa equipe (Argôlo et al., 1997). A tecnologia de fermentação para os tipos de culturas mencionados acima evo- luiu a partir dos reatores para microrganis- mos, e biorreatores mais apropriados para células e órgãos vegetais foram desenvolvi- dos (para maiores informações sugerimos consultar Scragg, 1993-Plant Cell Bioreactors, em Plant Cell and Tissue Culture). As prin- cipais desvantagens deste processo são o alto custo de investimento necessário para a instalação dos equipamentos industriais, a manutenção da mão-de-obra especi- alizada e a manutenção das condições de produção que exigem controle rígido de temperatura e luminosidade, bem como meios de cultura balanceados em termos de sais minerais, vitaminas e reguladores de crescimento. No caso das raízes transfor- madas, os biorreatores são mais simples e as condições de cultura menos exigentes, o que amplia as possibilidades de explora- ção industrial deste tipo de cultura. Micropropagação Outra estratégia para a produção de compostos biologicamente ativos é a sele- ção de clones altamente produtores e sua propagação in vitro. A micropropagação 14 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento oferece muitas vantagens para a prática agrícola, como a maior rapidez na obten- ção de um grande número de mudas e a erradicação das pragas e doenças da cultu- ra, principais responsáveis pela baixa pro- dutividade da planta. A clonagem in vitro é particularmente útil para a conservação de espécies ameaçadas e a propagação de espécies recalcitrantes ou de ciclo de vida longo. Um exemplo de planta medicinal cuja micropropagação em escala comercial re- sultaria em enorme benefício social é Artemisia annua, uma planta de origem chinesa, que produz o sesquiterpenóide artemisinina. Esta é uma das mais potentes drogas antimalariais conhecidas e reco- mendada pela Organização Mundial da Saúde para o tratamento dos casos de malária cerebral, cujo agente, o Plasmodium falciparum, se tornou resistente às drogas derivadas da quinina. A artemisinina é normalmente encontrada nas folhas e inflorescências da planta em quantidades muito baixas (aproximadamente 0,5% do peso seco), mas que podem ser aumenta- das quando plantas selecionadas dentro de uma população são microclonadas in vitro. (Jain et al., 1996; Gupta et al., 1996). A necessidade de artemisinina é muito gran- de devido à vasta distribuição geográfica da malária e à gravidade dos casos, os quais aumentaram assustadoramente nos últimos anos. Porém, como a fonte princi- pal desta droga ainda é a planta íntegra, a mesma não se encontra facilmente dispo- nível no mercado, além de ser bastante cara. Entre outros exemplos de plantas me- dicinais que podem ser facilmente micropropagadas e posteriormente aclimatizadas, podemos citar: Coleus forskohlii (Sharma et al., 1991), fonte de forskolina (atividade cardiovascular); Aloe vera (Roy e Sarkar, 1991), fonte de um gel muito rico em água, polissacarídeos e antraquinonas com propriedadeslaxativas e cicatrizantes (muito usado como hidratante em produtos cosméticos); Camptotheca acuminata (Jain e Nessler, 1996), fonte de camptotecina (atividade anticâncer e anti- retroviral); e Valeriana edulis ssp. procera (Enciso-Rodrigues, 1997), fonte de valepotriatos (propriedades sedativa, tran- qüilizante e antidepressiva). Como se pode ver, a micropropagação também pode ser aplicada às espécies vegetais produtoras de princípios ativos úteis e ser explorada economicamente, da mesma forma que a micropropagação de espécies leguminosas, frutíferas, florestais e ornamentais. Engenharia Genética A mais interessante e promissora área da biotecnologia vegetal, na qual existe muito interesse atualmente, é o melhora- mento genético através da transferência de genes e a conseqüente obtenção de plantas transgênicas com características fenotípicas, fisiológicas ou bioquímicas alteradas, mais vantajosas sob o ponto de vista socioeconômico. As técnicas usadas pela engenharia genética foram abordadas anteriormente nesta revista (Gander e Marcellino, 1997) e, por esta razão, concentraremos nossa aten- ção apenas na sua aplicação. Através desta tecnologia é possível: a) aumentar a atividade de uma enzima reguladora numa rota biossintética já exis- tente na planta e, desta forma, regular positivamente a produção de um determi- nado composto (sobreexpressão de genes constitutivos); b) introduzir uma nova rota biossintética na planta (expressão de genes não-existentes normalmente); c) suprimir parcialmente ou completa- mente a produção de compostos indesejados, através da inibição da(s) enzima(s) catalisadora(s) de uma determi- nada porção de uma rota (supressão da transcrição do gene ou antisense RNA). A inserção de genes que codificam enzimas reguladoras de rotas metabólicas (no sentido normal de transcrição ou no sentido inverso) nos permite estimular ou bloquear o fluxo de carbono (precursores) ao longo das intrincadas ramificações do metabolismo. Um dos exemplos mais ilustrativos de engenharia metabólica foi a transferência, para protoplastos de tabaco (Nicotiana tabacum), de uma seqüência de DNA ob- tida do amendoim (Arachis hypogaea) que codifica uma das enzimas (estilbeno sintase) responsável pela formação da fitoalexina resveratrol (composto envolvido no meca- nismo de defesa da planta contra o ataque de fungos). As plantas transgênicas de tabaco regeneradas dos protoplastos pas- saram a produzir resveratrol, a partir de dois substratos muitos comuns (p-coumaril Coenzima A e malonato), toda vez que eram atacadas pelo fungo Botrytis cinerea. Este trabalho, realizado por Hain e colabo- radores (1990), provou ser possível armar uma determinada planta com mecanismos químicos naturais de defesa, através da introdução de uma rota metabólica até então inexistente nesta planta. Outro exem- plo foi a introdução na Atropa belladonna de cópias extras da seqüência de DNA que codifica a enzima hiosciamina-6-b- hidroxilase, obtida de Hyoscyamus niger (Yun et al., 1992). Esta manipulação resul- tou em plantas que convertem praticamen- te toda hiosciamina (um alcalóide com atividade anticolinérgica, mas que provoca efeitos colaterais indesejáveis) em escopolamina, a qual é mais potente do que a hiosciamina, porém bem mais tolerá- vel. O aumento da produção de Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 15 escopolamina nas plantas transgênicas de A. belladonna foi aproximadamente 24 vezes maior que nas plantas não- transgênicas. Finalizando, nós gostaríamos de mencionar o trabalho que nossa equipe vem desenvolvendo com a A. annua, o qual objetiva melhorar a produção de artemisinina na planta. Recentemente, ob- teve-se calos transgênicos de A. annua capazes de produzir este sesquiterpenóide numa quantidade cinco vezes maior que as células das culturas de calos originais, através da inserção de cópias extras do gene para a 3-metil-glutaril Coenzima A redutase (HMGR), uma das enzimas regu- ladoras da rota terpenóide (Vergawe et al., 1997). Atualmente, estamos trabalhando no sentido de obtermos plantas de A. annua transgênicas para HMGR, capazes de pro- duzir artemisinina em quantidades superi- ores àquelas normalmente encontradas. Os casos descritos acima mostram como as rotas biossintéticas podem ser reguladas através da manipulação das suas enzimas, com implicações positivas para a produção de determinados compostos me- dicinalmente valiosos. Atualmente, conse- gue-se manipular apenas parte das rotas metabólicas, através da inserção de um ou dois genes ao mesmo tempo, mas prova- velmente num futuro próximo seremos capazes de modificá-las completamente. Conclusão e perspectivas futuras Acima foram discutidos o estado de arte na produção biotecnológica de produ- tos naturais e a viabilidade da aplicação deste processo em escala comercial. Após esta breve análise, resta-nos perguntar quais são as perspectivas futuras para esta tecnologia e qual é a estratégia política e econômica mais adequada para o Brasil com relação a esta questão. A resposta para a primeira pergunta é que a produção industrial de compostos secundários é pre- sentemente uma área de intensa atividade e continuará assim nos próximos anos, devido à crescente demanda por novos produtos naturais. A engenharia genética abriu novos caminhos para a obtenção de variedades diferentes de plantas com ca- racterísticas bioquímicas superiores àque- las das variedades existentes, e esta tecnologia é igualmente aplicável à mani- pulação de plantas que acumulam metabólitos secundários. Quanto à segun- da questão, esta deve ser examinada com base nos recursos florestais e agrícolas do nosso país. Estima-se que das 500 mil espécies de plantas existentes no planeta, 16% encontram-se na Região Amazônica brasileira, menos de 10% foram estudadas quimicamente e apenas um pequeno nú- mero teve suas propriedades biológicas caracterizadas. Isto significa que uma gran- de quantidade de compostos bioativos ainda não foi descoberta e, possivelmente, nunca será, porque este magnífico recurso está se esgotando rapidamente por conta da abertura de novas áreas agrícolas. A agricultura brasileira sempre teve por obje- tivo a obtenção de produtos primários, principalmente cereais, mas como demons- trado pelos exemplos acima, existem gran- des possibilidades para uma agricultura alternativa baseada na produção de com- postos naturais de alto valor no mercado internacional. O Brasil, naturalmente, tem a dupla vantagem de contar com uma flora exuberante e uma extensa superfície fértil e arável. Cabe às autoridades brasileiras atuar mais efetivamente nesta área, promovendo e incentivando a produção e comercialização de compostos secundári- os valiosos. Com o advento das modernas técnicas da biotecnologia, abriu-se uma janela de oportunidade para o Brasil obter a liderança no mercado de produtos natu- rais. Qualquer que seja a política do gover- no com relação à pesquisa em biotecnologia, esta deve levar em consideração a necessi- dade de se melhorar os conhecimentos sobre os valiosos princípios ativos escondi- dos na flora brasileira e também a necessi- dade de se preservar aquelas espécies que, aparentemente, não têm valor no momen- to, mas que podem muito bem ter valor no futuro.